quinta-feira, dezembro 27, 2007

A fronteira entre poesia e ensaio

Caio Meira Poeta

Por vezes nos esquecemos de que poesia é da ordem do inesgotável. Basta, porém, reler um livro ou poema já tantas vezes lido para lembrar o quanto as obras poéticas verdadeiras se mantêm copiosas de sentidos. Os poetas continuarão a peregrinar por todo o mundo, e jamais serão expulsos de qualquer cidade. Se, por exemplo, uma biblioteca inteira já foi escrita sobre e a partir da obra de Borges, outras bibliotecas, talvez infinitas, serão escritas pelos caminhos borgianos que sempre se bifurcarão. Ou ainda: a razão de Rimbaud ter abandonado a poesia se manterá como enigma permanente, graal inencontrável de poetas, leitores e pesquisadores de literatura - no silêncio rimbaudiano, um dos legados mais singulares e retornantes jamais deixado por algum poeta.

E o silêncio de Alberto Pucheu? Com A fronteira desguarnecida: poesia reunida 1993-2007, Pucheu afirma ter chegado ao fim de sua produção em poesia. O livro - que inclui os dois inéditos Escritos para o lado de dentro das lentes dos óculos e Performance para um corpo concentrado em sua voz - chega às livrarias simultaneamente a Pelo colorido, para além do cinzento, que reúne ensaios situados na indiscernível fronteira entre teoria, poema, drama, filosofia e prosa, como Roberto Corrêa dos Santos observa com agudeza no prefácio ao livro. O duplo lançamento pretende sinalizar a passagem definitiva do poeta ao ensaísta. O que não significa que um tenha de morrer para o outro poder nascer. Quem já travou contato com algum dos livros do seu percurso poético propriamente dito já poderia adivinhar ali os primórdios e seguir os fios do progressivo desdobramento de um ensaísmo, assim como quando lermos seus ensaios - estes e os vindouros - não conseguiremos afastar de qualquer deles a presença efetiva do poeta.

Terceira margem

Indiscernibilidade é mais do que um leitmotiv tanto da poética quanto da ensaística pucheana: sua escrita, que aos poucos foi se tornando híbrida, é agora concebida, formal e intimamente, a partir de seu aspecto indiscernível. Ao intitular o seu livro anterior de Escritos da indiscernibilidade (Azougue, 2003), Pucheu já demarcava uma escrita em direção ao espaço da fronteira desguarnecida, não mais para escolher um dos lados da fronteira, mas para habitá-la, ou habitar essa terceira margem. Indiscernível deve ser lido no sentido mais forte do termo, o de coisas ou objetos cuja indiscernibilidade não deriva do fato de serem intrínsecos, isto é, que só possam se dar de forma conjunta - quando um não pode ser concebido sem o outro. O poeta não faz sentido sem o ensaísta e vice-versa. Trata-se de incorporar e manter o texto em caráter aporético: se, como aponta Jacques Roubaud, a tarefa primeira do poeta (ou a do ensaísta-poeta) é a de devolver a poesia a sua origem, esse principiar sempre será por definição indiscernível: mítico, poético, filosófico, histórico, contemplativo, teórico, ficcional.

Se a pessoa física lida cotidianamente com sua inelutável mortalidade, o poeta é imortal, e basta ler qualquer conto machadiano para sentir sua presença na nossa cultura e na nossa vida. Mesmo que o Alberto Pucheu portador da carteira de identidade número tal nunca mais publique um livro de poesia ou mesmo um poema, o poeta Alberto Pucheu estará virtualmente presente em qualquer ensaio, crítica ou resenha que o primeiro vier a publicar. Não há, portanto, a interrupção de um percurso, mas o transe entre poeta e ensaísta; ambos estarão presentes, tanto indiscerníveis quanto intrínsecos.

Quando um poeta silencia, suas palavras se encorpam e se relançam de forma mais vigorosa a partir desse silêncio. E já que foi mencionado o silêncio de Rimbaud, deve-se marcar aqui uma diferença importante: ao contrário do poeta francês (que disse acerca da própria poesia: "Não penso mais nisso") ou de outro desistente notório, Raduan Nassar (que só aceita dar entrevistas se não for abordado qualquer tema literário), Pucheu deixa de ser poeta para poder, a partir dos determinantes singulares e atuais, mergulhar com mais intensidade nos vetores de força de sua escrita, à qual só chamamos de ensaística se dermos ao termo a devida dimensão criadora.

