sábado, maio 31, 2008

ELIO GASPARI

O STF brilha, mas toga é coisa sóbria

Poucas vezes em sua história o Supremo Tribunal Federal viveu momentos de esplendor semelhantes aos dos julgamentos da constitucionalidade das pesquisas com células-tronco e da denúncia da quadrilha dos 40 do mensalão. Brilhou como instituição defensora das leis e, sobretudo, como uma Casa que extrai justiça e inteligência da controvérsia.
Exatamente por isso, seus juízes devem evitar programas de aceleração da notoriedade e de expansão de suas atribuições. Quando três ministros, acompanhados pelos holofotes, foram aos matagais de Roraima para estudar a questão da reserva indígena de Raposa Serra do Sol, houve um exagero cenográfico. Ministro do Supremo só deve fazer diligência sem bulha nem matinada.
No julgamento das células-tronco, o ministro Carlos Alberto Direito sugeriu que as pesquisas sejam autorizadas por “órgão federal integrado por equipe multidisciplinar” de diversos especialistas, inclusive de “outras áreas do saber, como o direito, a sociologia, a teologia, a ética e a matemática”.
Tudo bem que o ministro se aconselhe com doutores em teologia, mas um cidadão que compartilha muitos de seus valores, sem a graça de sua fé cristã, fica no direito de achar que ele teve um lampejo iraniano, associando decisões de pesquisas científicas à sabedoria de aiatolás.

quinta-feira, maio 29, 2008

Brasil se prepara para reforma ortográfica

DANIELA TÓFOLI
da Folha de S.Paulo

O fim do trema está decretado desde dezembro do ano passado. Os dois pontos que ficam em cima da letra u sobrevivem no corredor da morte à espera de seus algozes. Enquanto isso, continuam fazendo dos desatentos suas vítimas, que se esquecem de colocá-los em palavras como freqüente e lingüiça e, assim, perdem pontos em provas e concursos.
O Brasil começa a se preparar para a mudança ortográfica que, além do trema, acaba com os acentos de vôo, lêem, heróico e muitos outros. A nova ortografia também altera as regras do hífen e incorpora ao alfabeto as letras k, w e y. As alterações foram discutidas entre os oito países que usam a língua portuguesa --uma população estimada hoje em 230 milhões-- e têm como objetivo aproximar essas culturas.
Não há um dia marcado para que as mudanças ocorram --especialistas estimam que seja necessário um período de dois anos para a sociedade se acostumar. Mas a previsão é que a modificação comece em 2008.
O Ministério da Educação prepara a próxima licitação dos livros didáticos, que deve ocorrer em dezembro, pedindo a nova ortografia. "Esse edital, para os livros que serão usados em 2009, deve ser fechado com as novas regras", afirma o assessor especial do MEC, Carlos Alberto Xavier.
É pela sala de aula que a mudança deve mesmo começar, afirma o embaixador Lauro Moreira, representante brasileiro na CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). "Não tenho dúvida de que, quando a nova ortografia chegar às escolas, toda a sociedade se adequará. Levará um tempo para que as pessoas se acostumem com a nova grafia, como ocorreu com a reforma ortográfica de 1971, mas ela entrará em vigor aos poucos."

