Postado por ROBERTO MANSTEIN em 18 abril 2012 às 12:23
Suave despertar
Ao despertar, olhou em detalhes a bela silhueta ao seu lado. No silêncio da manhã ensolarada examinou as formas suaves e arredondadas dos quadris, o belo contorno dos seios, o toque aveludado da pele, as nádegas consistentes e as coxas grossas e sensuais parcialmente encobertas por um alvo lençol.
Dedicou especial atenção aos lábios rosados, carnudos e entreabertos, como que sequiosos de um beijo arrebatador, denunciando sutilmente dentes brilhantes e alinhados, além de um hálito de leve frescor.
Às mãos aconchegantes, displicentemente escondidas sob o travesseiro, em conjunto com os demais detalhes do corpo, conferiam à cena uma visão terna e sensual do objeto do seu desejo carnal, a mercê que se encontrava do contido assédio que já premeditava sob forte emoção.
Eis que de repente, um brilhar incandescente iluminou ainda mais o rosto observado docemente, ao revelar em seu esplendor o fulgor de um olhar sonolento, que acompanhado de um irresistível sorriso, fez que em seu peito o coração batesse impulsivo ao receber nos lábios o gosto lascivo de um suave despertar
"É CLARO QUE, COMO TODO ESCRITOR, TENHO A TENTAÇÃO DE USAR TERMOS SUCULENTOS: CONHEÇO ADJETIVOS ESPLENDOROSOS, CARNUDOS SUBSTANTIVOS E VERBOS TÃO ESGUIOS QUE ATRAVESSAM AGUDOS O AR EM VIAS DE AÇÃO, JÁ QUE A PALAVRA É AÇÃO, CONCORDAIS?" CLARICE LISPECTOR - "A HORA DA ESTRELA"
quarta-feira, abril 18, 2012
terça-feira, abril 17, 2012
Warren Buffett tem câncer de próstata
DA REUTERS
17 Abr (Reuters) - O bilionário Warren Buffett, dono da Berkshire Hathaway, revelou nesta terça-feira (17) que tem câncer de próstata em estágio 1, mas disse que sua condição "não representa uma ameaça à vida nem implica que ficará debilitado de maneira significativa".
Buffett disse que começará um tratamento de dois meses de radiação diária, com início em meados de julho. Durante esse período, ele terá pouca condição de fazer viagens, segundo afirmou em comunicado.
A Berkshire está a menos de três semanas de seu encontro anual em que mais de 40 mil acionistas vão à sua sede em Omaha, no Nebraska, Estados Unidos. Buffett costuma ocupar uma posição central no evento.
Já havia expectativa de que o encontro deste ano tratasse do tema sucessão, depois de que Buffett, de 81 anos, disse em carta aos acionistas que o Conselho da Berkshire tinha identificado um sucessor. O nome do executivo não foi revelado.
17 Abr (Reuters) - O bilionário Warren Buffett, dono da Berkshire Hathaway, revelou nesta terça-feira (17) que tem câncer de próstata em estágio 1, mas disse que sua condição "não representa uma ameaça à vida nem implica que ficará debilitado de maneira significativa".
Buffett disse que começará um tratamento de dois meses de radiação diária, com início em meados de julho. Durante esse período, ele terá pouca condição de fazer viagens, segundo afirmou em comunicado.
A Berkshire está a menos de três semanas de seu encontro anual em que mais de 40 mil acionistas vão à sua sede em Omaha, no Nebraska, Estados Unidos. Buffett costuma ocupar uma posição central no evento.
Já havia expectativa de que o encontro deste ano tratasse do tema sucessão, depois de que Buffett, de 81 anos, disse em carta aos acionistas que o Conselho da Berkshire tinha identificado um sucessor. O nome do executivo não foi revelado.
segunda-feira, abril 16, 2012
Repórter atilado, entrevistador temido
DO OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA
Segunda-feira, 16 de Abril de 2012 | ISSN 1519-7670 - Ano 16 - nº 689
MIKE WALLACE (1918-2012)
Segunda-feira, 16 de Abril de 2012 | ISSN 1519-7670 - Ano 16 - nº 689
MIKE WALLACE (1918-2012)
Por Carlos Eduardo Lins da Silva em 10/04/2012 na edição 689
Mike Wallace, que morreu na noite de sábado (7/4) aos 93 anos, foi o símbolo máximo do programa 60 Minutes, da rede de TV americana CBS, o qual foi, por sua vez, o símbolo máximo do telejornalismo investigativo nos EUA.
Grande entrevistador, que sabia entremear perguntas suaves, como que para amaciar o entrevistado, com questões contundentes e desconcertantes, foi também um dos pioneiros da técnica da “entrevista surpresa”, sem preparo ou agendamento, e com ela costumava ser especialmente letal.
Um de seus maiores momentos foi em 1979, pouco depois de radicais islâmicos (com o apoio tácito do governo revolucionário que havia deposto o xá Reza Pahlevi) terem invadido a embaixada americana em Teerã e iniciado o longo tempo em que mantiveram reféns 52 cidadãos dos EUA.
Wallace conseguiu uma entrevista com o aiatolá Ruhollah Khomeini, o líder supremo do Irã, e teve a coragem de lhe perguntar como reagia à frase do presidente do Egito, Anuar Sadat, que classificava as ações de Khomeini como “uma desgraça para o Islã” e o próprio aiatolá como “um lunático”.
A tensão foi tão grande, que os intérpretes iranianos a princípio se recusaram a traduzir a pergunta a Khomeini, que, afinal, respondeu dizendo que Sadat devia ser deposto (dois anos depois o presidente egípcio foi morto em um atentado terrorista).
Concorrência pesada
Outra situação extraordinária em sua notável carreira ocorreu na década de 1990, quando ele resistiu às pressões de seus superiores hierárquicos na CBS que queriam interferir em famosa reportagem liderada por Wallace sobre a indústria de cigarro, a qual provava que executivos das maiores fábricas de tabaco haviam mentido em depoimentos oficiais quando diziam desconhecer que a nicotina causa dependência física.
Wallace pôs a reportagem no ar e alertou o público de que a CBS havia imposto restrições ao que os telespectadores iriam assistir. A história virou um filme importante, The Insider (“O Informante”, 1999, de Michael Mann), em que o ator Christopher Plummer faz o seu papel.