Máscara da ignorância

E este ensaísta não terá nenhum problema em confirmar a vertente poética de seus textos teóricos. Tome-se, por exemplo, o primeiro texto de Pelo colorido, para além do cinzento, no qual Pucheu reivindica e toma para o pensamento crítico e teórico o colorido poético (leia-se criador) tão recusado pela imensa maioria cinzenta de nossos críticos de literatura. Diagnosticando nestes últimos que o pudor e o recato são muitas vezes sintomas encobridores da arrogância ocultada sob a máscara de uma suposta neutralidade ou mesmo a manifestação da ignorância do enraizamento desejante de toda e qualquer enunciação, ele convida a todos os que pensam literatura a darem o último passo em direção ao lado criador da crítica, preenchendo de iluminuras coloridas o espaço de pegada - o agon - entre a obra literária e seu leitor/crítico/contemplador. Está aí o mesmo desgarnecimento de fronteiras da obra poética: do mesmo modo que o poeta não recusou a face pensante de sua poesia, não será o ensaísta quem irá afastar o lado criador do seu pensamento.

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Lá Fora




Na coluna "LÁ FORA", o Omelete lê e comenta todos os grandes lançamentos em quadrinhos nos Estados Unidos. Esta, porém, é uma edição especial, dedicada a apenas UM lançamento.


THE LEAGUE OF EXTRAORDINARY GENTLEMEN: THE BLACK DOSSIER

Demorou, e demorou muito, para sair o terceiro volume de aventuras da Liga Extraordinária. Anunciado lá fora em 2005, previsto para lançamento em 2006, chegou há pouco mais de um mês às comic shops da América do Norte – e só lá, porque problemas de direitos autorais emperraram sua publicação na Inglaterra por mais alguns meses.
Segundo Alan Moore, o roteiro está pronto há anos. Kevin O'Neill foi quem precisou de um tempo a mais nas páginas. Depois de pronta, a graphic novel ainda ficou mofando alguns meses nas mesas da DC/Wildstorm, que queria lançá-la perto do Natal.
Nesse meio tempo, houve toda a briga entre Moore e a DC quanto a V de Vingança – o que transformou The Black Dossier no último volume da Liga a sair pela editora. Os próximos (já existe um previsto para 2009) sairão pela Top Shelf, mesma casa de Lost Girls.
A demora também fez algumas promessas se perderem pelo caminho. O que mais faz falta é o vinil 45 rotações de que Moore tanto falou, em que ele reuniu amigos para tocar como uma banda dos anos 50. O pop-up (aquelas ilustrações com dobraduras que saltam das páginas em livros infantis) do submarino Nautilus também não veio. Ficaram apenas a seção em 3D (com óculos de brinde), a tijuana bible (uma HQ pornô inserida no meio da história) e algumas variações de papel dentro do volume. Correm rumores de que o vinil e o pop-up, entre outras coisas legais, deve vir na edição Absolute da obra – bem mais luxuosa e bem mais cara, prevista para junho.
Moore trata Black Dossier como um volume intermediário no meio das aventuras da Liga. O dossiê do título conta a história de todas as equipes de heróis fantásticos através dos séculos. A história se passa em 1958, quando Mina Murray e Allan Quartermain – rejuvenescidos (para entender, leia atentamente os textos extras do volume 2) – conseguem recuperar o livro da inteligência britânica, o que leva a uma perseguição por toda a Inglaterra. Em intervalos da história podemos ler todas as páginas do dossiê: há um "roteiro inacabado e perdido" de Shakespeare, romances ilustrados, postais, trechos de livros que não existem, uma aventura dos pulps...
A questão é que, se você não é um inglês de uns 50 anos que conhece todo o cânone literário ocidental e toda a literatura européia do século XIX para cá – como Moore – só lhe resta entender uns 20% da história. Enquanto nos primeiros volumes era possível pegar a maioria das referências aos heróis fantásticos, neste último é bom você ter lido Virginia Woolf (Orlando), George Orwell (1984), Thomas Pynchon (O Leilão do Lote 49), Ian Fleming (as histórias de 007), John Cleland (Fanny Hill), Evelyn Waugh (Furo!), Jack Kerouac, J.G. Ballard e a obra completa de William Shakespeare, entre outros. Ah, também ajuda ter um bom conhecimento de cinema, teatro, programas de rádio e literatura infantil inglesa da primeira metade do século XX.
A absurda quantidade de referências pode ser analisada pelo tamanho do guia que o fã Jess Nevins criou, junto a alguns colaboradores. Outros resenhistas já apontaram que é impossível ler a obra sem ter o guia do lado.
Os 20% que eu mencionei, porém, valem a pena. É Alan Moore: cada quadro tem o ângulo certo, cada personagem tem caracterização inabalável, cada mudança de ritmo na narrativa parece ser meticulosamente calculada. O escritor tem o domínio total da técnica dos quadrinhos, e ainda se mete a brincar com diversos estilos literários nas páginas de texto. O homem pode tudo.
Provavelmente seja intenção dele criar uma edição que seja quase incompreensível sem um guia. E, portanto, que mereça mais umas duas ou três leituras. São poucos os criadores – seja de quadrinhos, livros, filmes etc. – que se preocupam em criar uma experiência como esta para os fãs, e de uma forma tão empolgante como é A Liga Extraordinária. É por isso que a gente sempre tem que repetir: Alan Moore é um gênio.
P.S.: Impossível não pensar, enquanto você lê a obra, quem e como vai traduzir tudo isso para o lançamento nacional? Se entender já é um trabalho de fôlego, traduzir é algo que talvez nem o Millôr Fernandes (tradutor de Shakespeare) encararia. Além disso: Black Dossier não vai sair pela Pixel, que tem os direitos sobre todo o material DC/Wildstorm. Ainda estamos aguardando informações da Devir – que publicou os dois primeiros volumes da Liga – quanto a seu interesse e, quem sabe, até já com uma data de lançamento.

