Por Cíntia Cristina da Silva
É uma lenda que atribui poderes divinos a um cálice sagrado, que teria sido usado por Jesus na última ceia. Essa, porém, é uma versão medieval de um mito que surgiu muito antes da Era Cristã. Na Antiguidade, os celtas - povo saído do centro-sul da Europa e que se espalhou pelo continente - possuíam um mito sobre uma vasilha mágica. Os alimentos colocados nela, quando consumidos, adquiriam o sabor daquilo que a pessoa mais gostava e ainda lhe davam força e vigor. É provável que, na Idade Média, tal história tenha inspirado a lenda "cristianizada" sobre o Santo Graal. Na literatura, os registros pioneiros dessa fusão entre a mitologia celta e a ideologia cristã são do século 12. "As lendas orais migraram para textos de cunho historiográfico, desses textos para versos e dos versos para um ciclo em prosa", diz o filólogo Heitor Megale, da Universidade de São Paulo (USP), organizador do livro A Demanda do Santo Graal, que esmiúça esse tema.
Ainda no final do século 12, o escritor francês Chrétien de Troyes foi o primeiro a usar a lenda do cálice sagrado nas histórias medievais que falavam sobre as aventuras do rei Artur na Inglaterra. A partir daí, outros autores, como o poeta francês Robert de Boron, no século 13, reforçaram a ligação entre os mitos do cálice e do rei Artur descrevendo, por exemplo, como o Santo Graal teria chegado à Europa. Foi Boron quem acrescentou um outro nome importante nessa história: o personagem bíblico José de Arimatéia. Nos romances de Boron, Arimatéia é encarregado de guardar e proteger o Santo Graal. Apesar das várias referências cristãs, essas histórias não são levadas a sério pela Igreja Católica. "O cálice da Santa Ceia tem o valor simbólico da celebração da eucaristia. Já seu poder mágico é só uma lenda", diz o teólogo Rafael Rodrigues Silva, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Poderosa ou não, o fato é que essa relíquia cristã jamais foi encontrada de fato.
A jornada do cálice
Romances medievais contam que, de Jerusalém, ele teria sido levado para a Inglaterra
1. Em Jerusalém, durante a última ceia com os 12 apóstolos, Jesus Cristo converte o pão e o vinho em seu corpo e seu sangue - esse sacramento, denominado eucaristia, é um dos pontos máximos dos rituais cristãos. O cálice usado por Cristo nessa ocasião é o chamado Santo Graal
2. Após a última ceia, Jesus é preso e crucificado. Um judeu rico que era seu seguidor, José de Arimatéia, pede autorização para recolher o corpo e sepultá-lo. Antes, porém, um soldado romano fere o corpo de Cristo para ter certeza de sua morte. Com o mesmo cálice usado por Jesus na última ceia, José de Arimatéia recolhe o sangue sagrado que escorre pelo ferimento
3. Após sepultar o corpo de Cristo, José de Arimatéia é visto como seu discípulo e acaba preso, sendo recolhido a uma cela sem janelas. Todos os dias uma pomba se materializa no local e o alimenta com uma hóstia. Mesmo após ser libertado, Arimatéia decide fugir de Jerusalém e ruma para a atual Inglaterra na companhia de outros seguidores do cristianismo. Ele cruza a Europa levando o Graal
4. José de Arimatéia funda a primeira congregação cristã da Grã-Bretanha, onde se localiza a atual cidade de Glastonbury. Nos romances medievais, nessa mesma região ficava Avalon, o lugar mítico que guardaria depois o corpo do rei Artur. Arimatéia prepara uma linhagem de guardiães do Santo Graal, pois o cálice dá superpoderes a quem o possui. Seu primeiro sucessor nessa missão é seu próprio genro, Bron
5. Com o tempo, o Santo Graal e seus guardiães se perdem no anonimato. Quem tenta reencontrar o objeto é justamente o rei Artur, que tem uma visão indicando que só o cálice sagrado poderia salvar sua vida e também o seu reino de Camelot - que ficaria onde hoje há a cidade de Caerleon, no País de Gales. Leais companheiros de Artur, os cavaleiros da Távola Redonda saem em busca do cálice, sem jamais encontrá-lo
Monarca fictício
Histórias sobre o rei Artur se popularizaram no século 12
A cultura celta foi o ponto de partida não só do mito sobre o cálice sagrado, como também do personagem que tornou o Santo Graal popular no mundo inteiro. A criação do lendário rei Artur pode ter sido inspirada num homem de verdade, um líder celta, que teria vivido na Inglaterra por volta do século 5. Mas foi só a partir do século 12 que os primeiros textos com as aventuras de Artur e sua busca pelo Graal fizeram sucesso.
Formas imaginárias
O objeto já foi descrito das mais diferentes maneiras
Simples e redondo
A primeira vez que ele aparece num romance medieval é em Le Conte du Graal ("O Conto do Graal"), do francês Chrétien de Troyes, no século 12. Ele é descrito não como um cálice, mas como uma tigela redonda e simples
Luxuoso e talhado
Em outros textos, que permanecem de autoria desconhecida e são datados entre os séculos 12 e 13, o Graal aparece na forma de um cálice bastante luxuoso, talhado em 144 facetas incrustadas de esmeraldas
Divino e intocável
Em The Queste Del Saint Graal ("A Busca do Santo Graal"), texto do século 13 creditado ao francês Robert de Boron, o cálice é descrito como um objeto divino sem forma. Somente alguém puro e casto poderia tocá-lo.
"É CLARO QUE, COMO TODO ESCRITOR, TENHO A TENTAÇÃO DE USAR TERMOS SUCULENTOS: CONHEÇO ADJETIVOS ESPLENDOROSOS, CARNUDOS SUBSTANTIVOS E VERBOS TÃO ESGUIOS QUE ATRAVESSAM AGUDOS O AR EM VIAS DE AÇÃO, JÁ QUE A PALAVRA É AÇÃO, CONCORDAIS?" CLARICE LISPECTOR - "A HORA DA ESTRELA"
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sábado, junho 26, 2010
terça-feira, junho 22, 2010
O SANTO GRAAL CURANDO A FERIDA NA PSIQUE OCIDENTAL
Roger J. Woolger
O Problema de Peixes
A consciência do Ocidente cristão permanece cindida, incapaz de resolver os opostos da Roma
(de Marte) e do Amor (de Vênus), apesar do surgimento de igrejas e movimentos espirituais
alternativos. Jung vê a cisão como refletida no simbolismo astrológico de Peixes que rege a Era
Cristã. Ele diz que esta é uma era na qual o problema dos opostos psíquicos está profundamente
acentuado. Jesus, como o conhecemos, logo foi assimilado na mente mística com o símbolo do
Peixe, não só como um pescador de homens, mas também como representante do arquétipo
dominante da era: os peixes gêmeos do signo de Peixes. O primeiro peixe parece ser Cristo, mas
então quem ou o que é o segundo? Acompanhando o pensamento de um grupo de autoridades
patrísticas antigas, incluindo o venerável Agostinho (um ex-Maniqueísta) Jung conclui que o
segundo peixe é o anti-Cristo, o lado sombrio de Cristo, cujo espírito virá dominar a segunda
metade da Era de Peixes, quando a energia de Cristo irá para o inconsciente. Jung vê que “um
abismo assustador abriu-se entre Cristo e anti-Cristo no século XI”, o que visionários como
Joachim de Flora compensaram com imagens apocalípticas de uma nova era do Espírito Santo.
Mas, infelizmente, o poder potencialmente revitalizante do espírito dispersou-se nos
movimentos coletivos que mencionamos e a Igreja enrijou-se em repressão e dogmatismo:
“A era do anti-Cristo merece censura pelo fato de que o espírito tornou-se não espiritual e o
arquétipo revitalizante gradualmente degenerou-se em racionalismo, intelectualismo, e
doutrinarismo, tudo o que resultou na tragédia dos tempos modernos”.
O próprio Jung tentou demonstrar em seus estudos de alquimia que, nessa disciplina arcana e
em grande parte subterrânea, a vida e os mistérios da transformação espiritual foram, entretanto, mantidos vivos. E, se os alquimistas eram os guardiões dos mistérios perdidos do espírito, os romances corteses e cultos do amor sobrevieram para manter vivos os mistérios da natureza e a Grande Mãe. Ao mesmo tempo, os Cátaros transmitiram o lumen naturae como sendo a emanação feminina do Espírito Santo (Sofia), pela imposição das mãos, um ritual equivalente à transmissão de barakah pelos Sufis ou do Shaktiput dos Yogis. Emma Jung esforçou-se para demonstrar que os romances do Graal são meditações coletivas sobre esse problema apresentado pelo inconsciente. Em todas essas correntes encontramos uma convergência de imagens de fontes celtas, orientais, cristãs e alquímicas, todas buscando um novo símbolo não apenas da transcendência espiritual, mas também da Divina Imanência na criação.
PARTE II: UMA INTERPRETAÇÃO DA LENDA DO GRAAL
Sinopse da Lenda
O romance Percival (1185), de Chretien de Troyes, a primeira de muitas versões da história
dos Graals, é de uma simplicidade e franqueza ausentes na versão posterior, uma trama mais
elaborada de cavalheirismo e Cruzadas, que encontramos no Parzifal (1212) alemão, de Wolfram
von Eschenbach. Especialistas notaram empréstimos óbvios das sagas galesas na primeira obra,
mas a lenda é essencialmente expressa na língua franca cavalheiresca conhecida em todas as
cortes, de Monmouth a Provença e de lá a Beirute. Diferentemente de Wolfram, não há
nenhuma tentativa de referência contemporânea; o cenário é in illo tempore, o “era uma vez” da
convenção do mito e das lendas folclóricas, em que a corte de Artur é tão remota no tempo e
espaço para o leitor medieval quanto Tróia o era para os gregos atenienses da Era Clássica.
Embora o mundo seja cristão, nenhuma explicação cristã do Graal é oferecida por Chretien – a
lenda de que o Graal é o cálice da Última Ceia trazida para a Bretanha por José de Arimatéia é
um acréscimo posterior. Portanto, o Graal aparece na primeira leitura com toda a
espontaneidade e mistério de uma poderosa imagem onírica.
Os elementos essenciais da estória são os seguintes: Um nobre, mas simples, jovem
galês cresce isolado no campo. Sua mãe, uma viúva triste, o mantém afastado da corte,
porque seu pai e seus dois irmãos haviam morrido em combate quando o jovem ainda era
bebê. Percival nunca tinha visto um cavalheiro, mas, quando finalmente vê, determinase
a ser um deles. Sua mãe desmaia quando sabe de seu intento, mas permite que vá,
desde que prometa respeitar todas as donzelas, freqüentar diariamente a igreja e nunca
fazer perguntas.
Numa série de aventuras ingênuas, ele encontra primeiro uma donzela, depois o
esplêndido Cavalheiro Vermelho, a quem mata para ficar com sua armadura. Nesse feito
é encorajado pelo Rei Artur, que acredita no presságio de que um tolo simplório será o
maior dos cavaleiros.
Depois de acompanhar o treinamento de Lorde Gornamant nas artes do combate e na
filosofia cavalheiresca, o jovem segue sozinho, novamente com o conselho de ser
prudente e não falar muito. Ele encontra Lady Blanchflor, a quem compromete seus
serviços na defesa das terras da senhora que estão sitiadas. Triunfante na sua tarefa e
amado por Blanchflor, tem franca liberdade para pretender a sua mão, mas decide, antes,
tentar encontrar sua velha mãe. Em sua busca, depara-se com o misterioso castelo do Rei
Pescador, que está gravemente ferido nas coxas. O rei só consegue algum alívio para a
dor quando está pescando. Em uma marcha solene, Percival vê uma lança coberta de
sangue e uma taça que brilha com uma luz fulgurante, mas, em atenção aos conselhos de
sua mãe e de seu professor, nada pergunta sobre o rei. (Mais tarde uma jovem virgem
contou-lhe que ele poderia ter curado o rei, se lhe tivesse feito as perguntas certas).
Na manhã seguinte, o rei, o castelo e todos seus habitantes haviam desaparecido.
Percival participa de muitas aventuras, mas, gradualmente, esquece tudo que lhe haviam
ensinado, esquece sua mãe, seu professor, Blanchflor e o Graal. Depois de muitos anos,
um ermitão lhe lembra de sua fé e de sua busca original, insinuando que a perda do Graal
teria a ver com o fato de que abandonara sua mãe, que depois morrera. O ermitão
também lhe conta sobre o pai do Rei Pescador, a quem o Graal é destinado e que mora
num aposento na parte interior do castelo alimentando-se apenas de hóstias. Aqui a
história (incompleta) é interrompida.
Percival, o Herói
Iniciemos pelo herói, Percival, cuja principal proeza na história de Chretien é descobrir o Graal
e curar, ou seja, aliviar, o sofrimento do Rei Pescador. Percival é a típica criança órfã de pai, um
arquétipo que comumente caracteriza o herói, onde frequentemente se infere que o pai
verdadeiro é um homem de alta posição social, ou até mesmo, em muitos mitos, um deus. Essa
falta de um pai tem muitas consequências no plano imediato; o pai sempre estabelece limites, os
limites do mundo, que podem ser limites de dinheiro, poder ou lei. A criança criada sem pai não
conhece as limitações imediatas (a mãe não pode contê-lo e secretamente o “endeusa”) e,
portanto, pode carregar uma energia e uma intrepidez que literalmente não conhecem
fronteiras. Os feitos de heróis crianças como Hércules exibem essa superabundância de vida
como poder físico; ou, como no caso de Jesus ainda criança no templo, há uma superabundância
de sabedoria, sem limites, não contaminada pelo cânone patriarcal.
Percival passa por um grande número de enfrentamentos cavalheirescos e logo prova sua
intrepidez física, mas é reconhecido menos por sua bravura e mais por sua simplicidade e por
uma negligência, um insouciance, particularmente em relação às mulheres. Ele se esquece de sua
mãe e se esquece de perguntar sobre o Graal, e esse seu descuido é uma imagem da tendência
que nós todos temos de permitir que o reconhecimento do fundamento feminino do nosso ser
caia no inconsciente.
No começo da história, Percival mora com a mãe e é chamado “o filhinho da viúva”. Pode não
ser coincidência o fato de que Mani, que deu origem ao Maniqueísmo, fora também chamado
“o filho da viúva”, assim como também o era Horus nos mistérios de Ísis. Tanto o profeta Mani
quanto o deus criança Horus são arautos do embate com as forças do bem e do mal a serviço da
suprema deusa, a Virgem do Mundo. Na história de Chretien, a mãe chora a morte do pai de
Percival “ferido nas coxas” (como o Rei Pescador) e dos seus dois outros filhos, todos mortos em
combate. Seu refúgio na floresta é como um regresso do arquétipo da mãe à natureza, indefesa
num mundo onde a força das armas ou de Marte é toda poderosa.
Isso também significa que o nosso herói está próximo da natureza, do self natural, instintivo e
espontâneo. E é essa parte de sua ingenuidade que o equipa para a tarefa de buscar os mistérios
do feminino; ele não tem medo dos poderes negros da deusa mãe que são tão aterrorizantes para
o filho do pai (é Gawain, o filho do pai, simbolizado por sua busca pela lança – o emblema fálico
– quem deve lidar com “a noiva abominável” ou com a figura da “bruxa horrenda”, e não
Percival).
Na verdade, todos os encontros de Percival com as donzelas na história são espontâneos,
calorosos e naturalmente sensuais. No seu encontro com a “donzela triste”, a história conta que
“ele a beijou e suavemente a puxou para debaixo de suas cobertas, e ela não resistiu a seus beijos
– os quais eu não acho que lhe foram desagradáveis. Assim ficaram deitados aquela noite lado a
lado, boca a boca, até que amanhecesse”.
Deve-se ressaltar que, embora eles tenham se beijado e se deitado juntos sob as cobertas, nada
é dito sobre fazer amor; o ato é uma expressão natural de sua atração mútua; não é nem
puramente sensual nem, como nas outras versões, uma negação deliberada do aspecto sensual.
Para Chretien, como para todos os Trovadores, a beleza da mulher é o reflexo da beleza de
Deus; o que no Judaísmo místico é chamado de Shekinah, a beleza da criação, que é a Noiva de
Deus. Essa concepção profunda e abrangente perdeu-se no Cristianismo Ocidental, porque, a
partir dos Pais do Deserto, ensinou-se que os bons Cristãos de ambos os sexos deveriam
desprezar o corpo, mortificar a carne e condená-la a austeridades extremas.
A doutrina de Shekinah não ficou perdida para o Islamismo, entretanto. Apesar de uma
superfície de puritanismo, alimentava-se, contudo, entre os Sufis, um erotismo místico de muitas
facetas. Por um lado, o Sufismo absorveu os ensinamentos não somente gnósticos, mas também
os neoplatônicos, que enfatizavam a correspondência entre a beleza transcendente e a imanente.
O falecido Henry Corbin, um dos grandes estudiosos ocidentais do Sufismo, escreve, a partir
dessa perspectiva, que “a beleza feminina é a teofania por excelência”, numa menção às palavras
do Profeta: “Eu vi Deus sob a mais bonita das formas”.
Corbin prossegue dizendo:
A beleza é um atributo essencial de Deus e não pode ser percebida, a não ser nas suas
criaturas; e, além disso, o amor pelo ser criado belo é a única experiência que pode
despertar um genuíno amor a Deus. E é por isso que o próprio Deus é a fonte e a
realidade de Eros e proíbe sua dupla dessacralização: dessacralização por libertinagem,
que é sua profanação; e dessacralização por meio de um ascetismo que é deliberado ou
que, por outro lado, inerentemente procura o sofrimento, o que acaba por equivaler a sua
negação.
Então, de alguma forma, Corbin e os Sufis sugerem que há um caminho do meio entre a Scylla
da libertinagem e a Caribde da autossuplício asceta. O caminho do meio dos Sufis que os
Trovadores, e depois Dante, claramente adotaram era precisamente o caminho da contemplação da beleza em sua encarnação feminina. Afirma-se em Eric, outra obra de Chretien:
O que posso dizer sobre a beleza dela? Na verdade, foi feita para ser admirada: pois nela
qualquer um pode ver a si próprio como se em um espelho.
Admirar um belo rosto ou um belo corpo é ver refletido nele o atributo divino da beleza
transcendente. O olho que vê torna-se o olho de Deus admirando sua criação. E esse olhar,
contemplando, é a ponte do encarnado para a alma. Ao fixar nossa atenção, vamos além do
simples desejo, além até da imaginação, pois não há mais nada a imaginar na presença da beleza.
A disciplina espiritual implícita nisso foi soberbamente expressa por Simone Weil:
O belo é uma atração carnal que nos mantém à distância e implica renúncia. E isso inclui
a renúncia daquilo que é o que há de mais profundamente assentado: a imaginação.
Queremos comer todos os outros objetos de desejo. O belo é aquilo que desejamos sem
pretender comer. Nós desejamos que seja... O belo é a presença real de Deus na
matéria...O encontro com o belo é um sacramento.
No Yoga Tântrico indiano, aquela ramificação secreta do Yoga que é dedicado à Grande
Deusa, há uma prática chamada Maithuna, que, segundo Mircea Eliade, é onde “a união sexual é
transformada num ritual por meio do qual o casal humano torna-se um casal divino”.
Uma jovem Yogini, escolhida por sua beleza, vive com um jovem Yogi treinado; e,
gradualmente, o casal, passando por vários estágios juntos, prepara-se para um intercurso
ritualístico. Fitar um ao outro, em estado de excitação, é um estágio previsto no processo
destinado ao despertar místico.
Assim escreve Eliade:
Toda mulher nua encarna prakrti (i.e. substância compreendida como
“material” feminino). Portanto, ela deve ser olhada com a mesma
adoração e o mesmo desapego com que uma pessoa exercita uma
reflexão sobre o insondável segredo da natureza, sua ilimitada
capacidade de criar. A nudez ritualística da yogini tem um valor
místico intrínseco; se, na presença da mulher nua, a pessoa não
encontra em seu ser interior mais profundo a mesma emoção
aterrorizante que sente diante da revelação do mistério cósmico, não
há rito, mas apenas um ato mundano com todas as conseqüências conhecidas
(fortalecimento da corrente kármica etc).
Se essas práticas foram importadas do Oriente durante as aberturas interativas dos Séculos XI
e XII, provavelmente nunca saberemos, devido à ameaça que representavam para o ascetismo
Cristão e para uma cultura que renegava o corpo e a terra. Fortes indícios da existência de tais
práticas, ou pelo menos do princípio da contemplação da beleza, são encontrados em Chretien e
nos Trovadores contemporâneos. Apesar de todo vigor e júbilo ostentado nas cortes de Anjou e
Languedoc, a cultura do l’amour courtois permaneceu restrita a uma minoria, destinada a
prosperar, mas apenas brevemente, deixando para trás somente esses vestígios literários.
Impossível não notar a diferença entre a atitude de Percival para com a donzela e o posterior
relevo dado à castidade e à pureza que encontramos na Morte D’Arthur (1845), de Malory.
Aqui somente Sir Galahad, o mais puro cavaleiro, é digno de buscar o Graal. Malory escreveu ao
final de um período que assistiu à intensa Cristianização da lenda do Graal e a sua posterior
espiritualização. Chretien de Troyes escreveu em meio à cultura insolentemente herege dos
Cátaros que estava associada a Eleanor de Aquitânia, neta de Guilleme IX, o primeiro Trovador
o qual citamos. Uma cultura que trouxe à vida mais uma vez “o antigo prazer em Eros e a
liberdade do espírito” (Heer), mas, de igual modo, uma cultura que foi, por essa mesma razão,
execrada por São Bernardo de Claraval que, como paradigma da ortodoxia espiritual, chamava-a
de “o demônio do Sul”. É bom lembrar que, entre os grandes sermões de São Bernardo, estão os
sobre o Cântico dos Cânticos, o mais sensual dos documentos do Velho Testamento e que
celebram o amor de Salomão por sua noiva negra Sulamita. Em comum com a tradição Patrística
e também Judaica, São Bernardo viu essa paixão como uma descrição totalmente alegórica da
união da alma com Deus!
O Rei Pescador
Nesse ponto – minha imagem da apaixonada, mas sensual, Eleanor de Aquitânia fitando,
através do abismo cultural do ardente Sudoeste, a face de um igualmente apaixonado, mas
místico, São Bernardo, na frieza e imponência de sua Abadia de Cluny, no Nordeste – nesse
ponto, antes que a terrível Cruzada Albigense que se precipitou em direção a Rhone e suprimiu
a fogo e espada “o demônio do Sul”, para vitória eterna e vergonha eterna dos líderes da Igreja,
vamos nos voltar para o que Wagner, Jung e T. S. Elliot consideraram como a imagem mais
intrigante do Conte Del Graal, de Chretien, aquela do Rei Pescador ferido em meio a le pay
gaste – a terra devastada.
A Terra Devastada
Em quase todas as versões da lenda, como foi sintetizado por Jessie Weston em From Ritual to
Romance, a ferida do Rei Pescador, ou Rei Graal (os quais às vezes são duas entidades) está
diretamente associada à seca prolongada que reduziu o campo a um terreno inculto. A tarefa do
herói, ao fazer a pergunta certa, seria tanto curar o rei como “liberar as águas”, para assim
restaurar a vida no reino.