O incidente desgastou a posição de Wallace na CBS, mas ele seguiu no ar com 60 Minutes, apesar da idade já avançada e do declínio gradativo de prestígio do programa, no contexto da crise geral do telejornalismo da TV aberta devido à concorrência progressiva das redes de TV paga e da internet.
Fora da lista
Wallace nasceu em 9 de maio de 1918 num subúrbio de Boston, filho de judeus russos imigrantes. Seu sobrenome de família era Wallik. Começou no jornalismo ainda como estudante universitário, na Universidade de Michigan, como locutor da rádio universitária.
Foi correspondente de rádio na Segunda Guerra Mundial e começou a trabalhar em TV numa emissora de Nova York em 1956, com um programa de entrevistas em que começou a burilar seu estilo. Entre os primeiros convidados de seu show estavam futuras celebridades nacionais, como o escritor Norman Mailer.
Em 1963, ingressou na CBS, conhecida como a “rede Tiffany”, graças ao prestígio acumulado por Ed Murrow, o grande patriarca do telejornalismo nos EUA, e sua equipe. Wallace foi ao Vietnã como repórter e fez entradas no famoso Face the Nation, até que surgiu 60 Minutes, em 1968, com apenas dois apresentadores: Wallace e Harry Reasoner.
O formato passou por várias alterações ao longo do tempo, e contou com a participação de outros jornalistas importantes, como Dan Rather, Diane Sawyer, Christiane Amampour, Ed Bradley, Walter Cronkite, Bob Schieffer, Eric Sevareid, Charles Osgood, Meredith Vieira e muitos outros. Mas ninguém ficou mais tempo do que Wallace, que completou 40 anos no programa e o personificou mais do que ninguém.
Os melhores períodos de 60 Minutes foram no fim da década de 1970 até meados dos anos 1980, e entre 1990 e 1994, quando foi número 1 de audiência em várias temporadas e tinha taxas de audiência que chegaram a 28%, o que significava cerca de 40 milhões de domicílios.
Atualmente, os índices de 60 Minutes mal passam de 8% e ele nunca voltou à lista dos dez programas mais vistos neste século (a última vez em que esteve nela foi em 1999).
***
[Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista]
Grande entrevistador, que sabia entremear perguntas suaves, como que para amaciar o entrevistado, com questões contundentes e desconcertantes, foi também um dos pioneiros da técnica da “entrevista surpresa”, sem preparo ou agendamento, e com ela costumava ser especialmente letal.
Um de seus maiores momentos foi em 1979, pouco depois de radicais islâmicos (com o apoio tácito do governo revolucionário que havia deposto o xá Reza Pahlevi) terem invadido a embaixada americana em Teerã e iniciado o longo tempo em que mantiveram reféns 52 cidadãos dos EUA.
Wallace conseguiu uma entrevista com o aiatolá Ruhollah Khomeini, o líder supremo do Irã, e teve a coragem de lhe perguntar como reagia à frase do presidente do Egito, Anuar Sadat, que classificava as ações de Khomeini como “uma desgraça para o Islã” e o próprio aiatolá como “um lunático”.
A tensão foi tão grande, que os intérpretes iranianos a princípio se recusaram a traduzir a pergunta a Khomeini, que, afinal, respondeu dizendo que Sadat devia ser deposto (dois anos depois o presidente egípcio foi morto em um atentado terrorista).
Concorrência pesada
Outra situação extraordinária em sua notável carreira ocorreu na década de 1990, quando ele resistiu às pressões de seus superiores hierárquicos na CBS que queriam interferir em famosa reportagem liderada por Wallace sobre a indústria de cigarro, a qual provava que executivos das maiores fábricas de tabaco haviam mentido em depoimentos oficiais quando diziam desconhecer que a nicotina causa dependência física.
Wallace pôs a reportagem no ar e alertou o público de que a CBS havia imposto restrições ao que os telespectadores iriam assistir. A história virou um filme importante, The Insider (“O Informante”, 1999, de Michael Mann), em que o ator Christopher Plummer faz o seu papel.
O incidente desgastou a posição de Wallace na CBS, mas ele seguiu no ar com 60 Minutes, apesar da idade já avançada e do declínio gradativo de prestígio do programa, no contexto da crise geral do telejornalismo da TV aberta devido à concorrência progressiva das redes de TV paga e da internet.
Fora da lista
Wallace nasceu em 9 de maio de 1918 num subúrbio de Boston, filho de judeus russos imigrantes. Seu sobrenome de família era Wallik. Começou no jornalismo ainda como estudante universitário, na Universidade de Michigan, como locutor da rádio universitária.
Foi correspondente de rádio na Segunda Guerra Mundial e começou a trabalhar em TV numa emissora de Nova York em 1956, com um programa de entrevistas em que começou a burilar seu estilo. Entre os primeiros convidados de seu show estavam futuras celebridades nacionais, como o escritor Norman Mailer.
Em 1963, ingressou na CBS, conhecida como a “rede Tiffany”, graças ao prestígio acumulado por Ed Murrow, o grande patriarca do telejornalismo nos EUA, e sua equipe. Wallace foi ao Vietnã como repórter e fez entradas no famoso Face the Nation, até que surgiu 60 Minutes, em 1968, com apenas dois apresentadores: Wallace e Harry Reasoner.
O formato passou por várias alterações ao longo do tempo, e contou com a participação de outros jornalistas importantes, como Dan Rather, Diane Sawyer, Christiane Amampour, Ed Bradley, Walter Cronkite, Bob Schieffer, Eric Sevareid, Charles Osgood, Meredith Vieira e muitos outros. Mas ninguém ficou mais tempo do que Wallace, que completou 40 anos no programa e o personificou mais do que ninguém.
Os melhores períodos de 60 Minutes foram no fim da década de 1970 até meados dos anos 1980, e entre 1990 e 1994, quando foi número 1 de audiência em várias temporadas e tinha taxas de audiência que chegaram a 28%, o que significava cerca de 40 milhões de domicílios.
Atualmente, os índices de 60 Minutes mal passam de 8% e ele nunca voltou à lista dos dez programas mais vistos neste século (a última vez em que esteve nela foi em 1999).
