sexta-feira, novembro 30, 2007

EUA: suicídio inspira lei

NY Times

Christopher Maag

Megan Meier morreu acreditando que, em algum lugar do mundo, existia um menino chamado Josh Evans que a odiava. Evans tinha 16 anos, uma cobra de estimação, e ela o considerava como o namorado mais bonito que já teve.

Josh contatou Megan por meio de sua página no site de redes sociais MySpace, segundo Tina Meier, a mãe da menina. Eles flertaram durante semanas, mas apenas online - Josh disse que sua família não tinha telefone. Em 15 de outubro de 2006, o rapaz subitamente se tornou malvado. Começou a insultar Megan; mais tarde, os dois passaram uma hora trocando xingamentos.
No dia seguinte, em sua mensagem final, diz Ron Meier, o pai de Megan, Josh escreveu que "o mundo seria melhor se você não existisse".
Soluçando, Megan correu para o closet de seu quarto. Foi lá que a mãe a encontrou. Ela havia se suicidado, usando um cinto para se enforcar. Megan tinha 13 anos.
Seis semanas depois da morte de Megan, os pais dela descobriram que Josh Evans jamais havia existido. Tratava-se de um personagem criado para a Internet por Lori Drew, 47, que vive a quatro casas de distância da família, a cerca de 55 quilômetros a noroeste do Missouri.
O fato de um adulto ter pregado uma peça tão cruel contra uma menina de 13 anos atraiu telefonemas, mensagens de e-mail e posts indignados em blogs de todo o mundo. Muita gente expressou ira porque as autoridades do condado de St. Charles decidiram não apresentar uma acusação criminal contra Drew.
Um porta-voz do departamento de polícia do condado, tenente Craig McGuire, afirmou que aquilo que Drew fez "pode ter sido rude, e pode ter sido imaturo. Mas não foi ilegal".

quinta-feira, novembro 29, 2007

Estrela mais jovem já encontrada


O telescópio espacial Spitzer, da Nasa, agência espacial americana, captou imagens da estrela mais jovem encontrada até agora, informou a agência AFP nesta quinta-feira. A UX Tau, parecida com o Sol, tem apenas um milhão de anos e está há cerca de 450 anos-luz da Terra.
Os cientistas encontraram uma brecha circular no disco de gás e poeira cósmica, que gira em torno dessa estrela, o que pode indicar a formação de um ou mais planetas. A falha foi detectada a partir de um mecanismo do telescópio Spitzer capaz de medir os níveis de radiação presentes nas camadas de gás e poeira.
Geralmente, os sistemas estelares apresentam um disco de poeira, sem qualquer abertura, ao redor da estrela, onde os planetas nascem. Como na UX Tau existem espaços livres de poeira, os pesquisadores acreditam que ali estariam seus primeiros planetas.

quarta-feira, novembro 28, 2007

"Tropa de Elite" tenta Oscar em 2009


Da Folha de S.Paulo


Preterido pelo comitê que definiu o representante do país na corrida ao Oscar 2008, "Tropa de Elite" tentará concorrer a estatuetas --nas categorias principais-- em 2009.
O longa estreará nos EUA no ano que vem. Assim, terá cumprido o requisito para disputar o Oscar com os demais filmes exibidos em território norte-americano. Foi o que ocorreu com "Cidade de Deus", que obteve quatro indicações nas categorias principais em 2004.
O diretor José Padilha diz que a data de estréia de seu longa nos EUA ainda não está definida. "Primeiro, vamos decidir em que festival vamos abrir [a carreira internacional do filme]."
Já a estréia comercial nos EUA de "O Ano em que meus Pais Saíram de Férias", que tenta uma vaga na disputa do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2008, está prevista para o próximo mês de janeiro, em 25 cidades.

terça-feira, novembro 27, 2007

ALVOS FÁCEIS

Uma rápida consulta à internet informa que a cidade de São Paulo, hoje, tem quase 40 milhões de habitantes. Um trabalho da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), de 2003, apontava a impressionante existência de 10.700 moradores de rua na capital do mais importante estado brasileiro.
Esse dado, repito, foi divulgado em 2003. Portanto, há quatro anos. Quantos moradores deve haver atualmente, na Paulicéia? 12.000? 13.000? São pessoas que vêm de bairros distantes da periferia ou, na maioria dos casos, de outros municípios do próprio estado ou de regiões menos favorecidas economicamente, como os do Norte e (principalmente) do Nordeste. Em alguns casos, tais indivíduos não passam de sonhadores, que desejam muito um bom emprego, a casa própria e bastante dinheiro no banco para que não tenham justamente que pensar em dinheiro, pelo resto da vida.
Mas acabam não conseguindo realizar esses sonhos. E acabam perdendo o rumo do próprio destino, e como resultado tornam-se moradores de rua, e passam a viver da triste prática da mendicância. Assim, transformam-se automaticamente em alvos fáceis, como aconteceu hoje de manhã. Uma dessas pessoas, para as quais (infelizmente) ninguém na verdade dá a mínima importância até que acontece algo de muito ruim com elas, teve o corpo incendiado. Também infelizmente, esse acontecimento vai causar um tanto de indignação e revolta... mas vai ficar por isso mesmo. É triste reconhecer isso, mas é a mais pura verdade. E mesmo que consigam encontrar os responsáveis (criminosos desse naipe nunca agem sozinhos), duvido que sejam mantidos por muito tempo na cadeia. Muito provavelmente, não há mais provas do que fizeram além do corpo carbonizado do coitado que escolheram, por um acaso muito macabro. E nenhuma outra testemunha além dos próprios predadores.
Fiz trinta anos ontem e começo a me desiludir com certos aspectos da vida. A cada dia, aprendo que uma parte do mundo é podre. Não há justiça e por isso mesmo não faz o menor sentido. Espero sinceramente que isso mude, qualquer dia desses. As próximas gerações (meus filhos ou os dos meus amigos) não podem crescer em um mundo sem esperança.

segunda-feira, novembro 26, 2007

Testamento

Manuel Bandeira
O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os...
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.
Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.
Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!
Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!
(29 de janeiro de 1943)

sexta-feira, novembro 23, 2007

PAI

Pai
Aquele amigo único
Aquele que está sempre presente
Aquele que sei que posso confiar
Aquele que me ama e sempre vai me amar,
Eu fazendo burradas ou não
Pai...
Aquele que me ama do jeito que sou
Aquele que vê a perfeição na pessoa imperfeita Aquele brincalhão
Aquele que, com um único sorriso,
te deixa feliz
Aquele que nunca sairá do meu coração

de Yzadora Gonzalez Alves




quarta-feira, novembro 21, 2007

Luís Fabiano e Júlio César salvam a Seleção



EM COMPENSAÇÃO, ESSE RAPAZ QUE BRIGA PELA POSSE DA BOLA ENTRE UM ADVERSÁRIO E O ÁRBITRO HECTOR BALDASSI MOSTROU QUE UMA EXCELENTE MARCAÇÃO PODE ANULAR QUALQUER JOGADOR, MESMO QUE ESTE SEJA, RECONHECIDA E MERECIDAMENTE, ACIMA DA MÉDIA.

terça-feira, novembro 20, 2007

Benedita: Brasil precisa de igualdade ética e racial

Angélica Paulo, Agência JB

RIO - Em 1933, o escritor e sociólogo Gilberto Freyre já confirmava, em seu livro “Casa Grande e Senzala”, que o Brasil é um país miscigenado por natureza e atribuía ao escravo uma importância ímpar e decisiva na formação do ser mais íntimo brasileiro.
Mais de 70 anos depois, infelizmente o país ainda continua segregando o negro, colocando-o, em grande parte, à margem da sociedade. Apesar de se auto-intitular um país sem preconceitos de credo ou cor, ainda é muito difícil ver negros em posição de chefia ou destaque, seja nas artes ou na política.
Aos sessenta e cinco anos, a secretária de Ação Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro, Benedita da Silva, é uma prova de que os negros podem e devem ter os mesmos direitos e deveres que as demais pessoas. Nasceu analfabeta, no Morro Chapéu Mangueira, no Leme, Zona Sul do Rio, vendeu limão e amendoim, foi operária fabril e entregava a roupa lavada e passada por sua mãe. Mais tarde, já alfabetizada, foi professora da escola comunitária da favela Chapéu Mangueira, adotando o método Paulo Freire de alfabetização de crianças e adultos.
Eleita senadora em 1994, foi a primeira mulher negra a conquistar o cargo no país. É autora do projeto que inscreveu Zumbi dos Palmares no panteão dos heróis nacionais; responsável pela criação de delegacias especiais para apurar crimes raciais; pela obrigatoriedade do quesito cor em documento; lei contra assédio e direito trabalhista extensivos às empregadas domésticas.
No dia em que se comemora o Dia da Consciência Negra em 267 municípios e 12 Estados em todo o país (projeto de sua autoria), Bené, como é mais conhecida no Rio, falou com exclusividade ao JB Online sobre racismo, conquistas e, principalmente, sobre a situação dos negros no Brasil, 109 anos após a princesa Isabel usar sua pena de ouro para assinar a Lei Áurea, que concedeu a liberdade a todos os escravos brasileiros.

