domingo, novembro 04, 2007

ADEUS, DE NOVO

A viagem foi um pesadelo de oito horas. Chovia muito e por duas vezes o ônibus saiu da estrada. Nas duas ocasiões, esteve a ponto de capotar, e foi um verdadeiro milagre ninguém ter sofrido lesões graves.
Outro aspecto terrível dessa dantesca odisséia foram os muitos carros e corpos destroçados que os passageiros viram ao longo da odisséia dantesca. Houve um caso, antes de chegarem a Arari, no qual cinco automóveis pegavam fogo ao mesmo tempo. Duas senhoras, de idade avançada, vomitaram quando viram oito cadáveres dilacerados pelas chamas.
Sentado próximo ao motorista do ônibus, Daniel Mendes não deixou de comentar que em momentos como esse fica muito difícil aceitar a existência de Deus. Uma das senhoras que colocara para fora sua última refeição indignou-se e, nem bem refeita da tragédia que testemunhara, indignou-se.
- Como o senhor pode dizer um absurdo desse? - vociferou. - Nós acabamos de escapar duas vezes da morte certa! Se Deus não nos ajudou, que explicação me dá para o que aconteceu com a gente?
O professor Daniel Mendes, 38 anos, tinha uma resposta na ponta da língua, mas preferiu guardá-la para si. A verdade era que, após a morte de Luciana, desfez de um golpe tudo o que relacionava o casal a Deus Nosso Senhor e aos santos dos quais eram devotos. Queimou livros de orações, as coleções de hinos religiosos, a Bíblia que deixavam aberta na mesa da sala no começo do Evangelho de São Mateus, as imagens de São Judas Tadeu, de São Jorge com o dragão, de Nossa Senhora do Carmo, de Nossa Senhora de Fátima e de Nossa Senhora das Dores. Por último, quebrou em pedaços bem miúdos uma impressionante imagem do Cristo Crucificado, em tamanho natural, para a qual construíram uma capela no quintal e diante da qual passavam pelo menos uma hora em orações contritas após o almoço e o jantar, todo santo dia.
Não deu nem tempo a si mesmo de digerir o abrupto rompimento com os desígnios divinos. Foi até o Terminal Rodoviário e comprou uma passagem para São Bento. Porque foi o primeiro município sobre o qual alguém falou, ao chegar à rodoviária. Não conhecia o lugar. Tampouco tinha parentes que lá residissem. Tudo o que queria era ir para bem longe, para alguma cidade que significasse para ele a terra do esquecimento, onda ñão teria mais que pastorear seus rancores, sua raiva, sua mágoa, sua tristeza e, mais importante, a saudade, que parecia não ter limites.
No dia seguinte, apareceu na rodoviária às seis da manhã - que era o horário de saída do ônibus, marcado no bilhete. Imaginou o que pensaria o diretor do colégio da rede particular quando soubesse que seu professor de língua portuguesa, literatura brasileira e redação não desse as caras às sete horas na escola, e na raiva que o homem teria de engolir quando soubesse que Daniel não trabalharia para ele nunca mais. Daniel deu de ombros. "Que vá para o inferno", murmurou. Em seguida, entrou no ônibus. Nesse momento, o céu tornou-se cor de carvão, o ribombar do trovão sacudiu a Ilha e os ventos gelados apavoraram os bentivis em seus beirais carcomidos pelo descuido crônico de uma Prefeitura de merda.
Não houve mais percalços pelo resto da viagem demente. Mas a chuva continuava quando ele colocou os pés na cidade que desconhecia por completo e na qual haveria de viver até o fim de sua residência na terra. Não se sentia cansado. Podia muito bem suportar o peso de suas duas grandes malas, sob o temporal, enquanto procurava uma pousada provisória, a partir da qual procuraria seu castelo definitivo.
Antes de começar sua caminhada, soltou um longo suspiro e disse para o céu enfarruscado:
- Mais uma vez adeus, minha querida Luciana. Você morreu, mas é a minha vida que deve continuar. Sinto muito mesmo.
Em seguida, movendo o pé direito, deu início à última aventura de sua vida.