***
[Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista]
quarta-feira, abril 11, 2012
TRÊS LIVROS TRISTES
Um livro é muito importante. O livro deve ser levado muito a sério. Quando alguém senta-se diante do computador (como em tempos idos debruçava-se sobre a máquina de escrever), está pronto para colocar em, sei lá, 100, 200, 300 páginas o melhor que seu esforço de imaginação pode produzir.
O problema é que nem sempre esse esforço resulta em um material de qualidade. Muitas vezes o livro, como tantas pessoas que por aí existem, não nasce direito e por isso acaba não agradando a quem corre para livrarias e sebos para se dar de presente ou oferecer a um ente querido preciosidades que distrairão momentaneamente das atribulações cotidianas.
Por que um livro não nasce direito? A culpa é de seus pais. Para que não haja conotações e denotações machistas e chauvinistas neste opúsculo, devemos afirmar que homens e mulheres escribas são capazes tanto de obras-primas quanto de infelicidades na proporção de 50% para cada.
Um exemplo feminino? Stephenie Meyer – a inacreditável autora da saga “Crepúsculo”. Inacreditável, no caso, em razão de seus livros de maior sucesso. Que são francamente ruins. E a pobreza desses trabalhos se reflete nos filmes – fracos e nada convincentes. Tampouco são divertidos, o que poderia ajudar a salvá-los do naufrágio que foi levar para as telonas uma história de amor nada interessante.
Agora, um modelo masculino de como às vezes um trabalho que tinha tudo para dar certo acaba se afogando tranquilamente no oceano da mediocridade.
Quem lê livros há pelo menos 20 anos conhece Sidney Sheldon. Pois este ótimo escritor norte-americano é o responsável por preciosidades como “O outro lado da meia-noite” e “Um estranho no espelho”. Nas minhas férias, degustei literariamente “A ira dos anjos” – um romance muito bacana, em que uma advogada se mete em trocentas peripécias e, no fim das contas, acaba se dando inteiramente mal.
Mas como nem tudo são flores, o senhor Sheldon derrapou com uma trilogia “infanto-juvenil” – “O estrangulador”, “Os doze mandamentos” e “A perseguição”. O que podemos classificar como três livros tristes.
Comecemos pelo último. Em “A perseguição”, jovem de descendência japonesa herda uma fortuna. Quando precisa viajar para os Estados Unidos, descobre que alguém quer ficar com a grana e matá-lo no meio do processo. Aí, precisa fugir feito louco do pretenso assassino. Em “O estrangulador”, um serial killer que mata mulheres em dias de chuva por causa de um trauma de infância aterroriza a cidade de Londres e um detetive da Scotland Yard quer pegá-lo de qualquer maneira. Já em “Os doze mandamentos” (isso mesmo, ele acrescentou mais dois por conta própria) pessoas que não cumpriram as regras sagradas ficaram ricas e famosas.
Não são exatamente obras-primas, certo?
Mas podia ser pior. Há meia dúzia de três ou quatro fins de semana, li de fio a pavio uma outra grande bobagem, cujo título era “O menino do pijama listrado”. Do que se trata: um menino chamado Bruno não conhece nada do Holocausto e da Solução Final contra os judeus. Também não faz ideia dos desdobramentos e horrores perpetrados durante a Segunda Guerra. Mas em determinado momento conhece um garoto chamado Shmuel, preso em um campo de concentração, que veste um pijama listrado que apavora Bruno. Pois esses dois meninos acabam se tornando amigos. E o resto da história é a famosa conversa flácida para acalentar bovino.
A bobagem do sr. John Boyne mereceria uma boa paródia. Algo referente a zumbis, vampiros ou lobisomens – assuntos que estão “na moda”, por assim dizer. O título, vejamos, podia ser “O pijama do menino listrado”. Só para chatear.
segunda-feira, abril 09, 2012
Brasil: um lugar de preços esquisitos, mas com grande potencial econômico
Roger Cohen
No Rio de Janeiro
DO HERALD TRIBUNE
Eu vim para o Brasil na década de oitenta, em uma época de dinheiro esquisito. A inflação atingiu um pico de 6.821% em abril de 1990. Atualmente o Brasil é um lugar de preços esquisitos. Uma garrafa de vinho tinto chileno comum pode custar US$ 100 e um par de tênis de marca US$ 350. Comparativamente, Paris e Nova York parecem ser lugares muito baratos.
O dinheiro esquisito recebeu vários nomes – cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro real – em busca de uma credibilidade elusiva. Mas o Brasil tinha um único nome: instabilidade. A seguir veio a criação do real em 1994, sólidas instituições democráticas, reforma monetária, privatizações, aumento da produção de commodities, comércio com a China, grandes descobertas de petróleo – e a pizza margarita a US$ 45.
Essa pizza da era do boom econômico brasileiro me deixa irritado. É necessária certa arrogância para amassar e assar massa de pão arredondada por tal preço – exatamente aquela arrogância que acabou no Ocidente. Nós estamos vivendo a grande inversão global. As etiquetas de preço gritam: Você virou história, baby!
Eu sem dúvida consigo ver as coisas dessa forma. Antigamente os diretores do Citibank consideravam o Brasil um país fracassado. O que vemos agora é uma história de virada. O capitalismo brasileiro tem se saído melhor do que o capitalismo norte-americano recente e muito melhor do que os bancos dos Estados Unidos. A desigualdade, que ainda é acentuada, sofreu uma redução aqui no Brasil nos últimos anos. Dentre todas as commodities brasileiras de rápido crescimento, a confiança é a mais presente.
Mas desconstruamos essa Gucci de pizzas. Afinal de contas, ela vende. Por detrás da massa fabulosamente cara, do tomate e da mozarela está à espreita uma moeda brasileira supervalorizada. E por detrás disso há taxas de juros suficientemente elevadas e uma nação suficientemente estável para atrair corporações globais e fazer com que os super-ricos do mundo invistam o seu dinheiro aqui. Por detrás dessa opção de investimento estão as crises norte-americana e europeia que desvalorizaram as principais moedas, em parte por meio de injeções monetárias do Banco Central conhecidas como flexibilizações quantitativas.