JB Online: Para a senhora, qual é a importância de se ter um “Dia Nacional da Consciência Negra”?
Benedita: Essa data é importante para todos os brasileiros. É um resgate histórico da figura de Zumbi dos Palmares e poucos sabem que ele está inscrito no Panteão dos Heróis Nacionais, junto com nomes como Tiradentes. Zumbi é o herói da pátria e deve ser reverenciado. Além disso, esse dia significa um resgate da africanidade do brasileiro. É errado dizer que somos descendentes de escravos. Somos, sim, descendentes, mas de africanos.
A educação das crianças no Brasil deve levar em conta o ensino da África, de nossas raízes, de nossa história. Precisamos, concretamente, de políticas sociais que promovam a igualdade entre todos os brasileiros.
JB Online: A senhora acha que, ainda hoje, 109 anos após a assinatura da Lei Áurea, o Brasil ainda é um país racista?
Benedita: Infelizmente, ainda temos preconceito no Brasil, tanto racial quanto social. Apesar de serem maioria, os negros não têm as mesmas oportunidades na sociedade. Não somos negros porque somos pobres, somos pobres porque somos negros, infelizmente. O Brasil precisa, com urgência, de igualdade ética e racial.
JB Online: A senhora é conhecida pelas muitas conquistas em sua vida pública e particular. O fato de ser mulher e negra dificultou em alguma coisa?
Benedita: Costumo dizer que sou uma exceção que confirma uma regra. Sou uma das poucas mulheres negras, que, num curto período da história em que negros passaram a ter direitos, conseguiu conquistar algo. Por isso, posso me considerar uma mulher vitoriosa.

Infelizmente, no Brasil, quanto mais destaque o negro alcança, mais o racismo aumenta, e isso é incontestável. Por outro lado, as pessoas estão tendo mais informação sobre as leis, sabendo ouvir mais, tendo mais conhecimento dos direitos conquistados pelos negros. Há algum tempo atrás, manifestações sobre cotas em universidades para estudantes negros seriam impensáveis. Precisamos de medidas eqüitativas para que o negro possa ser inserido na sociedade, além de mais espaço para denunciar o racismo existente.

segunda-feira, novembro 19, 2007

Homem-Aranha terá identidade secreta de volta?


(Do site Omelete)
Marvel saca a retcon em The Initiative, meses depois de tirar a máscara do herói em Civil War

Que Peter Parker tirou sua máscara na frente das câmeras e revelou ao mundo ser o Homem-Aranha no segundo número da saga Guerra Civil, todo mundo já sabe. Que a Marvel logo tentaria reverter isso de uma maneira ou outra também já era esperado - o que pode acontecer na série Avengers: The Initiative.
O gibi acompanha a Iniciativa, plano de Tony Stark para criar cinqüenta times de heróis sob o comando do governo dos EUA. A sétima edição, que chegou recentemente às comic shops dos EUA, mostra uma reviravolta interessante na vida de Parker, que pode ou não trazer boas conseqüências para a vida do Cabeça de Teia.
Em Avengers: The Initiative #7, um bando de Abutres - versões mais modernas do clássico inimigo do Aranha, vilões que apareceram há décadas no gibi solo do herói (no Brasil, em O Homem-Aranha #80, da Abril) - rouba planos do governo envolvendo a tecnologia para criação de armas gama. Isso faz com que um trio vestido com trajes similares à armadura vermelha e dourada desenvolvida por Tony Stark para Peter Parker parta atrás dos Abutres, com o intuito de recuperar os planos.
Como não poderia deixar de ser, eles acabam passando perto do hospital onde a Tia May está internada. Ao ver o trio de Aranhas, Peter, puto da vida, se envolve no conflito contra as suas "cópias" (que em The Initiative são chamadas de "Aranhas-Escarlates", o que deve despertar nos fãs urticárias da época da saga do clone...). No confronto, um dos Aranhas tecnológicos acaba colocado fora de combate; os dois restantes necessitam da ajuda de Peter para resolver a situação com os Abutres. Em troca, usam seus trajes avançados para emular tanto o uniforme clássico quanto o negro do herói na perseguição.
Situação resolvida, os falsos Aranhas decidem dar uma mãozinha a Parker: usam seus trajes para emular não só as roupas como as feições de Peter e dizem na frente das câmeras de TV que havia um quarto Aranha - Peter - e que ele havia sido afastado por problemas internos. Dizem ainda que os trajes podem emular tanto as roupas quanto os poderes do Homem-Aranha original e que durante todo aquele tempo Peter estava usando um deles. Isso faz com que a opinião pública passe a duvidar da revelação de que Peter Parker e o Homem-Aranha verdadeiro eram a mesma pessoa...
Complicado, é verdade, mas nada nunca é simples nas retcons da Marvel. A edição ainda reserva mais uma surpresa, mas essa eu não vou estragar. Avengers: The Initiative, um dos novos gibis da Marvel criados pós-Guerra Civil, deve ser publicado no Brasil no ano que vem.

domingo, novembro 18, 2007

O que fazer para o almoço?

Vivian Rangel

Ela detestava entrevistas embora adorasse interpelar escritores. Entristecia-se quando queriam conhecer a autora, e não a mulher. Teimava em construir vida própria, quiçá independente, "fazer um bloco separado da literatura". Temia expor-se demais nas crônicas mas, era inevitável, traía-se. Com tanta reserva em relação à vida pessoal, Clarice Lispector deixou poucas opções aos interessados em desvendar a persona Clarice por detrás de cada narrador. Restava resignar-se com as entrelinhas dos romances, as crônicas que volta e meia ostentavam trechos coincidentes com suas ficções - e as cartas. Como as que trocou com Fernando Sabino em Cartas perto do coração ou com o marido e a amiga Bluma Wainer, entre outros, reunidas nas Correspondências.

Mas é nas mensagens que enviou às irmãs Elisa e Tania, durante os anos em que morou no exterior, que Clarice Lispector - a mulher - está mais presente. Não que a escritora saia de cena, mas cede lugar a uma irmã carinhosa, uma esposa dedicada, uma leitora ávida. E - alegrem-se seguidores claricianos! - uma Clarice sem pudores narrativos, numa primeira pessoa que não se imaginava lida por ninguém mais que as próprias irmãs. Essa mulher recém-casada, recém-publicada e recém-moradora da Europa está em 120 cartas inéditas reunidas pela pesquisadora Teresa Montero em Minhas queridas, com lançamento marcado para o próximo sábado.

A primeira das cartas, abrindo a década de 40, mostra a escritora ainda solteira, morando no Rio e sobrevivendo de traduções. Logo depois o leitor chega a Belém, em pleno carnaval de 1944, quando Clarice tomou o primeiro pileque de sua vida, resultado de uma animada festa na casa do então cônsul americano. A ressaca nauseou a já senhora Gurgel Valente e autora estreante de Perto do coração selvagem. E apenas um pouco antes de atravessar o oceano Atlântico e chegar a Roma ainda em clima de Segunda Guerra. É quando ela se assume mais que nunca solitária, oprimida entre jantares, almoços e sorrisos no papel de primeira-dama diplomática. Dividida entre um isolamento tão desejado quanto sofrido em cidades como Roma, Florença, Torquay e, por último, Washington.

- O livro abrange um período muito extenso da vida de Clarice, de 1940 a 1956. São documentos únicos sobre a vida da escritora morando no estrangeiro - explica Teresa Montero, responsável por organizar as cartas. - Nas cartas, ela conta que livros estava lendo, que lugares a impressionaram, a que filmes e peças assistiu. É possível resgatar o que a inspirava.

Influências que mais tarde se revelariam fundamentais, como a descoberta do existencialismo, cujo sucesso explosivo ela credita ao pós-guerra. Explica a Elisa: "Todo mundo está doido para crer em alguma coisa depois dessa guerra, mesmo que essa crença seja uma descrença". Ou a música clássica que evoca carta a carta, da ópera de Wagner Lohengrin a O pássaro de fogo, de Stravinsky, passando por A sonata patética, de Beethoven. E livros: o erótico O amante de Lady Chaterlay. de H. D. Lawrence, o clássico O morro dos ventos uivantes, de Emily Brontë, ou o polêmico ensaio de Tolstoi O que é a arte , no qual o russo fala mal de Wagner e Beethoven e garante não entender Baudelaire.

Nos 16 anos de troca de correspondência, Clarice sofreria para começar, terminar e revisar contos que fariam parte de Laços de família e os romances O lustre, A cidade sitiada e A maça no escuro - que poderia ter sido batizado com o medonho título de A veia no pulso não fossem as críticas da irmã Tania e de Fernando Sabino.

A atividade literária estava entremeada com problemas cotidianos prosaicos: que fazenda comprar para o vestido apropriado a uma recepção na embaixada? Que fazer para o almoço? Como fazer render o açúcar racionado no pós-guerra?

- No fundo tudo está muito misturado. A Clarice escritora é também mãe e esposa de diplomata e nunca quis para si a condição de autora isolada numa torre de marfim. Chegava a escrever com a máquina no colo para ficar mais perto dos filhos - conta Teresa.