sábado, novembro 03, 2007

GLÓRIA

Dia de Finados. Para mim, é tempo de reflexão. De pensar no quanto o exemplo dos que já foram dessa para bem melhor pode nos ajudar a compreender melhor o conceito de qualidade de vida.
Para uns e outros, não passa de um dia consagrado ao dolce far niente. Mas nada fazer em relação a trabalho, porque feriado devem ser comemorados com muito álcool e muito forró-sacode. Ou reggae. Ou brega. Sei lá.
Fui ao Cemitério do Turu. Minha mãe e minha tia estão lá. Ou melhor, o que restou de seus corpos físicos. Acredito que estejam - assim como minha avó, mãe de meu pai - sentadas à direita do Trono de Deus. À espera do momento da reencarnação. É, eu levo a sério os princípios do espiritismo.
Antes de entrar no campo-santo, vi alguns buquês que dariam belíssimos enfeites para a sepultura de azulejos brancos. Mas a minha pobreza não me permitia comprá-los. Acabei levando uma pequena e singela flor, acompanhada por um humilde vaso cheio de terra preta. Minha intenção era plantá-lá rente à sepultura - uma celebração à vida e também uma lembrança de que a morte é o portal para a eternidade.
Uma vez diante da sepultura, acendi as oito velas que estavam dentro de uma pequena sacola de plástico, com a qual saíra de casa, e fiz as orações básicas, o Pai-Nosso, a Ave-Maria e a Salve-Rainha. Ao mesmo tempo, as lembranças do bem que minha mãe inspirara, enquanto esteve entre nós, repetiam-se e libertavam o meu coração do pântano da tristeza.
Quando terminei um diálogo silencioso que travara com minha mãe após as orações, ouvi uma trêmula voz feminina começar um Pai-Nosso. Pedi a mamãe que esperasse um pouco e virei-me na direção original da voz. E vi uma senhora idosa - que devia de ter mais de setenta anos -, magra, baixa, o corpo curvado e o rosto esculpido pelo tempo. Seu cabelo tinha um tom de cinza que lembrou-me o de minha finada avó. As mãos dela, com os dedos entrelaçados, eram trêmulas. Vestia camisa e calça jeans - o que me levou a pensar que hoje em dia realmente nada mais é sagrado.
Ela sentiu-se observada. Em seguida, com um movimento ágil que eu não esperava de um corpo tão frágil, virou-se na minha direção, olhou bem nos meus olhos e sorriu, educada. Sorri também para ela. Não tinha como não simpatizar com a boa velhinha. Em seguida, ela retomou a seriedade e continuou sua oração. Eu teria também retornado ao diálogo com minha mãe se um vento maluco - desses que só ocorrem mesmo em novembro - não girasse por sobre o cemitério feito uma rápida tempestade tropical. Apagou todas as velas colocadas em todas as sepulturas e jogou meia tonelada de poeira e folhas secas sobre os túmulos sem parentes.
A lufada quase jogou no chão a pobre velha. A coitada precisou de vários minutos para se recompor. Eu precisei desse tempo para limpar a sepultura das irmãs queridas. Quando terminei, ouvi um lamento pontuado por suspiros de pura resignação: "Meus fósforos acabaram...". Era a velha. Acabara de reorganizar suas onze velas, mas não tinha com que acendê-las. Depois de acender as minhas, caminhei até a pobre desamparada, a fim de ajudá-la.
No Dia de Finados, reza a tradição que a luz de velas acesas indicam aos que se foram e porventura se encontrem na escuridão, o caminho que os levará à presença de Deus. Enquanto acendia as onze velas, soube da senhora que visitava a campa do marido, cujo casamento durou exatos cinqüenta e um anos, nove meses e quatro dias. Um longo romance, que teve fim quando ele escorregou no banheiro e bateu a cabeça na pia. Isso aconteceu há uns dois anos. Minha mãe faleceu há nove. Não tenho recordação alguma de ter visto antes a velhinha. Mas a vida é assim mesmo. Só damos conta do que e de quem nos interessa. O que ocorre à margem da existência não é importante.
No começo da vida sem ele, a senhora dissera, ela visitava o cemitério todo santo dia após o enterro. E em todas as visitas escandalizava os próprios vizinhos do marido ostentando, a poderosos decibéis, seu pranto de viúva recente. Até que um de seus doze irmãos lhe fez ver que a regra de ouro que ajudava a cicatrizar a ferida da perda era dar chance ao morto de se acostumar à sua condição de espírito. Porque o finado muito chorado não tem condições de evoluir. Crendice popular? Talvez. Mas não deixa de ser uma verdadeira lição para os que são chegados a exagerar no pranto e no luto.
Após acender as benditas velas, vi que eram quase quatro horas da tarde. Precisava voltar para casa. Quando retornasse, tomaria um rápido banho e procuraria o rumo do jornal. Trabalharia até altas horas e certamente esqueceria dos eventos do Dia de Finados. Graças a Deus, não ocorreu essa tragédia. Vinte e quatro horas depois de ter conhecido a simpática velhinha que homenageava o marido que tanto amara em vida e continuava fazê-lo com ele morto, ainda sou capaz de detalhar todos os passos que me levaram até a presença daquela figura tão doce. Talvez, quem sabe, se por acaso chegar aos mesmos setenta e poucos dessa boa criatura, não vá ter a mesma capacidade de discernimento. Se isso acontecer, espero que pelo menos possa contar com a distração dos netos. Sei lá.
Tudo o que sei agora é que, antes de ir embora, perguntei à senhora qual era o seu nome. "Glória", ela respondeu. Tinha que ser. Fazia todo o sentido.
Glória. Neste mundo, há poucas pessoas capazes de fazer justiça ao próprio nome. E tenho dito.