quinta-feira, dezembro 20, 2007

Prefiro nordestinos a bispo em jejum, diz Lula

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou na manhã desta quinta-feira que o Estado não cederá na transposição do rio São Francisco, independente de manifestos ou da greve de fome do bispo d. Luiz Flávio Cappio. "É o projeto mais humanitário do meu governo. Entre a greve de fome e os 12 milhões de nordestinos que serão beneficiados pelo projeto, eu fico com os 12 milhões que serão beneficiados", disse durante café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto.

Segundo Lula, só quem sofreu as dificuldades da seca sabe o que como é importante a transposição das águas do rio São Francisco e que o governo cumpriu todos os acordos feitos previamente para a obra. "Só quem carregou lata d'água na cabeça e viu sua cabrinha morrer sabe o que é o problema da seca. Tem que acabar com a indústria do caminhão pipa", comentou ao ser questionado sobre o tema. O presidente falou ainda que o Estado não pode ficar a mercê desse tipo de pressão, como a greve de fome do bispo.

sexta-feira, dezembro 14, 2007

Coelhinha da 'Playboy' é atração em première


A coelhinha da Playboy Sondra Nilsson chamou a atenção na première de A Lenda do Tesouro Perdido: O Livro dos Segredos. A modelo foi convidada para o coquetel e a exibição do filme.
Promovido pela Disney, o evento contou com a presença de grande parte do elenco, entre eles Diane Kruger e Nicolas Cage. A pequena Abigail Breslin, de Pequena Miss Sunshine, compareceu apenas para assistir a produção.

Em O Livro dos Segredos, Ben Gates (Nicolas Cage) busca saber como o presidente Lincoln foi morto.
Para descobrir toda a verdade, ele precisa encontrar algumas pistas essenciais, que podem levá-lo diretamente ao diário secreto do presidente, desaparecido na ocasião de sua morte.
A seqüência do sucesso A Lenda do Tesouro Perdido, dos estúdios Disney, chega aos cinemas brasileiros no dia 25 de janeiro.

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Um grito agudo pela democracia

Rodrigo de Almeida*

Numa realidade de inquietudes, desejos inalcançados, necessidades desassistidas e insatisfações não atendidas, reclamar não é sinal de descrença. É virtude. Mais ainda: dever. Eis que só um regime político - a democracia - permite isso, e parece, nessa permissão, produzir a própria confrontação. Daí o passo inevitável para o questionamento permanente da legitimidade democrática, ou de suas limitações, ou mesmo de suas supostas promessas não cumpridas. E a virtude se transforma em abalo, o dever vira descrédito, as conquistas ganham ares de indiferença. Há presente, portanto, o inevitável sentimento de um fazer incompleto. São as anomalias mal interpretadas da democracia.