Em suma, essa é uma pizza prenunciadora. Existe mais confiança no Brasil do que na Europa do euro comprometido ou do que nos Estados Unidos da indústria financeira comprometida. O arrogante Brasil, com o seu petróleo das plataformas marítimas e a sua Olimpíada que está por vir, proporciona uma imagem especular de um Ocidente frágil. Você está em busca da promessa da América? Venha para cá.
A agenda global em 2012 não tem nenhum foco que seja mais importante do que encontrar um equilíbrio entre os extremos do otimismo do terceiro mundo e a morosidade do mundo desenvolvido. As guerras iniciada após 11 de setembro de 2011 acabaram ou estão acabando. Elas não foram inteiramente perdidas, mas também não foram vencidas.
O recente surto assassino do sargento Robert Bales – um militar dos Estados Unidos estacionado no Afeganistão na sua quarta missão nessas guerras, acossado por problemas financeiros e correndo o risco de perder a sua casa – resumiu as frustrações com esses conflitos. Bales perdeu a cabeça. Muitos perderam tudo. Após as guerras e os trilhões de dólares por elas consumidos veio a tarefa árdua de lidar com a dívida e os déficits, o índice elevado de desemprego, o crescimento anêmico e a autoestima abalada.
Sair dessa situação é algo que só poderá ser feito por meio de um esforço conjunto. Economias em desenvolvimento como a China e o Brasil terão que experimentar uma queda de superávit para que os déficits debilitantes do Ocidente sejam corrigidos.
O real supervalorizado, que pune as empresas que tentam exportar, não é melhor para o Brasil no longo prazo do que um euro que passa por operações de resgate seguidas é para a Europa. O Brasil, a China e todas as economias emergentes não são beneficiados por um Estados Unidos e uma Europa imersos em dúvidas e flagelados pelo desemprego da sua juventude. O mundo está buscando uma rota sustentável para sair da crise econômica de 2008. Subterfúgios, que tiveram um custo moral, impediram o pior. Mas eles não criaram novas bases econômicas convincentes.
Quando Greg Smith, um executivo do Goldman Sachs que estava deixando a instituição, disse recentemente em uma coluna publicada no "New York Times", "Fico nauseado ao ver a maneira como as pessoas na firma falam impiedosamente em arrancar o dinheiro dos clientes", o nojo que ele sente pela sua companhia refletiu um mal-estar generalizado em relação à forma como as grandes instituições financeiras norte-americanas, que foram salvas com o dinheiro do contribuinte, saíram da crise de 2008 sem terem feito nenhuma autocrítica séria.
A cultura que produziu aquele desastre não foi desmantelada; em alguns casos ela não foi sequer questionada. Enquanto isso, indivíduos como o sargento Bales seguiam para a guerra e milhões de norte-americanos eram despejados das suas residências. Um resultado disso foi o movimento "Occupy Wall Street". Outro foi a sensação de que um capitalismo distorcido, caracterizado por uma redução da mobilidade social, não está funcionando.
Nos próximos meses, em reuniões em Camp David (G-8), na Cidade do México (G-20) e aqui no Rio de Janeiro (Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável), os líderes mundiais buscarão novamente algo que possa ser feito. Não há soluções rápidas. Mas o foco precisa concentrar-se no estímulo ao crescimento: conforme indica a agonia da Grécia e da Espanha, gerenciar problemas financeiros sem crescimento é algo que não funcionará.
Mas o crescimento apenas não é suficiente. O mundo está aprendendo que o crescimento precisa ser mais igualitário e sustentável. E para que se consiga isso será necessário que haja reforma fiscal, regulamentação financeira global e melhor uso dos recursos. Um código tributário norte-americano que permite que indivíduos muito ricos como Mitt Romney paguem 13,9% de impostos sobre uma renda que foi de US$ 21,6 milhões em 2010 alimentou a frustração da classe média, que paga muito mais.
Justiça e igualdade de oportunidades são valores norte-americanos essenciais; mas eles foram solapados. O resultado disso é um estado de espírito nacional que fará com que a luta de Barack Obama pela reeleição em novembro seja árdua, apesar de toda a palhaçada que temos presenciado nas primárias republicanas.
Obama precisa modificar a forma como os norte-americanos encaram o futuro. Obama é o Mister Competência, mas ele precisa transformar-se no Mister Confiança. Isso exige crescimento. O Brasil, o único pais de tamanho e diversidade similares na América, poderia ser um parceiro importante nesse processo caso certas rivalidades petulantes e antigas fossem deixadas de lado.
Talvez não se tenha prestado atenção suficiente à América Latina e à sua transformação nos últimos 25 anos. Nós estamos presenciando, afinal de contas, o início de outra mudança regional histórica conhecida como Primavera Árabe. Existem alguns paralelos interessantes. Vale a pena chamar atenção para eles porque a vitória no Egito – a criação no decorrer da próxima geração de uma sociedade como a do Brasil, mais aberta e responsável e que desfrute de um forte crescimento econômico – é atualmente mais importante para o Ocidente do que o resultado preciso da campanha militar no Afeganistão. A democracia árabe pode acabar com o extremismo exatamente da mesma forma que a democracia latino-americana o fez.
A junta militar argentina cedeu o poder em 1983. O governo militar brasileiro caiu em 1985. O regime militar chileno perdeu um referendo em 1988 que resultou no seu fim. Todos esses regimes brutais foram apoiados pelos Estados Unidos. Eles seriam supostamente bastiões de resistência ao comunismo revolucionário – da mesma forma que os ditadores da Tunísia ao Egito foram apoiados pelo Ocidente como sendo a única suposta defesa contra o islamismo radical.
Dilma Rousseff, a presidente do Brasil, foi uma dessas esquerdistas. Ela foi torturada pelas forças armadas e ficou presa de 1970 a 1973. Agora, após estar há pouco mais de um ano na presidência, ela governa o Brasil com um pragmatismo que tem combinado políticas que tranquilizam as lideranças empresariais com programas que fizeram com que milhões de brasileiros ingressassem na classe média. Eu gosto de pensar que Rousseff, uma ex-guerrilheira, seja um exemplo daquilo que um ex-radical da Irmandade Muçulmana poderá ser daqui a 20 anos.