sexta-feira, novembro 02, 2007

A TERRA DO ESQUECIMENTO

A valsa surge de alguma das casas vazias da rua deserta daquela cidade abandonada. E não era uma cidade pequena. Ainda que não fosse uma das principais. Para percorrê-la de um extremo a outro, perdia-se apenas trinta minutos de vida. Ainda que grande parte do tempo de nossa existência se perca ao sabor das efemérides e das trivialidades.
Eu olhava para a rua deserta e não via nada além de um pequeno redemoinho que arrastava folhas mortas, mas sem sair do lugar. O silêncio era absoluto. Não ouvia sequer o canto dos pássaros. O mundo estava tão quieto que podia ouvir, com total nitidez, as revoluções por minuto do meu coração em seu cárcere de pele e ossos.
A cidade era a última etapa do meu exílio. Um ano antes, fui banido da minha terra natal porque - assim disseram os tribunos - meu engenho extrapolava o que todos na época consideravam os limites do conhecimento humano. De fato, minha família e meus amigos, diante de alguns dos meus inventos e experiências, não sabiam se testemunhavam um milagre ou um crime cometido contra o "Criador de Todas as Coisas" - se bem que ambas as alternativas davam no mesmo, pois os milagres, afirmavam, eram unicamente da alçada dos anjos ou dos homens que consideravam pios. Qualquer feito pelo menos digno de nota, cometido por um "mortal comum", recebia, de imediato, o rótulo de "transgressão da ordem vigente".
Mas não foi apenas por esse motivo que os tribunos (alguns dos tais "homens pios") decidiram pela minha expulsão. Na manhã de quarta-feira, em outubro, para a qual estava marcada a audiência em que eu tentaria convencê-los de que meu engenho afinal de contas estava a serviço da moral e dos bons costumes (a meia-verdade que teria sido minha salvação), Manoela apareceu na Magistratura, acompanhada pelos pais indignados.
Não sou capaz agora e também não faço a menor questão de recordar o sobrenome daquele astuto espírito maligno. Caso não tenha morrido sufocada com o veneno de sua própria maldade, já deve ter feito seus dezesseis anos. Aos 15, há um ano, mostrou como uma criança também pode praticar maldades como se adulta fosse.
Pois entrou na Magistratura de cabeça erguida e muito determinada a obter punição para o meu atentado à sua castidade. Jamais tive qualquer contato com essa criatura. Não teria nem mesmo se fosse louco o bastante para desejar menores de idade. Em minha terra natal, atos como esse são castigados com a execução sumária. Manoela inventou uma história na qual eu bebera mais do que a conta em um ritual pagão. E depois corri até as ruas mais obscuras da Cidade Baixa - onde ela morava, assim fiquei sabendo - para "caçar almas inocentes". A expressão utilizada pelos três soou com um dramatismo tão fácil que fui obrigado a rir dos infelizes. Já os tribunos não viram a mesma graça naquela situação incômoda para todos.
A pressão popular (todos estavam contra mim) para que eu fosse expulso cresceu após o advento de Manoela e seus pais. Não fui executado porque os tribunos chegaram à conclusão de que, na verdade, minha inclinação era pela "prática exacerbada de conecimento científico". Por outro lado, eu tinha, de fato, o costume de ficar bêbado nos rituais. O que poderia ter ensejado um novo processo - aceitação do paganismo - se eu mesmo não tivesse ido à Magistratura, a fim de perguntar o que haviam decidido a respeito da segunda acusação. "Não sabemos se você a violentou ou não", disseram os tribunos. "Pelo sim, pelo não, o melhor será você partir logo para seu exílio".
E assim começou a viagem pelo quatro cantos do mundo, até alcançar a terra do esquecimento, na qual uma valsa misteriosa surgia de uma das casas vazias de uma rua deserta, e na qual o silêncio era tão esmagador, tão opressivo e insidioso que eu conseguia ouvir, com impressionante nitidez, as revoluções por minuto do meu coração, aprisionado em seu cárcere de pele e ossos.