Nas várias versões, três diferentes perguntas são formuladas, dependendo do tipo de texto que a
acompanha. No texto de Chretien, que, acredita-se, tenha sido o primeiro, a pergunta que
Percival deve formular é: ”A quem o Graal serve?”. Uma prosa quase contemporânea de Percival faz o herói perguntar: “O que é o Graal?”. No Parzifal, de Wolfram, entretanto, muito mais tarde, a terra devastada desaparece fazendo com que toda ênfase recaia sobre a ferida do Rei Amfortas e, para der reine Thor, o tolo puro, a pergunta é: “O que te dói, meu tio?”. Iniciarei
com a última, que se refere à ferida do Rei Pescador, pois ela nos leva diretamente ao cerne do
nosso problema e, além, para o mistério do Graal.
Na versão de Chretien, o pai de Percival foi ferido por uma azagaia nas coxas, como o foi o Rei
Pescador. Em outras versões era o tio de Percival, mas neste caso parece ser mesmo o pai, em
função do tipo de ferimento. Isso torna evidente que as terras do Rei Pescador e as águas que
Percival deve atravessar são miticamente a Terra dos Mortos, ou as trevas.
Podemos dizer que o Rei Pescador é o princípio paterno ferido – o enfraquecido, improdutivo
e espiritualmente abandonado mundo paterno do tempo de Chretien. Em virtude da analogia
com Cristo como Ichthys, o Pescador de Homens, Emma Jung escreve:
O Rei Graal como tal é como se fosse a imagem arquetípica do homem Cristão como
ele é visto da perspectiva do inconsciente. Visto assim, ele dissemina uma sombra
extraordinária.
Ele está ferido nas coxas, o lugar da geratividade. Se esse simbolismo não fosse por si claro, no
Parzifal, de Wolfram, ele se torna ainda mais explicito, pois o Rei Graal, o Rei Amfortas, foi
ferido nos testículos.
É esta, então, a imagem do homem Cristão que emergiu nas fantasias inconscientes dos
Trovadores do Século XII: um Pescador Real rico, mas, do ponto de vista sexual, horrivelmente
ferido, governando sobre uma terra que está desolada, infértil, improdutiva. A terra, na verdade,
reflete sua impotência; as águas da vida secaram por dentro e por fora.
Cabe ao inocente tolo perguntar àquela parte da nossa consciência Ocidental: Por que estamos
sexualmente mortos? Por que a nossa comunhão com a fecunda terra não é mais frutífera? O que há de podre ou de tão terrivelmente errado com a sexualidade do homem Cristão ocidental?
Em outras versões da história, a única coisa que pode aliviar o sofrimento do rei é a hóstia da
comunhão, que é depositada no Graal (de cima para baixo) no Domingo de Páscoa. Wolfram e
Wagner assim elaboram o mistério do poder curador da Eucaristia: é alívio e não cura real. E eu
creio que fracassa (como o fazem todas as posteriores versões mais Cristãs e de certo modo mais
sentimentais da história) como cura real, porque vem de cima; é uma solução apenas
transcendente ou espiritual. Os símbolos ou sacramentos Cristãos não podem mais ajudar,
porque o Cristianismo do Século XII está ele mesmo doente.
O antídoto não pode vir de cima, ele deve vir de onde a ferida está: de baixo. E é daí que vem
o problema mais profundo do Cristianismo cindido: abaixo está tudo que pertence ao diabo, ao
anti-Cristo. Eu proponho que seja essa a razão pela qual o Rei Pescador queima seus dedos no
salmão, que é o que ocorre em uma das versões: ele não é capaz de manusear o segundo peixe da
Era de Peixes. É muito quente. Queima suas mãos. A sexualidade, especialmente a sexualidade
sepultada, é fogo impossível de controlar, pois é fogo do inferno.
Mas há algo que está ainda mais abaixo, que é o Graal, a fonte da vida, da geratividade, do
Eros primordial. O Graal pertence a tudo que é macio, dócil, yin, no corpo, na terra, na Mãe:
pleno, rico, suave, gentil, e infinitamente abundante.
A sexualidade impotente é a degradação final de Marte, o espírito imperialista impositivo.
Marte era originalmente para os romanos um deus “Dionisíaco”, da fertilidade, cujo falo era a
charrua que engravidava Venus, a Mãe Terra, mas que também, com sua espada, protegia a terrados invasores. Devido à insegurança e a ânsia por poder, primeiro da Grécia colonial e depois da Roma Imperial, a relha transformou-se permanentemente na espada, e a ígnea semente da criação transformou-se em chamas da destruição. Isso porque Marte, quando é unicamente deus da guerra (como o Ares grego), perde sua conexão com a terra e se torna o bruto e voraz agressor sexual que não conhece limites, a não ser que seja refreado pelas leis rigorosas de uma autoridade maior. O Cristianismo romano freou essa libido selvagem, a serviço primeiro de uma religião imperial, depois da Inquisição e das Cruzadas, e finalmente do espírito Conquistador em sua insaciável ganância por mais conquistas ou “influências“ – que inicialmente buscou um ideal ascético ou puritano que contrabalançasse seu medo de resvalar para dentro da sombra pagã da libertinagem – e sua perda da corporificação sensual de Venus.
“O medo Cristão da perspectiva pagã danificou toda consciência do Homem”. Assim escreveu
D. H. Lawrence na sua última obra, Apocalipse. A ferida do Rei Pescador é a imagem medieval
daquela consciência danificada e da terrível alienação da Mãe Terra que ela forjou.
Emma Jung cita uma versão diversa, mas também dos primeiros anos, da lenda do Graal sobre
“a destruição do país de Logres”, um tipo de lembrança de uma Idade Arturiana distante anterior à Queda. Conforme segue, o poder terrível de Marte é claramente responsável pela perda do Graal e desolação da terra:
Uma vez viviam naquela região, numa certa puis, i.e. sepulturas ou grutas que abrigavam
nascentes, jovens virgens que costumavam revigorar, caçadores e peregrinos cansados
que por ali passavam, com comida e bebida. Bastava ir a um desses puis e expressar seus
desejos e imediatamente uma linda donzela apareceria, carregando uma tigela dourada
contendo todo tipo de alimento (também um tipo de graal). À primeira, se seguiria uma
segunda jovem portando uma alva toalha de mão e uma segunda tigela contendo o que
quer que o visitante desejasse. As donzelas serviam todos os viajantes dessa maneira, até
que um dia um rei chamado Amagons raptou uma delas e roubou sua tigela dourada. Seu
povo seguiu seu mau exemplo e as virgens nunca mais saíram da gruta para revigorar
peregrinos. Daquele tempo em diante, a região começou a se tornar árida. As árvores
perderam suas folhas, a grama e as flores murcharam, e a água faltou mais e mais.
“E daí em diante a corte do Pescador Rico que fazia o solo reluzir com ouro e prata, com
peles e coisas preciosas, com alimentos de toda sorte, com falcões, gaviões e gaviões
pardais, não seria mais vista. Naqueles dias quando a corte ainda podia ser vista, havia
riquezas e abundância por toda parte. Mas agora tudo isso está perdido para a terra de
Logres.
É lugar-comum no trabalho junguiano de sonhos que, quando uma imagem não pode ser
entendida ou assimilada pela consciência, ela retorne de formas ligeiramente diferentes outra
vez e outra vez, até que a consciência esteja mais apta a receber o seu significado. Wagner
batalhou com a ferida de Amfortas em Parsifal, e T. S. Eliot explorou a terra devastada como
uma paisagem contemporânea de sonhos, mas nenhum dos dois viu o problema como sexual.
Coube a D. H. Lawrence, que trabalhou mais próximo dos problemas do Cristianismo e do
paganismo, apresentar uma versão totalmente renovada do arquétipo nos seu último romance,
O Amante de Lady Chatterly. Na obra intencionalmente mal interpretada de Lawrence, a razão
pela qual Constance Chatterly procura um amante é porque seu marido está paralisado da
cintura para baixo devido a um ferimento sofrido na Grande Guerra. No caso do Rei Pescador
foi uma azagaia, no de Lord Chatterly foi um fragmento de granada, mas para ambos a
impotência sexual é a mesma. Ambos são governantes e membros de uma elite militar,
simbolizando arquetipicamente um dominante na consciência que está ferido de morte e que
não pode mais suster a cultura que governa deixando tudo que é feminino descontente e
improfícuo.
Assim como com os Romanos, assim com os Britânicos. A expansão incontida do imperialismo de Marte (sem levar em conta aqui o “bom” verniz da instrução e da civilização) leva inevitavelmente à dispersão completa da libido da terra mãe – uma total perda da conexão com o solo pátrio causada por séculos de adulteração que a mistura com culturas estrangeiras provoca, tudo a serviço de uma idéia grandiosa, mas lunática, chamada Império Britânico.
Do mesmíssimo modo com que os bárbaros inundaram Roma, assim também hoje Londres
está à mercê da onda de imigrantes de todas as raças, mal instruídos, desarraigados e
desnorteados, provindos das antigas colônias. É o retorno do reprimido: é a sombra Dionisíaca
pagã que volta para reivindicar o centro cada vez mais decadente da metrópole (literalmente:
“Cidade Mãe”), aquela espiritual terra devastada que foi tudo o que sobrou quando o dardo
imperialista foi de fato disparado.
O Problema de Peixes
A consciência do Ocidente cristão permanece cindida, incapaz de resolver os opostos da Roma
(de Marte) e do Amor (de Vênus), apesar do surgimento de igrejas e movimentos espirituais
alternativos. Jung vê a cisão como refletida no simbolismo astrológico de Peixes que rege a Era
Cristã. Ele diz que esta é uma era na qual o problema dos opostos psíquicos está profundamente
acentuado. Jesus, como o conhecemos, logo foi assimilado na mente mística com o símbolo do
Peixe, não só como um pescador de homens, mas também como representante do arquétipo
dominante da era: os peixes gêmeos do signo de Peixes. O primeiro peixe parece ser Cristo, mas
então quem ou o que é o segundo? Acompanhando o pensamento de um grupo de autoridades
patrísticas antigas, incluindo o venerável Agostinho (um ex-Maniqueísta) Jung conclui que o
segundo peixe é o anti-Cristo, o lado sombrio de Cristo, cujo espírito virá dominar a segunda
metade da Era de Peixes, quando a energia de Cristo irá para o inconsciente. Jung vê que “um
abismo assustador abriu-se entre Cristo e anti-Cristo no século XI”, o que visionários como
Joachim de Flora compensaram com imagens apocalípticas de uma nova era do Espírito Santo.
Mas, infelizmente, o poder potencialmente revitalizante do espírito dispersou-se nos
movimentos coletivos que mencionamos e a Igreja enrijou-se em repressão e dogmatismo:
“A era do anti-Cristo merece censura pelo fato de que o espírito tornou-se não espiritual e o
arquétipo revitalizante gradualmente degenerou-se em racionalismo, intelectualismo, e
doutrinarismo, tudo o que resultou na tragédia dos tempos modernos”.
O próprio Jung tentou demonstrar em seus estudos de alquimia que, nessa disciplina arcana e
em grande parte subterrânea, a vida e os mistérios da transformação espiritual foram, entretanto, mantidos vivos. E, se os alquimistas eram os guardiões dos mistérios perdidos do espírito, os romances corteses e cultos do amor sobrevieram para manter vivos os mistérios da natureza e a Grande Mãe. Ao mesmo tempo, os Cátaros transmitiram o lumen naturae como sendo a emanação feminina do Espírito Santo (Sofia), pela imposição das mãos, um ritual equivalente à transmissão de barakah pelos Sufis ou do Shaktiput dos Yogis. Emma Jung esforçou-se para demonstrar que os romances do Graal são meditações coletivas sobre esse problema apresentado pelo inconsciente. Em todas essas correntes encontramos uma convergência de imagens de fontes celtas, orientais, cristãs e alquímicas, todas buscando um novo símbolo não apenas da transcendência espiritual, mas também da Divina Imanência na criação.
PARTE II: UMA INTERPRETAÇÃO DA LENDA DO GRAAL
Sinopse da Lenda
O romance Percival (1185), de Chretien de Troyes, a primeira de muitas versões da história
dos Graals, é de uma simplicidade e franqueza ausentes na versão posterior, uma trama mais
elaborada de cavalheirismo e Cruzadas, que encontramos no Parzifal (1212) alemão, de Wolfram
von Eschenbach. Especialistas notaram empréstimos óbvios das sagas galesas na primeira obra,
mas a lenda é essencialmente expressa na língua franca cavalheiresca conhecida em todas as
cortes, de Monmouth a Provença e de lá a Beirute. Diferentemente de Wolfram, não há
nenhuma tentativa de referência contemporânea; o cenário é in illo tempore, o “era uma vez” da
convenção do mito e das lendas folclóricas, em que a corte de Artur é tão remota no tempo e
espaço para o leitor medieval quanto Tróia o era para os gregos atenienses da Era Clássica.
Embora o mundo seja cristão, nenhuma explicação cristã do Graal é oferecida por Chretien – a
lenda de que o Graal é o cálice da Última Ceia trazida para a Bretanha por José de Arimatéia é
um acréscimo posterior. Portanto, o Graal aparece na primeira leitura com toda a
espontaneidade e mistério de uma poderosa imagem onírica.
Os elementos essenciais da estória são os seguintes: Um nobre, mas simples, jovem
galês cresce isolado no campo. Sua mãe, uma viúva triste, o mantém afastado da corte,
porque seu pai e seus dois irmãos haviam morrido em combate quando o jovem ainda era
bebê. Percival nunca tinha visto um cavalheiro, mas, quando finalmente vê, determinase
a ser um deles. Sua mãe desmaia quando sabe de seu intento, mas permite que vá,
desde que prometa respeitar todas as donzelas, freqüentar diariamente a igreja e nunca
fazer perguntas.
Numa série de aventuras ingênuas, ele encontra primeiro uma donzela, depois o
esplêndido Cavalheiro Vermelho, a quem mata para ficar com sua armadura. Nesse feito
é encorajado pelo Rei Artur, que acredita no presságio de que um tolo simplório será o
maior dos cavaleiros.
Depois de acompanhar o treinamento de Lorde Gornamant nas artes do combate e na
filosofia cavalheiresca, o jovem segue sozinho, novamente com o conselho de ser
prudente e não falar muito. Ele encontra Lady Blanchflor, a quem compromete seus
serviços na defesa das terras da senhora que estão sitiadas. Triunfante na sua tarefa e
amado por Blanchflor, tem franca liberdade para pretender a sua mão, mas decide, antes,
tentar encontrar sua velha mãe. Em sua busca, depara-se com o misterioso castelo do Rei
Pescador, que está gravemente ferido nas coxas. O rei só consegue algum alívio para a
dor quando está pescando. Em uma marcha solene, Percival vê uma lança coberta de
sangue e uma taça que brilha com uma luz fulgurante, mas, em atenção aos conselhos de
sua mãe e de seu professor, nada pergunta sobre o rei. (Mais tarde uma jovem virgem
contou-lhe que ele poderia ter curado o rei, se lhe tivesse feito as perguntas certas).
Na manhã seguinte, o rei, o castelo e todos seus habitantes haviam desaparecido.
Percival participa de muitas aventuras, mas, gradualmente, esquece tudo que lhe haviam
ensinado, esquece sua mãe, seu professor, Blanchflor e o Graal. Depois de muitos anos,
um ermitão lhe lembra de sua fé e de sua busca original, insinuando que a perda do Graal
teria a ver com o fato de que abandonara sua mãe, que depois morrera. O ermitão
também lhe conta sobre o pai do Rei Pescador, a quem o Graal é destinado e que mora
num aposento na parte interior do castelo alimentando-se apenas de hóstias. Aqui a
história (incompleta) é interrompida.
Percival, o Herói
Iniciemos pelo herói, Percival, cuja principal proeza na história de Chretien é descobrir o Graal
e curar, ou seja, aliviar, o sofrimento do Rei Pescador. Percival é a típica criança órfã de pai, um
arquétipo que comumente caracteriza o herói, onde frequentemente se infere que o pai
verdadeiro é um homem de alta posição social, ou até mesmo, em muitos mitos, um deus. Essa
falta de um pai tem muitas consequências no plano imediato; o pai sempre estabelece limites, os
limites do mundo, que podem ser limites de dinheiro, poder ou lei. A criança criada sem pai não
conhece as limitações imediatas (a mãe não pode contê-lo e secretamente o “endeusa”) e,
portanto, pode carregar uma energia e uma intrepidez que literalmente não conhecem
fronteiras. Os feitos de heróis crianças como Hércules exibem essa superabundância de vida
como poder físico; ou, como no caso de Jesus ainda criança no templo, há uma superabundância
de sabedoria, sem limites, não contaminada pelo cânone patriarcal.
Percival passa por um grande número de enfrentamentos cavalheirescos e logo prova sua
intrepidez física, mas é reconhecido menos por sua bravura e mais por sua simplicidade e por
uma negligência, um insouciance, particularmente em relação às mulheres. Ele se esquece de sua
mãe e se esquece de perguntar sobre o Graal, e esse seu descuido é uma imagem da tendência
que nós todos temos de permitir que o reconhecimento do fundamento feminino do nosso ser
caia no inconsciente.
No começo da história, Percival mora com a mãe e é chamado “o filhinho da viúva”. Pode não
ser coincidência o fato de que Mani, que deu origem ao Maniqueísmo, fora também chamado
“o filho da viúva”, assim como também o era Horus nos mistérios de Ísis. Tanto o profeta Mani
quanto o deus criança Horus são arautos do embate com as forças do bem e do mal a serviço da
suprema deusa, a Virgem do Mundo. Na história de Chretien, a mãe chora a morte do pai de
Percival “ferido nas coxas” (como o Rei Pescador) e dos seus dois outros filhos, todos mortos em
combate. Seu refúgio na floresta é como um regresso do arquétipo da mãe à natureza, indefesa
num mundo onde a força das armas ou de Marte é toda poderosa.
Isso também significa que o nosso herói está próximo da natureza, do self natural, instintivo e
espontâneo. E é essa parte de sua ingenuidade que o equipa para a tarefa de buscar os mistérios
do feminino; ele não tem medo dos poderes negros da deusa mãe que são tão aterrorizantes para
o filho do pai (é Gawain, o filho do pai, simbolizado por sua busca pela lança – o emblema fálico
– quem deve lidar com “a noiva abominável” ou com a figura da “bruxa horrenda”, e não
Percival).
Na verdade, todos os encontros de Percival com as donzelas na história são espontâneos,
calorosos e naturalmente sensuais. No seu encontro com a “donzela triste”, a história conta que
“ele a beijou e suavemente a puxou para debaixo de suas cobertas, e ela não resistiu a seus beijos
– os quais eu não acho que lhe foram desagradáveis. Assim ficaram deitados aquela noite lado a
lado, boca a boca, até que amanhecesse”.
Deve-se ressaltar que, embora eles tenham se beijado e se deitado juntos sob as cobertas, nada
é dito sobre fazer amor; o ato é uma expressão natural de sua atração mútua; não é nem
puramente sensual nem, como nas outras versões, uma negação deliberada do aspecto sensual.
Para Chretien, como para todos os Trovadores, a beleza da mulher é o reflexo da beleza de
Deus; o que no Judaísmo místico é chamado de Shekinah, a beleza da criação, que é a Noiva de
Deus. Essa concepção profunda e abrangente perdeu-se no Cristianismo Ocidental, porque, a
partir dos Pais do Deserto, ensinou-se que os bons Cristãos de ambos os sexos deveriam
desprezar o corpo, mortificar a carne e condená-la a austeridades extremas.
A doutrina de Shekinah não ficou perdida para o Islamismo, entretanto. Apesar de uma
superfície de puritanismo, alimentava-se, contudo, entre os Sufis, um erotismo místico de muitas
facetas. Por um lado, o Sufismo absorveu os ensinamentos não somente gnósticos, mas também
os neoplatônicos, que enfatizavam a correspondência entre a beleza transcendente e a imanente.
O falecido Henry Corbin, um dos grandes estudiosos ocidentais do Sufismo, escreve, a partir
dessa perspectiva, que “a beleza feminina é a teofania por excelência”, numa menção às palavras
do Profeta: “Eu vi Deus sob a mais bonita das formas”.
Corbin prossegue dizendo:
A beleza é um atributo essencial de Deus e não pode ser percebida, a não ser nas suas
criaturas; e, além disso, o amor pelo ser criado belo é a única experiência que pode
despertar um genuíno amor a Deus. E é por isso que o próprio Deus é a fonte e a
realidade de Eros e proíbe sua dupla dessacralização: dessacralização por libertinagem,
que é sua profanação; e dessacralização por meio de um ascetismo que é deliberado ou
que, por outro lado, inerentemente procura o sofrimento, o que acaba por equivaler a sua
negação.
Então, de alguma forma, Corbin e os Sufis sugerem que há um caminho do meio entre a Scylla
da libertinagem e a Caribde da autossuplício asceta. O caminho do meio dos Sufis que os
Trovadores, e depois Dante, claramente adotaram era precisamente o caminho da contemplação da beleza em sua encarnação feminina. Afirma-se em Eric, outra obra de Chretien:
O que posso dizer sobre a beleza dela? Na verdade, foi feita para ser admirada: pois nela
qualquer um pode ver a si próprio como se em um espelho.
Admirar um belo rosto ou um belo corpo é ver refletido nele o atributo divino da beleza
transcendente. O olho que vê torna-se o olho de Deus admirando sua criação. E esse olhar,
contemplando, é a ponte do encarnado para a alma. Ao fixar nossa atenção, vamos além do
simples desejo, além até da imaginação, pois não há mais nada a imaginar na presença da beleza.
A disciplina espiritual implícita nisso foi soberbamente expressa por Simone Weil:
O belo é uma atração carnal que nos mantém à distância e implica renúncia. E isso inclui
a renúncia daquilo que é o que há de mais profundamente assentado: a imaginação.
Queremos comer todos os outros objetos de desejo. O belo é aquilo que desejamos sem
pretender comer. Nós desejamos que seja... O belo é a presença real de Deus na
matéria...O encontro com o belo é um sacramento.
No Yoga Tântrico indiano, aquela ramificação secreta do Yoga que é dedicado à Grande
Deusa, há uma prática chamada Maithuna, que, segundo Mircea Eliade, é onde “a união sexual é
transformada num ritual por meio do qual o casal humano torna-se um casal divino”.
Uma jovem Yogini, escolhida por sua beleza, vive com um jovem Yogi treinado; e,
gradualmente, o casal, passando por vários estágios juntos, prepara-se para um intercurso
ritualístico. Fitar um ao outro, em estado de excitação, é um estágio previsto no processo
destinado ao despertar místico.
Assim escreve Eliade:
Toda mulher nua encarna prakrti (i.e. substância compreendida como
“material” feminino). Portanto, ela deve ser olhada com a mesma
adoração e o mesmo desapego com que uma pessoa exercita uma
reflexão sobre o insondável segredo da natureza, sua ilimitada
capacidade de criar. A nudez ritualística da yogini tem um valor
místico intrínseco; se, na presença da mulher nua, a pessoa não
encontra em seu ser interior mais profundo a mesma emoção
aterrorizante que sente diante da revelação do mistério cósmico, não
há rito, mas apenas um ato mundano com todas as conseqüências conhecidas
(fortalecimento da corrente kármica etc).
Se essas práticas foram importadas do Oriente durante as aberturas interativas dos Séculos XI
e XII, provavelmente nunca saberemos, devido à ameaça que representavam para o ascetismo
Cristão e para uma cultura que renegava o corpo e a terra. Fortes indícios da existência de tais
práticas, ou pelo menos do princípio da contemplação da beleza, são encontrados em Chretien e
nos Trovadores contemporâneos. Apesar de todo vigor e júbilo ostentado nas cortes de Anjou e
Languedoc, a cultura do l’amour courtois permaneceu restrita a uma minoria, destinada a
prosperar, mas apenas brevemente, deixando para trás somente esses vestígios literários.