quarta-feira, maio 28, 2008

A relação entre Apolíneo e Dionisíaco em Nietzsche

Cristina G. Machado de Oliveira

Nietzsche resolveu estabelecer uma distinção entre o Apolíneo e o Dionisíaco, pois “A tragédia grega” depois de ter atingido sua perfeição pela reconciliação da “embriaguez e da forma”, de Dionísio e Apolo, começou a declinar quando, aos poucos, foi invadida pelo racionalismo. Desse modo, publicou a obra “O nascimento da tragédia” onde estabelece a dualidade dos dois princípios, visando uma síntese. Essa obra vai representar a união desses dois elementos, onde Nietzsche vai encontrar a unidade. Apolo não é o contrário de Dionísio, mas sim uma unidade, onde um é uma parte distinta do outro. Ele concebe de maneira bem diversa a natureza e o destino helênicos. Não vê aí uma harmonia mas um complexo contínuo de luta, distingue no gênio grego estes dois elementos : o espírito apolíneo e o espírito dionisíaco.
Distinguindo-os mitologicamente, temos: Apolo, para os gregos, como sendo o “Deus brilhante da claridade do dia, revelava-se no Sol. Zeus, seu pai, era o Céu de onde nos vem a luz, e sua mãe, Latona, personificava a Noite de onde nasce a Aurora, anunciadora do soberano senhor das horas douradas do dia.(...) Apolo, soberano da luz, era o Deus cujo raio fazia aparecer e desaparecer as flores, queimava ou aquecia a Terra, era considerado como o pai do entusiasmo, da Música e da Poesia.(...) Deus da Música e da Lira, Apolo tornou-se, como conseqüência natural, o Deus da Dança, da Poesia e da Inspiração.” (“Nova Mitologia Clássica”, p.31 e 38).
E como Heráclito de Éfeso já afirmara (fr.51) que “a harmonia é resultante da tensão entre contrários, como a do arco e lira”, Apolo foi o grande harmonizador dos contrários, por ele assumidos e integrados num aspecto novo. A serenidade apolínea torna-se, para o homem grego, o emblema da perfeição espiritual e, portanto, do espírito.
Dionísio era o filho da união de Zeus com Sêmele, personificação da Terra em todo o esplendor primaveril da sua magnificência. “De um ponto de vista simbólico, o deus da mania e da orgia configura a ruptura das inibições, das repressões e dos recalques. Dionísio simboliza as forças obscuras que emergem do inconsciente, pois que se trata de uma divindade que preside à liberação provocada pela embriaguez, por todas as formas de embriaguez, a que se apossa dos que bebem, a que se apodera das multidões arrastadas pelo fascínio da dança e da música e até mesmo a embriaguez da loucura com que o deus pune aqueles que lhe desprezam o culto. Desse modo, Dionísio retrataria as forças de dissolução da personalidade: às forças caóticas e primordiais da vida, provocadas pela orgia e a submersão da consciência no magma do inconsciente.” ( “Mitologia Grega”, p. 140)
Nietzsche emprega uma linguagem simbólica e metafórica na apresentação de suas obras de arte. Ele se impregna do primitivo espírito grego, reconhecendo no devenir, no fluxo das coisas, a verdadeira dimensão dos fatos; a vida é um jogo constante atirada ao destino de suas forças. O pathos trágico se nutre do saber que tudo é uno. A vida e a morte são irmãs gêmeas arrastadas num ciclo misterioso. O caminho para o alto e o caminho para baixo, segundo se lê em Heráclito é o mesmo. O pathos trágico conhece Apolo e Dionísio como idênticos. Nietzsche descobre na tragédia grega a oposição da forma e da corrente amorfa. A esta oposição, Nietzsche chama oposição entre o Apolíneo e o Dionisíaco. Servindo-se ainda desta diferença, evolui seu pensamento e integra o apolíneo no dionisíaco. Assim, a verdadeira dimensão da realidade está num recriar, numa renovação constante; os valores estão em jogo permanente, os valores estão sempre criando novos valores de acordo com a diversificação e a intensidade de sua força. Ora, não é outro o espírito da estética nietzschiana que se encontra centrada na embriaguez, isso é, na capacidade de se introduzir nos atos humanos mais acréscimos de força, mais movimentação, mais criatividade, pois é a vontade de potência que dá ao homem o sentido ativo da arte.
Desse modo, o que Nietzsche institui é a formação do apolíneo e do dionisíaco como princípios de natureza estética e inconscientes, porém, sem deixar de ter como base as suas origens mitológicas referidas anteriormente.
A relação entre Apolo e Dionísio será de criação, pois a incessante luta entre eles cria sempre coisas novas, por isso a identificação com a arte.
A arte vai ser a maneira pela qual o homem poderá ultrapassar o devir do cotidiano. Um dos meios para se ultrapassar os “obstáculos” do cotidiano é através da experiência apolínea, através do prazer e da eternidade. Sem a produção da bela aparência a vida se desqualifica, pois a bela aparência é uma verdade superior. Em suma, o apolíneo e o dionisíaco são apresentados como saídas estéticas. Nietzsche pensa a vida como devir e este como beleza, assim pode através do dualismo Apolo/Dionisíaco ultrapassar a realidade cotidiana.