Não fossem analistas argutos, certos mitos, equívocos e teses alternativas soariam como verdades inquestionáveis. E é contra isto que se volta em seu mais novo livro o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos. O paradoxo de Rousseau: uma interpretação democrática da vontade geral é uma reflexão profunda sobre a democracia, tema que o consagrou na ciência política quando, ao lançar Quem dará o golpe no Brasil, na década de 60, anteviu as nuances do golpe que se avizinhava.

Os tempos são outros, mas há riscos igualmente ameaçadores. Em tempos de pleno avanço democrático, o professor põe o dedo em riste frente ao que chama de "idéia sedutora e generosa" - a democracia direta. Plebiscitos e referendos exibem a virtude de tentar promover o encontro entre mandantes e mandatários, entre o público e as maiorias parlamentares. São instrumentos de ação política supostamente destinados a restaurar a participação popular, perdida em algum lugar dos corredores da democracia representativa.

Supostamente. No fim das contas, diz Wanderley Guilherme, "os profetas da participação integral são hoje os potenciais seqüestradores da liberdade amanhã". Pode talvez ser uma injustiça contra certos homens e mulheres de boa vontade que têm pregado a democracia direta como solução para os rombos exibidos na conta das instituições democráticas. Imagino, por exemplo, alguns nomes do já não mais tão noviço PSOL, ou mesmo alguns juristas respeitados, defensores da combinação entre democracia direta e representativa para dar vigor e legitimidade à vida política. São seqüestradores potenciais? Não creio.

Por outro lado, há de serem lembrados os fantasmas ditatoriais alimentados por um personagem como Hugo Chávez, que se imagina detentor de mandatos indefinidos por obra e graça dos mesmos plebiscitos e referendos. Para não dizer de aventureiros irresponsáveis que, sendo mais realeza do que o rei, sonham com um terceiro mandato do presidente Lula. Há de tudo, pois.

Wanderley Guilherme, no entanto, parece preocupado menos com os nomes - nem os cita, é bom sublinhar - e mais com os conceitos e seus resultados. O cientista político reconhece a existência de um déficit democrático, mas refuta a "terapia" proposta: a democracia direta. Radicalizar a democracia, lembra, pressupõe a preliminar desmoralização das instituições representativas ditas "100% traidoras" da vontade popular ou "irremediavelmente pervertidas". Seus mecanismos comprometeriam, segundo ele, a "operação falível, porquanto humana, das instituições democráticas". Melhor a falibilidade, portanto, do que a ameaça autocrática.

O livro dialoga com Rousseau para dizer que a democracia direta implica a falácia da vontade geral, que escapa ao necessário contraditório das discussões parlamentares. A vontade geral pode estar sempre certa, posto que busca o bem público, mas nem por isso o povo está impossibilitado de se enganar em relação ao objeto de sua vontade. O paradoxo de Rousseau explica: o que cada cidadão deseja como governo (redistribuição de renda, por exemplo) repudia como súdito (rejeita pagar mais impostos para prover melhores bens públicos ou desaprova ver sua renda diminuída em benefício de quem quer que seja). Ou seja, há especial tensão entre o "paradoxo de Rousseau" e o requisito da participação universal.

Num dos momentos mais densos do livro, Wanderley Guilherme formula o que denomina de "péssimo de Rousseau": nenhum integrante de uma sociedade pode melhorar de posição sem, simultaneamente, promover o interesse de terceiros. Com tal premissa, o interesse de todos pode ser atendido mesmo na ausência de participação universal. Está aí a recusa da unanimidade rousseauniana como critério exclusivo de decisões legítimas. Nem a unanimidade, nem o outro método de Rousseau, a soma algébrica de interesses, eliminam a primazia dos interesses particularistas. (Poderia soar, e talvez soe, como um alento para as reflexões clássicas, pré-partidárias, e mais ainda para nós, democratas contemporâneos, insatisfeitos com os resultados de uma democracia de aparência às vezes sólida, às vezes frágil).

Não faltam teses polêmicas. Como a recusa, para a democracia, do papel de promotora de igualdade econômica. Não lhe caberia, segundo Wanderley Guilherme, erradicar as desigualdades econômicas. Muitos pensaram que a restauração da democracia, já se vão mais de 20 anos, traria a amenização dos mais dolorosos traços de desigualdade de renda, educação, gênero, racial e regional - anomalias que, no Brasil, têm resistido a qualquer composição da elite. De Sarney a Lula. Imaginar a democracia assim, ele defende, significa conceder uma interpretação facciosa às instituições democráticas.