Impossível não notar a diferença entre a atitude de Percival para com a donzela e o posterior
relevo dado à castidade e à pureza que encontramos na Morte D’Arthur (1845), de Malory.
Aqui somente Sir Galahad, o mais puro cavaleiro, é digno de buscar o Graal. Malory escreveu ao
final de um período que assistiu à intensa Cristianização da lenda do Graal e a sua posterior
espiritualização. Chretien de Troyes escreveu em meio à cultura insolentemente herege dos
Cátaros que estava associada a Eleanor de Aquitânia, neta de Guilleme IX, o primeiro Trovador
o qual citamos. Uma cultura que trouxe à vida mais uma vez “o antigo prazer em Eros e a
liberdade do espírito” (Heer), mas, de igual modo, uma cultura que foi, por essa mesma razão,
execrada por São Bernardo de Claraval que, como paradigma da ortodoxia espiritual, chamava-a
de “o demônio do Sul”. É bom lembrar que, entre os grandes sermões de São Bernardo, estão os
sobre o Cântico dos Cânticos, o mais sensual dos documentos do Velho Testamento e que
celebram o amor de Salomão por sua noiva negra Sulamita. Em comum com a tradição Patrística
e também Judaica, São Bernardo viu essa paixão como uma descrição totalmente alegórica da
união da alma com Deus!
O Rei Pescador
Nesse ponto – minha imagem da apaixonada, mas sensual, Eleanor de Aquitânia fitando,
através do abismo cultural do ardente Sudoeste, a face de um igualmente apaixonado, mas
místico, São Bernardo, na frieza e imponência de sua Abadia de Cluny, no Nordeste – nesse
ponto, antes que a terrível Cruzada Albigense que se precipitou em direção a Rhone e suprimiu
a fogo e espada “o demônio do Sul”, para vitória eterna e vergonha eterna dos líderes da Igreja,
vamos nos voltar para o que Wagner, Jung e T. S. Elliot consideraram como a imagem mais
intrigante do Conte Del Graal, de Chretien, aquela do Rei Pescador ferido em meio a le pay
gaste – a terra devastada.
A Terra Devastada
Em quase todas as versões da lenda, como foi sintetizado por Jessie Weston em From Ritual to
Romance, a ferida do Rei Pescador, ou Rei Graal (os quais às vezes são duas entidades) está
diretamente associada à seca prolongada que reduziu o campo a um terreno inculto. A tarefa do
herói, ao fazer a pergunta certa, seria tanto curar o rei como “liberar as águas”, para assim
restaurar a vida no reino.
Nas várias versões, três diferentes perguntas são formuladas, dependendo do tipo de texto que a
acompanha. No texto de Chretien, que, acredita-se, tenha sido o primeiro, a pergunta que
Percival deve formular é: ”A quem o Graal serve?”. Uma prosa quase contemporânea de Percival faz o herói perguntar: “O que é o Graal?”. No Parzifal, de Wolfram, entretanto, muito mais tarde, a terra devastada desaparece fazendo com que toda ênfase recaia sobre a ferida do Rei Amfortas e, para der reine Thor, o tolo puro, a pergunta é: “O que te dói, meu tio?”. Iniciarei
com a última, que se refere à ferida do Rei Pescador, pois ela nos leva diretamente ao cerne do
nosso problema e, além, para o mistério do Graal.
Na versão de Chretien, o pai de Percival foi ferido por uma azagaia nas coxas, como o foi o Rei
Pescador. Em outras versões era o tio de Percival, mas neste caso parece ser mesmo o pai, em
função do tipo de ferimento. Isso torna evidente que as terras do Rei Pescador e as águas que
Percival deve atravessar são miticamente a Terra dos Mortos, ou as trevas.
Podemos dizer que o Rei Pescador é o princípio paterno ferido – o enfraquecido, improdutivo
e espiritualmente abandonado mundo paterno do tempo de Chretien. Em virtude da analogia
com Cristo como Ichthys, o Pescador de Homens, Emma Jung escreve:
O Rei Graal como tal é como se fosse a imagem arquetípica do homem Cristão como
ele é visto da perspectiva do inconsciente. Visto assim, ele dissemina uma sombra
extraordinária.
Ele está ferido nas coxas, o lugar da geratividade. Se esse simbolismo não fosse por si claro, no
Parzifal, de Wolfram, ele se torna ainda mais explicito, pois o Rei Graal, o Rei Amfortas, foi
ferido nos testículos.
É esta, então, a imagem do homem Cristão que emergiu nas fantasias inconscientes dos
Trovadores do Século XII: um Pescador Real rico, mas, do ponto de vista sexual, horrivelmente
ferido, governando sobre uma terra que está desolada, infértil, improdutiva. A terra, na verdade,
reflete sua impotência; as águas da vida secaram por dentro e por fora.
Cabe ao inocente tolo perguntar àquela parte da nossa consciência Ocidental: Por que estamos
sexualmente mortos? Por que a nossa comunhão com a fecunda terra não é mais frutífera? O que há de podre ou de tão terrivelmente errado com a sexualidade do homem Cristão ocidental?
Em outras versões da história, a única coisa que pode aliviar o sofrimento do rei é a hóstia da
comunhão, que é depositada no Graal (de cima para baixo) no Domingo de Páscoa. Wolfram e
Wagner assim elaboram o mistério do poder curador da Eucaristia: é alívio e não cura real. E eu
creio que fracassa (como o fazem todas as posteriores versões mais Cristãs e de certo modo mais
sentimentais da história) como cura real, porque vem de cima; é uma solução apenas
transcendente ou espiritual. Os símbolos ou sacramentos Cristãos não podem mais ajudar,
porque o Cristianismo do Século XII está ele mesmo doente.
O antídoto não pode vir de cima, ele deve vir de onde a ferida está: de baixo. E é daí que vem
o problema mais profundo do Cristianismo cindido: abaixo está tudo que pertence ao diabo, ao
anti-Cristo. Eu proponho que seja essa a razão pela qual o Rei Pescador queima seus dedos no
salmão, que é o que ocorre em uma das versões: ele não é capaz de manusear o segundo peixe da
Era de Peixes. É muito quente. Queima suas mãos. A sexualidade, especialmente a sexualidade
sepultada, é fogo impossível de controlar, pois é fogo do inferno.
Mas há algo que está ainda mais abaixo, que é o Graal, a fonte da vida, da geratividade, do
Eros primordial. O Graal pertence a tudo que é macio, dócil, yin, no corpo, na terra, na Mãe:
pleno, rico, suave, gentil, e infinitamente abundante.
A sexualidade impotente é a degradação final de Marte, o espírito imperialista impositivo.
Marte era originalmente para os romanos um deus “Dionisíaco”, da fertilidade, cujo falo era a
charrua que engravidava Venus, a Mãe Terra, mas que também, com sua espada, protegia a terrados invasores. Devido à insegurança e a ânsia por poder, primeiro da Grécia colonial e depois da Roma Imperial, a relha transformou-se permanentemente na espada, e a ígnea semente da criação transformou-se em chamas da destruição. Isso porque Marte, quando é unicamente deus da guerra (como o Ares grego), perde sua conexão com a terra e se torna o bruto e voraz agressor sexual que não conhece limites, a não ser que seja refreado pelas leis rigorosas de uma autoridade maior. O Cristianismo romano freou essa libido selvagem, a serviço primeiro de uma religião imperial, depois da Inquisição e das Cruzadas, e finalmente do espírito Conquistador em sua insaciável ganância por mais conquistas ou “influências“ – que inicialmente buscou um ideal ascético ou puritano que contrabalançasse seu medo de resvalar para dentro da sombra pagã da libertinagem – e sua perda da corporificação sensual de Venus.
“O medo Cristão da perspectiva pagã danificou toda consciência do Homem”. Assim escreveu
D. H. Lawrence na sua última obra, Apocalipse. A ferida do Rei Pescador é a imagem medieval
daquela consciência danificada e da terrível alienação da Mãe Terra que ela forjou.
Emma Jung cita uma versão diversa, mas também dos primeiros anos, da lenda do Graal sobre
“a destruição do país de Logres”, um tipo de lembrança de uma Idade Arturiana distante anterior à Queda. Conforme segue, o poder terrível de Marte é claramente responsável pela perda do Graal e desolação da terra:
Uma vez viviam naquela região, numa certa puis, i.e. sepulturas ou grutas que abrigavam
nascentes, jovens virgens que costumavam revigorar, caçadores e peregrinos cansados
que por ali passavam, com comida e bebida. Bastava ir a um desses puis e expressar seus
desejos e imediatamente uma linda donzela apareceria, carregando uma tigela dourada
contendo todo tipo de alimento (também um tipo de graal). À primeira, se seguiria uma
segunda jovem portando uma alva toalha de mão e uma segunda tigela contendo o que
quer que o visitante desejasse. As donzelas serviam todos os viajantes dessa maneira, até
que um dia um rei chamado Amagons raptou uma delas e roubou sua tigela dourada. Seu
povo seguiu seu mau exemplo e as virgens nunca mais saíram da gruta para revigorar
peregrinos. Daquele tempo em diante, a região começou a se tornar árida. As árvores
perderam suas folhas, a grama e as flores murcharam, e a água faltou mais e mais.
“E daí em diante a corte do Pescador Rico que fazia o solo reluzir com ouro e prata, com
peles e coisas preciosas, com alimentos de toda sorte, com falcões, gaviões e gaviões
pardais, não seria mais vista. Naqueles dias quando a corte ainda podia ser vista, havia
riquezas e abundância por toda parte. Mas agora tudo isso está perdido para a terra de
Logres.
É lugar-comum no trabalho junguiano de sonhos que, quando uma imagem não pode ser
entendida ou assimilada pela consciência, ela retorne de formas ligeiramente diferentes outra
vez e outra vez, até que a consciência esteja mais apta a receber o seu significado. Wagner
batalhou com a ferida de Amfortas em Parsifal, e T. S. Eliot explorou a terra devastada como
uma paisagem contemporânea de sonhos, mas nenhum dos dois viu o problema como sexual.
Coube a D. H. Lawrence, que trabalhou mais próximo dos problemas do Cristianismo e do
paganismo, apresentar uma versão totalmente renovada do arquétipo nos seu último romance,
O Amante de Lady Chatterly. Na obra intencionalmente mal interpretada de Lawrence, a razão
pela qual Constance Chatterly procura um amante é porque seu marido está paralisado da
cintura para baixo devido a um ferimento sofrido na Grande Guerra. No caso do Rei Pescador
foi uma azagaia, no de Lord Chatterly foi um fragmento de granada, mas para ambos a
impotência sexual é a mesma. Ambos são governantes e membros de uma elite militar,
simbolizando arquetipicamente um dominante na consciência que está ferido de morte e que
não pode mais suster a cultura que governa deixando tudo que é feminino descontente e
improfícuo.
Assim como com os Romanos, assim com os Britânicos. A expansão incontida do imperialismo de Marte (sem levar em conta aqui o “bom” verniz da instrução e da civilização) leva inevitavelmente à dispersão completa da libido da terra mãe – uma total perda da conexão com o solo pátrio causada por séculos de adulteração que a mistura com culturas estrangeiras provoca, tudo a serviço de uma idéia grandiosa, mas lunática, chamada Império Britânico.
Do mesmíssimo modo com que os bárbaros inundaram Roma, assim também hoje Londres
está à mercê da onda de imigrantes de todas as raças, mal instruídos, desarraigados e
desnorteados, provindos das antigas colônias. É o retorno do reprimido: é a sombra Dionisíaca
pagã que volta para reivindicar o centro cada vez mais decadente da metrópole (literalmente:
“Cidade Mãe”), aquela espiritual terra devastada que foi tudo o que sobrou quando o dardo
imperialista foi de fato disparado.
O SANTO GRAAL CURANDO A FERIDA NA PSIQUE OCIDENTAL
Roger J. Woolger
Não sou um mecanismo, um conjunto de peças.
E não é porque o mecanismo está funcionando mal
que estou doente.
Estou doente por causa das feridas da alma, no profundo eu emocional.
E as feridas da alma precisam de muito, muito tempo;
só o tempo pode ajudar,
e a paciência, e um certo arrependimento difícil, longo,
um difícil arrependimento, percepção do erro da vida,
e a nossa própria libertação da interminável repetição do erro,
que a humanidade em geral prefere santificar.
D. H. Lawrence, A Cura
Naquele ponto exato onde tua alma se torna carnal;
naquele exato ponto a cidade de Deus é criada, sem início.
Dame Juliana of Norwich, Revelations of Divine Love
INTRODUÇÃO
A lenda da busca do Santo Graal encontra expressão literária pela primeira vez, no fim do
Século XII, com a obra, do poeta Chretien de Troyes, cujo título é Percival ou A História do
Graal. Foi um dos últimos romances palacianos tecidos em torno da antiga Matiere de Bretagne
(Questão da Grã-Bretanha), extensa tradição oral que relata as explorações do Rei Artur e dos
Cavaleiros da Ordem da Távola Redonda no reino mítico de Avalon.
O aparecimento da lenda do Graal e dos romances arturianos nessa particular conjuntura da
história não foi mero acaso. A sociedade era universalmente feudal, o que significa dizer que
todos pertenciam à pirâmide patriarcal composta pelo lorde, o cavaleiro e o vassalo. A Igreja
Cristã aprendeu na Era Romana a se adaptar a essa estrutura de poder, adotando o modelo
imperial na sua hierarquia: Sumo Pontífice, arcebispos, padres, monges, freiras. Com raras
exceções dinásticas, as mulheres (as freiras, por exemplo) estavam na mais baixa escala e eram
frequentemente consideradas meros objetos de posse. E, como a Igreja era predominantemente
masculina e tecnicamente celibatária, um clima de repressão sexual aguda prevalecia.
A consequência inevitável de tal repressão foi uma prática extensiva da homossexualidade
dentro da Igreja e uma sucessão de episódios de histeria coletiva que culminou com a posterior
caça às bruxas. Sex in Society, soberba obra de Gordon Rattray Taylor, assim resume: “Não é
exagero dizer que a Europa Medieval relembrava um grande manicômio”.
Quando a sociedade inteira está desequilibrada pela unilateralização ou pela repressão, torna-se
previsível uma reação compensatória do inconsciente coletivo. Se essa reação vai-se
manifestar sob a forma de uma revolução na política ou em outra arena qualquer depende,
naturalmente, do grau de repressão. Na cultura decididamente masculina da Idade Média, a
reação veio sob a forma da cultura romântica dos Trovadores e de movimentos espirituais
populares, como o dos Cátaros, por exemplo. Ambos davam destaque ao feminino e ofereciam
alternativas tanto espirituais como leigas à ortodoxia vigente. O aparecimento desses
movimentos em uma cena há muito dominada pelo poder masculino provocou uma crise na
consciência da época, comparável, como Jung sugere em sua obra Aion, à crise da meia-idade de
indivíduos unilateralizados. Na verdade, a sociedade como um todo experimentou quase que um
colapso absoluto, com sintomas neuróticos, sonhos visionários e tentativas violentas de
recuperar o controle com subseqüente repressão.
No ensaio que segue, tentarei demonstrar que os mitos e lendas dos Séculos XI e XII podem
ser interpretados como sonhos coletivos da crise medial da Era Cristã. Para ilustrar, aplicaremos
o método de C. G. Jung de interpretação de sonhos à versão de Chretien de Troyes da lenda do
Graal. O ensaio será fundamentado na importante obra da esposa de Jung, Emma Jung, e na
perspectiva de amor romântico estabelecida por Denis de Rougemont, em seu O Amor e
Ocidente, e por Rattray Taylor, em sua obra acima citada.
Em conformidade com o método geral de Jung, a Parte I da interpretação “estabelece o
contexto” da lenda em termos sócio-históricos. No trabalho de sonhos, para estabelecer o
contexto “sócio-histórico”, pergunta-se o que um determinado sonho tem a ver com a vida atual
do sonhador e como o material simbólico pode ser relevante para a situação existencial no
momento do sonho.
Com raras exceções, não se fazem perguntas contextuais com relação a mitos. A tendência é
considerar, antes, seu significado universal e espiritual. No presente trabalho, no entanto, o
núcleo do mito vai ser interpretado especificamente para elucidar a psicopatologia da era na qual
ele surgiu, porque acredito assim poder lançar luz sobre problemas extremamente difíceis com
os quais ainda hoje pelejamos. Do mesmo modo que The Glory of Hera, de Philip Slater,
demonstra com sucesso – na minha opinião, pelo menos – como o mito e o drama grego refletem
as tensões patriarco-matriarcais da família grega, assim também acredito que se pode demonstrar que as lendas arturianas espelham crises recentes da identidade masculina e a distorção e alienação da parte feminina na psique do Ocidente.
Leitores que prefiram omitir a contextualização histórica, que certamente é remota e não tão
envolvente, podem tranquilamente proceder diretamente para a Parte II, onde lidamos com as
principais imagens simbólicas da lenda propriamente dita.
PARTE I: O CONTEXTO HISTÓRICO DA LENDA DO GRAAL
O Tumultuado Século XII: Uma Sociedade Aberta
O período em que Chretien escreveu foi um dos mais complexos e dinâmicos da história
medieval; foi uma era que testemunhou importante inquietação política, religiosa e social.
Em Aion, Jung a viu como um divisor de águas espiritual, surgido a meio caminho entre a Era de
Peixes e a Era Cristã – assim denominadas pelo mito astrológico da história. Embora a Espanha
Moura abrangesse também os árabes, a Primeira Cruzada, de 1096, re-despertou no Ocidente
um rápido interesse por Jerusalém.
Antes da Segunda Cruzada, de 1146, Jerusalém estava de novo esquecida; e perpetuado estava o
conflito entre a Igreja Romana e os vários califados e reinos islâmicos que se opunham ao recémnascido imperialismo religioso. Apesar dos elevados motivos religiosos que inspiraram os
primeiros cruzados, as Cruzadas logo degeneraram em feudos de ambição pessoal e ganância,
marcados por atrocidades e massacres de extrema crueldade. Mas, como ocorre com todas as
guerras de expansão contra um inimigo comum, as Cruzadas trouxeram um novo espírito de
unidade que beneficiou a Cristandade e reabriu uma vasta via de acesso para o Oriente.
Por essa via fluiu uma corrente regular de professores, médicos, alquimistas, animadores e
músicos, que trouxeram o conhecimento grego e a ciência árabe, que estavam esquecidos, de
volta para o Ocidente, modificando a face da Cristandade, que ainda lutava para sair do
feudalismo do período chamado Dark Ages. Os professores e médicos fundaram as primeiras
universidades da Espanha e da Itália (o uso da beca preta da academia é uma herança dos
professores árabes); os poucos alquimistas árabes propagaram as sementes da ciência Ocidental;
as canções de amor lírico dos árabes inspiraram um tipo de cantor nômade completamente novo
e sofisticado, o Trovador, um animador e satírico social cuja voz sobreviveria nas várias gerações
seguintes de livres-pensadores jovens e aventureiros inebriados diante do novo conhecimento e
impacientes com a hipocrisia da Igreja.
Os Trovadores não eram absolutamente os únicos a se impacientarem com a enfadonha e
muitas vezes corrupta hierarquia da Igreja de Roma. Numerosos movimentos religiosos
nasceram espontaneamente no que chamamos de âmbito popular – os Waldenses, os Patarenes,
os Homens Pobres de Lião, os Irmãos do Espírito Livre, os Cátaros ou Albigenses – inspirados
por jovens líderes carismáticos como Peter Waldo e Francisco de Assis.
A Europa dessa época era, como propôs Friedrich Heer, “uma sociedade aberta” na qual se
fomentavam o livre experimento e a investigação nas artes, nas ciências, na filosofia, pelo
influxo recente da cultura oriental e árabe. Esse fermento cultural também estimulou uma
revitalização do interesse nas tradições nativas, como a “Questão de Grã-Bretanha” mencionada
acima. Fora isso, surgiu no sul da França uma civilização extraordinariamente rica e
multifacetada que foi chamada de Civilização Provençal. Essa cultura contava com poetas
próprios – os Trovadores – sua própria epopéia, sua própria língua – a langue d’oc – e, acima de
tudo, cortes vibrantes, onde se desenvolveram as novas maneiras aristocráticas e os novos
códigos de honra do cavalheirismo, que posicionavam a dama, la donna, no coração de seu
universo social e de seu universo espiritual. Das exageradas fantasias dos Trovadores nasceu a
courtezia, o culto ao amor cortês, do qual o conceito (unicamente ocidental) de amor romântico
derivou.
Como resultado da maneira compartimentalizada como a história é escrita – arte, padrões
sociais, filosofia, política, todos tratados isoladamente – raramente considera-se que tenham sido
hereges somente as crenças religiosas da civilização de Languedoc, Provença e Poitou, porque
também sua própria cultura contestou todas as suposições dos mil anos de Cristianismo.
O Mundo Medieval, de Friedrich Heer, é um dos raros livros que tenta nos informar, na íntegra,
sobre as correntes e encadeamentos que alternadamente atuaram no processo: Celtas, Mouros
(considera-se islâmica a cosmologia de Dante), Espanhóis, Orientais, Maniqueístas, Gnósticos.
A Kabbala apareceu primeiramente no sul da França, por intermédio das comunidades
espanholas de judeus; diz-se que as cartas do Tarô entraram na Europa nesse período a partir de
uma fonte Sufi; a dança Morris inglesa era originalmente chamada de dança “Mourisca” e veio a
partir do casamento de Eleanor da Aquitânia com Henrique II, da Inglaterra. Numa época
posterior relatou-se que os Cavaleiros Templários teriam transmitido uma tradição secreta pela
Ordem Sufi Islamita localizada em Jerusalém e estabelecido centros de iniciação nos Pirineus.
Sabemos, por exemplo, que Wolfram Von Eschenbach, autor de Parzifal, foi um templário e,
conforme ele conta, baseou sua história em um certo Kyot, ou Guyot, de Provença.
Os Trovadores
Os Trovadores provinham da aristocracia. Guillaume IX (1071-1127) é normalmente tido em
conta como o primeiro Trovador. Ele foi Conde de Poitiers e Duque de Aquitânia, avô da famosa
Eleanor. Rebelde na juventude, Guillaume nutria pouco respeito pela devassa Igreja dos seus
dias; suas canzones (canções) eram repletas de sátiras e paródias do clero. Sua visão juvenil da
Dama está muito distante dos estereótipos elevados dos Trovadores posteriores; ele estava mais
para um Henry Miller medieval, absolutamente obsceno e licencioso, ecoando a turbulência da
Carmina Burana, uma coleção de potáveis canções monásticas. Em uma de suas canções, ele
proclama: dirai vos de con, cals es as leis, o que livremente traduzido significa: “Eu te direi tudo
sobre a boceta e suas leis”. Sua imagem da mulher certamente amadurece, mas, em sua paixão
selvagem, elas continuam sendo criaturas de carne e sangue. Guillaume estabeleceu o tom para o
desenvolvimento do que podemos chamar de contracultura do Século XII.