O islamismo político está sendo redefinido para levar em consideração a modernidade e as exigências dos muçulmanos por responsabilidade governamental. Movimentos como a Irmandade Muçulmana no Egito ou o Ennahda na Tunísia, adaptando-se às responsabilidades do poder, estão no centro dessa mudança. A mudança poderá ser irregular, às vezes até violenta, mas ela conduzirá à direção de uma maior abertura.
Formas de governo, sejam elas seculares ou religiosas, que reduzem nações a feudos particulares, como é o caso da Síria de Bashar al-Assad, estão condenadas. Assad poderá se manter no poder por algum tempo, mas não há saída para ele, da mesma forma que não houve saída para as forças armadas da América Latina depois que a cultura democrática se enraizou na região. Acabar com essa tirania após o assassinato de mais de 7.000 sírios deveria ser uma tarefa prioritária na agenda global.
E igualmente prioritário é evitar uma guerra com o Irã. Eu não acredito que Israel atacará o Irã, contanto que Obama continue demonstrando a sua firme oposição a isso. A análise de custos e benefícios não tem como justificar tal atitude; os israelenses não são loucos.
A esta altura o Ocidente conhece os custos das guerras – não apenas em termos de vidas e riquezas, mas também no que diz respeito à deturpação do debate nacional de forma a descartar decisões essenciais nas áreas de educação, energia e infraestrutura. De acordo com as melhores estimativas da inteligência ocidental o Irã ainda não dirigiu o seu programa nuclear, que já dura décadas, para a fabricação da bomba atômica, de forma que há tempo. As negociações estão sendo reiniciadas entre as grandes potências e o Irã. A menos que sejam criativas, essas negociações fracassarão.
O Irã deseja o reconhecimento do seu direito a enriquecer urânio. Esse desejo só pode ser concedido caso o processo seja verificável e produza urânio enriquecido a um teor de 5%, que é necessário para a geração de eletricidade, sem superar esse nível. Portanto, voltando ao Brasil: é preciso ressuscitar algo como a ideia apresentada pelo Brasil e pela Turquia (mas originalmente concebida pelos Estados Unidos) de fornecer urânio enriquecido a 20%, do qual o reator de isótopos medicinais de Teerã necessita, em troca do compromisso do Irã de enviar parte do seu urânio enriquecido para fora do país. Ao mesmo tempo, é necessário ampliar qualquer diálogo com o Irã. Caso seja mantida em isolamento, a questão nuclear iraniana será insolúvel. E ela também será insolúvel sem as potências emergentes, como o Brasil e a Turquia, que são capazes de atenuar a desconfiança psicótica existente entre o Irã e os Estados Unidos.
E aquilo que se aplica à economia também se aplica ao Irã: um mundo interconectado precisa trabalhar em conjunto de maneiras ainda não imaginadas para encontrar soluções efetivas. Em 27 de julho, os Jogos Olímpicos terão início em Londres. A capital britânica está nos últimos estágios dos preparativos para essa festa global. Talvez o fato socialmente mais significativo até o momento tenha ocorrido em uma ampla avenida que vai do Hyde Park até o Museu Victoria and Albert.
A um custo de quase US$ 40 milhões, a Exhibition Road foi transformada na principal mostra do embelezamento de Londres. Um desenho entrecruzado em granito preto e branco vai de um lado a outro da avenida, ao lado de uma fileira de postes altos e delgados de iluminação que parecem-se mais com elevados refletores do que com postes de luz tradicional. O efeito é onírico, especialmente quando percebe-se que não há calçadas.
Carros, bicicletas e pedestres passam por uma única superfície sem barreiras. Somente canais de drenagem cobertos por ferro fundido negro e uma faixa de pavimento áspero (para a orientação dos deficientes visuais) separam a área de pedestres daquela destinada aos veículos. Essa é uma nova forma de cenário conhecido no setor de design urbano como "espaço compartilhado".
A ideia de "espaço compartilhado", criada Hans Monderman, um engenheiro de trânsito holandês, revoluciona o pensamento tradicional sobre a segurança de tráfego. Durante grande parte do século 20, achou-se que o fluxo eficiente do trânsito dependia de uma separação total entre carros e pedestres, complementada por sinais de trânsito, placas, barreiras e pinturas no pavimento para manter as pessoas em segurança.
Monderman, que morreu em 2008, teve outras ideias. Ele desejava aumentar a consciência e a responsabilidade coletivas acabando com todos os sinais e separações no trânsito, e acreditava que a segurança poderia ser de fato aumentada ao se fazer com que as pessoas que trafegassem pelas ruas tivessem uma consciência intensa da presença dos outros indivíduos. Às vezes ele testava as suas ideias – implementadas em várias cidades holandesas, bem como em algumas cidades alemãs e escandinavas – andando de costas em direção ao tráfego em uma área de espaço compartilhado. A conclusão foi que as teorias dele funcionavam.
O espaço compartilhado não é uma má metáfora para o mundo atual, um lugar no qual as velhas placas de trânsito têm pouca utilidade, onde a separação não passa de ilusão, e a navegação bem sucedida depende da intensa consciência de cada ator, desde Ipanema até Teerã e South Kensington.
Eu estou tirando uma folga deste espaço durante alguns meses para concluir um livro, uma memória de família que tem início na Lituânia, vai à África do Sul e ao Reino Unido, e termina nos Estados Unidos e em Israel. Eu mal posso esperar para reiniciar a conversa no próximo verão do hemisfério norte.
Tradutor: UOL
No Rio de Janeiro
DO HERALD TRIBUNE
Eu vim para o Brasil na década de oitenta, em uma época de dinheiro esquisito. A inflação atingiu um pico de 6.821% em abril de 1990. Atualmente o Brasil é um lugar de preços esquisitos. Uma garrafa de vinho tinto chileno comum pode custar US$ 100 e um par de tênis de marca US$ 350. Comparativamente, Paris e Nova York parecem ser lugares muito baratos.
O dinheiro esquisito recebeu vários nomes – cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro real – em busca de uma credibilidade elusiva. Mas o Brasil tinha um único nome: instabilidade. A seguir veio a criação do real em 1994, sólidas instituições democráticas, reforma monetária, privatizações, aumento da produção de commodities, comércio com a China, grandes descobertas de petróleo – e a pizza margarita a US$ 45.