A questão fundamental, para Wanderley Guilherme, não é a ausência de participação popular, mas a elevada desconstitucionalização do país - evidenciada justamente pela crescente participação, que "põe a nu seqüestro de partes do território antes civilizado por pactos constitucionais". Universalizar a democratização constitucional, afirma, deve ser a demanda prioritária dos atuais democratas, uma vez que atingimos o grau de universalização eleitoral. A "longa marcha" democrática brasileira, diz o autor, com avanços e recuos, tem sido bem-sucedida. É na desconstitucionalização que estariam as razões para as insatisfações e, mais do que isso, os novos patamares a serem alcançados.

São dois pontos polêmicos porque constitucionalização e bom funcionamento das instituições democráticas andam em par. Ou melhor, devem andar em par porque de ambos depende o sucesso dos governos, de partidos políticos, dos Legislativos, das decisões enfim que conduzem a uma melhor oferta de bens públicos, do mesmo modo que o cumprimento pleno dos direitos constitucionais. Nesse sentido, chega-se a um ponto em que se poderia unir Wanderley Guilherme e os defensores da democracia direta: a constatação que o todo, ou partes desse todo, não vai bem.

Sejam nas "cartas democráticas sobre a vontade geral", seja na "teoria experimental da história" que elabora a partir do péssimo de Rousseau (estes dois eixos intercalados por espécies de ensaios mais livres, menos compromissados), Wanderley Guilherme exibe o habitual refinamento estilístico e teórico - o que significa leitura densa e inspiradora para nossas reflexões democráticas. Talvez exceda no ataque à democracia direta, deixando pouca margem para o que ela pode ser: algo conjugado à democracia representativa, inegavelmente, no caso brasileiro, abalada por práticas pouco republicanas. Em contrapartida, exibe o cientista político de formação filosófica, especialmente consciente das imperfeições do mundo ordinário.

* Jornalista e organizador do livro 'O Brasil tem jeito?'

quarta-feira, dezembro 12, 2007

LARANJA MECÂNICA

Rubens Ewald Filho

SINOPSE
No futuro próximo, na Inglaterra, uma gangue de jovens ataca, estupra e mata. Um deles é capturado pelo governo e passa por uma lavagem cerebral que lhe traz repulsa à violência.

COMENTÁRIOS
Embora nunca tenha sido oficialmente proibido pela censura brasileira (que aconselhava a produtora Warner apenas a não apresentar oficialmente o filme para sua avaliação), "Laranja Mecânica" só estreou no Brasil em setembro de 1978, assim mesmo com uma cópia que havia sido feita para o Japão, com bolinhas negras para cobrir os pelos pubianos e outros lugares estratégicos. Mas representantes de Kubrick checaram a cópia e aprovaram as legendas.

O jovem Malcolm McDowell havia sido revelado pouco antes em "If" e foi idéia dele usar "Cantando na Chuva" numa cena-chave da fita. Quem prestar atenção verá uma citação de outro filme de Kubrick, "2001" (a capa do disco numa loja). Foi indicado ao Oscar de melhor filme, roteiro e direção.

A dificuldade começa pelo título, que nunca é explicado. Parece que o autor do livro original, Anthony Burgess, se inspirou numa velha expressão "cockney" (inglês popular de Londres), que dizia "fulano é doido como uma laranja de corda". Mais tarde, uma viagem pela Malásia, onde "orang" quer dizer "humano", lhe deu a idéia de fazer anagramas ("orang" - "organ" - "organizar"), chegando a uma conclusão lingüística: o ser humano, quando organizado pelo poder dominante, vira uma laranja mecânica. Por isso, também o livro e o filme utilizam vocabulário próprio. Segundo Kubrick, o filme poderia ser interpretado de três maneiras:

a) como uma sátira social sobre o emprego de condicionamento psicológico; b) como um conto de fadas sobre a Justiça e o Castigo; c) como um mito psicológico, "uma história construída em torno da verdade fundamental da natureza humana".