No tempo da carreira ascendente e tempestuosa de sua neta, Eleanor de Aquitânia, o culto
trovador já tinha desenvolvido um código comum de humildade, cortesia e devoção à dama,
tornando-o um culto refinado ao amor. Todo Trovador – nem todos agora nascidos na nobreza –
aspiravam ao amor de uma dama mais elevada que ele em categoria e espírito. Socialmente, a
dama era induzida pela convenção a rejeitá-lo para valorizar as “provas” que a busca dele
envolvia, mas, na realidade, havia muitas uniões adúlteras secretas, como na famosa história de
Tristão e Isolda. Bertran de Ventador é um bom exemplo da lealdade que o amor cortês deveria
demonstrar; ele idealizou uma paixão sem esperança por Eleanor, sua patronesse – sem
esperança em função de sua posição. Ainda assim ele jurou nunca alterar sua sina, que era a de
alternar esperança e desespero, por todos os reinos da terra.
O Culto à Dama
Não é demais ressaltar a excepcionalidade dessa eflorescência do culto ao feminino,
considerando-se que, mesmo na nossa Era chamada Iluminada, é tarefa sofrida e difícil para as
mulheres resgatarem status e dignidade espiritual semelhantes aos que obtiveram nessa época.
Se nós hoje deploramos a rigidez dos patriarcas dos dias atuais, uma rápida vista d’olhos à
brutalidade dos lordes medievais de primeira ordem, com seus cintos de castidade de ferro e
cruéis punições para o adultério, nos ajudará a perceber que uma extraordinária transformação
ocorreu nas almas daquela Era, promovida pelos Trovadores e por mulheres como Marie de
France e Eleanor de Aquitânia.
Historicamente, não há precedente próximo a essa mudança, uma vez que as antigas
mulheres romanas eram estritamente mantidas em casa como sabujas parideiras, e, mais tarde, os primeiros ascetas cristãos do deserto, ferozmente renegando a carne, faziam o possível para que as mulheres fossem vistas como enviadas de Satã. Além do mais, Maria, a mãe de Deus, ainda não tinha se tornado objeto de idolatria; ao contrário, a comunidade cristã sublimava o feminino na anima cultural da Mater Ecclesia, ou Madre Igreja, que era uma abstração cultural e não um objeto de devoção meditativa. Se há uma origem histórica para o ressurgimento do feminino, é muito mais provável que esteja relacionada aos cultos pagãos da Grande Deusa – os mistérios de Isis, de Diana de Eféso, e especialmente da Sofia dos gnósticos – que provavelmente foram levados para a Europa pelos contatos artísticos de Trovadores como Peire Vidal, que tinham visitado o Ocidente, e principalmente pelos Cátaros, que reverenciavam uma das versões de Sofia e ordenavam não só os homens mas também as mulheres ao sacerdócio.
E assim há como que um revigoramento da sombra pagã do Cristianismo, particularmente no
que pode ser chamado de dimensão dionisíaca e venusiana: o uso extático da arte, da música e do
corpo para atingir uma comunhão com a natureza divina do corpo. A paixão dos Trovadores era
terrena e sensual; já não há mais nenhuma justificativa para encarar as damas dos Trovadores
com as cores dos Pré-Rafaelitas, ou seja, como animas puramente etéreas separadas do corpo; os
Trovadores celebraram a encarnação do feminino exatamente como celebraram sua
espiritualização. O que é moderno no romans cortês de Chretien, Marie de France, Wolfram, e
Gottfried Von Strassburg é que, ao recontar as vicissitudes por que passa o herói em sua
tentativa de salvar e conquistar sua dama, essas narrativas revestem-se de uma forma medieval
de psicologia profunda, tão sofisticada na sua riqueza simbólica quanto as tramas oníricas da
anima e do animus identificadas por Jung e seus seguidores. Friedrich Heer sintetiza esse
processo com notável discernimento em seu Mundo Medieval:
Os remédios prescritos para o homem que se perdeu mil vezes no labirinto de suas
paixões imaturas são: mulher, “natureza”, mysterium. No romans, portanto, uma mulher
está sempre acessível para transformar e enobrecer um homem. Por intermédio dessa
relação com a mulher, o homem ganha acesso a sua própria alma, às camadas mais
profundas do seu “coração”; sua busca sensível por sua “rainha” o faz mais sábio, mais
sensível, mais consciencioso como pessoa.
O Significado Psicológico do Cavalheirismo
Se considerarmos a terrível aspereza das cenas com que se defrontavam os cruzados em seu
encontro diário, em batalha, com a morte, o estupro, a mutilação e o massacre, é possível
aquilatar a influência civilizatória dos “cortejos de amor” que vicejavam em Poitiers e Anjou, sob
os auspícios de Eleanor de Aquitânia, sobre a crueza da vida militar. As cruéis artes de Marte
fizeram sobressair, em um movimento compensatório, as artes suaves e sensuais de Vênus, uma
education sentimentale que influenciou a Idade Média e que também traz consigo a herança
literária e artística que chamamos de romance, o tema eterno de que amor vincit omnia – o
amor, em suas muitas formas, conquista tudo. Como C. S. Lewis disse, em sua famosa obra
A Alegoria do Amor:
Os Trovadores efetuaram uma mudança que não deixou nenhum recanto de nossa moral,
de nossa imaginação ou de nossa vida cotidiana intocado, e erigiram barreiras
intransponíveis entre nós e o passado clássico ou o presente oriental. Comparado a essa
revolução, o Renascimento é apenas uma pequena onda na superfície.
Quanto a Marte, eu sugeri em alguma outra de minhas obras que um dos efeitos de mais longo
alcance da adoção, por parte do Imperador Constantino, do Cristianismo como religião oficial do
Império Romano foi que, dali em diante, o Cristianismo do Ocidente tomou o caráter assertivo e
militar do arquétipo imperial e perdeu completamente a função de identificar-se com o
oprimido e perseguido – e a isso chamei de papel sacrifical Dionisíaco do Cristo crucificado.
Então, quando o martírio desapareceu da Igreja dos primeiros dias, que foi então substituída pela
Igreja Militante, toda relação recíproca entre perseguidor e perseguido reverteu-se – uma
dialética arquetipicamente simbolizada na díade Marte-Dioniso.
É um exemplo coletivo da estratégia defensiva conhecida na psicanálise como identificação
com o agressor. A conseqüência infeliz desse movimento, tanto no âmbito pessoal como no
âmbito coletivo, é que há, então, uma necessidade de encontrar uma vitima para contrabalançar
o recém-encontrado poder. As perseguições aos judeus vieram de encomenda para a assim
chamada Dark Ages, mas, com certeza, a resposta mais satisfatória quem a proveu foi o pagão
sarraceno nas guerras contra o Islã, uma religião igualmente Marciana e agressiva e imperial
sobre a qual os heróicos cruzados podiam facilmente projetar suas sombras vorazes (um jogo
satisfatório que é ainda atrativo para a América Cristã e o Irã muçulmano de hoje). Friedrich
Heer também vê essa tendência Marciana como unicamente romana, quando assinala que, por
contraste, a Igreja Oriental não reconheceu nenhuma guerra como “santa”; insistindo, ao
contrário, que “um Cristão deveria lutar com as armas de Cristo; suas batalhas deveriam ser
somente espirituais”. O Ocidente, por outro lado, seguiu literalmente o curso de Marte:
Em 1096 o hábito, agora com vários séculos de idade, de usar meios políticos para
subseqüentes fins religiosos tinha se tornado tão bem estabelecido no Ocidente que a
metáfora paulina de lutar por Cristo podia ser interpretada como um serviço militante da
nobreza.
Ao contrário disso, parece claro para mim que os romances corteses eram tentativas de sublimar, isto é, de re-espiritualizar o papel do nobre, por meio de um rigoroso código de honra
cavalheiresco, para assim redimir a metáfora paulina que se havia degenerado.
Heresia, Gnosticismo e Sexualidade
Se, como assinala Heer, não havia nada de novo no militarismo excessivo da Igreja Romana ao
lidar com rivais externos, também nada havia em sua supressão da ameaça interna de heresia
cuja origem não pudesse ser remontada aos primeiros séculos da Era Cristã. Por exemplo, um
historiador recente do Cristianismo, ele mesmo Católico, abertamente chamou Santo Agostinho
(354-430) de “o primeiro inquisidor”, por sua participação na perseguição dos hereges
Donatistas. Na verdade, o estabelecimento da autoridade de uma igreja centralizada em Roma
caminhava de mãos dadas com a supressão de escolas rivais de interpretação dos ensinamentos
de Cristo; eram igrejas alternativas as quais os historiadores livremente englobam sob o rótulo de Gnosticismo. Então, como ocorreu mil anos depois – e ocorre ainda hoje –, uma das disputas
centrais com os gnósticos, depois que eles foram elevados ao palco político, era sobre a posição
do principio feminino no ensinamento cristão e o problema conexo de reconciliar os dois
extremos conflitantes da natureza humana: espiritualidade e sexualidade.
Como sabemos pela História, a Igreja Romana muito cedo se tornou uma instituição
predominantemente patriarcal, e para ela a solução do problema da sexualidade era: uma grande
dose de negação sob a forma de celibato oficial e o ostentoso ascetismo dos Pais do Deserto.
Muitos cristãos gnósticos, por outro lado, continuavam a venerar a Deusa Mãe como igual ao
Deus Pai sob denominações tais como Isis, Barbelo, ou Sofia (e mais tarde Maria). Embora
algumas facções gnósticas tenham ficado tão ascéticas quanto a maioria de suas primas
ortodoxas, muitas adotaram uma prática espiritual diferente com respeito ao sexo cujo
significado real foi enterrado sob séculos de ofuscação puritana da história da Igreja. Uma
releitura da história da feitiçaria sintetiza assim suas descobertas recentes:
Os gnósticos eram ascetas de uma maneira difícil de as pessoas modernas entenderem.
Eles acreditavam em negar este mundo e purificarem-se, mas às vezes praticavam a
indulgência sexual como um meio de purificação. Ocasionalmente pareciam crer que a
melhor maneira de transcender “o mal” era experimentando-o. Eram sensíveis ao
ascetismo pagão, que, diferentemente do Cristianismo, incluía tanto a auto-indulgência
quanto a autonegação. Por exemplo, os ritos antigos da Grande Mãe incluíam orgias
sexuais, mas que eram supervisionadas por padres celibatários.
Hoje sabemos, graças a um grande número de histórias bem-pesquisadas sobre o “submundo”
do Cristianismo, que esses rituais sexuais praticados pelos primeiros gnósticos não
desapareceram simplesmente em função da perseguição. Ao contrário, eles foram recolhidos aos
padrões do mundo Cristão ortodoxo e sobreviveram em facções obscuras como a dos Paulicianos
ou nos segredos cuidadosamente guardados da tradição Hermética da alquimia, de onde ao final
foram absorvidos pelo Sufismo esotérico. Um lugar muito importante onde as práticas sexuais
dos gnósticos parecem ter sobrevivido de forma relativamente pacifica foi a Bulgária, em grande
parte porque ela não se converteu ao Cristianismo até 864 A. D. Esse país balcânico desde cedo
teria abrigado uma versão da heresia dualista Maniqueísta chamada Bogomilismo.
Originalmente os Bogomils eram estritamente puritanos, mas, sob a influência de uma seita
gnóstica chamada de os Massalianos, revisaram suas crenças e práticas concernentes ao corpo.
Foi dos Massalianos que tomaram a idéia de que, após um rígido período de purificação, seria
possível atingir um estado onde a negação não seria mais necessária, para que, assim, o adepto
pudesse envolver-se em qualquer ato sexual sem pecado.
A fusão das duas seitas assinaladas acima foi completada antes do Século X, período durante o
qual o Bogomilismo também se identificou com a luta dos servos búlgaros contra os despóticos
lordes cristãos. As crenças e práticas dos Bogomils espalharam-se pelo norte da Itália e depois
para o sul da França e, de lá, para todas as partes da Europa, onde os convertidos à nova fé
ficaram conhecidos como os Cátaros ou Cathari (do grego katharoi, que significa “os
purificados”). O Catarismo, ou a Heresia Albigense, como depois foi chamado (em função de sua
concentração em torno da cidade de Albi, na França), iria tornar-se a mais difundida de todas as
heresias medievais – popular a ponto de ameaçar a Igreja Católica em seu solo natal.
Os Cátaros se consideravam Cristãos e tinham seus próprios sacramentos e estágios de
iniciação e treinamento espiritual semelhantes aos do Yoga. Mas Jesus era para eles um Profeta
não divino e eles abominavam a Crucificação. Mulheres eram bem respeitadas; eram ordenadas
ao sacerdócio e depois se tornaram politicamente influentes. Parece provável, devido a sua
disseminação por todo o sul da França, particularmente Languedoc e Provença, que os Cathari
tenham exercido poderosa influência sobre a doutrina cortês de iniciação por meio de um
proibido, mas transcendente, caso de amor, cujo propósito não era a procriação, mas a
contemplação. O objetivo dos iniciados mais avançados, os Perfecti, era transcender o ciclo de
nascimento e morte e, para esse fim, desencorajavam o casamento, usando o sexo somente para
propósitos espirituais.
Fica claro, a partir dessa breve descrição, o quanto a igreja Cátara deve ter sido antitética ao
espírito do Catolicismo. Não é, então, totalmente surpreendente o fato de que, em 1208, o Papa
Inocêncio III tenha usado o assassinato de um de seus núncios, nos arredores de Toulouse, como
pretexto para armar uma guerra completa, a qual mais tarde foi chamada de Cruzada Albigense,
cujo fim era erradicar a civilização herege do sul da França. Populações inteiras das cidades de
Albi, Béziers, Carcassonne e Foix foram brutalmente massacradas. Depois de um amargo período
de 20 anos da campanha “ache e destrua”, a partir da qual a Igreja formou sua eficiente polícia
secreta, a Santa Inquisição, estima-se que aproximadamente meio milhão de Cátaros foi
queimado, ou de outra maneira morto, por sua fé. Quase nenhum traço dessa religião sobrevive
nos dias de hoje, mas o poder de sua fé pode ser aferido pelos fatos: os registros da Inquisição
indicam que apenas quatro hereges renegaram sua fé sob a ameaça de tortura e fogueira.
Os Cátaros podem muito bem ter ecoado o dito Donatista, suprimido séculos antes por
Agostinho, de que a “a verdadeira Igreja é aquela que é perseguida, não aquela que persegue”.
A Secreta Igreja do Amor
Antes do ataque ofensivo dessa trágica guerra (considerada por muitos como importante ponto
de decisão na história religiosa do Ocidente), a área que abrange de Languedoc ao nordeste dos
Pirineus já havia se tornado também um centro espiritual importante para ensinamentos
esotéricos, os quais reduziram as diferenças ortodoxas entre Cristianismo, Judaísmo e Islamismo.
Ali prosperou o aparecimento não somente de professores de inspiração gnóstica, como os
Cátaros, mas também kabbalistas judeus, mestres Sufi e possivelmente outros mais. Autoridades na história do esoterismo afirmam que eles todos tinham em mente um objetivo comum, qual seja, o de reinfundir no Cristianismo uma espiritualidade mística, reinserindo o principio feminino perdido no Ocidente. Pressentindo que o Catarismo pudesse não sobreviver ao grande poder de Roma, as antigas histórias celtas de Arthur e seus cavalheiros parecem ter sido conscientemente utilizadas para transmitir seus ensinamentos. Certamente, esses mitos prestam ouvidos a uma tradição matriarcal antiga que venerava a Deusa de muitas maneiras e tratava as mulheres como iguais – serve como ilustração o fato de que a deusa Ceridwen possuía um caldeirão mágico que pode bem sugerir um protótipo do Santo Graal.
Falando para uma camada profunda e possivelmente universal da velha psique europeia, esses
mitos serviram como veículo perfeito para uma doutrina gnóstica e esotérica da divindade da
Mãe e para um sentido mais elevado da busca cavalheiresca. Todas as ordens cavalheirescas
posteriores, especialmente os Cavaleiros Templários, refletem esse secreto conhecimento de
iniciação; e o mesmo ocorre com uma outra corrente que se iniciara, os Maçons, que
construíram seus segredos dentro da estrutura e sagrada geometria Pitagórica das grandes
catedrais góticas. A importância disso tudo no sul da França é mencionada nos escritos de
Wolfram Von Eschenbach (ele mesmo associado aos Templários), que coloca o castelo do Graal
nos Pirineus em sua obra posterior, Titurel. Segundo Heer, é provável que Chretien de Troyes
tenha sido ele mesmo um Cátaro.
Na maior parte dos casos, foram precisamente os Trovadores, os minnesingers e os menestréis
celtas que disseminaram os romances de Arthur, Lancelot, Tristão, e Gawain, retratando-os
como elegantemente ousados nas cortes onde predominava a courtezia, ou como mais espirituais
para o público cristão ortodoxo. Dos Séculos XII a XIV, todas as versões escritas dessas histórias,
se reunidas, formariam um volume tão grande e tão popular quanto a Bíblia. Certas imagens,
como a do jardim da Rosa, a fonte, a noiva abominável, a donzela aflita e, principalmente, o
Santo Graal reaparecem nas mais diversas formas. O símbolo da rosa, por exemplo, repete-se
entre os Sufis, no Roman de la Rose, no Paraíso de Dante, nas janelas da Catedral de Chartres, e
finalmente na mística Ordem Rosacruz. Nesses fragmentos percebem-se remanescentes da
difundida Igreja do Amor, que tentou, como expressaram os trovadores, reverter ROMA para
AMOR, mas, como malograram, foram forçados a tornarem-se secretos e a ocultarem seus
ensinamentos sob as alegorias de amor cortês.
Não sou um mecanismo, um conjunto de peças.
E não é porque o mecanismo está funcionando mal
que estou doente.
Estou doente por causa das feridas da alma, no profundo eu emocional.
E as feridas da alma precisam de muito, muito tempo;
só o tempo pode ajudar,
e a paciência, e um certo arrependimento difícil, longo,
um difícil arrependimento, percepção do erro da vida,
e a nossa própria libertação da interminável repetição do erro,
que a humanidade em geral prefere santificar.
D. H. Lawrence, A Cura
Naquele ponto exato onde tua alma se torna carnal;
naquele exato ponto a cidade de Deus é criada, sem início.
Dame Juliana of Norwich, Revelations of Divine Love
INTRODUÇÃO
A lenda da busca do Santo Graal encontra expressão literária pela primeira vez, no fim do
Século XII, com a obra, do poeta Chretien de Troyes, cujo título é Percival ou A História do
Graal. Foi um dos últimos romances palacianos tecidos em torno da antiga Matiere de Bretagne
(Questão da Grã-Bretanha), extensa tradição oral que relata as explorações do Rei Artur e dos
Cavaleiros da Ordem da Távola Redonda no reino mítico de Avalon.
O aparecimento da lenda do Graal e dos romances arturianos nessa particular conjuntura da
história não foi mero acaso. A sociedade era universalmente feudal, o que significa dizer que
todos pertenciam à pirâmide patriarcal composta pelo lorde, o cavaleiro e o vassalo. A Igreja
Cristã aprendeu na Era Romana a se adaptar a essa estrutura de poder, adotando o modelo
imperial na sua hierarquia: Sumo Pontífice, arcebispos, padres, monges, freiras. Com raras
exceções dinásticas, as mulheres (as freiras, por exemplo) estavam na mais baixa escala e eram
frequentemente consideradas meros objetos de posse. E, como a Igreja era predominantemente
masculina e tecnicamente celibatária, um clima de repressão sexual aguda prevalecia.
A consequência inevitável de tal repressão foi uma prática extensiva da homossexualidade
dentro da Igreja e uma sucessão de episódios de histeria coletiva que culminou com a posterior
caça às bruxas. Sex in Society, soberba obra de Gordon Rattray Taylor, assim resume: “Não é
exagero dizer que a Europa Medieval relembrava um grande manicômio”.
Quando a sociedade inteira está desequilibrada pela unilateralização ou pela repressão, torna-se
previsível uma reação compensatória do inconsciente coletivo. Se essa reação vai-se
manifestar sob a forma de uma revolução na política ou em outra arena qualquer depende,
naturalmente, do grau de repressão. Na cultura decididamente masculina da Idade Média, a
reação veio sob a forma da cultura romântica dos Trovadores e de movimentos espirituais
populares, como o dos Cátaros, por exemplo. Ambos davam destaque ao feminino e ofereciam
alternativas tanto espirituais como leigas à ortodoxia vigente. O aparecimento desses
movimentos em uma cena há muito dominada pelo poder masculino provocou uma crise na
consciência da época, comparável, como Jung sugere em sua obra Aion, à crise da meia-idade de
indivíduos unilateralizados. Na verdade, a sociedade como um todo experimentou quase que um
colapso absoluto, com sintomas neuróticos, sonhos visionários e tentativas violentas de
recuperar o controle com subseqüente repressão.
No ensaio que segue, tentarei demonstrar que os mitos e lendas dos Séculos XI e XII podem
ser interpretados como sonhos coletivos da crise medial da Era Cristã. Para ilustrar, aplicaremos
o método de C. G. Jung de interpretação de sonhos à versão de Chretien de Troyes da lenda do
Graal. O ensaio será fundamentado na importante obra da esposa de Jung, Emma Jung, e na
perspectiva de amor romântico estabelecida por Denis de Rougemont, em seu O Amor e
Ocidente, e por Rattray Taylor, em sua obra acima citada.
Em conformidade com o método geral de Jung, a Parte I da interpretação “estabelece o
contexto” da lenda em termos sócio-históricos. No trabalho de sonhos, para estabelecer o
contexto “sócio-histórico”, pergunta-se o que um determinado sonho tem a ver com a vida atual
do sonhador e como o material simbólico pode ser relevante para a situação existencial no
momento do sonho.
Com raras exceções, não se fazem perguntas contextuais com relação a mitos. A tendência é
considerar, antes, seu significado universal e espiritual. No presente trabalho, no entanto, o
núcleo do mito vai ser interpretado especificamente para elucidar a psicopatologia da era na qual
ele surgiu, porque acredito assim poder lançar luz sobre problemas extremamente difíceis com
os quais ainda hoje pelejamos. Do mesmo modo que The Glory of Hera, de Philip Slater,
demonstra com sucesso – na minha opinião, pelo menos – como o mito e o drama grego refletem
as tensões patriarco-matriarcais da família grega, assim também acredito que se pode demonstrar que as lendas arturianas espelham crises recentes da identidade masculina e a distorção e alienação da parte feminina na psique do Ocidente.
Leitores que prefiram omitir a contextualização histórica, que certamente é remota e não tão
envolvente, podem tranquilamente proceder diretamente para a Parte II, onde lidamos com as
principais imagens simbólicas da lenda propriamente dita.
PARTE I: O CONTEXTO HISTÓRICO DA LENDA DO GRAAL
O Tumultuado Século XII: Uma Sociedade Aberta
O período em que Chretien escreveu foi um dos mais complexos e dinâmicos da história
medieval; foi uma era que testemunhou importante inquietação política, religiosa e social.
Em Aion, Jung a viu como um divisor de águas espiritual, surgido a meio caminho entre a Era de
Peixes e a Era Cristã – assim denominadas pelo mito astrológico da história. Embora a Espanha
Moura abrangesse também os árabes, a Primeira Cruzada, de 1096, re-despertou no Ocidente
um rápido interesse por Jerusalém.