Nádia Gotlib, biógrafa de Clarice, acredita que essas cartas são um marco para os estudos sobre a escritora. Trazem, pela primeira vez, uma Clarice inserida no dia-a-dia de uma vida no exterior. Revelam ainda uma relação afetiva intensa e, ao mesmo tempo, uma ligação densa e cotidiana com a arte da ficção. Para Nádia - que acaba de enviar ao prelo uma fotobiografia da autora com 800 imagens e lançamento previsto para dezembro - as cartas de Clarice para as irmãs podem ser lidas como "crônicas da ausência".

- Clarice mantém o tom de conversa amigável e confidencial, mas sem perder a elegância, tanto na confissão de angústias quanto na manifestação bem-humorada de alguns momentos - analisa Nadia. - As cartas têm um caráter diversificado, ora parecem literatura de viagem, ora história da diplomacia. Há também observações sobre a crítica brasileira, que começava a comentar os livros dela.

Espalhadas entre autodefinições pessimistas - "tenho a pior espécie de snobismo (sic), que é o de não ter prazer no mundo" - existem de fato pérolas do humor clariciano, irônico e salpicado de um falso pudor subversivo. Um exemplo é o relato do encontro com soldados brasileiros que criaram uma musiquinha sobre o biscoito nabisco, ração americana de guerra, que era muito duro mas ficava mole embebido no leite. Ou confissões: "Entrei num curso por correspondência sobre ioga, um negócio indú (sic) ... Não conte a ninguém, senão me ridicularizam. (...) Vamos ver se viro super-homem, sem mudar de sexo". Difícil é imaginar Clarice no equilíbrio da posição de Lótus.

sábado, novembro 17, 2007

TV

DO BLOG DE LEANDRO MAZZINI (JB ON LINE)

Por Hector García López - escritor

Abro a janela, ela sai de toalha. Ouço blues, ela fuma cigarrilha. Coço o saco, ela pinta a unha. Limpo o nariz, ela penteia os cabelos. Calço o tênis, ela passa o batom. Tiro a roupa, ela vê tv. Digo seu nome, ela esquece o perfume. Toco gaita, ela canta Norah Jones. Tiro uma foto, ela ri para o espelho. Toco meu coração, ela apalpa os seios. Chuto o cinzeiro, ela deita na cama, abre as pernas, toca o sexo levemente e me chama com o olhar insaciável de quem não quer só o gozo, mas o toque, o aperto dos dedos na virilha, a língua quente nos pêlos, a mordida na altura do umbigo, o cuspe certo no canal do prazer, e subo em beijos a pele macia e branca, depois desço em mordidas até os joelhos tortos e aperto-lhe as duas coxas por trás para sentir seu suspiro, e aperto sua nuca e mordo seu pescoço e a chamo para meu colo e a penetro por meia hora, uma hora, duas, três, quatro gozos até que o vento lhe traz a sensação de um ar polar nos cabelos e no rosto suado de cansaço, mas desinibido, até cair no colchão, sozinha, aberta, com os braços jogados às extremidades da cabeceira e olhar fixo no teto, seu céu nu e refletor da sua solidão.

Eu fecho a janela, e ela vê tv, espera seu gozo. A TV é como o amor. Nos ilude. E nos encanta. E tudo parece um filme quando acaba. Mais uma história para contar. Uma ficção que engana. Uma realidade que se disfarça. Há o sexo, há o amor, na tv e fora dela. Desligamos a tv. Partimos para lados opostos. Mais um filme nosso em preto e branco, até nos reencontrarmos e fazermos do sexo um script diferente a cada trepada.

sexta-feira, novembro 16, 2007

HOMEM DE FERRO - O FILME



Homem de Ferro teve duas novas fotos divulgadas. Elas mostram o momento em que Tony Stark sai da caverna altamente blindado, e depois o momento em que ele chega motorizado pra balada.
O site oficial do filme também foi atualizado. Por enquanto há por lá apenas o primeiro teaser, fotos e artes de fãs, mas a coisa deve ser incrementada em breve.
A estréia do filme, dirigido por Jon Favreau e estrelado por Robert Downey Jr., Terrence Howard, Gwyneth Paltrow e Jeff Bridges, acontece em 2 de maio de 2008. (Do site Omelete).

quinta-feira, novembro 15, 2007

Não é mais coisa de criança

Marco Antonio Barbosa

Saem de cena os uniformes coloridos, entram roupas comuns. Os superpoderes dão lugar a dramas mais palpáveis, cotidianos. A banca de jornal deixa de ser o palco da ação, cedendo espaço às livrarias. E o público-alvo já não usa calças curtas. O mercado brasileiro de quadrinhos adultos passa por um dos momentos mais interessantes de sua história - uma percepção confirmada pela quantidade de títulos expressivos chegando às lojas e pelo número de editoras de prestígio se lançando na área. Desde meados da década de 1980 as histórias em quadrinhos já não são mais vistas como mero passatempo de criança (com a consagração de graphic novels como Watchmen, V de Vingança e O cavaleiro das trevas). Cerca de duas décadas depois, o mercado de HQ para adultos parece finalmente chegar à maturidade.

- Tenho 35 anos e leio quadrinhos desde criança. E nunca tinha visto tantos títulos à venda. Creio que já existe um público cristalizado e fiel para esse tipo de HQ e que o mercado de lançamentos de luxo, para livrarias, ainda pode crescer muito - confirma Cassius Medauar, editor de quadrinhos da Pixel Media. Em 2007 a editora paulista pôs na rua ao menos um álbum de quadrinhos de luxo por mês. O mais recente foi o norte-americano Zombieworld: o campeão dos vermes, de Mike Mignola (texto), o autor de Hellboy, e Pat McEown (arte).

O boom é contextualizado por Otacílio D'Assunção, o quadrinista Ota - que acompanha os bastidores do mercado de HQ desde a década de 1970.

- Vivemos uma fase próspera para o quadrinho adulto e de luxo, com muita coisa boa inédita saindo e ótimas reedições também. As editoras agora contam com canais de distribuição próprios e estão mirando as livrarias - conta Ota, que cuida da seção de álbuns especiais da editora Record e agora prepara a reedição (com novo tratamento digital de cores) da clássica coleção do personagem Asterix, da dupla francesa Goiscinny & Uderzo.

Muitos e variados títulos, editados com um cuidado que antes só se dispensava à literatura; temáticas adultas e realistas, fugindo dos clichês de mutantes e homens voadores; tiragens relativamente baixas e concentradas nas livrarias e lojas especializadas; preços relativamente altos, em comparação com as revistas de linha, encontráveis em bancas; e um público ávido, capaz de sustentar o grande fluxo de lançamentos. Assim pode ser resumido o mercado atual dos álbuns de HQ de luxo e graphic novels. Títulos badalados, que chegam a reboque de sucessos do cinema, podem sair a preços de gente grande. Exemplos são 300, de Frank Miller & Lynn Varley (Devir, R$ 63) ou Sin City: de volta ao inferno, do mesmo Miller (Opera Graphica, R$ 59).

- Quem lança quadrinhos esperando encontrar o novo O Código da Vinci vai quebrar a cara. Trabalhamos com tiragens entre três e cinco mil exemplares, mas mesmo assim temos visto um aumento assombroso da procura do público. São leitores que pensam os quadrinhos de uma forma diferente, sem associar a arte a super-heróis - diz Amauri Stamboroski Jr., responsável pela edição de HQ da Conrad. A editora paulista é apontada como pioneira na invasão de quadrinhos nas livrarias, no fim da década passada. Encerrando o ano, a companhia lançará em dezembro Fun home, HQ autobiográfica da quadrinista norte-americana Alison Bechdel - laureada pela revista Time como um dos 10 melhores livros de 2006.

Ota concorda com a atitude pé-no-chão demonstrada por Amauri. Segundo o quadrinista, os números atingidos por revistas de super-heróis não se aplicam à realidade dos álbuns de luxo.

- As tiragens baixaram muito. Hoje em dia não é absurdo encontrar edições com mil exemplares. As editoras já perceberam que a lógica de vender em livrarias é diferente da mecânica da venda em banca, que precisa lidar com os encalhes.

Nem só de grandes lançamentos importados vivem os fãs da nona arte. A editora carioca Desiderata aposta no produto nacional, e divulga os álbuns A boa sorte de Solano Dominguez, escrito por Wander Antunes e desenhado por Mozart Couto (cuja arte é o destaque na ilustração desta página) e Caraíba, um dos últimos trabalhos do pioneiro Flávio Colin (1930-2002). Na fila de lançamentos, previsto para vir à luz no fim deste mês, está um álbum de reinterpretações - visando o leitor adulto - das fábulas dos irmãos Grimm assinadas por artistas como Alan Rabelo, Odyr e Rafael Coutinho.

- Serão versões levemente despudoradas de histórias tradicionais como A bela adormecida e Branca de Neve. Apesar de ainda haver um certo estereótipo da HQ como coisa de criança, o público tem dado um retorno rápido a nossos lançamentos - explica S. Lobo, editor de quadrinhos da Desiderata.

O bom momento para álbuns de luxo estimulou também veteranos a voltarem ao mercado. Caso da L&PM, que no longínquo ano de 1980 já arriscava os primeiros passos no campo dos quadrinhos para adultos.