Essa pizza da era do boom econômico brasileiro me deixa irritado. É necessária certa arrogância para amassar e assar massa de pão arredondada por tal preço – exatamente aquela arrogância que acabou no Ocidente. Nós estamos vivendo a grande inversão global. As etiquetas de preço gritam: Você virou história, baby!
Eu sem dúvida consigo ver as coisas dessa forma. Antigamente os diretores do Citibank consideravam o Brasil um país fracassado. O que vemos agora é uma história de virada. O capitalismo brasileiro tem se saído melhor do que o capitalismo norte-americano recente e muito melhor do que os bancos dos Estados Unidos. A desigualdade, que ainda é acentuada, sofreu uma redução aqui no Brasil nos últimos anos. Dentre todas as commodities brasileiras de rápido crescimento, a confiança é a mais presente.
Mas desconstruamos essa Gucci de pizzas. Afinal de contas, ela vende. Por detrás da massa fabulosamente cara, do tomate e da mozarela está à espreita uma moeda brasileira supervalorizada. E por detrás disso há taxas de juros suficientemente elevadas e uma nação suficientemente estável para atrair corporações globais e fazer com que os super-ricos do mundo invistam o seu dinheiro aqui. Por detrás dessa opção de investimento estão as crises norte-americana e europeia que desvalorizaram as principais moedas, em parte por meio de injeções monetárias do Banco Central conhecidas como flexibilizações quantitativas.
Em suma, essa é uma pizza prenunciadora. Existe mais confiança no Brasil do que na Europa do euro comprometido ou do que nos Estados Unidos da indústria financeira comprometida. O arrogante Brasil, com o seu petróleo das plataformas marítimas e a sua Olimpíada que está por vir, proporciona uma imagem especular de um Ocidente frágil. Você está em busca da promessa da América? Venha para cá.
A agenda global em 2012 não tem nenhum foco que seja mais importante do que encontrar um equilíbrio entre os extremos do otimismo do terceiro mundo e a morosidade do mundo desenvolvido. As guerras iniciada após 11 de setembro de 2011 acabaram ou estão acabando. Elas não foram inteiramente perdidas, mas também não foram vencidas.
O recente surto assassino do sargento Robert Bales – um militar dos Estados Unidos estacionado no Afeganistão na sua quarta missão nessas guerras, acossado por problemas financeiros e correndo o risco de perder a sua casa – resumiu as frustrações com esses conflitos. Bales perdeu a cabeça. Muitos perderam tudo. Após as guerras e os trilhões de dólares por elas consumidos veio a tarefa árdua de lidar com a dívida e os déficits, o índice elevado de desemprego, o crescimento anêmico e a autoestima abalada.
Sair dessa situação é algo que só poderá ser feito por meio de um esforço conjunto. Economias em desenvolvimento como a China e o Brasil terão que experimentar uma queda de superávit para que os déficits debilitantes do Ocidente sejam corrigidos.
O real supervalorizado, que pune as empresas que tentam exportar, não é melhor para o Brasil no longo prazo do que um euro que passa por operações de resgate seguidas é para a Europa. O Brasil, a China e todas as economias emergentes não são beneficiados por um Estados Unidos e uma Europa imersos em dúvidas e flagelados pelo desemprego da sua juventude. O mundo está buscando uma rota sustentável para sair da crise econômica de 2008. Subterfúgios, que tiveram um custo moral, impediram o pior. Mas eles não criaram novas bases econômicas convincentes.
Quando Greg Smith, um executivo do Goldman Sachs que estava deixando a instituição, disse recentemente em uma coluna publicada no "New York Times", "Fico nauseado ao ver a maneira como as pessoas na firma falam impiedosamente em arrancar o dinheiro dos clientes", o nojo que ele sente pela sua companhia refletiu um mal-estar generalizado em relação à forma como as grandes instituições financeiras norte-americanas, que foram salvas com o dinheiro do contribuinte, saíram da crise de 2008 sem terem feito nenhuma autocrítica séria.
A cultura que produziu aquele desastre não foi desmantelada; em alguns casos ela não foi sequer questionada. Enquanto isso, indivíduos como o sargento Bales seguiam para a guerra e milhões de norte-americanos eram despejados das suas residências. Um resultado disso foi o movimento "Occupy Wall Street". Outro foi a sensação de que um capitalismo distorcido, caracterizado por uma redução da mobilidade social, não está funcionando.
Nos próximos meses, em reuniões em Camp David (G-8), na Cidade do México (G-20) e aqui no Rio de Janeiro (Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável), os líderes mundiais buscarão novamente algo que possa ser feito. Não há soluções rápidas. Mas o foco precisa concentrar-se no estímulo ao crescimento: conforme indica a agonia da Grécia e da Espanha, gerenciar problemas financeiros sem crescimento é algo que não funcionará.
Mas o crescimento apenas não é suficiente. O mundo está aprendendo que o crescimento precisa ser mais igualitário e sustentável. E para que se consiga isso será necessário que haja reforma fiscal, regulamentação financeira global e melhor uso dos recursos. Um código tributário norte-americano que permite que indivíduos muito ricos como Mitt Romney paguem 13,9% de impostos sobre uma renda que foi de US$ 21,6 milhões em 2010 alimentou a frustração da classe média, que paga muito mais.
Justiça e igualdade de oportunidades são valores norte-americanos essenciais; mas eles foram solapados. O resultado disso é um estado de espírito nacional que fará com que a luta de Barack Obama pela reeleição em novembro seja árdua, apesar de toda a palhaçada que temos presenciado nas primárias republicanas.
Obama precisa modificar a forma como os norte-americanos encaram o futuro. Obama é o Mister Competência, mas ele precisa transformar-se no Mister Confiança. Isso exige crescimento. O Brasil, o único pais de tamanho e diversidade similares na América, poderia ser um parceiro importante nesse processo caso certas rivalidades petulantes e antigas fossem deixadas de lado.