Antes da Segunda Cruzada, de 1146, Jerusalém estava de novo esquecida; e perpetuado estava o
conflito entre a Igreja Romana e os vários califados e reinos islâmicos que se opunham ao recémnascido imperialismo religioso. Apesar dos elevados motivos religiosos que inspiraram os
primeiros cruzados, as Cruzadas logo degeneraram em feudos de ambição pessoal e ganância,
marcados por atrocidades e massacres de extrema crueldade. Mas, como ocorre com todas as
guerras de expansão contra um inimigo comum, as Cruzadas trouxeram um novo espírito de
unidade que beneficiou a Cristandade e reabriu uma vasta via de acesso para o Oriente.
Por essa via fluiu uma corrente regular de professores, médicos, alquimistas, animadores e
músicos, que trouxeram o conhecimento grego e a ciência árabe, que estavam esquecidos, de
volta para o Ocidente, modificando a face da Cristandade, que ainda lutava para sair do
feudalismo do período chamado Dark Ages. Os professores e médicos fundaram as primeiras
universidades da Espanha e da Itália (o uso da beca preta da academia é uma herança dos
professores árabes); os poucos alquimistas árabes propagaram as sementes da ciência Ocidental;
as canções de amor lírico dos árabes inspiraram um tipo de cantor nômade completamente novo
e sofisticado, o Trovador, um animador e satírico social cuja voz sobreviveria nas várias gerações
seguintes de livres-pensadores jovens e aventureiros inebriados diante do novo conhecimento e
impacientes com a hipocrisia da Igreja.
Os Trovadores não eram absolutamente os únicos a se impacientarem com a enfadonha e
muitas vezes corrupta hierarquia da Igreja de Roma. Numerosos movimentos religiosos
nasceram espontaneamente no que chamamos de âmbito popular – os Waldenses, os Patarenes,
os Homens Pobres de Lião, os Irmãos do Espírito Livre, os Cátaros ou Albigenses – inspirados
por jovens líderes carismáticos como Peter Waldo e Francisco de Assis.
A Europa dessa época era, como propôs Friedrich Heer, “uma sociedade aberta” na qual se
fomentavam o livre experimento e a investigação nas artes, nas ciências, na filosofia, pelo
influxo recente da cultura oriental e árabe. Esse fermento cultural também estimulou uma
revitalização do interesse nas tradições nativas, como a “Questão de Grã-Bretanha” mencionada
acima. Fora isso, surgiu no sul da França uma civilização extraordinariamente rica e
multifacetada que foi chamada de Civilização Provençal. Essa cultura contava com poetas
próprios – os Trovadores – sua própria epopéia, sua própria língua – a langue d’oc – e, acima de
tudo, cortes vibrantes, onde se desenvolveram as novas maneiras aristocráticas e os novos
códigos de honra do cavalheirismo, que posicionavam a dama, la donna, no coração de seu
universo social e de seu universo espiritual. Das exageradas fantasias dos Trovadores nasceu a
courtezia, o culto ao amor cortês, do qual o conceito (unicamente ocidental) de amor romântico
derivou.
Como resultado da maneira compartimentalizada como a história é escrita – arte, padrões
sociais, filosofia, política, todos tratados isoladamente – raramente considera-se que tenham sido
hereges somente as crenças religiosas da civilização de Languedoc, Provença e Poitou, porque
também sua própria cultura contestou todas as suposições dos mil anos de Cristianismo.
O Mundo Medieval, de Friedrich Heer, é um dos raros livros que tenta nos informar, na íntegra,
sobre as correntes e encadeamentos que alternadamente atuaram no processo: Celtas, Mouros
(considera-se islâmica a cosmologia de Dante), Espanhóis, Orientais, Maniqueístas, Gnósticos.
A Kabbala apareceu primeiramente no sul da França, por intermédio das comunidades
espanholas de judeus; diz-se que as cartas do Tarô entraram na Europa nesse período a partir de
uma fonte Sufi; a dança Morris inglesa era originalmente chamada de dança “Mourisca” e veio a
partir do casamento de Eleanor da Aquitânia com Henrique II, da Inglaterra. Numa época
posterior relatou-se que os Cavaleiros Templários teriam transmitido uma tradição secreta pela
Ordem Sufi Islamita localizada em Jerusalém e estabelecido centros de iniciação nos Pirineus.
Sabemos, por exemplo, que Wolfram Von Eschenbach, autor de Parzifal, foi um templário e,
conforme ele conta, baseou sua história em um certo Kyot, ou Guyot, de Provença.
Os Trovadores
Os Trovadores provinham da aristocracia. Guillaume IX (1071-1127) é normalmente tido em
conta como o primeiro Trovador. Ele foi Conde de Poitiers e Duque de Aquitânia, avô da famosa
Eleanor. Rebelde na juventude, Guillaume nutria pouco respeito pela devassa Igreja dos seus
dias; suas canzones (canções) eram repletas de sátiras e paródias do clero. Sua visão juvenil da
Dama está muito distante dos estereótipos elevados dos Trovadores posteriores; ele estava mais
para um Henry Miller medieval, absolutamente obsceno e licencioso, ecoando a turbulência da
Carmina Burana, uma coleção de potáveis canções monásticas. Em uma de suas canções, ele
proclama: dirai vos de con, cals es as leis, o que livremente traduzido significa: “Eu te direi tudo
sobre a boceta e suas leis”. Sua imagem da mulher certamente amadurece, mas, em sua paixão
selvagem, elas continuam sendo criaturas de carne e sangue. Guillaume estabeleceu o tom para o
desenvolvimento do que podemos chamar de contracultura do Século XII.
No tempo da carreira ascendente e tempestuosa de sua neta, Eleanor de Aquitânia, o culto
trovador já tinha desenvolvido um código comum de humildade, cortesia e devoção à dama,
tornando-o um culto refinado ao amor. Todo Trovador – nem todos agora nascidos na nobreza –
aspiravam ao amor de uma dama mais elevada que ele em categoria e espírito. Socialmente, a
dama era induzida pela convenção a rejeitá-lo para valorizar as “provas” que a busca dele
envolvia, mas, na realidade, havia muitas uniões adúlteras secretas, como na famosa história de
Tristão e Isolda. Bertran de Ventador é um bom exemplo da lealdade que o amor cortês deveria
demonstrar; ele idealizou uma paixão sem esperança por Eleanor, sua patronesse – sem
esperança em função de sua posição. Ainda assim ele jurou nunca alterar sua sina, que era a de
alternar esperança e desespero, por todos os reinos da terra.
O Culto à Dama
Não é demais ressaltar a excepcionalidade dessa eflorescência do culto ao feminino,
considerando-se que, mesmo na nossa Era chamada Iluminada, é tarefa sofrida e difícil para as
mulheres resgatarem status e dignidade espiritual semelhantes aos que obtiveram nessa época.
Se nós hoje deploramos a rigidez dos patriarcas dos dias atuais, uma rápida vista d’olhos à
brutalidade dos lordes medievais de primeira ordem, com seus cintos de castidade de ferro e
cruéis punições para o adultério, nos ajudará a perceber que uma extraordinária transformação
ocorreu nas almas daquela Era, promovida pelos Trovadores e por mulheres como Marie de
France e Eleanor de Aquitânia.
Historicamente, não há precedente próximo a essa mudança, uma vez que as antigas
mulheres romanas eram estritamente mantidas em casa como sabujas parideiras, e, mais tarde, os primeiros ascetas cristãos do deserto, ferozmente renegando a carne, faziam o possível para que as mulheres fossem vistas como enviadas de Satã. Além do mais, Maria, a mãe de Deus, ainda não tinha se tornado objeto de idolatria; ao contrário, a comunidade cristã sublimava o feminino na anima cultural da Mater Ecclesia, ou Madre Igreja, que era uma abstração cultural e não um objeto de devoção meditativa. Se há uma origem histórica para o ressurgimento do feminino, é muito mais provável que esteja relacionada aos cultos pagãos da Grande Deusa – os mistérios de Isis, de Diana de Eféso, e especialmente da Sofia dos gnósticos – que provavelmente foram levados para a Europa pelos contatos artísticos de Trovadores como Peire Vidal, que tinham visitado o Ocidente, e principalmente pelos Cátaros, que reverenciavam uma das versões de Sofia e ordenavam não só os homens mas também as mulheres ao sacerdócio.
E assim há como que um revigoramento da sombra pagã do Cristianismo, particularmente no
que pode ser chamado de dimensão dionisíaca e venusiana: o uso extático da arte, da música e do
corpo para atingir uma comunhão com a natureza divina do corpo. A paixão dos Trovadores era
terrena e sensual; já não há mais nenhuma justificativa para encarar as damas dos Trovadores
com as cores dos Pré-Rafaelitas, ou seja, como animas puramente etéreas separadas do corpo; os
Trovadores celebraram a encarnação do feminino exatamente como celebraram sua
espiritualização. O que é moderno no romans cortês de Chretien, Marie de France, Wolfram, e
Gottfried Von Strassburg é que, ao recontar as vicissitudes por que passa o herói em sua
tentativa de salvar e conquistar sua dama, essas narrativas revestem-se de uma forma medieval
de psicologia profunda, tão sofisticada na sua riqueza simbólica quanto as tramas oníricas da
anima e do animus identificadas por Jung e seus seguidores. Friedrich Heer sintetiza esse
processo com notável discernimento em seu Mundo Medieval:
Os remédios prescritos para o homem que se perdeu mil vezes no labirinto de suas
paixões imaturas são: mulher, “natureza”, mysterium. No romans, portanto, uma mulher
está sempre acessível para transformar e enobrecer um homem. Por intermédio dessa
relação com a mulher, o homem ganha acesso a sua própria alma, às camadas mais
profundas do seu “coração”; sua busca sensível por sua “rainha” o faz mais sábio, mais
sensível, mais consciencioso como pessoa.
O Significado Psicológico do Cavalheirismo
Se considerarmos a terrível aspereza das cenas com que se defrontavam os cruzados em seu
encontro diário, em batalha, com a morte, o estupro, a mutilação e o massacre, é possível
aquilatar a influência civilizatória dos “cortejos de amor” que vicejavam em Poitiers e Anjou, sob
os auspícios de Eleanor de Aquitânia, sobre a crueza da vida militar. As cruéis artes de Marte
fizeram sobressair, em um movimento compensatório, as artes suaves e sensuais de Vênus, uma
education sentimentale que influenciou a Idade Média e que também traz consigo a herança
literária e artística que chamamos de romance, o tema eterno de que amor vincit omnia – o
amor, em suas muitas formas, conquista tudo. Como C. S. Lewis disse, em sua famosa obra
A Alegoria do Amor:
Os Trovadores efetuaram uma mudança que não deixou nenhum recanto de nossa moral,
de nossa imaginação ou de nossa vida cotidiana intocado, e erigiram barreiras
intransponíveis entre nós e o passado clássico ou o presente oriental. Comparado a essa
revolução, o Renascimento é apenas uma pequena onda na superfície.
Quanto a Marte, eu sugeri em alguma outra de minhas obras que um dos efeitos de mais longo
alcance da adoção, por parte do Imperador Constantino, do Cristianismo como religião oficial do
Império Romano foi que, dali em diante, o Cristianismo do Ocidente tomou o caráter assertivo e
militar do arquétipo imperial e perdeu completamente a função de identificar-se com o
oprimido e perseguido – e a isso chamei de papel sacrifical Dionisíaco do Cristo crucificado.
Então, quando o martírio desapareceu da Igreja dos primeiros dias, que foi então substituída pela
Igreja Militante, toda relação recíproca entre perseguidor e perseguido reverteu-se – uma
dialética arquetipicamente simbolizada na díade Marte-Dioniso.
É um exemplo coletivo da estratégia defensiva conhecida na psicanálise como identificação
com o agressor. A conseqüência infeliz desse movimento, tanto no âmbito pessoal como no
âmbito coletivo, é que há, então, uma necessidade de encontrar uma vitima para contrabalançar
o recém-encontrado poder. As perseguições aos judeus vieram de encomenda para a assim
chamada Dark Ages, mas, com certeza, a resposta mais satisfatória quem a proveu foi o pagão
sarraceno nas guerras contra o Islã, uma religião igualmente Marciana e agressiva e imperial
sobre a qual os heróicos cruzados podiam facilmente projetar suas sombras vorazes (um jogo
satisfatório que é ainda atrativo para a América Cristã e o Irã muçulmano de hoje). Friedrich
Heer também vê essa tendência Marciana como unicamente romana, quando assinala que, por
contraste, a Igreja Oriental não reconheceu nenhuma guerra como “santa”; insistindo, ao
contrário, que “um Cristão deveria lutar com as armas de Cristo; suas batalhas deveriam ser
somente espirituais”. O Ocidente, por outro lado, seguiu literalmente o curso de Marte:
Em 1096 o hábito, agora com vários séculos de idade, de usar meios políticos para
subseqüentes fins religiosos tinha se tornado tão bem estabelecido no Ocidente que a
metáfora paulina de lutar por Cristo podia ser interpretada como um serviço militante da
nobreza.
Ao contrário disso, parece claro para mim que os romances corteses eram tentativas de sublimar, isto é, de re-espiritualizar o papel do nobre, por meio de um rigoroso código de honra
cavalheiresco, para assim redimir a metáfora paulina que se havia degenerado.
Heresia, Gnosticismo e Sexualidade
Se, como assinala Heer, não havia nada de novo no militarismo excessivo da Igreja Romana ao
lidar com rivais externos, também nada havia em sua supressão da ameaça interna de heresia
cuja origem não pudesse ser remontada aos primeiros séculos da Era Cristã. Por exemplo, um
historiador recente do Cristianismo, ele mesmo Católico, abertamente chamou Santo Agostinho
(354-430) de “o primeiro inquisidor”, por sua participação na perseguição dos hereges
Donatistas. Na verdade, o estabelecimento da autoridade de uma igreja centralizada em Roma
caminhava de mãos dadas com a supressão de escolas rivais de interpretação dos ensinamentos
de Cristo; eram igrejas alternativas as quais os historiadores livremente englobam sob o rótulo de Gnosticismo. Então, como ocorreu mil anos depois – e ocorre ainda hoje –, uma das disputas
centrais com os gnósticos, depois que eles foram elevados ao palco político, era sobre a posição
do principio feminino no ensinamento cristão e o problema conexo de reconciliar os dois
extremos conflitantes da natureza humana: espiritualidade e sexualidade.
Como sabemos pela História, a Igreja Romana muito cedo se tornou uma instituição
predominantemente patriarcal, e para ela a solução do problema da sexualidade era: uma grande
dose de negação sob a forma de celibato oficial e o ostentoso ascetismo dos Pais do Deserto.
Muitos cristãos gnósticos, por outro lado, continuavam a venerar a Deusa Mãe como igual ao
Deus Pai sob denominações tais como Isis, Barbelo, ou Sofia (e mais tarde Maria). Embora
algumas facções gnósticas tenham ficado tão ascéticas quanto a maioria de suas primas
ortodoxas, muitas adotaram uma prática espiritual diferente com respeito ao sexo cujo
significado real foi enterrado sob séculos de ofuscação puritana da história da Igreja. Uma
releitura da história da feitiçaria sintetiza assim suas descobertas recentes:
Os gnósticos eram ascetas de uma maneira difícil de as pessoas modernas entenderem.
Eles acreditavam em negar este mundo e purificarem-se, mas às vezes praticavam a
indulgência sexual como um meio de purificação. Ocasionalmente pareciam crer que a
melhor maneira de transcender “o mal” era experimentando-o. Eram sensíveis ao
ascetismo pagão, que, diferentemente do Cristianismo, incluía tanto a auto-indulgência
quanto a autonegação. Por exemplo, os ritos antigos da Grande Mãe incluíam orgias
sexuais, mas que eram supervisionadas por padres celibatários.
Hoje sabemos, graças a um grande número de histórias bem-pesquisadas sobre o “submundo”
do Cristianismo, que esses rituais sexuais praticados pelos primeiros gnósticos não
desapareceram simplesmente em função da perseguição. Ao contrário, eles foram recolhidos aos
padrões do mundo Cristão ortodoxo e sobreviveram em facções obscuras como a dos Paulicianos
ou nos segredos cuidadosamente guardados da tradição Hermética da alquimia, de onde ao final
foram absorvidos pelo Sufismo esotérico. Um lugar muito importante onde as práticas sexuais
dos gnósticos parecem ter sobrevivido de forma relativamente pacifica foi a Bulgária, em grande
parte porque ela não se converteu ao Cristianismo até 864 A. D. Esse país balcânico desde cedo
teria abrigado uma versão da heresia dualista Maniqueísta chamada Bogomilismo.
Originalmente os Bogomils eram estritamente puritanos, mas, sob a influência de uma seita
gnóstica chamada de os Massalianos, revisaram suas crenças e práticas concernentes ao corpo.
Foi dos Massalianos que tomaram a idéia de que, após um rígido período de purificação, seria
possível atingir um estado onde a negação não seria mais necessária, para que, assim, o adepto
pudesse envolver-se em qualquer ato sexual sem pecado.
A fusão das duas seitas assinaladas acima foi completada antes do Século X, período durante o
qual o Bogomilismo também se identificou com a luta dos servos búlgaros contra os despóticos
lordes cristãos. As crenças e práticas dos Bogomils espalharam-se pelo norte da Itália e depois
para o sul da França e, de lá, para todas as partes da Europa, onde os convertidos à nova fé
ficaram conhecidos como os Cátaros ou Cathari (do grego katharoi, que significa “os
purificados”). O Catarismo, ou a Heresia Albigense, como depois foi chamado (em função de sua
concentração em torno da cidade de Albi, na França), iria tornar-se a mais difundida de todas as
heresias medievais – popular a ponto de ameaçar a Igreja Católica em seu solo natal.
Os Cátaros se consideravam Cristãos e tinham seus próprios sacramentos e estágios de
iniciação e treinamento espiritual semelhantes aos do Yoga. Mas Jesus era para eles um Profeta
não divino e eles abominavam a Crucificação. Mulheres eram bem respeitadas; eram ordenadas
ao sacerdócio e depois se tornaram politicamente influentes. Parece provável, devido a sua
disseminação por todo o sul da França, particularmente Languedoc e Provença, que os Cathari
tenham exercido poderosa influência sobre a doutrina cortês de iniciação por meio de um
proibido, mas transcendente, caso de amor, cujo propósito não era a procriação, mas a
contemplação. O objetivo dos iniciados mais avançados, os Perfecti, era transcender o ciclo de
nascimento e morte e, para esse fim, desencorajavam o casamento, usando o sexo somente para
propósitos espirituais.
Fica claro, a partir dessa breve descrição, o quanto a igreja Cátara deve ter sido antitética ao
espírito do Catolicismo. Não é, então, totalmente surpreendente o fato de que, em 1208, o Papa
Inocêncio III tenha usado o assassinato de um de seus núncios, nos arredores de Toulouse, como
pretexto para armar uma guerra completa, a qual mais tarde foi chamada de Cruzada Albigense,
cujo fim era erradicar a civilização herege do sul da França. Populações inteiras das cidades de
Albi, Béziers, Carcassonne e Foix foram brutalmente massacradas. Depois de um amargo período
de 20 anos da campanha “ache e destrua”, a partir da qual a Igreja formou sua eficiente polícia
secreta, a Santa Inquisição, estima-se que aproximadamente meio milhão de Cátaros foi
queimado, ou de outra maneira morto, por sua fé. Quase nenhum traço dessa religião sobrevive
nos dias de hoje, mas o poder de sua fé pode ser aferido pelos fatos: os registros da Inquisição
indicam que apenas quatro hereges renegaram sua fé sob a ameaça de tortura e fogueira.
Os Cátaros podem muito bem ter ecoado o dito Donatista, suprimido séculos antes por
Agostinho, de que a “a verdadeira Igreja é aquela que é perseguida, não aquela que persegue”.
A Secreta Igreja do Amor
Antes do ataque ofensivo dessa trágica guerra (considerada por muitos como importante ponto
de decisão na história religiosa do Ocidente), a área que abrange de Languedoc ao nordeste dos
Pirineus já havia se tornado também um centro espiritual importante para ensinamentos
esotéricos, os quais reduziram as diferenças ortodoxas entre Cristianismo, Judaísmo e Islamismo.
Ali prosperou o aparecimento não somente de professores de inspiração gnóstica, como os
Cátaros, mas também kabbalistas judeus, mestres Sufi e possivelmente outros mais. Autoridades na história do esoterismo afirmam que eles todos tinham em mente um objetivo comum, qual seja, o de reinfundir no Cristianismo uma espiritualidade mística, reinserindo o principio feminino perdido no Ocidente. Pressentindo que o Catarismo pudesse não sobreviver ao grande poder de Roma, as antigas histórias celtas de Arthur e seus cavalheiros parecem ter sido conscientemente utilizadas para transmitir seus ensinamentos. Certamente, esses mitos prestam ouvidos a uma tradição matriarcal antiga que venerava a Deusa de muitas maneiras e tratava as mulheres como iguais – serve como ilustração o fato de que a deusa Ceridwen possuía um caldeirão mágico que pode bem sugerir um protótipo do Santo Graal.
Falando para uma camada profunda e possivelmente universal da velha psique europeia, esses
mitos serviram como veículo perfeito para uma doutrina gnóstica e esotérica da divindade da
Mãe e para um sentido mais elevado da busca cavalheiresca. Todas as ordens cavalheirescas
posteriores, especialmente os Cavaleiros Templários, refletem esse secreto conhecimento de
iniciação; e o mesmo ocorre com uma outra corrente que se iniciara, os Maçons, que
construíram seus segredos dentro da estrutura e sagrada geometria Pitagórica das grandes
catedrais góticas. A importância disso tudo no sul da França é mencionada nos escritos de
Wolfram Von Eschenbach (ele mesmo associado aos Templários), que coloca o castelo do Graal
nos Pirineus em sua obra posterior, Titurel. Segundo Heer, é provável que Chretien de Troyes
tenha sido ele mesmo um Cátaro.
Na maior parte dos casos, foram precisamente os Trovadores, os minnesingers e os menestréis
celtas que disseminaram os romances de Arthur, Lancelot, Tristão, e Gawain, retratando-os
como elegantemente ousados nas cortes onde predominava a courtezia, ou como mais espirituais
para o público cristão ortodoxo. Dos Séculos XII a XIV, todas as versões escritas dessas histórias,
se reunidas, formariam um volume tão grande e tão popular quanto a Bíblia. Certas imagens,
como a do jardim da Rosa, a fonte, a noiva abominável, a donzela aflita e, principalmente, o
Santo Graal reaparecem nas mais diversas formas. O símbolo da rosa, por exemplo, repete-se
entre os Sufis, no Roman de la Rose, no Paraíso de Dante, nas janelas da Catedral de Chartres, e
finalmente na mística Ordem Rosacruz. Nesses fragmentos percebem-se remanescentes da
difundida Igreja do Amor, que tentou, como expressaram os trovadores, reverter ROMA para
AMOR, mas, como malograram, foram forçados a tornarem-se secretos e a ocultarem seus
ensinamentos sob as alegorias de amor cortês.
quarta-feira, junho 09, 2010
O SANTO GRAAL
Santo Graal (ou Sangraal) é uma expressão medieval que designa normalmente o cálice usado por Jesus Cristo na Última Ceia. Ele está presente nas lendas arturianas, sendo o objetivo da busca dos cavaleiros da Távola Redonda, único objeto com capacidade para devolver a paz ao reino de Artur. No entanto, em outra interpretação, ele designa a descendência de Jesus (o sangraal ou sangue real ), segundo a lenda, ligada à dinastia Merovíngia. Finalmente, também há uma interpretação em que ele é a representação do corpo de Maria Madalena, a suposta esposa de Jesus e sua herdeira na condução da nova religião.