- Somos pioneiros. Publicar HQ é uma vocação histórica da L&PM. Lançamos Hugo Pratt, Milo Manara e Guido Crepax no Brasil antes de todo mundo - relembra Ivan Pinheiro Machado, um dos fundadores da editora gaúcha. - Fizemos uma série de 120 álbuns com grandes nomes do quadrinho europeu. Mas lá pelo começo dos anos 90 a concorrência com a Abril e a Globo inviabilizou o negócio.

Depois de lançar o álbum Tangos & tragédias em quadrinhos, de Edgar Vasques (arte) e Claudio Levitan (texto), Machado prepara agora a volta de sua companhia ao mercado de graphic novels.

- Estamos fechando uma série de 30 títulos, com tiragens de até cinco mil exemplares cada. Serão obras estrangeiras e brasileiras. As outras editoras que se cuidem.

E olha que há muitas editoras por aí. Uma rápida consulta ao informativo Universo HQ, que monitora os lançamentos das principais companhias, dá conta de 12 títulos voltados para o público adulto chegando às livrarias apenas em novembro - do surrealismo de Dave Cooper (Escombros, Zarabatana Books) ao suspense de Greg Rucka (texto) e Steve Lieber (arte), em Whiteout: morte no gelo (Devir). Os fãs comemoram, mas estão alertas em relação ao perigo de uma sobrecarga.

- Já não consigo mais acompanhar tudo o que chega às lojas, por falta de dinheiro. Parei de gastar. O cidadão normal não tem como comprar todos os títulos. Pode haver uma implosão do mercado pelo excesso de oferta - acredita Ota.

terça-feira, novembro 13, 2007

MARTINS, VOCÊ JAMAIS SERÁ ESQUECIDO

Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive. (Vinícius de Moraes)

segunda-feira, novembro 12, 2007

A FORÇA DE UMA CRENÇA


UM HOMEM PODE, SIM, FAZER TODA A DIFERENÇA.

Demagogia com burrice, dá nisso...

Ubiratan Iorio, economista

A demagogia é um mal que costuma afligir os povos na razão inversa de seu nível médio de educação e de forma crescentemente perversa, já que é progressivamente mais fácil iludir o povo quanto menor é esse nível. A América Latina e, naturalmente, o Brasil, sempre esteve para os demagogos como as águas paradas estão para o mosquito da dengue. A história é rica em mostrar, nas plagas "bolivarianas" marcadas pela desatenção ao capital humano e pelo patrimonialismo, a proliferação de líderes populistas e demagogos, com seus séquitos de súcubos e aspones - tão servis quanto imbecis - que bajulam os falsos messias. Pior é que as práticas demagógicas não se restringem ao Executivo e tampouco à União: são pragas que se manifestam em todos os poderes, bem como em Estados e municípios.
Mas, quando à demagogia se acrescenta a asnice, a coisa fica insuportável, e quem paga a conta - já que a parvoíce reinante mantém os demagogos no poder - é a classe média, esta instituição "burguesa" que, malgrado sustente o Estado, de acordo com os bons princípios da estupidez, é a culpada pela pobreza e pela má distribuição da riqueza...
A discussão atual sobre a CPMF apresenta propostas que bem exemplificam o que acabamos de afirmar; algumas visam a isentar do imposto quem ganha menos do que determinados valores, que variam conforme o grau de "demagogite" que acomete cada autor, mas todas são populistas, hipócritas e injustas, não apenas pelos valores - arbitrários em si - mas pelo "dane-se" (para não escrevermos palavra mais feia) à classe média. Definitivamente, ou nossos ilustres representantes não sabem fazer contas ou estão mergulhados de corpo e alma na tarefa de exterminar a nefanda classe, ou - o que parece mais plausível - essas duas hipóteses ocorrem simultaneamente...
Tomemos uma das sugestões, a de isentar do pagamento da CPMF quem ganha até R$ 1.642. Suponhamos, para simplificar, que todos paguem 0,38% de CPMF sobre o salário total. Bem, 0,38% de R$ 1.642 dá R$ 6,24, enquanto 0,38% de, por exemplo, R$ 8.210 dá R$ 31,20. Portanto, quem ganha o quíntuplo, paga cinco vezes mais, o que parece "justo".
Consideremos agora que quem ganha R$ 1.642 paga 0% de imposto de renda sobre os primeiros R$ 1.313,19 recebidos e 15% sobre os R$ 328,31 restantes, totalizando R$ 49,24 de IR mensal; já quem ganha R$ 8.210, paga 0% de IR sobre os primeiros R$ 1.313,19 recebidos, 15% sobre os R$ 1.311,43 ganhos em seguida e 27,5% sobre os R$ 5.584,88 restantes, totalizando R$ 1.732,55 de IR mensal, ou seja, um dispêndio 35,19 vezes maior do que o realizado por quem ganha R$ 1.642. Se considerarmos a declaração simples de IR, quem ganha R$ 1.642 passa a pagar R$ 9,63 e quem recebe R$ 8.210, paga R$ 1.502,36, ou seja, um valor 156,01 vezes maior (!) do que os R$ 9,63 pagos por quem aufere R$ 1.642.
Assim, antes dessa estúpida proposta, quem ganha R$ 1.642 - a quinta parte de R$ 8.210 - paga 156 vezes menos IR e, em média, cinco vezes menos CPMF (percentual que, é claro, pode variar conforme outras movimentações em conta corrente). Isso é "justiça"? É "justo" também retirar a CPMF de quem recebe - como vêm sugerindo os "gênios" governistas - até R$ 4.340, ou até qualquer múltiplo do salário mínimo, ou qualquer outro valor mágico aleatório? Pensam que tornarão a CPMF menos impopular? Ganhar bem é crime?
Aliás, há como essa sujidade de CPMF ser justa? Se não há, pelo menos que não a tornem ainda mais injusta! Por favor, sejam demagogos, mas não sejam burros ou, se não puderem, continuem sendo burros, mas deixem de ser demagogos! Demagogia farisaica com idiotice explícita ninguém agüenta...

Fica com Deus, Martins

Érika Pinheiro Rosa

Ainda impactada e sem entender bem como um procedimento preventivo acabou se revertendo em fatalidade e nos privando para sempre da convivência com um amigo, sinto necessidade de desabafar, pelo menos no papel. Nós, jornalistas, somos bichos estranhos, mesmo. Às vezes, só escrevendo conseguimos aliviar um pouco a cabeça e o coração.
Vou lembrar de Martins no seu cantinho na Redação, coincidentemente onde sentava outro companheiro que também já nos deixou – Benito Neiva. Lá, ele lia seus clássicos - já havia comprado 2.555 mil livros conforme, brincando, constatamos na última contabilidade com seu Ney, revisor.
Lá, no seu cantinho, ele ouvia clássicos no computador, com o seu fone de ouvido de “última geração”, comprado na mão de um camelô no São Francisco.
Lá, no seu cantinho, embaixo da televisão da Redação, ele nos atualizava sobre o filme do dia na Sessão da Tarde e também sobre o horário dos telejornais. “Olha o jornal, Érika Rosa!”, lembrava . Era o momento dele aumentar o volume para que todos pudéssemos ouvir as últimas notícias e não levarmos “furo” nas respectivas editorias.
Lá, no seu cantinho, ele ligava para dona Lurdinha toda noite para saber se Priscila já havia chegado e o que ele teria para a ceia ao chegar em casa. E tinham ainda as “brigas” com Cardoso, os xingamentos contra o “insurrecto” do Mário Reis, as provocações sobre as semelhanças com a calvície do chefe, e por aí ia.
Assim era o dia-a-dia na Redação com o nosso companheiro Raimundo Martins. Profissional competente, organizado, disciplinado e um ser humano doce, amigo, apegado à família e muito brincalhão. Como editor de Capa de O Estado, Martins era rigoroso com os horários e corria contra o tempo na hora do fechamento. Sabia que isso não era bom para a pressão. A ironia do destino é que ele estava de férias e se cuidando. Hipertenso, se submeteu a uma bateria de exames em Fortaleza. Lá, foi convencido a fazer uma cirurgia preventiva para desentupimento da carótida. Complicações pós-cirúrgicas não deixaram nosso amigo voltar para nós. Nos restam agora conformação e oração.
Mas, com certeza, os lanches das sextas-feiras e as noites de fechamento na Redação não serão mais os mesmos... faltará um amigo. Fica com Deus, Martins.
nJornalista

Companheiro
Raimundo Martins
nRibamar Cunha
Raimundo Martins,você não se foi, pois a sua lembrança sempre estará presente entre nós da Redação de O Estado.
A lembrança de grande companheiro, brincalhão, embora parecesse sério, e profissional do mais alto gabarito, nos confortará nesse momento de dor.
Você, Raimundo, nosso capista, que apesar dos atropelos, da luta conta o tempo e das cobranças, levava aos leitores de O Estado as principais manchetes do jornal, com zelo e competência inerentes ao seu profissionalismo.
Tive o privilégio este ano, em curto espaço de tempo (quanto tirei as férias do Cabalau) de trabalhar mais envolvido com a sua atividade. E, sem duvida, foi um grande aprendizado. Me senti honrado em poder ajudá-lo a trabalhar a capa do jornal.
Além de sua dedicação como profissional, o que mais me admirava em você, companheiro, era a sua paixão pela leitura. Tenho certeza, todos os seus colegas o admiravam por isso também.
Por ocasião da Feira do Livro, mês passado, cheguei a comentar com Flora que você, amigo Martins, deveria estar de sorriso largo, tantas eram as publicações à disposição de sua degustação literária.
Só tenho a agradecer pela oportunidade que tive de poder compartilhar grandes momentos ao lado do profissional e amigo Raimundo Martins.