Talvez não se tenha prestado atenção suficiente à América Latina e à sua transformação nos últimos 25 anos. Nós estamos presenciando, afinal de contas, o início de outra mudança regional histórica conhecida como Primavera Árabe. Existem alguns paralelos interessantes. Vale a pena chamar atenção para eles porque a vitória no Egito – a criação no decorrer da próxima geração de uma sociedade como a do Brasil, mais aberta e responsável e que desfrute de um forte crescimento econômico – é atualmente mais importante para o Ocidente do que o resultado preciso da campanha militar no Afeganistão. A democracia árabe pode acabar com o extremismo exatamente da mesma forma que a democracia latino-americana o fez.
A junta militar argentina cedeu o poder em 1983. O governo militar brasileiro caiu em 1985. O regime militar chileno perdeu um referendo em 1988 que resultou no seu fim. Todos esses regimes brutais foram apoiados pelos Estados Unidos. Eles seriam supostamente bastiões de resistência ao comunismo revolucionário – da mesma forma que os ditadores da Tunísia ao Egito foram apoiados pelo Ocidente como sendo a única suposta defesa contra o islamismo radical.
Dilma Rousseff, a presidente do Brasil, foi uma dessas esquerdistas. Ela foi torturada pelas forças armadas e ficou presa de 1970 a 1973. Agora, após estar há pouco mais de um ano na presidência, ela governa o Brasil com um pragmatismo que tem combinado políticas que tranquilizam as lideranças empresariais com programas que fizeram com que milhões de brasileiros ingressassem na classe média. Eu gosto de pensar que Rousseff, uma ex-guerrilheira, seja um exemplo daquilo que um ex-radical da Irmandade Muçulmana poderá ser daqui a 20 anos.
O islamismo político está sendo redefinido para levar em consideração a modernidade e as exigências dos muçulmanos por responsabilidade governamental. Movimentos como a Irmandade Muçulmana no Egito ou o Ennahda na Tunísia, adaptando-se às responsabilidades do poder, estão no centro dessa mudança. A mudança poderá ser irregular, às vezes até violenta, mas ela conduzirá à direção de uma maior abertura.
Formas de governo, sejam elas seculares ou religiosas, que reduzem nações a feudos particulares, como é o caso da Síria de Bashar al-Assad, estão condenadas. Assad poderá se manter no poder por algum tempo, mas não há saída para ele, da mesma forma que não houve saída para as forças armadas da América Latina depois que a cultura democrática se enraizou na região. Acabar com essa tirania após o assassinato de mais de 7.000 sírios deveria ser uma tarefa prioritária na agenda global.
E igualmente prioritário é evitar uma guerra com o Irã. Eu não acredito que Israel atacará o Irã, contanto que Obama continue demonstrando a sua firme oposição a isso. A análise de custos e benefícios não tem como justificar tal atitude; os israelenses não são loucos.
A esta altura o Ocidente conhece os custos das guerras – não apenas em termos de vidas e riquezas, mas também no que diz respeito à deturpação do debate nacional de forma a descartar decisões essenciais nas áreas de educação, energia e infraestrutura. De acordo com as melhores estimativas da inteligência ocidental o Irã ainda não dirigiu o seu programa nuclear, que já dura décadas, para a fabricação da bomba atômica, de forma que há tempo. As negociações estão sendo reiniciadas entre as grandes potências e o Irã. A menos que sejam criativas, essas negociações fracassarão.
O Irã deseja o reconhecimento do seu direito a enriquecer urânio. Esse desejo só pode ser concedido caso o processo seja verificável e produza urânio enriquecido a um teor de 5%, que é necessário para a geração de eletricidade, sem superar esse nível. Portanto, voltando ao Brasil: é preciso ressuscitar algo como a ideia apresentada pelo Brasil e pela Turquia (mas originalmente concebida pelos Estados Unidos) de fornecer urânio enriquecido a 20%, do qual o reator de isótopos medicinais de Teerã necessita, em troca do compromisso do Irã de enviar parte do seu urânio enriquecido para fora do país. Ao mesmo tempo, é necessário ampliar qualquer diálogo com o Irã. Caso seja mantida em isolamento, a questão nuclear iraniana será insolúvel. E ela também será insolúvel sem as potências emergentes, como o Brasil e a Turquia, que são capazes de atenuar a desconfiança psicótica existente entre o Irã e os Estados Unidos.
E aquilo que se aplica à economia também se aplica ao Irã: um mundo interconectado precisa trabalhar em conjunto de maneiras ainda não imaginadas para encontrar soluções efetivas. Em 27 de julho, os Jogos Olímpicos terão início em Londres. A capital britânica está nos últimos estágios dos preparativos para essa festa global. Talvez o fato socialmente mais significativo até o momento tenha ocorrido em uma ampla avenida que vai do Hyde Park até o Museu Victoria and Albert.
A um custo de quase US$ 40 milhões, a Exhibition Road foi transformada na principal mostra do embelezamento de Londres. Um desenho entrecruzado em granito preto e branco vai de um lado a outro da avenida, ao lado de uma fileira de postes altos e delgados de iluminação que parecem-se mais com elevados refletores do que com postes de luz tradicional. O efeito é onírico, especialmente quando percebe-se que não há calçadas.
Carros, bicicletas e pedestres passam por uma única superfície sem barreiras. Somente canais de drenagem cobertos por ferro fundido negro e uma faixa de pavimento áspero (para a orientação dos deficientes visuais) separam a área de pedestres daquela destinada aos veículos. Essa é uma nova forma de cenário conhecido no setor de design urbano como "espaço compartilhado".
A ideia de "espaço compartilhado", criada Hans Monderman, um engenheiro de trânsito holandês, revoluciona o pensamento tradicional sobre a segurança de tráfego. Durante grande parte do século 20, achou-se que o fluxo eficiente do trânsito dependia de uma separação total entre carros e pedestres, complementada por sinais de trânsito, placas, barreiras e pinturas no pavimento para manter as pessoas em segurança.
Monderman, que morreu em 2008, teve outras ideias. Ele desejava aumentar a consciência e a responsabilidade coletivas acabando com todos os sinais e separações no trânsito, e acreditava que a segurança poderia ser de fato aumentada ao se fazer com que as pessoas que trafegassem pelas ruas tivessem uma consciência intensa da presença dos outros indivíduos. Às vezes ele testava as suas ideias – implementadas em várias cidades holandesas, bem como em algumas cidades alemãs e escandinavas – andando de costas em direção ao tráfego em uma área de espaço compartilhado. A conclusão foi que as teorias dele funcionavam.