quinta-feira, novembro 01, 2007

CORAÇÃO DE AREIA

O professor Daniel Mendes acreditava estar a dois passos de seu paraíso perdido.
Era quarta-feira, como não poderia deixar de ser. Uma quarta-feira sombria, nascida repleta de maus presságios às oito horas, quando o sol quase não superou uma grossa camada de nuvens negras. Mas foi uma vitória efêmera, porque logo os trovões iniciais apavoraram a cidade inteira, uma estranha ventania polar causou alvoroço na Rua Grande e logo em seguida desabou a Mãe de Todas as Tempestades - como mais tarde a imortalizariam os historiadores.
Era novembro, também, e por isso São Luís do Maranhão não estava pronta para o temporal. A época de mau tempo, em nossa cidade, vai de janeiro até o início de junho. No segundo semestre, o sol inclmente e o calor sem tréguas perturbam juízos, derrubam pareceres e condenam acordos. Por isso, quando viram a capital prematuramente devastada pelo aguaceiro, alguns incréus não resistiram a colocar "mais essa piada de mau gosto" no "vasto repertório das péssimas anedotas de Deus".
Nessa quarta-feira aziaga, o professor Daniel Mendes acordou com o calor indesejável de todos os dias, às seis em ponto, como era seu costume. Um solteirão convicto de quase trinta anos, morava na Cidade Operária, numa casa pequena em que não se precisava dar três passos para chegar ao quintal - dominado por uma solitária goiabeira, que ainda não estava florido.
Daniel Mendes era um sujeito alto e excessivamente magro, míope até não poder mais, e que não sabia coisa alguma a respeito de roupas. Por outro lado, lia de tudo. Até bula de remédio e tratados episcopais. E tinha bom gosto também, em suas leituras, pois não havia espaço em sua biblioteca para as "obra-primas" de Paulo Coelho.
Às sete em ponto, já estava confortavelmente instalado no banco de seu ônibus de todos os dias, a caminho da escola particular para cujos alunos transmitia boa parte do que aprendera na Faculdade de Letras. E, como em todos os dias, distraía-se da viagem de 40 minutos até o bairro Renascença com um dos livros de Gabriel García Márquez. Já havia percebido, antes de sair de casa, a luta do sol contra as nuvens tenebrosas, e percebera as primeiras lufadas do vento polar. A caminho do ponto de ônibus, viu os postes com suas luzes ainda acesas. Viu também alguns precavidos saindo de casa com guarda-chuvas. Mas não alterou seu cotidiano por isso. Quem mora aqui em São Luís sabe muito bem como o tempo daqui se modifica ao sabor de desígnios travessos de algum deus-moleque.
A situação não se alterou até quando o ônibus chegou à Cohab. E foi então que o professor Daniel Mendes, aos 29 anos, acreditou que chegara a uma espécie de encruzilhada particular. Porque cometeu o erro de erguer a cabeça - depois de ser atingido por um golpe do vento gelado - e perder o fio da meada da trama sobre a qual se concentrara. No que ergueu a cabeça, viu a mulher de cabelos vermelhos que um dia, numa época que para ele começava a pertencer a uma outra vida, estivera em seus braços - ambos deitados no que poderia ter sido o leito conjugal, o ponto de partida para um casamento que tinha tudo para ter sido perfeito.
Mas não foi. Porque a mulher de cabelos vermelhos mostrou que tinha areia no coração. Sem mais nem menos, num Carnaval que Daniel haveria de recordar mesmo em um milhão de encarnações, ela o abandonou em plena Madre Deus, no coração da fuzarca do Bicho Terra, depois de confessar sua paixão inesperada por outra pessoa.
A mulher de cabelos vermelhos e andar de dama em baile de fidalgos desapareceu por uma rua da Cohab. Nesse preciso instante, o ônibus parou - o último de uma extensa fileira de veículos, todos buzinando ao mesmo tempo. Acima de todo bem e de todo mal, o sol lentamente ia perdendo sua batalha e o vento polar intensificava-se. Fora do ônibus, pedestres começavam a caminhar mais rapidamente. Metade dos quisques da feira da Cohab não seriam abertos nessa quarta-feira miserável. A outra metade ficaria à mercê do temporal. Segundo os jornais dos dias seguinte, os donos dos estabelecimentos passariam semanas calculando os prejuízos.
E o professor Daniel Mendes - que não tivera a coragem de pelo menos tentar recuperar o tempo perdido - permaneceu sentado onde estava, com seu livro sobre os joelhos, sem atentar para a valsa dos ponteiros de seu relógio. Eram quase oito horas. Faltavam cinco minutos para o início da Mãe de Todas as Tempestades.