Jornalista

sexta-feira, novembro 09, 2007

A minha volta

JOSÉ CHAGAS

Tenho a satisfação de avisar aos meus distintos e fiéis leitores que estou de volta, para de novo situar-me no dia que aqui o jornal diz que é meu. Dia, por sinal, que o jornal guardou pacientemente à minha espera e sei que, com toda sua equipe, torcia por minha volta, compreendendo o meu silêncio e o meu distanciamento, pois na verdade eu me afastei de tudo e de todos. Mas explico essa minha atitude, aparentemente grosseira.
É que estou voltando de uma dura viagem que fiz em busca de mim mesmo.
Tive de, pela primeira vez, fazer uma coisa absolutamente inusitada em minha vida: passar alguns dias ocupado exclusivamente comigo, procurando em mim o que em mim estava faltando, talvez por causa de muitas outras coisas que eu mantinha em excesso.
Todos nós somos feitos de excessos e de faltas, nem sempre podendo manter o equilíbrio necessário à harmonia de nossa própria condição humana. E nessa viagem, vi que quem se busca no tempo nem sempre se encontra todo, pois percebe quanta coisa foi desperdiçada desnecessariamente. E só com um pouco de paciência, se é capaz de
salvar ainda algum resto que já não se tenha transformado em resíduos inúteis.
Compreendi, de certo modo, a razão de tudo aquilo que se pode ganhar com o tempo, e também a não razão de tudo aquilo que
com o tempo se vai perdendo. Pude contemplar de perto a minha própria natureza em choque comigo, por causa do abuso com que sempre a tratei. E então, assustado, me vi, por dentro, através de uma simples gota de sangue que me tiraram do dedo e puseram numa lâmina de microscópio.
Verdadeiros quadros, de uma impressionante plasticidade, como de pintores surrealistas, me mostravam, numa tela de tevê, os misteriosos monstros que, ao longo dos caminhos sanguíneos, circulavam dentro de mim, sem que deles eu tivesse conhecimento. Esses quadros indicavam o que eu tinha de mais ou de
menos e davam uma idéia nítida do meu desleixo para comigo. Era-me, pois, necessário esse mergulho em mim mesmo, para um contato direto com uma realidade íntima que até então eu tinha como se fosse algo fictício. Eu me sentia, mas não me pensava. Eu só me doía.
Mas, como já disse, para enfrentar tudo isso, foi necessário distanciar-me de todos, de dar uma parada, de ficar de molho, a conselho médico. Por um espaço de tempo maior do que eu calculava, tive de manter-me em silêncio, no jornal, o que causou preocupação para alguns leitores amigos, mas talvez até alívio para alguns outros. E se me calei, se me afastei, se me isolei, se me preocupei tanto comigo, não foi por egoísmo nem para fugir de ninguém, mas, de certa forma, para tentar ficar mais perto dos demais. Isso mesmo. Já eu havia lido algures que “o paradoxo da solidão é que ela nos prepara para a convivência, Estar só é promover a recarga para estar junto.” Essa verdade nos leva a outra que todo mundo percebe, mas nem sempre adota: é que ninguém pode conviver bem com os
outros, se não está bem consigo mesmo.
E eu estava mal comigo, da cabeça aos pés, o que não significa que esteja agora em perfeita saúde, uma vez que continuo um tratamento que tem de ser prolongado, tanto que estou ainda escrevendo muito devagar, visto que a barra pesou demais, pois envelhecer não é coisa com que se possa ficar brincando. Era preciso levar a sério o que o tempo e a vida estavam fazendo comigo, ou o que eu estava fazendo com ambos.
O caso é que fui para São Paulo, levando, na minha bagagem orgânica, digamos assim, uma carga de colite, sinusite, conjuntivite, labirintite, otite, enfim, tanta coisa acabada em ite que já não havia limite para nada nem mesmo palpite que me apontasse uma solução.
Além do mais eu nem sequer podia estabelecer esquemas diante de tudo isso, porque, em vez de esquemas, já me sentia era no mundo das isquemias, que me desequilibraram e me entonteceram, de modo que não me permitiam caminhar em linha reta nem também, em linha reta, ter meus pensamentos, pois na minha cabeça já não havia senão zumbidos ensurdecedores. A cabeça não estava louca,
mas era uma caixa oca, de ressonâncias dissonantes. Nem sei explicar isso.
Senti então em meu ser toda a ruidosa tortuosidade da vida. E vi que a viagem por dentro de mim, em busca de mim mesmo, tinha de ser por estradas curvas e turvas, pois, a essa altura, lutar pela vida é ter de encontrar brechas ou atalhos que facilitem a jornada íntima que cada um percorre ao longo dos anos. E eu literalmente andava tropeçando em mim mesmo. Mandavam-me caminhar. Mas como caminhar?
Enquanto isso o tempo continuava me trabalhando em silêncio, pois ia contando dias e horas para perfazer os meus oitenta e três anos, dando-me a certeza de que, no caminho da existência, um ano a mais é sempre um ano a menos. E assim, na manhã do dia 29, eu festejava minha data aniversária, numa clínica, com uma aplicação na região glútea e depois com soro na veia, acompanhado por um copo de suco de laranja. Era a continuidade do tratamento que eu vinha fazendo e era como se naquele dia a vida estivesse sendo injetada em mim, por mãos habilidosas de competentes enfermeiras.
Desde a véspera, amigos e amigas me telefonavam, desejando-me muitos anos de vida, e alguns até reclamando pelo fato de eu ter ido aniversariar longe. Mas eu não viajei para fazer aniversário fora daqui. Nem sequer pensei nisso, quando saí. Se pensasse, talvez pretendesse aniversariar, não longe no espaço, mas no tempo. Enfim, aniversariar, mesmo quando já se está mais para lá do que para cá, sempre é bom, desde que, pelo menos, faça a alegria dos amigos. E compreende-se também que a vida vale muito pelos bons amigos que temos. Sou grato a todos os que, de um modo ou de outro, me ajudaram na caminhada e continuam me ajudando.

quinta-feira, novembro 08, 2007

O ATO FINAL

O professor Daniel Mendes passou em claro a noite anterior. Cobriu quase todas as folhas de um caderno de 12 matérias com rascunhos a respeito de como poderia cometer o ato final de sua residência na terra. Afinal, depois de fazer com que seu raciocínio desse mil revoluções por minuto, de gastar muita tinta preta (ou afrodescendente) de sua caneta de 50 centavos e de beber todo o café da garrafa térmica de plástico azul, decidiu que o ato final trancorreria em cinco quadros, todos sem limite de tempo, e teriam como único ponto semelhante o amor.
Eram quatro horas da manhã. Um lençol de estrelas cobria a Ilha Grande, que dormia e sonhava com o milagroso retorno de São Sebastião. O professor Daniel Mendes apagou a luz do quarto e tentou dormir também. Mas em razão da quantidade absurda de cafeína maldigerada em seu organismo, seus poucos minutos de sono foram povoados pelo mau sonho recorrente: ele corria por uma alameda arruinada, e então tropeçou, caiu de rosto no chão recheado de pedras, as lentes dos óculos quebraram e alguns pedaços furaram-lhe os olhos, e o que era o mundo tornou-se para todo o sempre eterna escuridão.
"Ensaio sobre a cegueira", ele pensou, ao despertar, num pântano de suor e lágrimas. Achou que ficara mesmo cego, mergulhado nas trevas do quarto, até que o bom senso prevaleceu: lembrou-se da lâmpada apagada.
Sentou-se na cama. O rádio-relógio mostrava-lhe que eram seis horas da manhã. "Duas horas, apenas", murmurou. "Deve ser o novo recorde mundial". O café maldigerido ainda massacrava seu estômago. Conseguiu desfazer um princípio de náusea. Mas sabia que a loucura que cometera na madrugada cobraria-lhe o devido tributo cedo ou tarde. Então, que fosse cedo. Se ocorresse no meio da aula, o vexame seria histórico.
Em seguida, deu início ao ritual de todos os dias. Escovou os dentes, tomou banho, vestiu-se, organizou o material de que precisaria para as aulas do dia, deu uma volta pela casa antes de trancá-la. Às vezes, esquecia uma porta ou janela apenas encostada, e nessas ocasiões contou com uma boa dose de sorte. Lembrou-se do caderno de matéria com qual estivera às turras horas antes. Sorriu um pequeno sorriso maligno e começou a arrancar todas as folhas que havia rabiscado. Não satisfeto, pegou seu isqueiro e queimou-as juntas. À exceção daquela na qual riscara o nome proibido: Vanessa. Os pedaços enegrecidos das demais ficaram espalhados na cozinha. Este foi o primeiro quadro. O fim estava próximo.
No segundo quadro, bateu à porta de uma de suas vizinhas. Cujo nome, Vanessa, mortificava-lhe o coração depois de uma série de aulas marcadas pelo estgma da desilusão. A Vanessa que morava perto de sua casa nada tinha a ver com Ela, a Outra, a Maldita. Tinha 25 anos, estudava Medicina, queria fazer mestrado em Paris. Daniel murmurou "Eu sinto muito" antes de quebrar o pescoço dela. Vanessa também morava sozinha. A polícia demoraria uma vida para encontrar o corpo. Mas o fedor do cadáver poderia denunciar. Ele não tinha certeza. Vomitou o café da madrugada nos sapatos pretos. Então, foi mesmo cedo, graças a Deus.
O terceiro quadro foi especial. Sentado próximo à cobradora, Daniel esperou o ônibus entrar em uma avenida bastante movimentada. Então, tirou de dentro de sua maleta uma pistola Taurus prateada que brilhou cinematograficamente ao sol. A estudante sentada ao seu lado ficou lívida e boquiaberta. Demorou quase dois minutos, mas alguém se deu conta da gravidade da situação e gritou para o motorista: "Pára, que tem gente armada aqui!". O motorista levou muito ao pé da letra a ordem e pisou no freio e na embreagem ao mesmo tempo. Perdeu o controle do ônibus e tentou, em vão, evitar a batida em um carro que vinha no sentido contrário. Coincidência ou não, a motorista do carro, soube-se depois, chamava-se Vanessa. Que foi retirada morta das ferragens.
Na delegacia - o quarto quadro -, Daniel contou aos que se dispuseram a ouvir seu absurdo relato que precisava exorcizar um demônio que todo santo dia massacrava seu coração com promessas de amor que jamais seriam realizadas. O delago perguntou-lhe se esse "demônio' não teria um nome mais terreno. "Claro que tem", respondeu Daniel. "Vanessa. Meu alfa, meu ômega. Estou agora na fase do ômega. É o meu ato final".
A bem da verdade, o quinto quadro jamais ocorrerá. Daniel foi preso, condenado mais tarde a trocentos anos de prisão pelos crimes cometidos em um só dia e hoje está vivendo o tempo que lhe resta na Penitenciária de Pedrinhas. Eu o visito regularmente. Ele ainda pensa em Vanessa. Pergunto-lhe quem diabos é essa criatura, onde vive, o que faz da vida. Pergunto-lhe se não é uma fantasia urdida por sua mente fraturada para poder enfim realizar todas as cenas macabras que um dia idealizou, ao conversar com sua própria imagem refletida no espelho do banheiro.
Daniel Mendes sorri seu pequeno sorriso maligno. "Vanessa é o meu alfa e meu ômega". É a única resposta do louco.