O SIMBOLISMO DO GRAAL
O símbolo do cálice sagrado, enquanto motivo de poder e fonte de milagres, é tão antigo quanto a História. O SANTO GRAAL teve múltiplos precursores e apareceu sob variadas formas antes de ter sido identificado com o cálice do ritual usado na missa católica. Muitas vezes o GRAAL foi descrito não como um cálice, mas como uma pedra. Neste sentido o símbolo é profundamente alquímico, ou seja – a conciliação dos opostos mediante a harmonia entre o céu e a terra. A etimologia da palavra Graal é controvertida. Costuma-se considerá-la como oriunda do latim "gradais" - cálice. Outros dizem que "Graal" vem de outra palavra latina - 'graduale' que significa 'gradual" um livro de orações e cânticos místicos.
Os celtas se referiam ao Graal como um caldeirão e a lenda em torno de um cálice sagrado pode ter relação com a importância que os celtas davam ao caldeirão, onde os druidas preparavam suas poções mágicas.
Esse conceito popular lembrava-lhes abundância e renascimento. Muitos personagens míticos dos celtas estavam envolvidos com esse símbolo: Nasciens foi transportado por mãos invisíveis para uma ilha onde lhe apareceu um caldeirão mágico; Dagda fortalecia os guerreiros com o alimento do caldeirão. Outro caldeirão célebre foi o pertencente à deusa Caridween, que preparou uma poção para infundir sabedoria em seu filho.
Os recipientes, como a taça, o caldeirão e os vasos, são símbolos do útero, a matriz da vida e a espada o órgão masculino fecundador. É no vazio que acontece o ciclo permanente de nascimento, morte e renascimento. Os cálices são oferendas ao espírito desconhecido que preside determinado tempo e local, uma oração que se eleva a Deus, pedindo que seu Espírito desça à terra. Este é o significado sagrado da missa católica: dois movimentos de direções opostas – o cálice voltado para o céu e o espírito projetando-se sobre ele – formam o ciclo de dar e receber, o eixo entre o superior e o inferior.
A LENDA ORIGINAL
Antes do século VII, a tradição e a Bíblia propiciaram o desenvolvimento de uma lenda intrigante sobre o cálice sagrado. Diz essa lenda que, antes da criação do homem, houve uma grande batalha no céu. O Arcanjo Miguel e seus anjos guerrearam contra Lúcifer. O adversário e seus anjos combateram ferozmente, diz a Bíblia; "todavia não venceram, nem acharam mais seu lugar no céu. E a antiga serpente, o Grande Dragão chamado demônio ou satanás foi expulso de lá sendo atirado para a terra com seus anjos". Diz a lenda que Lúcifer trazia um pedra colada na testa, uma esmeralda que funcionava como um terceiro olho. Quando Lúcifer foi atirado pelo Arcanjo Miguel à terra, a esmeralda partiu-se e sua visão ficou prejudicada. Um pedaço permaneceu em sua testa dando-lhe uma visão distorcida de sua situação como anjo caído; o outro fragmento foi guardado pelos anjos. Mais tarde, o Graal foi esculpido neste segundo pedaço.
AS LENDAS DO CÁLICE SAGRADO
Parece que durante sua presença na terra, o GRAAL necessitou de um abrigo e, dado ao seu caráter espiritual, essa habitação deveria ser um templo especialmente projetado para esse fim e oculto da visão dos profanos.
Mesmo se encararmos o GRAAL como um tema pertencente aos planos inexplorados da alma, restam-nos alguns enigmas históricos relacionados com a figura de Jesus Cristo, José de Arimatéia, o Rei Arthur e, mais tarde, com os estranhos acontecimentos que marcaram a vida e agonia dos Cátaros na região do Languedoc, no sul da França.
Esses episódios custaram a vida de milhares de pessoas e permanecem até hoje como indicadores da provável existência física de um Rei e Sacerdote do Santo Graal. Seria esse o Rei, eterno e onipresente Sacerdote da Távola Redonda, uma versão medieval inglesa relacionada à mesa da Última Ceia, sob a proteção de Arthur ? Ou seria essa Mesa Redonda uma forma de os místicos simbolizarem os círculos do infinito celeste e a egrégora da Grande Fraternidade Branca?
Conta uma antiga lenda cristã, que José de Arimatéia teria recolhido no cálice, usado na Última Ceia, o sangue que jorrou de Cristo quando ele recebeu o golpe de misericórdia, dado pelo soldado romano Longinus, usando uma lança, depois da crucificação. Em outra versão, teria sido a própria Maria Madalena, segundo a Bíblia a única mulher além de Maria (a mãe de Jesus) presente na crucificação de Jesus, que teria ficado com a guarda do cálice e o teria levado para a França, onde passou o resto de sua vida.
A lenda tornou-se popular na Europa nos séculos XII e XIII por meio dos romances de Chrétien de Troyes, particularmente através do livro "Le Conte du Graal" publicado por volta de 1190, e que conta a busca de Sir Percival pelo cálice.
Mais tarde, o poeta francês Robert de Boron publicou Roman de L'Estoire du Graal, escrito entre 1200 e 1210, e que tornou-se a versão mais popular da história, e já tem todos os elementos da lenda como a conhecemos hoje.
Finalmente, o poeta Wolfram von Eschenbach criou a mais inventiva e surpreendente versão para a história do Graal, em sua obra "Parsifal", escrita entre os anos de 1210 e 1220. Ele supõe o Graal anterior a Cristo. O Graal teria sido, não um cálice, mas uma pedra enviada a Terra há muito tempo atrás por espíritos celestiais. O Graal teria sido guardado por uma misteriosa irmandade de cavaleiros, chamados templáisen.
Na literatura medieval, a procura do Graal representava a tentativa por parte do cavaleiro de alcançar a perfeição. Em torno dele criou-se um complexo conjunto de histórias relacionadas com o reinado de Artur na Inglaterra, e da busca que os cavaleiros da Távola Redonda fizeram para obtê-lo e devolver a paz ao reino. Nas histórias misturam-se elementos cristãos e pagãos relacionados com a cultura celta.Segundo algumas histórias, o Santo Graal teria ficado sob a tutela da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, também conhecida como Ordem do Templo, ou simplesmente "Templários". Instituição militar-religiosa criada para defender as conquistas nas Cruzadas e os peregrinos na Terra Santa. Alguns associam os templários a irmandade que Wolfram cita em "Parsifal".
Segundo uma das versões da lenda, os templários teriam levado o cálice para a aldeia francesa de Rennes-Le-Château. Em outra versão, o cálice teria sido levado de Constantinopla para Troyes, na França, onde ele desapareceu durante a Revolução francesa.
Os cátaros acreditavam que este mundo é o verdadeiro inferno; que a encarnação do Espírito do Cristo foi o verdadeiro sacrifício simbolizado na cruz do calvário. A Igreja Romana via o catarismo como um movimento reformista. No início do século XIII uma armada de cavaleiros do norte desceu pelo Languedoc para exterminar a heresia cátara e requisitar para si os ricos espólios da região.Conta-se que durante o assalto das tropas às fortalezas albigenses, apareceu no alto da muralha uma figura coberta por uma armadura branca. Os soldados recuaram, temendo ser um guardião do Santo Graal. Mas, prevendo a derrota, os cátaros, ocultaram o Santo Graal num dos numerosos subterrâneos onde estaria até hoje.
Nesse contexto histórico poderiam ser explicados os mistérios do Messias e as verdades que a Igreja proibiu sobre a "dinastia do cálice", a matança dos cátaros, as cruzadas e a história do abade Berenger Saunière em Rennes-le-Château, no Languedoc.
A DINASTIA MEROVÍNGIA
Segundo algumas lendas, a descendência de Jesus era de sangue real, ele próprio herdeiro do trono de Jerusalém por ser descendente do Rei Davi, e migrou para a Europa, particularmente para a França, e fundou a dinastia merovíngia, cuja posição, mais tarde, foi usurpada pelos carolíngios e pela Igreja Católica. Neste caso, o sangraal ou sangue real seria a própria descendência de Jesus, os merovíngios.
Os merovíngios se diziam descendentes de reis de Tróia, e isto justifica tantas localidades na França que possuem um nome que lembra Tróia, inclusive a cidade natal de Chrétien de Troyes, autor das primeiras histórias sobre o Graal.Histórias revelam a existência de uma sociedade secreta, chamada Priorado de Sião, que se dedica a defender a descendência Merovíngia e seu direito ao trono na Europa. Segundo algumas fontes, o Priorado do Sião justifica este direito pela descendência direta de Jesus e do Rei Davi.
MARIA MADALENA
Além destas lendas, existem também outras histórias paralelas, como a que conta que o Santo Graal, na verdade, é o corpo de Maria Madalena.
Ela seria a esposa de Cristo e deveria ser a herdeira da nova religião.
A história também diz que junto ao cadáver desta estariam preciosos pergaminhos e documentos escritos pelos apóstolos de Jesus e pelo próprio Cristo. Tais pergaminhos, segundo a lenda, são extremamente contraditórios com a Bíblia e portanto um verdadeiro tesouro sobre o legado de Cristo na Terra.
Em 1948, na localidade de Nag Hammadi, foram encontrados pergaminhos que continham evangelhos apócrifos, e cujo conjunto de textos foi chamado de biblioteca de Nag Hammadi.
As cópias destes evangelhos supunham-se perdidas, pois haviam sido proibidas e queimadas pela Igreja após o concílio de Nicéia.Entre estes documentos antigos encontra-se o "Evangelho de Maria Madalena", que apresenta inconsistências com os quatro evangelhos aceitos pela Igreja. Um dos pontos é que entre os seus discípulos, Maria Madalena é a preferida, e é ela que transmite os ensinamentos de Jesus aos outros.Em outro documento da biblioteca de Nag Hammadi, o "Evangelho de Filipe", faz-se referência ao fato que Jesus a ama mais que aos outros discípulos e a beija com frequência.Tudo isto fortalece a hipótese do casamento entre ambos, e que seja Maria Madalena e sua descendência os verdadeiros herdeiros da religião fundada por Jesus.Um grande argumento em favor desta união, é a de que era impensável que um judeu, naquela época, chegasse aos 30 anos sem estar casado.
A BUSCA DO GRAAL
Do ponto de vista místico, a busca do Graal representa a busca por uma vida superior, por progresso espiritual. Nas lendas arturianas, só é possivel às pessoas de coração puro e isentas de pecado ver e tocar o cálice.
Para o iniciado, o caminho do GRAAL está indissoluvelmente unido à idéia de um sacrifício e de uma viagem cheia de perigos para alcançar a iluminação, o renascimento ou a "vida eterna" segundo os cristãos. O início e o final da Busca do SANTO GRAAL são, por isso mesmo, momentos cruciais, pois é uma busca que não termina. O GRAAL tem que ser constantemente buscado no coração, na mente e no espírito; sua revelação final representa aquele ideal de subida aos planos superiores de existência, objetivo máximo de todos os místicos. Ao entrar em comunhão consigo mesmo, o místico descobre não uma melancolia - a cor negra, "nigredo" para os alquimistas - mas um parceiro interno, uma relação que se assemelha à alegria de um amor secreto. Este estágio da vida iniciática é representado pela primavera oculta, onde as sementes brotam da terra nua, trazendo as promessas de futuras colheitas.
Non Nobis Domine, Non Nobis, Sed Nomini Tuo, da Gloriam!
(Não por nós Senhor, não por nós, mas para a glória de Teu nome!)
Carlos Roberto (Amon Sol )
O SIMBOLISMO DO GRAAL
O símbolo do cálice sagrado, enquanto motivo de poder e fonte de milagres, é tão antigo quanto a História. O SANTO GRAAL teve múltiplos precursores e apareceu sob variadas formas antes de ter sido identificado com o cálice do ritual usado na missa católica. Muitas vezes o GRAAL foi descrito não como um cálice, mas como uma pedra. Neste sentido o símbolo é profundamente alquímico, ou seja – a conciliação dos opostos mediante a harmonia entre o céu e a terra. A etimologia da palavra Graal é controvertida. Costuma-se considerá-la como oriunda do latim "gradais" - cálice. Outros dizem que "Graal" vem de outra palavra latina - 'graduale' que significa 'gradual" um livro de orações e cânticos místicos.
Os celtas se referiam ao Graal como um caldeirão e a lenda em torno de um cálice sagrado pode ter relação com a importância que os celtas davam ao caldeirão, onde os druidas preparavam suas poções mágicas.
Esse conceito popular lembrava-lhes abundância e renascimento. Muitos personagens míticos dos celtas estavam envolvidos com esse símbolo: Nasciens foi transportado por mãos invisíveis para uma ilha onde lhe apareceu um caldeirão mágico; Dagda fortalecia os guerreiros com o alimento do caldeirão. Outro caldeirão célebre foi o pertencente à deusa Caridween, que preparou uma poção para infundir sabedoria em seu filho.
Os recipientes, como a taça, o caldeirão e os vasos, são símbolos do útero, a matriz da vida e a espada o órgão masculino fecundador. É no vazio que acontece o ciclo permanente de nascimento, morte e renascimento. Os cálices são oferendas ao espírito desconhecido que preside determinado tempo e local, uma oração que se eleva a Deus, pedindo que seu Espírito desça à terra. Este é o significado sagrado da missa católica: dois movimentos de direções opostas – o cálice voltado para o céu e o espírito projetando-se sobre ele – formam o ciclo de dar e receber, o eixo entre o superior e o inferior.
A LENDA ORIGINAL
Antes do século VII, a tradição e a Bíblia propiciaram o desenvolvimento de uma lenda intrigante sobre o cálice sagrado. Diz essa lenda que, antes da criação do homem, houve uma grande batalha no céu. O Arcanjo Miguel e seus anjos guerrearam contra Lúcifer. O adversário e seus anjos combateram ferozmente, diz a Bíblia; "todavia não venceram, nem acharam mais seu lugar no céu. E a antiga serpente, o Grande Dragão chamado demônio ou satanás foi expulso de lá sendo atirado para a terra com seus anjos". Diz a lenda que Lúcifer trazia um pedra colada na testa, uma esmeralda que funcionava como um terceiro olho. Quando Lúcifer foi atirado pelo Arcanjo Miguel à terra, a esmeralda partiu-se e sua visão ficou prejudicada. Um pedaço permaneceu em sua testa dando-lhe uma visão distorcida de sua situação como anjo caído; o outro fragmento foi guardado pelos anjos. Mais tarde, o Graal foi esculpido neste segundo pedaço.
AS LENDAS DO CÁLICE SAGRADO
Parece que durante sua presença na terra, o GRAAL necessitou de um abrigo e, dado ao seu caráter espiritual, essa habitação deveria ser um templo especialmente projetado para esse fim e oculto da visão dos profanos.
Mesmo se encararmos o GRAAL como um tema pertencente aos planos inexplorados da alma, restam-nos alguns enigmas históricos relacionados com a figura de Jesus Cristo, José de Arimatéia, o Rei Arthur e, mais tarde, com os estranhos acontecimentos que marcaram a vida e agonia dos Cátaros na região do Languedoc, no sul da França.
Esses episódios custaram a vida de milhares de pessoas e permanecem até hoje como indicadores da provável existência física de um Rei e Sacerdote do Santo Graal. Seria esse o Rei, eterno e onipresente Sacerdote da Távola Redonda, uma versão medieval inglesa relacionada à mesa da Última Ceia, sob a proteção de Arthur ? Ou seria essa Mesa Redonda uma forma de os místicos simbolizarem os círculos do infinito celeste e a egrégora da Grande Fraternidade Branca?
Conta uma antiga lenda cristã, que José de Arimatéia teria recolhido no cálice, usado na Última Ceia, o sangue que jorrou de Cristo quando ele recebeu o golpe de misericórdia, dado pelo soldado romano Longinus, usando uma lança, depois da crucificação. Em outra versão, teria sido a própria Maria Madalena, segundo a Bíblia a única mulher além de Maria (a mãe de Jesus) presente na crucificação de Jesus, que teria ficado com a guarda do cálice e o teria levado para a França, onde passou o resto de sua vida.
A lenda tornou-se popular na Europa nos séculos XII e XIII por meio dos romances de Chrétien de Troyes, particularmente através do livro "Le Conte du Graal" publicado por volta de 1190, e que conta a busca de Sir Percival pelo cálice.
Mais tarde, o poeta francês Robert de Boron publicou Roman de L'Estoire du Graal, escrito entre 1200 e 1210, e que tornou-se a versão mais popular da história, e já tem todos os elementos da lenda como a conhecemos hoje.
Finalmente, o poeta Wolfram von Eschenbach criou a mais inventiva e surpreendente versão para a história do Graal, em sua obra "Parsifal", escrita entre os anos de 1210 e 1220. Ele supõe o Graal anterior a Cristo. O Graal teria sido, não um cálice, mas uma pedra enviada a Terra há muito tempo atrás por espíritos celestiais. O Graal teria sido guardado por uma misteriosa irmandade de cavaleiros, chamados templáisen.
Na literatura medieval, a procura do Graal representava a tentativa por parte do cavaleiro de alcançar a perfeição. Em torno dele criou-se um complexo conjunto de histórias relacionadas com o reinado de Artur na Inglaterra, e da busca que os cavaleiros da Távola Redonda fizeram para obtê-lo e devolver a paz ao reino. Nas histórias misturam-se elementos cristãos e pagãos relacionados com a cultura celta.Segundo algumas histórias, o Santo Graal teria ficado sob a tutela da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, também conhecida como Ordem do Templo, ou simplesmente "Templários". Instituição militar-religiosa criada para defender as conquistas nas Cruzadas e os peregrinos na Terra Santa. Alguns associam os templários a irmandade que Wolfram cita em "Parsifal".
Segundo uma das versões da lenda, os templários teriam levado o cálice para a aldeia francesa de Rennes-Le-Château. Em outra versão, o cálice teria sido levado de Constantinopla para Troyes, na França, onde ele desapareceu durante a Revolução francesa.
Os cátaros acreditavam que este mundo é o verdadeiro inferno; que a encarnação do Espírito do Cristo foi o verdadeiro sacrifício simbolizado na cruz do calvário. A Igreja Romana via o catarismo como um movimento reformista. No início do século XIII uma armada de cavaleiros do norte desceu pelo Languedoc para exterminar a heresia cátara e requisitar para si os ricos espólios da região.Conta-se que durante o assalto das tropas às fortalezas albigenses, apareceu no alto da muralha uma figura coberta por uma armadura branca. Os soldados recuaram, temendo ser um guardião do Santo Graal. Mas, prevendo a derrota, os cátaros, ocultaram o Santo Graal num dos numerosos subterrâneos onde estaria até hoje.
Nesse contexto histórico poderiam ser explicados os mistérios do Messias e as verdades que a Igreja proibiu sobre a "dinastia do cálice", a matança dos cátaros, as cruzadas e a história do abade Berenger Saunière em Rennes-le-Château, no Languedoc.
A DINASTIA MEROVÍNGIA
Segundo algumas lendas, a descendência de Jesus era de sangue real, ele próprio herdeiro do trono de Jerusalém por ser descendente do Rei Davi, e migrou para a Europa, particularmente para a França, e fundou a dinastia merovíngia, cuja posição, mais tarde, foi usurpada pelos carolíngios e pela Igreja Católica. Neste caso, o sangraal ou sangue real seria a própria descendência de Jesus, os merovíngios.
Os merovíngios se diziam descendentes de reis de Tróia, e isto justifica tantas localidades na França que possuem um nome que lembra Tróia, inclusive a cidade natal de Chrétien de Troyes, autor das primeiras histórias sobre o Graal.Histórias revelam a existência de uma sociedade secreta, chamada Priorado de Sião, que se dedica a defender a descendência Merovíngia e seu direito ao trono na Europa. Segundo algumas fontes, o Priorado do Sião justifica este direito pela descendência direta de Jesus e do Rei Davi.
MARIA MADALENA
Além destas lendas, existem também outras histórias paralelas, como a que conta que o Santo Graal, na verdade, é o corpo de Maria Madalena.
Ela seria a esposa de Cristo e deveria ser a herdeira da nova religião.
A história também diz que junto ao cadáver desta estariam preciosos pergaminhos e documentos escritos pelos apóstolos de Jesus e pelo próprio Cristo. Tais pergaminhos, segundo a lenda, são extremamente contraditórios com a Bíblia e portanto um verdadeiro tesouro sobre o legado de Cristo na Terra.
Em 1948, na localidade de Nag Hammadi, foram encontrados pergaminhos que continham evangelhos apócrifos, e cujo conjunto de textos foi chamado de biblioteca de Nag Hammadi.
As cópias destes evangelhos supunham-se perdidas, pois haviam sido proibidas e queimadas pela Igreja após o concílio de Nicéia.Entre estes documentos antigos encontra-se o "Evangelho de Maria Madalena", que apresenta inconsistências com os quatro evangelhos aceitos pela Igreja. Um dos pontos é que entre os seus discípulos, Maria Madalena é a preferida, e é ela que transmite os ensinamentos de Jesus aos outros.Em outro documento da biblioteca de Nag Hammadi, o "Evangelho de Filipe", faz-se referência ao fato que Jesus a ama mais que aos outros discípulos e a beija com frequência.Tudo isto fortalece a hipótese do casamento entre ambos, e que seja Maria Madalena e sua descendência os verdadeiros herdeiros da religião fundada por Jesus.Um grande argumento em favor desta união, é a de que era impensável que um judeu, naquela época, chegasse aos 30 anos sem estar casado.
A BUSCA DO GRAAL
Do ponto de vista místico, a busca do Graal representa a busca por uma vida superior, por progresso espiritual. Nas lendas arturianas, só é possivel às pessoas de coração puro e isentas de pecado ver e tocar o cálice.
Para o iniciado, o caminho do GRAAL está indissoluvelmente unido à idéia de um sacrifício e de uma viagem cheia de perigos para alcançar a iluminação, o renascimento ou a "vida eterna" segundo os cristãos. O início e o final da Busca do SANTO GRAAL são, por isso mesmo, momentos cruciais, pois é uma busca que não termina. O GRAAL tem que ser constantemente buscado no coração, na mente e no espírito; sua revelação final representa aquele ideal de subida aos planos superiores de existência, objetivo máximo de todos os místicos. Ao entrar em comunhão consigo mesmo, o místico descobre não uma melancolia - a cor negra, "nigredo" para os alquimistas - mas um parceiro interno, uma relação que se assemelha à alegria de um amor secreto. Este estágio da vida iniciática é representado pela primavera oculta, onde as sementes brotam da terra nua, trazendo as promessas de futuras colheitas.
Non Nobis Domine, Non Nobis, Sed Nomini Tuo, da Gloriam!
(Não por nós Senhor, não por nós, mas para a glória de Teu nome!)
Carlos Roberto (Amon Sol )
quarta-feira, junho 02, 2010
O Santo Graal e a Linhagem Sagrada
Por Marcelo del Debbio em Teoria da Conspiração
Olá, Crianças
Na Semana anterior começamos finalmente uma das séries mais empolgantes aqui no Teoria da Conspiração: Os Mitos do Rei Arthur e suas relações com a Mitologia, o Ocultismo, a Alquimia e com os Cavaleiros Templários.Semana passada falamos sobre Excalibur e o simbolismo da Espada dentro da Alquimia e ocultismo, bem como das origens de uma das mais famosas armas mágicas de todos os tempos. Esta semana, nos aventuraremos na origem e significado do Cálice Sagrado.
Enquanto isso, confiram o resultado do I Concurso Teoria da Conspiração, com as imagens vencedoras.