O espaço compartilhado não é uma má metáfora para o mundo atual, um lugar no qual as velhas placas de trânsito têm pouca utilidade, onde a separação não passa de ilusão, e a navegação bem sucedida depende da intensa consciência de cada ator, desde Ipanema até Teerã e South Kensington.
Eu estou tirando uma folga deste espaço durante alguns meses para concluir um livro, uma memória de família que tem início na Lituânia, vai à África do Sul e ao Reino Unido, e termina nos Estados Unidos e em Israel. Eu mal posso esperar para reiniciar a conversa no próximo verão do hemisfério norte.
Tradutor: UOL
domingo, abril 08, 2012
AQUILO QUE TEM QUE SER DITO
DE GÜNTER GRASS
TRADUÇÃO DE RALF RICKLI
TRADUÇÃO DE RALF RICKLI
Por que tenho me calado, me calado por tempo demais
sobre o que é patente e já vem sendo ensaiado
em simulações ao fim das quais nós, como sobreviventes,
somos no máximo umas notas de rodapé?
sobre o que é patente e já vem sendo ensaiado
em simulações ao fim das quais nós, como sobreviventes,
somos no máximo umas notas de rodapé?
É o alegado direito de ataque preventivo
que poderia extinguir aquele povo
subjugado por um fanfarrão
e empurrado ao júbilo organizado (o iraniano),
porque se suspeita da construção
de uma bomba atômica em seus domínios.
que poderia extinguir aquele povo
subjugado por um fanfarrão
e empurrado ao júbilo organizado (o iraniano),
porque se suspeita da construção
de uma bomba atômica em seus domínios.
Por que, no entanto, eu me proíbo
de chamar pelo nome aquele outro país
no qual se dispõe há anos - ainda que em segredo -
de um potencial nuclear crescente
e sem controle, pois não se dá acesso
a nenhuma inspeção?
de chamar pelo nome aquele outro país
no qual se dispõe há anos - ainda que em segredo -
de um potencial nuclear crescente
e sem controle, pois não se dá acesso
a nenhuma inspeção?
A generalizada omissão desse fato,
à qual se subordina o meu calar,
eu a sinto como incriminadora mentira
e coerção com promessa de punição:
assim que desobedecida,
o veredito “antissemitismo” está em toda parte.
à qual se subordina o meu calar,
eu a sinto como incriminadora mentira
e coerção com promessa de punição:
assim que desobedecida,
o veredito “antissemitismo” está em toda parte.
Agora, porém, porque o meu país,
- que por seus crimes próprios,
que estão além de comparação,
é volta e meia chamando às falas -
deve entregar a Israel
(por razões puramente comerciais,
embora declarado com lábios ligeiros
que se trata de reparação)
mais um submarino, cuja especialidade
é ser capaz de direcionar ogivas
de destruição total a um lugar
onde não foi comprovada a existência
de uma bomba atômica sequer, e no entanto
com o fim de atemorizar se pretende
que existam provas conclusivas -
por isso agora eu vou dizer
o que precisa ser dito.
- que por seus crimes próprios,
que estão além de comparação,
é volta e meia chamando às falas -
deve entregar a Israel
(por razões puramente comerciais,
embora declarado com lábios ligeiros
que se trata de reparação)
mais um submarino, cuja especialidade
é ser capaz de direcionar ogivas
de destruição total a um lugar
onde não foi comprovada a existência
de uma bomba atômica sequer, e no entanto
com o fim de atemorizar se pretende
que existam provas conclusivas -
por isso agora eu vou dizer
o que precisa ser dito.
Por que, no entanto, até agora eu me calei?
Porque eu pensava que a minha origem,
marcada com mácula nunca extinguível,
proibia declarar tais fatos como verdadeiros
em relação ao país Israel, com o qual tenho laços
e quero continuar a ter.
Porque eu pensava que a minha origem,
marcada com mácula nunca extinguível,
proibia declarar tais fatos como verdadeiros
em relação ao país Israel, com o qual tenho laços
e quero continuar a ter.
Por que é que eu digo somente agora,
envelhecido e com o fim da minha tinta,
que o poder atômico de Israel põe em risco
a paz mundial, já frágil sem isso?
Porque precisa ser dito
o que amanhã pode ser muito tarde;
e também porque nós
- como alemães já o suficiente incriminados -
podemos vir a ser fornecedores para um crime previsível,
com o que nenhuma das usuais desculpas
teria o poder de redimir
nossa participação na culpa.
envelhecido e com o fim da minha tinta,
que o poder atômico de Israel põe em risco
a paz mundial, já frágil sem isso?
Porque precisa ser dito
o que amanhã pode ser muito tarde;
e também porque nós
- como alemães já o suficiente incriminados -
podemos vir a ser fornecedores para um crime previsível,
com o que nenhuma das usuais desculpas
teria o poder de redimir
nossa participação na culpa.
E admito: não mais me calo
porque estou farto da hipocrisia do Ocidente,
e tenho esperança que com isso
possam se libertar muitos desse calar-se
e conclamar o causador do reconhecível perigo
a abrir mão de violência, e igualmente
a que seja permitido pelos governos dos dois países
um controle permanente e desimpedido
do potencial atômico israelense
e das instalações atômicas iranianas
por uma instância internacional.
porque estou farto da hipocrisia do Ocidente,
e tenho esperança que com isso
possam se libertar muitos desse calar-se
e conclamar o causador do reconhecível perigo
a abrir mão de violência, e igualmente
a que seja permitido pelos governos dos dois países
um controle permanente e desimpedido
do potencial atômico israelense
e das instalações atômicas iranianas
por uma instância internacional.
Somente assim será possível ajudar
a todos, israelenses e palestinos,
e mais: a todos os seres humanos
que nessa região ocupada pelo delírio
vivem apertados em inimizade, e afinal
a nós mesmos também.
a todos, israelenses e palestinos,
e mais: a todos os seres humanos
que nessa região ocupada pelo delírio
vivem apertados em inimizade, e afinal
a nós mesmos também.
Assinar:
Postagens (Atom)