quarta-feira, novembro 07, 2007

JUAN LÓPEZ Y JOHN WARD

DE JORGE LUIS BORGES

Les tocó en suerte una época extraña.

El planeta había sido parcelado en distintos países, cada uno provisto de lealtades, de queridas memorias, de un pasado sin duda heroico, de derechos, de agravios, de una mitología peculiar, de próceres de bronce, de aniversarios, de demagogos y de símbolos. Esa división, cara a los catógrafos, auspiciaba las guerras.

López había nacido en la ciudad junto al río inmóvil; Ward, en las afueras de la ciudad por la que caminó Father Brown. Había estudiado castellano para leer el Quijote.

El otro profesaba el amor de Conrad, que le había sido revelado en una aula de la calle Viamonte.

Hubieran sido amigos, pero se vieron una sola vez cara a cara, en unas islas demasiado famosas, y cada uno de los dos fue Caín, y cada uno, Abel.

Los enterraron juntos. La nieve y la corrupción los conocen.

El hecho que refiero pasó en un tiempo que no podemos entender.


Jorge Luis Borges, 1985

terça-feira, novembro 06, 2007

A vida em mundos virtuais

La Vanguardia

Daniel Huebner, especialista em mundos virtuais, afirma confiar nos mundos tridimensionais, alegando que "no mundo virtual todas as pessoas têm a possibilidade de desenvolver seu pleno potencial". Ele foi encarregado, durante quatro anos, em fazer com que o Second Life funcionasse como uma comunidade homogênea, e esteve recentemente em Barcelona para participar do congresso Art Futura 2007, que debateu a forma que a Internet terá no futuro.

Para Huebner, no futuro a rede inevitavelmente terá recursos comuns aos mundos virtuais tridimensionais. O Second Life tem 10 milhões de usuários registrados, e uma economia ativa que, segundo as estimativas, chega a movimentar US$ 1 milhão em dinheiro real ao dia, ocasionalmente. O mundo virtual e tridimensional abriga curiosos, políticos, empresas, universidades, organizações sem fins lucrativos, artistas e comerciantes; os terrenos e outros artigos são comprados e vendidos por meio de uma moeda virtual conversível em dólares reais, e os usuários criam personagens fictícios (avatares) que interagem com outros visitantes digitais ao serviço.

"O Second Life representa um avanço fascinante na maneira pela qual as pessoas interagem em rede, mas estamos vendo apenas a ponta do iceberg, quanto ao que esses mundos virtuais um dia virão a ser. Muitas das atividades da Internet serão conduzidas neles, já que compras, encontros românticos, encontros com amigos, shows, debates e muitas outras coisas parecem muito mais atraentes no mundo tridimensional, do qual participamos diretamente com nossos avatares, do que no universo bidimensional da Internet corrente", afirma Huebner.

segunda-feira, novembro 05, 2007

Os últimos degraus

Os últimos degraus ainda estão longe de ser alcançados. Mas também é verdade que nós, seres humanos, fazemos o possível para chegar ao fundo do poço.
Vocês, por acaso, sabiam que estamos no ano 47 D.D.? É isso mesmo. Eu também não fazia idéia, até esta noite de outubro, quando acessei a internet à caça de assunto para postar no meu blog. Foi então que fiquei sabendo que dois casais mexicanos se casaram numa tal de “Igreja Maradoniana”, em um clube noturno de Buenos Aires. Informa o sítio que a “religião” foi criada em 1998 por admiradores do ex-craque em hiperatividade Diego Armando Aspirêitor Tabajara Maradona. É muita falta de esculhambação, como diria o caboclo.
Ainda consoante (termo que está tão morto para o jornalismo quanto o futebol maranhense para este vosso escriba) a página da Grande Irmã internet, a criação da Igreja Maradoniana foi ins-pirada pela explicação que Dieguito, o Aspirador, arranjou para aquele escandoloso erro cometido pelo árbitro e o assistente da partida da Argentina contra a Inglaterra, nas oitavas-de-final da Copa de 1986 - o ano em que Deus teve a boa idéia de colocar neste mundo Rafaelle e Ingrid.
Só o juiz e o bandeira não viram Maradona dar uma raquetada na bola com a mão esquerda, na saída do goleiro Shilton. Depois da partida, Diego saiu-se com aquela viagem da “mão de Deus”. Esta foi, por assim dizer, a desculpa divina necessária para que uma meia dúzia de três ou quatro abilolados decidissem fundar a tal igreja. Esses doidisvanas são liderados por dois jornalistas - que deveriam ser pessoas esclarecidas, sensatas, centradas e ponderadas e não fanáticas, no que de pior essa palavra pode ter. Pois os senhores Alejandro Verón e Hernán Amez decidiram, na noite de 30 de outubro de 2002, aniversário de Maradona, consagrar em uma igreja o nada santo nome daquele que, em algum lugar do passado, foi considerado o maior jogador de futebol da Argentina. Um ídolo que, infelizmente, pode ser encontrado apenas em vídeos e fotos da época em que, de fato, era magistral e soberbo. Esse “deus” tão venerado pelos hermanos um dia desceu do seu pedestal, calçou as pesadas botas de chumbo do vício e decaiu tanto que, muito provavelmente, a luz no fim do túnel para ele era tão possível quanto a existência de vida inteligente no pequeno Jornal Pequeno.
A Igreja Maradoniana tem muito da Católica. Tem lá seus mandamentos - um dos quais exige que os filhos daqueles casais mexicanos, por exemplo, batizem seus filhos com o nome de Diego. As meninas, sem dúvida alguma, atenderão por Maradona. O Natal e o Ano Novo deles se baseiam no aniversário do ex-craque. Os anos se dividem em A.D. e D.D. (Antes e Depois de Diego). Alguém aí na platéia pode seguir meu exemplo e considerar essa igreja o que ela não deixa de ser: uma completa falta de absurdo. Todavia, é preciso admitir que todo e qualquer assunto, por mais ignóbil, deve ser encarado dentro de uma perspectiva mais ampla. Acredito que a filosofia tenha começado assim, quando os primeiros pensadores começaram a questionar a composição da realidade que os cercava.
Nesse caso, podemos levar a sério a Igreja Maradoniana caso esteja relacionada ao que se diz e se entende sobre religião: um conjunto de crenças que a humanidade considera como sobrenatural, divino, sagrado e transcendental, bem como o conjunto de rituais e códigos morais que derivam dessas crenças. Trocando em miúdos, não é errado que um grupo de pessoas se reúna para formar uma igreja. Errado será os que dela fizerem parte deturparem seus ensinamentos. Não é o caso das “testemunhas de Diego”, imagino. E é bem melhor para todos e para a felicidade geral da nação (o mundo inteiro, não só a Argentina) que assim continuem. Não precisamos mesmo de “neo-jihadistas”. E, se todas as principais religiões começam com grandes narrativas, depois da vitoriosa odisséia contra a Inglaterra, o principal feito de Maradona terá sido dar um tempo nos tóxicos. O que não deixa de ser um acontecimento bem relevante. Paz do senhor!