quarta-feira, outubro 31, 2007

Adeus, Fellini

Por Ana Paula Amorim

O coração de Frederico Fellini, aos 73 anos (31/10/1993), não pôde mais suportar o esforço e parou.

Fellini nasceu em Rimini em 20 de janeiro de 1920, a cidade litorânea que seria cenário, 33 anos depois de "Os Boas-vidas". Deixou Rimini aos 17 anos para ser chargista de uma revista em Florença, demonstrando ser excelente desenhista e caracturista. Logo depois, passou a escrever pequenos roteiros e piadas para comediantes. Seus mestres no cinema foram Rossellini, para quem trabalhou em vários projetos, inclusive "Roma, Cidade Aberta", que se tornou o marco do Neo-Realismo. Fellini colaborou com vários filmes desse movimento cinematográfico.

Quando criança, fugiu de casa para seguir um circo (sendo dias depois devolvido aos pais), daí teriam nascido os exóticos personagens que povoam seu universo.

Em 24 filmes, o mago Fellini criou um universo próprio povoado por uma galeria inconfundível de personagens e deixou obras-primas como "A doce Vida" e "Oito e meio".

Um artista que simbolizava a rara união da originalidade com a popularidade, privilegiava a imaginação, o surrealismo, a fantasia e a nostalgia. Foram 40 anos dirigindo e criando filmes poéticos e inquietantes. Apesar de consagrado e venerado em todo o mundo, a julgar pelas declarações dos seus últimos anos, Fellini morreu desiludido com a missão que abraçou com fervor religioso, o cinema. Para ele este veículo andava perdendo "seu fascínio, seu prestígio, sua autoridade". E sentenciou: "A imagem perdeu sua força de sedução onírica. A TV banalizou não só essas imagens como a percepção delas."

O universo cinematográfico de Fellini era como circo-cinema, uma vez que o cinema possuía a mesma força e coragem do circo, numa mistura de técnica, precisão e improvisação.

terça-feira, outubro 30, 2007

Mexicanos se casam na Igreja Maradoniana

Dois casais de mexicanos se casaram na "Igreja Maradoniana", em um clube noturno de Buenos Aires. A "religião" foi criada em 1998 por admiradores do craque argentino Diego Maradona.

"Natal" e "Ano Novo" são comemorados no aniversário de Maradona, no dia 30 de outubro. O ano não é 2008 mas 47, que é a idade do craque.

A criação da Igreja Maradoniana foi inspirada pela explicação que ele deu para um dos seus dois gols na partida da Argentina contra a Inglaterra pelas oitavas de final da Copa do Mundo de 1986, da qual sua equipe seria campeã.

Acusado de ter usado a mão para marcar o gol, Maradona disse que ele havia sido feito pela "mão de Deus".

quinta-feira, outubro 25, 2007

LÁ FORA (DO SITE OMELETE)

Batman, Punho de Ferro e o fim de Quarteto Fantástico e Martha Washington
05/09/2007