A Cornucópia
Um dos amuletos mais comuns e conhecidos no mundo são os pedaços de chifres e cornos (ou metais e corais moldados à forma de um chifre). Este amuleto é também chamado de Cornucópia de Amaltea e sua origem data das celebrações gregas.
E quem era Amaltea?
Amaltea era uma cabra descendente do Sol que vivia numa gruta no monte Ida, em Creta. Ou segundo outras fontes, era uma ninfa, filha de Meliseo, que alimentou Zeus com o leite de uma cabra.
Segundo as lendas, quando Zeus era pequeno e estava escondido de seu pai, Saturno (Chronos) e era tratado por Amaltea, num ataque de ira, o deus menino agarrou com força o corno da cabra, puxou-o e arrancou-o, produzindo uma enorme dor à sua cuidadora. Quando Zeus ficou adulto, ele concedeu ao chifre arrancado o dom da abundância; a partir desse momento o chifre estaria sempre cheio de alimentos e bens que o seu dono possa desejar.
Quando Amaltea morreu, foi levada a Zeus, que a transformou na constelação de Capricórnio. O chifre ficou conhecido como “a cornucópia” ou “o corno da abundância”. Desta maneira, ao mesmo tempo, este símbolo representava o poder fálico dos deuses criadores e o ventre gerador da vida feminino. Traçando um paralelo com a Kabbalah hermética, temos o Caminho de Daleth, entre Hochma e Binah.
Cornu Copiae
Já na mitologia romana, a cornucópia deriva do latim “Cornu copiae”. A cornucópia ou corno da abundância é um dos cornos do deus-rio Aqueloo, metamorfoseado em touro, que lhe foi arrancado por Hércules, quando lutava contra ele.
Segundo outros textos romanos, a lenda segue a original grega: é um chifre da cabra com cujo leite, a ninfa Amaltea, amamentou Júpiter na sua infância, quando se escondeu de seu pai, Saturno, para que este não o devorasse. Diz-se que Júpiter arrancou o corno à cabra enquanto brincava, e ofereceu-o a Amaltea, asseguran-do-lhe que o corno se encheria de frutos cada vez que ela o desejasse. A cornucópia é um atributo muito mostrado nas moedas romanas, nas mãos de divindades benéficas, como Ceres e Cibeles, ou de alegorias como a Abundância e a Fortuna.
Como curiosidade, a cornucópia é usada atualmente como símbolo do Mestre de Banquetes em algumas ordens cavaleirescas e na maçonaria.
O Chifre de Epona e o Unicórnio
Entre os povos gauleses, a principal divindade relacionada com os equídeos é a deusa gaulesa, ou melhor, galo-romana, chamada Epona (ou Epona Regina), cujo nome deriva do gaulês epo, que significa cavalo. O seu culto difundiu-se até à Bretanha e ao leste da Europa, especialmente na região de Borgonha. Na Península Ibérica foram documenta dos alguns vestígios epigráficos que testemunham o seu culto.
Epona possui diversas referências e numerosas imagens da deusa, geralmente montada sobre um cavalo. A deusa era representada muitas vezes com uma série de atributos, como a cornucópia ou a patera (espécie de bacia de cerâmica onde eram feitas as oferendas, semelhante a um caldeirão raso), que a relacionam com a abundância e a prosperidade. Também estava vinculada com as fontes e ao mundo espiritual.
Da fusão destas duas características da mesma deusa surgem os primeiros relatos medievais de uma criatura encantada que vocês já devem estar imaginando quem seja: o Unicórnio. O Cavalo Branco, símbolo sagrado para a Deusa Epona, associado ao chifre mágico que tudo produz. Claro que esta criatura não existe no Plano Físico, embora muitos picaretas ao longo dos milênios tenham tentado forjar unicórnios com esqueletos de cavalos e narvais, além de rinocerontes e de uma criatura particular chamada Orix.
Até então, o Unicórnio estava associado a um BOI de um único chifre, não a um cavalo. Na Bíblia, em Números 23:22 e no Deuteronômio 33:17, é citado o unicórnio como um animal de força extraordinária. Nos ritos antigos, era costume cortar um dos chifres do maior e mais viril touro do rebanho para ser usado como taça cerimonial para beber o vinho sagrado ao final dos rituais egípcios, junto com o Pão (e qualquer semelhança com a Santa Ceia e o Cálice Sagrado NÃO é mera coincidência!).
O Touro, agora considerado sagrado, era chamado de Uni-corno. Somente com os gauleses e com Epona esta associação passou a ser feita com cavalos. Uma curiosidade é que durante todo este tempo, na história grega, o unicórnio não aparecia em textos de Mitologia, mas sim em textos de biologia, pois os gregos estavam convencidos de que era uma criatura real.
E desta relação surgem as lendas a respeito da pureza necessária para se tocar o chifre de um unicórnio. Embora o primeiro escritor a descrever que “somente uma virgem poderia cavalgar um unicórnio” foi o Grão Mestre Leonardo DaVinci, em suas anotações datadas de 1470, para o quadro “Jovem sentada com unicórnio”.
Mimisbrunnr
Um dos chifres que também é famoso na mitologia é o Gjallarhorn, narrado nas Prosas Eddas do século XIII, que originalmente é o chifre usado por Odin para beber a água da sabedoria da fonte que fica debaixo de Yggdrasil, a Árvore da Vida. De acordo com a história, qualquer um que seja capaz de beber deste chifre terá vida eterna e abundância material. Para vocês terem uma idéia de como este conhecimento é valioso, de acordo com a lenda, Odin sacrificou um de seus olhos em troca da oportunidade de beber destas águas (a razão pela qual Odin sempre é retratado com um tapa-olhos nas imagens nórdicas).
Este chifre acaba se tornando a posse de maior valor de Heimdall, o guardião da Ponte do Arco-Íris que liga Aasgard à Terra (que simbolicamente representa o caminho de Tav na Kabbalah, unindo Yesod a Malkuth, com todas as simbologias associadas a este caminho). O Gjallahorn é a trombeta que será tocada no dia do Juízo Final para anunciar o Ragnarok.
O Caldeirão de CerridwenO
Caldeirão de Cerridwen era um caldeirão enorme, de ferro e extremamente útil para exércitos: conta-se que, por estar intimamente ligado com o Reino dos Mortos, quando guerreiros mortos em combate eram colocados em suas águas mornas eles retornavam á vida, porém perdiam a capacidade de falar. Estes guerreiros podiam voltar para o campo de batalha até serem mortos novamente, quando não mais poderiam retornar ao mundo dos vivos. Minha opinião pessoal (e não embasada por nenhum livro, que eu saiba) é que esta lenda retrata algum tipo de iniciação semelhante ao Taubólio romano, nas quais os soldados mais indicados para a iniciação aos mistérios passavam por uma morte simbólica no sangue do touro e renasciam abençoados por Hades. O silêncio tem paralelos muito marcantes com os votos de silêncio templários, o voto de Harpocrates e outros votos também realizados pelos que passavam pelo “batismo de sangue”, mas estou começando a entrar em áreas que não posso comentar aqui…
O Caldeirão de Dagda
O deus supremo do panteão celta é chamado de Dagda (esposo da deusa da natureza e prosperidade, Danu). O Dagda é uma figura paternal, protetor da tribo e o deus “básico” do qual outros deuses masculinos podem ser considerados variantes. Também associado com Cernunnos e outros deuses “chifrudos” tanto do panteão celta quanto do panteão grego. Os Contos irlandeses descrevem Dagda como uma figura de força imensa, armado de uma clava e associado a um caldeirão (o Caldeirão de Sangue, que continha diversas propriedades mágicas).
E adivinhem o que este caldeirão fazia?
O Caldeirão de Dagda estava sempre cheio de sopa, vegetais e frutas, providenciando abundância e alimentos para todos a seu redor, sem nunca se esgotar. Poderia servir a toda uma tribo durante um banquete e nunca estaria vazio. O Caldeirão de Dagda é considerado um dos quatro tesouros da Irlanda (os outros são a Espada de Nuada, a Lança de Lugh e a Pedra de Fal). Note que, mais uma vez, fazem-se referências aos quatro elementos da Alquimia e aos quatro naipes do Tarot, quase seiscentos anos antes do tarot aparecer “oficialmente” na forma de cartas. Mas falarei sobre isso depois que acabar esta série sobre o Rei Arthur.
O Mabinogion
Nas lendas posteriores, o Caldeirão de Cerridwen passa a ter sua localização nos Reinos Subterrâneos, mas mantém suas propriedades de sabedoria, vidência e prosperidade, culminando no famoso poema “The Spoils of Annwn”, onde o conhecemos como o “Caldeirão do rei Odgar”. Este caldeirão mágico é roubado do rei Odgar pelo Rei Arthur e seus homens, no poema “Culhwch and Owen” (onde estavam os celtas quando distribuíram as vogais?).
Neste poema, temos o primeiro contato com uma “jornada aos reinos Subterrâneos” em busca de um “Caldeirão Mágico”. O caldeirão é, então, levado por Arthur para a casa de Llwydeu, filho da deusa Rhiannon. Até ai tudo bem, mas Rhiannon é outro nome para Epona, “A Grande e Divina Rainha”, que se torna, então, proprietária do tal caldeirão mágico (que em algumas pinturas é retratado como uma espécie de vasilha rasa usada para oferecer comida aos deuses, a já mencionada patera). A mesma deusa Epona dos chifres mágicos, etc, etc etc.
Estas histórias acabam entrando em uma coletânea de livros galeses, que se tornaram famosas a partir do século XIII e traçam as bases das lendas mais conhecidas do rei Arthur.A Jornada ao Reino Subterrâneo eu já descrevi em colunas anteriores, quando falei sobre Yesod e o Reino dos Mortos simbólico.
O Caldeirão e o Sangreal
A partir das cruzadas e dos Templários agindo mais abertamente, algumas destas lendas acabaram sendo recontadas sob o ponto de vista dos cavaleiros e dos cátaros, os protetores da linhagem Sagrada, que aproximaram as narrativas a respeito do Graal.Para entender a próxima etapa, recomendo a leitura dos seguintes textos, na seguinte ordem:
- Perceval, de Chrétien de Troyes
- Lancelot ou le chevalier de la charrette, versos de Chrétien de Troyes
- Yvain ou le chevalier au lion, versos de Chrétien de Troyes
- Perceval ou le Conte du Graal, versos de Chrétien de Troyes
- Parzival, de Wolfram von Eschenbach
- Joseph d’Arimathie de Robert de Boro
- La Mort D´Arthur, de Thomas Malory
Eles foram publicados em um espaço de tempo relativamente curto e formataram a lenda do Rei Arthur e da Távola Redonda tal qual a conhecemos hoje. Sei que, como os 4 elementos da narrativa fluem juntos (o Graal, Excalibur, o Cajado de Merlin/Lança do rei Pecador e a Távola Redonda/Cavaleiros), talvez algumas partes deste texto ainda vão gerar dúvidas. Eu recomendo a vocês relerem cada matéria novamente antes de avançar para as próximas, e tudo vai fazer mais e mais sentido a cada novo elemento, ok?
Perceval ou Lê Conte du Graal
Nesta série de poemas, estamos finalmente dando uma forma para o Graal, da maneira como ele é mais conhecido pelo público leigo: A forma de um cálice ou, mais precisamente, o Cálice usado na Santa Ceia.
Perceval ou le Conte du Graal (Perceval, o Conto do Graal) é um romance inacabado de Chrétien de Troyes escrito provavelmente entre 1181 e 1191, dedicado ao patrono do escritor, Filipe da Alsácia, conde de Flandres e cavaleiro Templário. Chrétien havia trabalhado na obra a partir de escrituras iniciáticas fornecidas por Filipe e relata as aventuras do jovem cavaleiro Perceval.
O poema é iniciado com o jovem Perceval encontrando cavaleiros e percebendo que também gostaria de ser um. Sua mãe o havia criado fora dos domínios da civilização, nas florestas do País de Gales, desde a morte de seu pai. A contragosto de sua mãe, o garoto parte para a corte do Rei Artur, onde uma garota prevê grandes conquistas na vida dele. Ele é caçoado por Kay, mas torna-se cavaleiro e parte para aventuras. Perceval salva e apaixona-se pela jovem princesa Brancaflor, e treina com o experiente Gornemant.
Em um momento de sua vida conhece o Rei Pescador, que convida Perceval a permanecer em seu castelo. Enquanto estava lá, o cavaleiro presenciou uma procissão em que jovens carregam objetos magníficos entre cômodos, passando por ele em cada fase do evento. Primeiro aparece um jovem carregando uma lança coberta por sangue, e depois dois jovens carregando candelabros. Por fim, uma jovem aparece trazendo consigo um decorado cálice (o Graal). O objeto contém uma alimento que miraculosamente sustém o pai ferido do Rei Pescador.Tendo sido aconselhado para tal, o jovem cavaleiro permanece em silêncio durante todo a cerimônia, apesar de não entender seu significado. No dia seguinte, ele volta para a corte do Rei Artur.
Antes de se manifestar no local, uma dama furiosa com trejeitos celtas entra na corte e clama a falha de Perceval em perguntar sobre o Graal, já que a pergunta apropriada curaria o Rei Ferido. Ela então anuncia que os Cavaleiros da Távola Redonda já haviam se prontificado a buscar o Cálice.E o poema termina ai, sem um final…
O Rei Pescador aparece originalmente neste poema. Nem sua ferida nem a ferida de seu pai são explicadas, mas Perceval descobre posteriormente que os reis seriam curados se ele perguntasse sobre o Graal. Percival descobre que ele próprio é da linhagem dos Reis do Graal através de sua mãe, que é filha do rei ferido. Entetanto, o poema é terminado antes que Perceval retornasse ao castelo do Graal.A associação entre “Pescador” e “Pecador” (no original Pêcheur e Pécheur respectivamente) é proposital, pois faz diversas associações entre o símbolo do Pescador, da linhagem de Yeshua e sua associação com a multiplicação dos peixes e com os apóstolos “pescadores” em diversas passagens do Novo Testamento.
Chrétien não chegou a usar o adjetivo “sagrado” para o Graal, assumindo que sua audiência (templária) já estaria familiarizada como o termo. Neste poema, Chrétien deixava implícito que havia uma dinastia descendente direta de Jesus, isso mais de 700 anos antes do Dan Brown!
Associação direta do Graal ao Sangue de Jesus
O próximo trabalho sobre o tema “Linhagem Sagrada” foi apresentado no poema Joseph d’Arimathie, de Robert de Boron, o primeiro a associar diretamente o Graal a Jesus Cristo. Nesta obra, o “Pescador Rico” chama-se Bron, e ele é dito ser cunhado de José de Arimatéia, que havia usado o Graal para armazenar o sangue de Cristo antes de o deitar na tumba. José então encontra uma comunidade religiosa que viaja para a Bretanha, confiando o Graal à Bron (falarei sobre a relação entre José de Arimatéia, ou Yossef Rama-Teo e Merlin na próxima coluna).
Segundo a lenda, José de Arimatéia teria recolhido no Cálice usado na Última Ceia (o Cálice Sagrado), o sangue que jorrou de Cristo quando ele recebeu o golpe de misericórdia, dado pelo soldado romano Longinus, usando uma lança, depois da crucificação. Boron conta ainda que, certa noite, José é ferido na coxa por uma lança (perceba também, sempre presente, as referências às lanças, símbolos do fogo, tanto nas histórias de Jesus como de Arthur). Em outra versão, a ferida é nos genitais e a razão seria a quebra do voto de castidade (este fato mais tarde dará origem ao desenvolvimento literário do affair entre Lancelot e Guinevere, que precisa ainda ser mais detalhado).
Somente uma única vez Boron chama a taça de Graal (ou SanGreal). Em um inciso, ele deduz que o artefato já tinha uma história e um nome antes de ser usado por Jesus: “eu não ouso contar, nem referir, nem poderia fazê-lo (…) as coisas ditas e feitas pelos grandes sábios. Naquele tempo foram escritas as razões secretas pelas quais o Graal foi designado por este nome”.
Em outra versão do poema, teria sido a própria Maria Madalena, segundo a Bíblia a única mulher além de Maria (a mãe de Jesus) presente na crucificação de Jesus, que teria ficado com a guarda do cálice e o teria levado para a França, onde passou o resto de sua vida, dando origem à já conhecida “linhagem Sagrada”.
O cavaleiro e escritor Wolfram von Eschenbach baseia-se na história de Chrétien e a expande em seu épico Parzival. Ele re-interpreta a natureza do Graal e a comunidade que o cerca, nomeando os personagens, algo que Chrétien não havia feito; o rei pai é chamado de “Titurel” e o rei filho de “Anfortas”.
Sarras e São Corentin
Outro aspecto muito importante a respeito do Santo Graal é Sarras, a cidade mítica para onde o Graal é levado ao término do poema. Sarras é a “Cidade nos confins do Egito, onde está armazenada toda a sabedoria antiga”, que está associada às terras bíblicas de Seir. Porém, ao analisarmos o nome do rei de Sarras, Sir (Es)corant, chegamos a um personagem muito importante do século VI, chamado São Corentin.
Corentin, ou Corenti em alguns textos, foi um monge da Cornualha cujo monastério ficava justamente na península de Sarzeu Uma das lendas a respeito de Corentin é a de que ele teria vivido durante um período na floresta sendo alimentado apenas por um peixe. Ele comia um pedaço do peixe e, no dia seguinte, o peixe estava vivo e inteiro novamente. É muito simples perceber a associação entre Sarras/Sarzeu, Es-Corant/St Corentin e o rei pescador/monge pescador neste poema.
O Graal-pedra
Em “Parzifal”, o cavaleiro alemão Wolfram Von Eschenbach coloca na mão dos Templários a guarda do Graal que não é uma taça, mas sim uma pedra: o poema fala sobre uma gema verde esmeralda.
Ela trazia o desejo do Paraíso: era objeto que se chamava o Graal! (Parzifal)
Para Eschenbach, o Graal era realmente uma pedra preciosa, pedra de luz trazida do céu pelos anjos. Ele imprime ao nome do Graal uma estreita dependência com as força cósmicas. A pedra é chamada Exillis ou Lapis exillis, Lapis ex coelis, que significa “pedra caída do céu”.
É a referência à esmeralda na testa de Lúcifer, que representava seu Terceiro Olho. Quando Lúcifer, o anjo de Luz, se rebelou e desceu aos mundos inferiores, a esmeralda partiu-se pois sua visão passou a ser prejudicada. Uma dos três pedaços ficou em sua testa, dando-lhe a visão deformada, que foi a única coisa que lhe restou. Outro pedaço caiu ou foi trazido à Terra pelos anjos que permaneceram neutros durante a rebelião. Mais tarde, o Santo Graal teria sido escavado neste pedaço.
Façamos agora uma comparação entre o Graal-pedra de Eschenbach com a não menos mítica Pedra Filosofal, que transformava metais comuns em ouro, homens em reis, iniciados em adeptos; matéria e transmutação, seres humanos e sua transformação. O alemão têm como modelo de fiéis depositários do cálice sagrado os Cavaleiros Templários (de novo!).
Seria Wolfran von Eschenbach um Templário? Certamente que sim. Era a época em que Felipe de Plessiez estava à frente da ordem quase centenária. O próprio fato de ser a pedra uma esmeralda se relaciona com a cavalaria. Os cavaleiros em demanda usavam sobre sua armadura a cor verde, sinônimo de vitalidade e esperança. Malcom Godwin, escritor rosacruz, refere-se a Parzifal da seguinte maneira: “Muitos comentadores argumentaram que a história de Parzifal contém, de modo oculto, uma descrição astrológica e alquímica sobre como um indivíduo é transformado de corpo grosseiro em formas mais e mais elevadas”.
Nesta obra, que é um retrato da Idade Média – feito por quem sabia muito bem sobre o que estava falando – reconhece-se uma verdadeira ordem de cavalaria feminina, na qual se vê Esclarmunda, a virgem guerreira cátara, trazendo o Santo Graal, precedida de 25 cavaleiros segurando tochas, facas de prata e uma mesa talhada em uma esmeralda (mais para a frente, voltarei a este assunto quando for falar de Joana D´Arc).
Na descrição do autor da cena de Parzifal no castelo do rei-pescador (que, assim como Jesus, saciara a fome de muitas pessoas multiplicando um só peixe) lemos:
“Em seguida apareceram duas brancas virgens, a condessa de Tenabroc e uma companheira, trazendo dois candelabros de ouro; depois uma duquesa e uma companheira, trazendo dois pedestais de marfim; essas quatro primeiras usavam vestidos de escarlate castanho; vieram então quatro damas vestidas de veludo verde, trazendo grandes tochas, em seguida outras quatro vestidas de verde (…). “Em seguida vieram as duas princesas precedidas por quatro inocentes donzelas; traziam duas facas de prata sobre uma toalha. Enfim apareceram seis senhoritas, trazendo seis copos diáfanos cheios de bálsamo que produzia uma bela chama, precedendo a Rainha Despontar de Alegria; esta usava um diadema, e trazia sobre uma almofada de achmardi verde (uma esmeralda) o Graal, ‘superior a qualquer ideal terrestre’”.
As histórias que fazem parte do chamado “ciclo do Graal” foram redigidas de 1180 até 1230, o que nos inclina a relacioná-las com a repressão sangrenta da heresia cátara (mas terei de fazer um post paralelo só sobre a Cruzada contra os Cátaros para explicar como tudo isto está intimamente relacionado).
Conta-se que durante o assalto das tropas do rei Filipe II de França à fortaleza de Montsegur, apareceu no alto da muralha uma figura coberta por uma armadura branca que fez os soldados recuarem, temendo ser um guardião do Graal. Alguns historiadores admitem que, prevendo a derrota, os cátaros emparedaram o Graal em algum dos muros dos numerosos subterrâneos de Montsegur e lá ele estaria até hoje.
A “Mesa de Esmeralda” evocada pelas histórias de fundo cátaro relacionam-se de maneira óbvia com outra “mesa”: a Tábua de Esmeralda atribuída a Hermes Trimegistos. A partir daí o Graal-pedra cede lugar ao Graal-livro.
O Graal-livro
O Graal-taça é tido como um episódio místico e o Graal-pedra como a matéria do conhecimento cristalizado em uma substância. Já o Graal-livro é a própria tradição primordial, a mensagem escrita. Em “José de Arimatéia”, Robert de Boron diz que “Jesus Cristo ensinou a José de Arimatéia as palavras secretas que ninguém pode contar nem escrever sem ter lido o Grande Livro no qual elas estão consignadas, as palavras que são pronunciadas no momento da consagração do Graal”. De fato, em “Le Grand Graal”, continuação da obra de Boron por um autor anônimo, o Graal é associado – ou realmente é – um livro escrito de próprio punho por Jesus, o qual a leitura só pode entender – ou iluminar – quem está nas graças de Deus. E por conta disso temos uma noção de que “segredos Templários” o Vaticano estaria atrás todo este tempo.
“As verdades de fé que este contém não podem ser pronunciadas por língua mortal sem que os quatro elementos sejam agitados. Se isso acontecesse realmente, os céus diluviariam, o ar tremeria, a terra afundaria e a água mudaria de cor”.
Olá, Crianças
Na Semana anterior começamos finalmente uma das séries mais empolgantes aqui no Teoria da Conspiração: Os Mitos do Rei Arthur e suas relações com a Mitologia, o Ocultismo, a Alquimia e com os Cavaleiros Templários.Semana passada falamos sobre Excalibur e o simbolismo da Espada dentro da Alquimia e ocultismo, bem como das origens de uma das mais famosas armas mágicas de todos os tempos. Esta semana, nos aventuraremos na origem e significado do Cálice Sagrado.