domingo, novembro 04, 2007

ADEUS, DE NOVO

A viagem foi um pesadelo de oito horas. Chovia muito e por duas vezes o ônibus saiu da estrada. Nas duas ocasiões, esteve a ponto de capotar, e foi um verdadeiro milagre ninguém ter sofrido lesões graves.
Outro aspecto terrível dessa dantesca odisséia foram os muitos carros e corpos destroçados que os passageiros viram ao longo da odisséia dantesca. Houve um caso, antes de chegarem a Arari, no qual cinco automóveis pegavam fogo ao mesmo tempo. Duas senhoras, de idade avançada, vomitaram quando viram oito cadáveres dilacerados pelas chamas.
Sentado próximo ao motorista do ônibus, Daniel Mendes não deixou de comentar que em momentos como esse fica muito difícil aceitar a existência de Deus. Uma das senhoras que colocara para fora sua última refeição indignou-se e, nem bem refeita da tragédia que testemunhara, indignou-se.
- Como o senhor pode dizer um absurdo desse? - vociferou. - Nós acabamos de escapar duas vezes da morte certa! Se Deus não nos ajudou, que explicação me dá para o que aconteceu com a gente?
O professor Daniel Mendes, 38 anos, tinha uma resposta na ponta da língua, mas preferiu guardá-la para si. A verdade era que, após a morte de Luciana, desfez de um golpe tudo o que relacionava o casal a Deus Nosso Senhor e aos santos dos quais eram devotos. Queimou livros de orações, as coleções de hinos religiosos, a Bíblia que deixavam aberta na mesa da sala no começo do Evangelho de São Mateus, as imagens de São Judas Tadeu, de São Jorge com o dragão, de Nossa Senhora do Carmo, de Nossa Senhora de Fátima e de Nossa Senhora das Dores. Por último, quebrou em pedaços bem miúdos uma impressionante imagem do Cristo Crucificado, em tamanho natural, para a qual construíram uma capela no quintal e diante da qual passavam pelo menos uma hora em orações contritas após o almoço e o jantar, todo santo dia.
Não deu nem tempo a si mesmo de digerir o abrupto rompimento com os desígnios divinos. Foi até o Terminal Rodoviário e comprou uma passagem para São Bento. Porque foi o primeiro município sobre o qual alguém falou, ao chegar à rodoviária. Não conhecia o lugar. Tampouco tinha parentes que lá residissem. Tudo o que queria era ir para bem longe, para alguma cidade que significasse para ele a terra do esquecimento, onda ñão teria mais que pastorear seus rancores, sua raiva, sua mágoa, sua tristeza e, mais importante, a saudade, que parecia não ter limites.
No dia seguinte, apareceu na rodoviária às seis da manhã - que era o horário de saída do ônibus, marcado no bilhete. Imaginou o que pensaria o diretor do colégio da rede particular quando soubesse que seu professor de língua portuguesa, literatura brasileira e redação não desse as caras às sete horas na escola, e na raiva que o homem teria de engolir quando soubesse que Daniel não trabalharia para ele nunca mais. Daniel deu de ombros. "Que vá para o inferno", murmurou. Em seguida, entrou no ônibus. Nesse momento, o céu tornou-se cor de carvão, o ribombar do trovão sacudiu a Ilha e os ventos gelados apavoraram os bentivis em seus beirais carcomidos pelo descuido crônico de uma Prefeitura de merda.
Não houve mais percalços pelo resto da viagem demente. Mas a chuva continuava quando ele colocou os pés na cidade que desconhecia por completo e na qual haveria de viver até o fim de sua residência na terra. Não se sentia cansado. Podia muito bem suportar o peso de suas duas grandes malas, sob o temporal, enquanto procurava uma pousada provisória, a partir da qual procuraria seu castelo definitivo.
Antes de começar sua caminhada, soltou um longo suspiro e disse para o céu enfarruscado:
- Mais uma vez adeus, minha querida Luciana. Você morreu, mas é a minha vida que deve continuar. Sinto muito mesmo.
Em seguida, movendo o pé direito, deu início à última aventura de sua vida.

sábado, novembro 03, 2007

GLÓRIA

Dia de Finados. Para mim, é tempo de reflexão. De pensar no quanto o exemplo dos que já foram dessa para bem melhor pode nos ajudar a compreender melhor o conceito de qualidade de vida.
Para uns e outros, não passa de um dia consagrado ao dolce far niente. Mas nada fazer em relação a trabalho, porque feriado devem ser comemorados com muito álcool e muito forró-sacode. Ou reggae. Ou brega. Sei lá.
Fui ao Cemitério do Turu. Minha mãe e minha tia estão lá. Ou melhor, o que restou de seus corpos físicos. Acredito que estejam - assim como minha avó, mãe de meu pai - sentadas à direita do Trono de Deus. À espera do momento da reencarnação. É, eu levo a sério os princípios do espiritismo.
Antes de entrar no campo-santo, vi alguns buquês que dariam belíssimos enfeites para a sepultura de azulejos brancos. Mas a minha pobreza não me permitia comprá-los. Acabei levando uma pequena e singela flor, acompanhada por um humilde vaso cheio de terra preta. Minha intenção era plantá-lá rente à sepultura - uma celebração à vida e também uma lembrança de que a morte é o portal para a eternidade.
Uma vez diante da sepultura, acendi as oito velas que estavam dentro de uma pequena sacola de plástico, com a qual saíra de casa, e fiz as orações básicas, o Pai-Nosso, a Ave-Maria e a Salve-Rainha. Ao mesmo tempo, as lembranças do bem que minha mãe inspirara, enquanto esteve entre nós, repetiam-se e libertavam o meu coração do pântano da tristeza.
Quando terminei um diálogo silencioso que travara com minha mãe após as orações, ouvi uma trêmula voz feminina começar um Pai-Nosso. Pedi a mamãe que esperasse um pouco e virei-me na direção original da voz. E vi uma senhora idosa - que devia de ter mais de setenta anos -, magra, baixa, o corpo curvado e o rosto esculpido pelo tempo. Seu cabelo tinha um tom de cinza que lembrou-me o de minha finada avó. As mãos dela, com os dedos entrelaçados, eram trêmulas. Vestia camisa e calça jeans - o que me levou a pensar que hoje em dia realmente nada mais é sagrado.
Ela sentiu-se observada. Em seguida, com um movimento ágil que eu não esperava de um corpo tão frágil, virou-se na minha direção, olhou bem nos meus olhos e sorriu, educada. Sorri também para ela. Não tinha como não simpatizar com a boa velhinha. Em seguida, ela retomou a seriedade e continuou sua oração. Eu teria também retornado ao diálogo com minha mãe se um vento maluco - desses que só ocorrem mesmo em novembro - não girasse por sobre o cemitério feito uma rápida tempestade tropical. Apagou todas as velas colocadas em todas as sepulturas e jogou meia tonelada de poeira e folhas secas sobre os túmulos sem parentes.
A lufada quase jogou no chão a pobre velha. A coitada precisou de vários minutos para se recompor. Eu precisei desse tempo para limpar a sepultura das irmãs queridas. Quando terminei, ouvi um lamento pontuado por suspiros de pura resignação: "Meus fósforos acabaram...". Era a velha. Acabara de reorganizar suas onze velas, mas não tinha com que acendê-las. Depois de acender as minhas, caminhei até a pobre desamparada, a fim de ajudá-la.
No Dia de Finados, reza a tradição que a luz de velas acesas indicam aos que se foram e porventura se encontrem na escuridão, o caminho que os levará à presença de Deus. Enquanto acendia as onze velas, soube da senhora que visitava a campa do marido, cujo casamento durou exatos cinqüenta e um anos, nove meses e quatro dias. Um longo romance, que teve fim quando ele escorregou no banheiro e bateu a cabeça na pia. Isso aconteceu há uns dois anos. Minha mãe faleceu há nove. Não tenho recordação alguma de ter visto antes a velhinha. Mas a vida é assim mesmo. Só damos conta do que e de quem nos interessa. O que ocorre à margem da existência não é importante.
No começo da vida sem ele, a senhora dissera, ela visitava o cemitério todo santo dia após o enterro. E em todas as visitas escandalizava os próprios vizinhos do marido ostentando, a poderosos decibéis, seu pranto de viúva recente. Até que um de seus doze irmãos lhe fez ver que a regra de ouro que ajudava a cicatrizar a ferida da perda era dar chance ao morto de se acostumar à sua condição de espírito. Porque o finado muito chorado não tem condições de evoluir. Crendice popular? Talvez. Mas não deixa de ser uma verdadeira lição para os que são chegados a exagerar no pranto e no luto.
Após acender as benditas velas, vi que eram quase quatro horas da tarde. Precisava voltar para casa. Quando retornasse, tomaria um rápido banho e procuraria o rumo do jornal. Trabalharia até altas horas e certamente esqueceria dos eventos do Dia de Finados. Graças a Deus, não ocorreu essa tragédia. Vinte e quatro horas depois de ter conhecido a simpática velhinha que homenageava o marido que tanto amara em vida e continuava fazê-lo com ele morto, ainda sou capaz de detalhar todos os passos que me levaram até a presença daquela figura tão doce. Talvez, quem sabe, se por acaso chegar aos mesmos setenta e poucos dessa boa criatura, não vá ter a mesma capacidade de discernimento. Se isso acontecer, espero que pelo menos possa contar com a distração dos netos. Sei lá.
Tudo o que sei agora é que, antes de ir embora, perguntei à senhora qual era o seu nome. "Glória", ela respondeu. Tinha que ser. Fazia todo o sentido.
Glória. Neste mundo, há poucas pessoas capazes de fazer justiça ao próprio nome. E tenho dito.