ÉRICO ASSIS

BATMAN 668

Dá vontade de falar de quase todas edições de Grant Morrison em Batman. Como em Liga da Justiça e X-Men, o escocês maluco consegue dar novas perspectivas a séries velhas e cansadas – nas quais a maioria dos outros escritores não consegue encontrar maneiras de inovar.
O paradoxo é que Morrison inova recorrendo ao passado. Ele recupera, cita e atualiza boas bat-histórias (e algumas nem tão boas) dos anos 70, a época de Denny O’Neil, Neal Adams, Steve Englehart e Marshall Rogers. Na sua primeira edição, lembrou os cenários gigantes e coloridos das vergonhosas histórias da época do seriado de TV. Já fez também toda uma edição em formato de conto ilustrado, com a história toda em um ótimo texto, ao invés de quadrinhos.
Neste último arco, Morrison mistura tanto um conceito vergonhoso – a Liga dos Homens-Morcego, uma associação de heróis internacionais inspirados pelo Batman norte-americano, incluindo até El Gaucho, um estereotipado herói argentino – quanto as boas bat-histórias detetivescas. Com um toque de Agatha Christie: numa ilha afastada de tudo, os heróis associados são mortos um a um. O assassino, é óbvio, está entre eles, e nem Batman consegue descobrí-lo para impedir novas mortes.
O grande diferencial do arco é a arte de J.H. Williams III (Promethea). Ele brinca com os formatos dos quadros para criar cenas marcantes, citando o estilo dos anos 70 com um ar pós-moderno. Talvez mais impressionante ainda seja a forma como adapta seu estilo a cada personagem da Liga dos Homens Morcego. Ele é, sem dúvida, o melhor ilustrador em atividade nas HQs dos EUA. E está ajudando a criar a melhor, até agora, história de Morrison em Batman.

THE IMMORTAL IRON FIST 8

Punho de Ferro é refugo de um momento dos anos 1970 em que as artes marciais estavam em voga e a Marvel resolveu entrar na onda. O que fazer com o personagem nos anos 00?
Você o deixa nas mãos de um dos melhores escritores atuais na editora, Ed Brubaker, e dá a chance para outro escritor ainda meio novato, Matt Fraction, mostrar seu talento.
Brubaker e Fraction sabem que o conceito de Punho de Ferro não se sustenta sem risadas hoje em dia. O que não significa que devem transformar a série em uma comédia. Pelo contrário, o foco está nas ótimas cenas de ação – desenhadas pelo excelente espanhol David Aja – com alguma tiração de sarro das filosofias orientais no mundo ocidental.
Brubaker é o responsável pelas cenas mais sérias, enquanto Fraction é o cara da porra-louquice – quem conhece seu trabalho em Casanova e Punisher War Journal consegue identificar quais partes do roteiro são dele.
Na última edição, em que Punho entra num torneio entre campeões de sete cidades místicas (à la K’un Lun, a cidade onde o herói adquiriu seus poderes), os autores resolvem estruturar a história de um jeito particular: transformando num jogo de Mortal Kombat, até com chave de lutas. Idéias fora do comum que estão formando uma das melhores séries da Marvel atual.

THE LAST FANTASTIC FOUR STORY

Quarteto Fantástico: O Fim, de Alan Davis, foi publicada lá fora há alguns meses e já está saindo no Brasil. Mas Stan Lee resolveu que queria contar sua própria versão do fim da família de super-heróis.
Lee provou recentemente, numa série de especiais em sua homenagem, que sabe que a roteirização de quadrinhos mudou bastante desde os anos 60. Mas neste especial, parece que está escrevendo uma história para Jack Kirby.
O ritmo é estranho – cada página equivale a umas 10 dos quadrinhos atuais, pela velocidade atropelada de desenvolvimento do roteiro. Os dialogos são grande clichezões, como eram nos anos 60.
John Romita Jr., o desenhista escolhido, não combina com este roteiro de Lee. Seu traço é muito contemporâneo para o "retrô" do emérito criador do Quarteto. Se fosse desenhada por Kirby (ou mesmo por um de seus sucessores contemporâneos, como Erik Larsen ou Tom Scioli), seria mais uma história inocentemente clássica do grupo, uma homenagem aos velhos tempos. Com Romita Jr., parece estar fora de lugar.

MARTHA WASHINGTON DIES

Com milhares de roteiros atrasados e um envolvimento crescente com Hollywood, Frank Miller surpreendeu todo mundo ao aparecer com um roteiro para a história final de uma de suas personagens menos conhecidas, Martha Washington, criada com Dave Gibbons para a minissérie Liberdade, nos anos 1990.
Desde então, Martha já foi estrela de mais duas minisséries e especiais, que continuam a sua vida militar num bizarro Estados Unidos do futuro.
Esta última história, curtíssima, na verdade serve somente para fechar uma planejada coletânea com todas as aventuras da personagem, que a Dark Horse lançará em 2008. Mas a editora resolveu dar uma chance aos leitores de ver o pequeno conto sem ter que pagar pelo volumão.
É uma história apressada, passada no aniversário de 100 anos de Martha. Ela reúne família e amigo à beira da fogueira para contar o que aprendeu da vida. Depois de dizer "somos todos pó", sua última frase é "quero liberdade". E encerra-se a cena que, não tenha dúvida, deve ir para uma possível adaptação cinematográfica da criação de Miller e Gibbons.