Enquanto isso, confiram o resultado do I Concurso Teoria da Conspiração, com as imagens vencedoras.
A Cornucópia
Um dos amuletos mais comuns e conhecidos no mundo são os pedaços de chifres e cornos (ou metais e corais moldados à forma de um chifre). Este amuleto é também chamado de Cornucópia de Amaltea e sua origem data das celebrações gregas.
E quem era Amaltea?
Amaltea era uma cabra descendente do Sol que vivia numa gruta no monte Ida, em Creta. Ou segundo outras fontes, era uma ninfa, filha de Meliseo, que alimentou Zeus com o leite de uma cabra.
Segundo as lendas, quando Zeus era pequeno e estava escondido de seu pai, Saturno (Chronos) e era tratado por Amaltea, num ataque de ira, o deus menino agarrou com força o corno da cabra, puxou-o e arrancou-o, produzindo uma enorme dor à sua cuidadora. Quando Zeus ficou adulto, ele concedeu ao chifre arrancado o dom da abundância; a partir desse momento o chifre estaria sempre cheio de alimentos e bens que o seu dono possa desejar.
Quando Amaltea morreu, foi levada a Zeus, que a transformou na constelação de Capricórnio. O chifre ficou conhecido como “a cornucópia” ou “o corno da abundância”. Desta maneira, ao mesmo tempo, este símbolo representava o poder fálico dos deuses criadores e o ventre gerador da vida feminino. Traçando um paralelo com a Kabbalah hermética, temos o Caminho de Daleth, entre Hochma e Binah.
Cornu Copiae
Já na mitologia romana, a cornucópia deriva do latim “Cornu copiae”. A cornucópia ou corno da abundância é um dos cornos do deus-rio Aqueloo, metamorfoseado em touro, que lhe foi arrancado por Hércules, quando lutava contra ele.
Segundo outros textos romanos, a lenda segue a original grega: é um chifre da cabra com cujo leite, a ninfa Amaltea, amamentou Júpiter na sua infância, quando se escondeu de seu pai, Saturno, para que este não o devorasse. Diz-se que Júpiter arrancou o corno à cabra enquanto brincava, e ofereceu-o a Amaltea, asseguran-do-lhe que o corno se encheria de frutos cada vez que ela o desejasse. A cornucópia é um atributo muito mostrado nas moedas romanas, nas mãos de divindades benéficas, como Ceres e Cibeles, ou de alegorias como a Abundância e a Fortuna.
Como curiosidade, a cornucópia é usada atualmente como símbolo do Mestre de Banquetes em algumas ordens cavaleirescas e na maçonaria.
O Chifre de Epona e o Unicórnio
Entre os povos gauleses, a principal divindade relacionada com os equídeos é a deusa gaulesa, ou melhor, galo-romana, chamada Epona (ou Epona Regina), cujo nome deriva do gaulês epo, que significa cavalo. O seu culto difundiu-se até à Bretanha e ao leste da Europa, especialmente na região de Borgonha. Na Península Ibérica foram documenta dos alguns vestígios epigráficos que testemunham o seu culto.
Epona possui diversas referências e numerosas imagens da deusa, geralmente montada sobre um cavalo. A deusa era representada muitas vezes com uma série de atributos, como a cornucópia ou a patera (espécie de bacia de cerâmica onde eram feitas as oferendas, semelhante a um caldeirão raso), que a relacionam com a abundância e a prosperidade. Também estava vinculada com as fontes e ao mundo espiritual.
Da fusão destas duas características da mesma deusa surgem os primeiros relatos medievais de uma criatura encantada que vocês já devem estar imaginando quem seja: o Unicórnio. O Cavalo Branco, símbolo sagrado para a Deusa Epona, associado ao chifre mágico que tudo produz. Claro que esta criatura não existe no Plano Físico, embora muitos picaretas ao longo dos milênios tenham tentado forjar unicórnios com esqueletos de cavalos e narvais, além de rinocerontes e de uma criatura particular chamada Orix.
Até então, o Unicórnio estava associado a um BOI de um único chifre, não a um cavalo. Na Bíblia, em Números 23:22 e no Deuteronômio 33:17, é citado o unicórnio como um animal de força extraordinária. Nos ritos antigos, era costume cortar um dos chifres do maior e mais viril touro do rebanho para ser usado como taça cerimonial para beber o vinho sagrado ao final dos rituais egípcios, junto com o Pão (e qualquer semelhança com a Santa Ceia e o Cálice Sagrado NÃO é mera coincidência!).
O Touro, agora considerado sagrado, era chamado de Uni-corno. Somente com os gauleses e com Epona esta associação passou a ser feita com cavalos. Uma curiosidade é que durante todo este tempo, na história grega, o unicórnio não aparecia em textos de Mitologia, mas sim em textos de biologia, pois os gregos estavam convencidos de que era uma criatura real.
E desta relação surgem as lendas a respeito da pureza necessária para se tocar o chifre de um unicórnio. Embora o primeiro escritor a descrever que “somente uma virgem poderia cavalgar um unicórnio” foi o Grão Mestre Leonardo DaVinci, em suas anotações datadas de 1470, para o quadro “Jovem sentada com unicórnio”.
Mimisbrunnr
Um dos chifres que também é famoso na mitologia é o Gjallarhorn, narrado nas Prosas Eddas do século XIII, que originalmente é o chifre usado por Odin para beber a água da sabedoria da fonte que fica debaixo de Yggdrasil, a Árvore da Vida. De acordo com a história, qualquer um que seja capaz de beber deste chifre terá vida eterna e abundância material. Para vocês terem uma idéia de como este conhecimento é valioso, de acordo com a lenda, Odin sacrificou um de seus olhos em troca da oportunidade de beber destas águas (a razão pela qual Odin sempre é retratado com um tapa-olhos nas imagens nórdicas).
Este chifre acaba se tornando a posse de maior valor de Heimdall, o guardião da Ponte do Arco-Íris que liga Aasgard à Terra (que simbolicamente representa o caminho de Tav na Kabbalah, unindo Yesod a Malkuth, com todas as simbologias associadas a este caminho). O Gjallahorn é a trombeta que será tocada no dia do Juízo Final para anunciar o Ragnarok.
O Caldeirão de CerridwenO
Caldeirão de Cerridwen era um caldeirão enorme, de ferro e extremamente útil para exércitos: conta-se que, por estar intimamente ligado com o Reino dos Mortos, quando guerreiros mortos em combate eram colocados em suas águas mornas eles retornavam á vida, porém perdiam a capacidade de falar. Estes guerreiros podiam voltar para o campo de batalha até serem mortos novamente, quando não mais poderiam retornar ao mundo dos vivos. Minha opinião pessoal (e não embasada por nenhum livro, que eu saiba) é que esta lenda retrata algum tipo de iniciação semelhante ao Taubólio romano, nas quais os soldados mais indicados para a iniciação aos mistérios passavam por uma morte simbólica no sangue do touro e renasciam abençoados por Hades. O silêncio tem paralelos muito marcantes com os votos de silêncio templários, o voto de Harpocrates e outros votos também realizados pelos que passavam pelo “batismo de sangue”, mas estou começando a entrar em áreas que não posso comentar aqui…
O Caldeirão de Dagda
O deus supremo do panteão celta é chamado de Dagda (esposo da deusa da natureza e prosperidade, Danu). O Dagda é uma figura paternal, protetor da tribo e o deus “básico” do qual outros deuses masculinos podem ser considerados variantes. Também associado com Cernunnos e outros deuses “chifrudos” tanto do panteão celta quanto do panteão grego. Os Contos irlandeses descrevem Dagda como uma figura de força imensa, armado de uma clava e associado a um caldeirão (o Caldeirão de Sangue, que continha diversas propriedades mágicas).
E adivinhem o que este caldeirão fazia?
O Caldeirão de Dagda estava sempre cheio de sopa, vegetais e frutas, providenciando abundância e alimentos para todos a seu redor, sem nunca se esgotar. Poderia servir a toda uma tribo durante um banquete e nunca estaria vazio. O Caldeirão de Dagda é considerado um dos quatro tesouros da Irlanda (os outros são a Espada de Nuada, a Lança de Lugh e a Pedra de Fal). Note que, mais uma vez, fazem-se referências aos quatro elementos da Alquimia e aos quatro naipes do Tarot, quase seiscentos anos antes do tarot aparecer “oficialmente” na forma de cartas. Mas falarei sobre isso depois que acabar esta série sobre o Rei Arthur.
O Mabinogion
Nas lendas posteriores, o Caldeirão de Cerridwen passa a ter sua localização nos Reinos Subterrâneos, mas mantém suas propriedades de sabedoria, vidência e prosperidade, culminando no famoso poema “The Spoils of Annwn”, onde o conhecemos como o “Caldeirão do rei Odgar”. Este caldeirão mágico é roubado do rei Odgar pelo Rei Arthur e seus homens, no poema “Culhwch and Owen” (onde estavam os celtas quando distribuíram as vogais?).
Neste poema, temos o primeiro contato com uma “jornada aos reinos Subterrâneos” em busca de um “Caldeirão Mágico”. O caldeirão é, então, levado por Arthur para a casa de Llwydeu, filho da deusa Rhiannon. Até ai tudo bem, mas Rhiannon é outro nome para Epona, “A Grande e Divina Rainha”, que se torna, então, proprietária do tal caldeirão mágico (que em algumas pinturas é retratado como uma espécie de vasilha rasa usada para oferecer comida aos deuses, a já mencionada patera). A mesma deusa Epona dos chifres mágicos, etc, etc etc.
Estas histórias acabam entrando em uma coletânea de livros galeses, que se tornaram famosas a partir do século XIII e traçam as bases das lendas mais conhecidas do rei Arthur.A Jornada ao Reino Subterrâneo eu já descrevi em colunas anteriores, quando falei sobre Yesod e o Reino dos Mortos simbólico.
O Caldeirão e o Sangreal
A partir das cruzadas e dos Templários agindo mais abertamente, algumas destas lendas acabaram sendo recontadas sob o ponto de vista dos cavaleiros e dos cátaros, os protetores da linhagem Sagrada, que aproximaram as narrativas a respeito do Graal.Para entender a próxima etapa, recomendo a leitura dos seguintes textos, na seguinte ordem:
- Perceval, de Chrétien de Troyes
- Lancelot ou le chevalier de la charrette, versos de Chrétien de Troyes
- Yvain ou le chevalier au lion, versos de Chrétien de Troyes
- Perceval ou le Conte du Graal, versos de Chrétien de Troyes
- Parzival, de Wolfram von Eschenbach
- Joseph d’Arimathie de Robert de Boro
- La Mort D´Arthur, de Thomas Malory
Eles foram publicados em um espaço de tempo relativamente curto e formataram a lenda do Rei Arthur e da Távola Redonda tal qual a conhecemos hoje. Sei que, como os 4 elementos da narrativa fluem juntos (o Graal, Excalibur, o Cajado de Merlin/Lança do rei Pecador e a Távola Redonda/Cavaleiros), talvez algumas partes deste texto ainda vão gerar dúvidas. Eu recomendo a vocês relerem cada matéria novamente antes de avançar para as próximas, e tudo vai fazer mais e mais sentido a cada novo elemento, ok?
Perceval ou Lê Conte du Graal
Nesta série de poemas, estamos finalmente dando uma forma para o Graal, da maneira como ele é mais conhecido pelo público leigo: A forma de um cálice ou, mais precisamente, o Cálice usado na Santa Ceia.
Perceval ou le Conte du Graal (Perceval, o Conto do Graal) é um romance inacabado de Chrétien de Troyes escrito provavelmente entre 1181 e 1191, dedicado ao patrono do escritor, Filipe da Alsácia, conde de Flandres e cavaleiro Templário. Chrétien havia trabalhado na obra a partir de escrituras iniciáticas fornecidas por Filipe e relata as aventuras do jovem cavaleiro Perceval.
O poema é iniciado com o jovem Perceval encontrando cavaleiros e percebendo que também gostaria de ser um. Sua mãe o havia criado fora dos domínios da civilização, nas florestas do País de Gales, desde a morte de seu pai. A contragosto de sua mãe, o garoto parte para a corte do Rei Artur, onde uma garota prevê grandes conquistas na vida dele. Ele é caçoado por Kay, mas torna-se cavaleiro e parte para aventuras. Perceval salva e apaixona-se pela jovem princesa Brancaflor, e treina com o experiente Gornemant.
Em um momento de sua vida conhece o Rei Pescador, que convida Perceval a permanecer em seu castelo. Enquanto estava lá, o cavaleiro presenciou uma procissão em que jovens carregam objetos magníficos entre cômodos, passando por ele em cada fase do evento. Primeiro aparece um jovem carregando uma lança coberta por sangue, e depois dois jovens carregando candelabros. Por fim, uma jovem aparece trazendo consigo um decorado cálice (o Graal). O objeto contém uma alimento que miraculosamente sustém o pai ferido do Rei Pescador.Tendo sido aconselhado para tal, o jovem cavaleiro permanece em silêncio durante todo a cerimônia, apesar de não entender seu significado. No dia seguinte, ele volta para a corte do Rei Artur.
Antes de se manifestar no local, uma dama furiosa com trejeitos celtas entra na corte e clama a falha de Perceval em perguntar sobre o Graal, já que a pergunta apropriada curaria o Rei Ferido. Ela então anuncia que os Cavaleiros da Távola Redonda já haviam se prontificado a buscar o Cálice.E o poema termina ai, sem um final…
O Rei Pescador aparece originalmente neste poema. Nem sua ferida nem a ferida de seu pai são explicadas, mas Perceval descobre posteriormente que os reis seriam curados se ele perguntasse sobre o Graal. Percival descobre que ele próprio é da linhagem dos Reis do Graal através de sua mãe, que é filha do rei ferido. Entetanto, o poema é terminado antes que Perceval retornasse ao castelo do Graal.A associação entre “Pescador” e “Pecador” (no original Pêcheur e Pécheur respectivamente) é proposital, pois faz diversas associações entre o símbolo do Pescador, da linhagem de Yeshua e sua associação com a multiplicação dos peixes e com os apóstolos “pescadores” em diversas passagens do Novo Testamento.
Chrétien não chegou a usar o adjetivo “sagrado” para o Graal, assumindo que sua audiência (templária) já estaria familiarizada como o termo. Neste poema, Chrétien deixava implícito que havia uma dinastia descendente direta de Jesus, isso mais de 700 anos antes do Dan Brown!
Associação direta do Graal ao Sangue de Jesus
O próximo trabalho sobre o tema “Linhagem Sagrada” foi apresentado no poema Joseph d’Arimathie, de Robert de Boron, o primeiro a associar diretamente o Graal a Jesus Cristo. Nesta obra, o “Pescador Rico” chama-se Bron, e ele é dito ser cunhado de José de Arimatéia, que havia usado o Graal para armazenar o sangue de Cristo antes de o deitar na tumba. José então encontra uma comunidade religiosa que viaja para a Bretanha, confiando o Graal à Bron (falarei sobre a relação entre José de Arimatéia, ou Yossef Rama-Teo e Merlin na próxima coluna).
Segundo a lenda, José de Arimatéia teria recolhido no Cálice usado na Última Ceia (o Cálice Sagrado), o sangue que jorrou de Cristo quando ele recebeu o golpe de misericórdia, dado pelo soldado romano Longinus, usando uma lança, depois da crucificação. Boron conta ainda que, certa noite, José é ferido na coxa por uma lança (perceba também, sempre presente, as referências às lanças, símbolos do fogo, tanto nas histórias de Jesus como de Arthur). Em outra versão, a ferida é nos genitais e a razão seria a quebra do voto de castidade (este fato mais tarde dará origem ao desenvolvimento literário do affair entre Lancelot e Guinevere, que precisa ainda ser mais detalhado).
Somente uma única vez Boron chama a taça de Graal (ou SanGreal). Em um inciso, ele deduz que o artefato já tinha uma história e um nome antes de ser usado por Jesus: “eu não ouso contar, nem referir, nem poderia fazê-lo (…) as coisas ditas e feitas pelos grandes sábios. Naquele tempo foram escritas as razões secretas pelas quais o Graal foi designado por este nome”.
Em outra versão do poema, teria sido a própria Maria Madalena, segundo a Bíblia a única mulher além de Maria (a mãe de Jesus) presente na crucificação de Jesus, que teria ficado com a guarda do cálice e o teria levado para a França, onde passou o resto de sua vida, dando origem à já conhecida “linhagem Sagrada”.
O cavaleiro e escritor Wolfram von Eschenbach baseia-se na história de Chrétien e a expande em seu épico Parzival. Ele re-interpreta a natureza do Graal e a comunidade que o cerca, nomeando os personagens, algo que Chrétien não havia feito; o rei pai é chamado de “Titurel” e o rei filho de “Anfortas”.
Sarras e São Corentin
Outro aspecto muito importante a respeito do Santo Graal é Sarras, a cidade mítica para onde o Graal é levado ao término do poema. Sarras é a “Cidade nos confins do Egito, onde está armazenada toda a sabedoria antiga”, que está associada às terras bíblicas de Seir. Porém, ao analisarmos o nome do rei de Sarras, Sir (Es)corant, chegamos a um personagem muito importante do século VI, chamado São Corentin.
Corentin, ou Corenti em alguns textos, foi um monge da Cornualha cujo monastério ficava justamente na península de Sarzeu Uma das lendas a respeito de Corentin é a de que ele teria vivido durante um período na floresta sendo alimentado apenas por um peixe. Ele comia um pedaço do peixe e, no dia seguinte, o peixe estava vivo e inteiro novamente. É muito simples perceber a associação entre Sarras/Sarzeu, Es-Corant/St Corentin e o rei pescador/monge pescador neste poema.
O Graal-pedra
Em “Parzifal”, o cavaleiro alemão Wolfram Von Eschenbach coloca na mão dos Templários a guarda do Graal que não é uma taça, mas sim uma pedra: o poema fala sobre uma gema verde esmeralda.
Ela trazia o desejo do Paraíso: era objeto que se chamava o Graal! (Parzifal)
Para Eschenbach, o Graal era realmente uma pedra preciosa, pedra de luz trazida do céu pelos anjos. Ele imprime ao nome do Graal uma estreita dependência com as força cósmicas. A pedra é chamada Exillis ou Lapis exillis, Lapis ex coelis, que significa “pedra caída do céu”.
É a referência à esmeralda na testa de Lúcifer, que representava seu Terceiro Olho. Quando Lúcifer, o anjo de Luz, se rebelou e desceu aos mundos inferiores, a esmeralda partiu-se pois sua visão passou a ser prejudicada. Uma dos três pedaços ficou em sua testa, dando-lhe a visão deformada, que foi a única coisa que lhe restou. Outro pedaço caiu ou foi trazido à Terra pelos anjos que permaneceram neutros durante a rebelião. Mais tarde, o Santo Graal teria sido escavado neste pedaço.
Façamos agora uma comparação entre o Graal-pedra de Eschenbach com a não menos mítica Pedra Filosofal, que transformava metais comuns em ouro, homens em reis, iniciados em adeptos; matéria e transmutação, seres humanos e sua transformação. O alemão têm como modelo de fiéis depositários do cálice sagrado os Cavaleiros Templários (de novo!).
Seria Wolfran von Eschenbach um Templário? Certamente que sim. Era a época em que Felipe de Plessiez estava à frente da ordem quase centenária. O próprio fato de ser a pedra uma esmeralda se relaciona com a cavalaria. Os cavaleiros em demanda usavam sobre sua armadura a cor verde, sinônimo de vitalidade e esperança. Malcom Godwin, escritor rosacruz, refere-se a Parzifal da seguinte maneira: “Muitos comentadores argumentaram que a história de Parzifal contém, de modo oculto, uma descrição astrológica e alquímica sobre como um indivíduo é transformado de corpo grosseiro em formas mais e mais elevadas”.
Nesta obra, que é um retrato da Idade Média – feito por quem sabia muito bem sobre o que estava falando – reconhece-se uma verdadeira ordem de cavalaria feminina, na qual se vê Esclarmunda, a virgem guerreira cátara, trazendo o Santo Graal, precedida de 25 cavaleiros segurando tochas, facas de prata e uma mesa talhada em uma esmeralda (mais para a frente, voltarei a este assunto quando for falar de Joana D´Arc).
Na descrição do autor da cena de Parzifal no castelo do rei-pescador (que, assim como Jesus, saciara a fome de muitas pessoas multiplicando um só peixe) lemos:
“Em seguida apareceram duas brancas virgens, a condessa de Tenabroc e uma companheira, trazendo dois candelabros de ouro; depois uma duquesa e uma companheira, trazendo dois pedestais de marfim; essas quatro primeiras usavam vestidos de escarlate castanho; vieram então quatro damas vestidas de veludo verde, trazendo grandes tochas, em seguida outras quatro vestidas de verde (…). “Em seguida vieram as duas princesas precedidas por quatro inocentes donzelas; traziam duas facas de prata sobre uma toalha. Enfim apareceram seis senhoritas, trazendo seis copos diáfanos cheios de bálsamo que produzia uma bela chama, precedendo a Rainha Despontar de Alegria; esta usava um diadema, e trazia sobre uma almofada de achmardi verde (uma esmeralda) o Graal, ‘superior a qualquer ideal terrestre’”.
As histórias que fazem parte do chamado “ciclo do Graal” foram redigidas de 1180 até 1230, o que nos inclina a relacioná-las com a repressão sangrenta da heresia cátara (mas terei de fazer um post paralelo só sobre a Cruzada contra os Cátaros para explicar como tudo isto está intimamente relacionado).
Conta-se que durante o assalto das tropas do rei Filipe II de França à fortaleza de Montsegur, apareceu no alto da muralha uma figura coberta por uma armadura branca que fez os soldados recuarem, temendo ser um guardião do Graal. Alguns historiadores admitem que, prevendo a derrota, os cátaros emparedaram o Graal em algum dos muros dos numerosos subterrâneos de Montsegur e lá ele estaria até hoje.
A “Mesa de Esmeralda” evocada pelas histórias de fundo cátaro relacionam-se de maneira óbvia com outra “mesa”: a Tábua de Esmeralda atribuída a Hermes Trimegistos. A partir daí o Graal-pedra cede lugar ao Graal-livro.
O Graal-livro
O Graal-taça é tido como um episódio místico e o Graal-pedra como a matéria do conhecimento cristalizado em uma substância. Já o Graal-livro é a própria tradição primordial, a mensagem escrita. Em “José de Arimatéia”, Robert de Boron diz que “Jesus Cristo ensinou a José de Arimatéia as palavras secretas que ninguém pode contar nem escrever sem ter lido o Grande Livro no qual elas estão consignadas, as palavras que são pronunciadas no momento da consagração do Graal”. De fato, em “Le Grand Graal”, continuação da obra de Boron por um autor anônimo, o Graal é associado – ou realmente é – um livro escrito de próprio punho por Jesus, o qual a leitura só pode entender – ou iluminar – quem está nas graças de Deus. E por conta disso temos uma noção de que “segredos Templários” o Vaticano estaria atrás todo este tempo.
“As verdades de fé que este contém não podem ser pronunciadas por língua mortal sem que os quatro elementos sejam agitados. Se isso acontecesse realmente, os céus diluviariam, o ar tremeria, a terra afundaria e a água mudaria de cor”.
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