sexta-feira, novembro 02, 2007

A TERRA DO ESQUECIMENTO

A valsa surge de alguma das casas vazias da rua deserta daquela cidade abandonada. E não era uma cidade pequena. Ainda que não fosse uma das principais. Para percorrê-la de um extremo a outro, perdia-se apenas trinta minutos de vida. Ainda que grande parte do tempo de nossa existência se perca ao sabor das efemérides e das trivialidades.
Eu olhava para a rua deserta e não via nada além de um pequeno redemoinho que arrastava folhas mortas, mas sem sair do lugar. O silêncio era absoluto. Não ouvia sequer o canto dos pássaros. O mundo estava tão quieto que podia ouvir, com total nitidez, as revoluções por minuto do meu coração em seu cárcere de pele e ossos.
A cidade era a última etapa do meu exílio. Um ano antes, fui banido da minha terra natal porque - assim disseram os tribunos - meu engenho extrapolava o que todos na época consideravam os limites do conhecimento humano. De fato, minha família e meus amigos, diante de alguns dos meus inventos e experiências, não sabiam se testemunhavam um milagre ou um crime cometido contra o "Criador de Todas as Coisas" - se bem que ambas as alternativas davam no mesmo, pois os milagres, afirmavam, eram unicamente da alçada dos anjos ou dos homens que consideravam pios. Qualquer feito pelo menos digno de nota, cometido por um "mortal comum", recebia, de imediato, o rótulo de "transgressão da ordem vigente".
Mas não foi apenas por esse motivo que os tribunos (alguns dos tais "homens pios") decidiram pela minha expulsão. Na manhã de quarta-feira, em outubro, para a qual estava marcada a audiência em que eu tentaria convencê-los de que meu engenho afinal de contas estava a serviço da moral e dos bons costumes (a meia-verdade que teria sido minha salvação), Manoela apareceu na Magistratura, acompanhada pelos pais indignados.
Não sou capaz agora e também não faço a menor questão de recordar o sobrenome daquele astuto espírito maligno. Caso não tenha morrido sufocada com o veneno de sua própria maldade, já deve ter feito seus dezesseis anos. Aos 15, há um ano, mostrou como uma criança também pode praticar maldades como se adulta fosse.
Pois entrou na Magistratura de cabeça erguida e muito determinada a obter punição para o meu atentado à sua castidade. Jamais tive qualquer contato com essa criatura. Não teria nem mesmo se fosse louco o bastante para desejar menores de idade. Em minha terra natal, atos como esse são castigados com a execução sumária. Manoela inventou uma história na qual eu bebera mais do que a conta em um ritual pagão. E depois corri até as ruas mais obscuras da Cidade Baixa - onde ela morava, assim fiquei sabendo - para "caçar almas inocentes". A expressão utilizada pelos três soou com um dramatismo tão fácil que fui obrigado a rir dos infelizes. Já os tribunos não viram a mesma graça naquela situação incômoda para todos.
A pressão popular (todos estavam contra mim) para que eu fosse expulso cresceu após o advento de Manoela e seus pais. Não fui executado porque os tribunos chegaram à conclusão de que, na verdade, minha inclinação era pela "prática exacerbada de conecimento científico". Por outro lado, eu tinha, de fato, o costume de ficar bêbado nos rituais. O que poderia ter ensejado um novo processo - aceitação do paganismo - se eu mesmo não tivesse ido à Magistratura, a fim de perguntar o que haviam decidido a respeito da segunda acusação. "Não sabemos se você a violentou ou não", disseram os tribunos. "Pelo sim, pelo não, o melhor será você partir logo para seu exílio".
E assim começou a viagem pelo quatro cantos do mundo, até alcançar a terra do esquecimento, na qual uma valsa misteriosa surgia de uma das casas vazias de uma rua deserta, e na qual o silêncio era tão esmagador, tão opressivo e insidioso que eu conseguia ouvir, com impressionante nitidez, as revoluções por minuto do meu coração, aprisionado em seu cárcere de pele e ossos.

quinta-feira, novembro 01, 2007

CORAÇÃO DE AREIA

O professor Daniel Mendes acreditava estar a dois passos de seu paraíso perdido.
Era quarta-feira, como não poderia deixar de ser. Uma quarta-feira sombria, nascida repleta de maus presságios às oito horas, quando o sol quase não superou uma grossa camada de nuvens negras. Mas foi uma vitória efêmera, porque logo os trovões iniciais apavoraram a cidade inteira, uma estranha ventania polar causou alvoroço na Rua Grande e logo em seguida desabou a Mãe de Todas as Tempestades - como mais tarde a imortalizariam os historiadores.
Era novembro, também, e por isso São Luís do Maranhão não estava pronta para o temporal. A época de mau tempo, em nossa cidade, vai de janeiro até o início de junho. No segundo semestre, o sol inclmente e o calor sem tréguas perturbam juízos, derrubam pareceres e condenam acordos. Por isso, quando viram a capital prematuramente devastada pelo aguaceiro, alguns incréus não resistiram a colocar "mais essa piada de mau gosto" no "vasto repertório das péssimas anedotas de Deus".
Nessa quarta-feira aziaga, o professor Daniel Mendes acordou com o calor indesejável de todos os dias, às seis em ponto, como era seu costume. Um solteirão convicto de quase trinta anos, morava na Cidade Operária, numa casa pequena em que não se precisava dar três passos para chegar ao quintal - dominado por uma solitária goiabeira, que ainda não estava florido.
Daniel Mendes era um sujeito alto e excessivamente magro, míope até não poder mais, e que não sabia coisa alguma a respeito de roupas. Por outro lado, lia de tudo. Até bula de remédio e tratados episcopais. E tinha bom gosto também, em suas leituras, pois não havia espaço em sua biblioteca para as "obra-primas" de Paulo Coelho.
Às sete em ponto, já estava confortavelmente instalado no banco de seu ônibus de todos os dias, a caminho da escola particular para cujos alunos transmitia boa parte do que aprendera na Faculdade de Letras. E, como em todos os dias, distraía-se da viagem de 40 minutos até o bairro Renascença com um dos livros de Gabriel García Márquez. Já havia percebido, antes de sair de casa, a luta do sol contra as nuvens tenebrosas, e percebera as primeiras lufadas do vento polar. A caminho do ponto de ônibus, viu os postes com suas luzes ainda acesas. Viu também alguns precavidos saindo de casa com guarda-chuvas. Mas não alterou seu cotidiano por isso. Quem mora aqui em São Luís sabe muito bem como o tempo daqui se modifica ao sabor de desígnios travessos de algum deus-moleque.
A situação não se alterou até quando o ônibus chegou à Cohab. E foi então que o professor Daniel Mendes, aos 29 anos, acreditou que chegara a uma espécie de encruzilhada particular. Porque cometeu o erro de erguer a cabeça - depois de ser atingido por um golpe do vento gelado - e perder o fio da meada da trama sobre a qual se concentrara. No que ergueu a cabeça, viu a mulher de cabelos vermelhos que um dia, numa época que para ele começava a pertencer a uma outra vida, estivera em seus braços - ambos deitados no que poderia ter sido o leito conjugal, o ponto de partida para um casamento que tinha tudo para ter sido perfeito.
Mas não foi. Porque a mulher de cabelos vermelhos mostrou que tinha areia no coração. Sem mais nem menos, num Carnaval que Daniel haveria de recordar mesmo em um milhão de encarnações, ela o abandonou em plena Madre Deus, no coração da fuzarca do Bicho Terra, depois de confessar sua paixão inesperada por outra pessoa.
A mulher de cabelos vermelhos e andar de dama em baile de fidalgos desapareceu por uma rua da Cohab. Nesse preciso instante, o ônibus parou - o último de uma extensa fileira de veículos, todos buzinando ao mesmo tempo. Acima de todo bem e de todo mal, o sol lentamente ia perdendo sua batalha e o vento polar intensificava-se. Fora do ônibus, pedestres começavam a caminhar mais rapidamente. Metade dos quisques da feira da Cohab não seriam abertos nessa quarta-feira miserável. A outra metade ficaria à mercê do temporal. Segundo os jornais dos dias seguinte, os donos dos estabelecimentos passariam semanas calculando os prejuízos.
E o professor Daniel Mendes - que não tivera a coragem de pelo menos tentar recuperar o tempo perdido - permaneceu sentado onde estava, com seu livro sobre os joelhos, sem atentar para a valsa dos ponteiros de seu relógio. Eram quase oito horas. Faltavam cinco minutos para o início da Mãe de Todas as Tempestades.