A sátira sobre o condicionamento parece clara no filme, mostrando que a sociedade se baseia no poder e nas mentiras, tanto da direita, quanto da esquerda. Em conseqüência, um homem condicionado a ser bom em todas as circunstâncias seria completamente vulnerável. Diz Kubrick: "Temos uma civilização altamente complexa, que requer uma autoridade política e uma estrutura social igualmente complexas. A idéia de destruir a autoridade para surgir a bondade natural do homem é um critério utópico e 'falacioso'. Todos os nossos esforços vão parar em mãos de desonestos, já que a culpa reside na natureza imperfeita do homem mesmo."

Assim, "Laranja" é basicamente uma parábola sobre a manipulação do homem pelo Estado. Conta a história de Alex (Malcolm McDowell), um jovem revoltado, precursor da moda punk, interessado na chamada "ultraviolência", sexo e Beethoven, que é escolhido para uma experiência de condicionamento, uma verdadeira lavagem cerebral que o torna refratário à violência, fazendo-o vomitar cada vez que se defronta com um ato violento.

O tratamento é um sucesso, embora por engano Alex fique também condicionado contra Beethoven, cuja música servia de fundo para um dos documentários usados em sua cura. E logo o herói se torna vítima da manipulação política dos Partidos. Completamente indefeso, é levado ao suicídio pela Oposição e depois utilizado pela Situação novamente.

O que o filme quer mostrar é que, no fundo, todos nós somos laranjas mecânicas, somos submetidos a lavagens cerebrais contínuas que nos condicionam e governam; às vezes de forma subliminar, a ponto de não tomarmos conhecimento delas, às vezes de maneiras mais óbvias, por meio das solicitações da sociedade de consumo.

O filme é um brado de alerta e conscientização contra isso, mas talvez tenha errado numa questão de dose, ao pedir que nos identifiquemos com um herói como Alex, desordeiro e irresponsável. A tendência do espectador é ficar a favor do governo, achando que eles fazem muito bem em transformá-lo num "bom cidadão", sem perceber a terrível violação dos direitos humanos, a violência cometida contra a individualidade, que acontece todos os dias sem que nos demos conta.

Assim, todo comportamento anti-social - de artistas, de gênios, de todos aqueles que fogem da chamada "normalidade" - seria também condicionado da mesma maneira. Esse perigo existe porque Alex é um vilão simpático e não é fácil concordar com um diretor frio como Kubrick, que o apresenta como "o homem natural, no estado que veio ao mundo, sem freios ou repressões. Quando recebe o tratamento de Ludovico, pode-se afirmar que este simboliza a neurose, criada pelos conflitos entre as restrições impostas por nossa sociedade e nossa natureza primitiva. Por essa razão, ficamos felizes quando Alex se cura".

Será mesmo que todos se alegram? Alguns nem chegam a entender direito a dimensão da cura de Alex. Essa ambigüidade é um dos problemas do filme, que provocou as opiniões mais desencontradas em toda a parte. Certas pessoas se horrorizam com sua violência, mas na verdade ela é estilizada, mostrada quase como um balé, ou pop art, nunca de forma literal. Aliás, a trilha musical é extraordinária, com obras de Elgar, Purcell, Puccini e, naturalmente, Beethoven, que dão ao filme muito de sua atmosfera. Tecnicamente, o filme abusa um pouco de grandes angulares, lentes deformantes. Mas tem um extraordinário poder hipnótico.

Na enigmática cena vitoriana final, há a busca de uma qualidade ideal, procurada por Kubrick. Diz ele: " 'Laranja' se comunica num nível subconsciente, e o público reage diante da configuração básica da história, como se fosse um sonho. E discutem o sentido da cena final. Como os outros sonhos mostravam assassinato, dor e morte, a erótica cena final sugere que ,de alguma maneira, a mente de Alex se transformou e se apaziguou". Enquanto o livro de Burgess é uma amarga sátira aos paradoxos do livre-arbítrio, o filme continua a provocar discussões. Afinal, temos que defender os que não gostam dele, se não corremos o risco de todos nós acabarmos virando "laranjas mecânicas".

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Angelina Jolie Beauty



- Angelina Jolie Voight

Born - June 4, 1975 (1975-06-04)

Los Angeles, California, United States

Occupation Film actor, producer, director

Years active 1982, 1993–present

Spouse(s) - Jonny Lee Miller (1996-1999)

Billy Bob Thornton (2000-2003)

Partner(s) - Brad Pitt (2005-)

Parents Jon Voight, Marcheline Bertrand