terça-feira, maio 27, 2008

Esquerda, governo e poder na América do Sul

por Renato Pompeu

Em três décadas, a América do Sul passou de continente das ditaduras militares para o continente em que a esquerda está renascendo, tendo assumido o governo na Venezuela, Argentina, Chile, Uruguai, Bolívia e Equador. Três fatores têm caracterizado o atual ressurgimento da esquerda em escala sul-americana. De um lado, fatores étnicos; de outro lado, a verdadeira universalização do sufrágio eleitoral; finalmente, a exclusão em massa provocada pelas políticas neoliberais.
A vertente étnica: a recente onda de eleições de governos mais ou menos esquerdistas na América do Sul se tem dado em países como a Bolívia e o Equador, em que a identidade indígena permanece robusta e envolve grandes populações, apesar de séculos de dominação de etnias ibéricas. Ao contrário, por exemplo, do Brasil, onde os índios não passaram dos estágios iniciais de caça e coleta e agricultura de coivara, em vários outros países do continente, principalmente nas regiões andinas, os indígenas tinham alcançado alto estágio de civilização quando foram “descobertos” pelos europeus.
Assim, os povos andinos guardam até hoje as tradições de glórias de um passado milenar e as lembranças de submissão no passado recente à encomienda e à mita. A encomienda era um sistema pelo qual a coroa espanhola “concedia” um grupo de índios para um particular branco “cristianizar” em troca da cobrança de tributos em espécie; na prática, o particular branco evoluía para latifundiário, se tornava dono das terras e das produções indígenas, estes reduzidos a algo intermediário entre a escravidão e a servidão feudal.
A mita, no Império Inca, era o serviço público que todo habitante tinha de prestar alguns dias por ano na construção e manutenção de estradas e prédios oficiais; sob domínio espanhol, se tornou o trabalho forçado, praticamente permanente, nas minas de prata. Além disso, até tempos recentes, nos países hispano-americanos, índios livres e mestiços livres pagavam proporcionalmente impostos mais altos do que os brancos, e suas religiões e culturas, e até cultivos, como o da coca, sofriam diferentes graus de restrição.
A independência política de quase todos os países sul-americanos no início do século 19 (com exceção das Guianas Inglesa e Holandesa, que se tornaram independentes só na segunda metade do século 20, com os nomes de Guiana e Suriname, e da Guiana Francesa, até hoje ligada à França) não trouxe alterações no quadro básico de exploração por uma elite branca de uma maioria de indígenas e mestiços, com exceção da Argentina, Chile e Uruguai, onde a maciça imigração européia tornou os indígenas minorias extremamente pequenas; na Argentina, a grande proporção de mestiços (cabecitas negras) se tornou europeizada, e formou a espinha dorsal do movimento peronista. Nos países andinos, com exceção do Chile e da Colômbia, os movimentos indígenas são um fator central. No Paraguai, pela primeira vez, nas próximas eleições, haverá um candidato representante da maioria indígena, um candidato de esquerda, que por enquanto é o favorito.

Renato Pompeu é jornalista e escritor.

segunda-feira, maio 26, 2008

Morre aos 73 anos o cineasta Sydney Pollack


O cineasta americano Sydney Pollack morreu na manhã desta segunda-feira, na Califórnia, vítima de um câncer, informou a rede CBS. Segundo a família, o diretor de 73 anos estava cercado de parentes e amigos.
Pollack nasceu em indiana, EUA, em 1º de julho de 1934. Começou a filmar em 1965 e ficou famoso por sua parceria com o ator Robert Redford.
Juntos trabalharam em Mais Forte que a Vingança, de 1972; Cavaleiro Elétrico, de 1978, Entre Dois Amores, de 1985, e Havana, de 1990.
Diretor de mais de 20 filmes, Sydney Pollack teve três indicações ao Oscar de direção: em 1969 com A Noite dos Desesperados, em 1982 por Tootsie e em 1985 por Entre Dois Amores, filme que lhe rendeu a estatueta.
Seu último trabalho como diretor foi em A Intérprete, de 2005, com Nicole Kidman e Sean Penn no elenco.

quinta-feira, maio 22, 2008

O bom exemplo

José Dirceu


Carlos Minc, o novo ministro que assume oficialmente no dia 27, já anunciou que dará continuidade à principal agenda de Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente – a preservação da Amazônia. Mas Minc vem da cidade grande, e vai ampliar a agenda ambiental do país, com vivência urbana em relação aos grandes e graves problemas das cidades, que também ameaçam o planeta Terra, como o desmatamento e a destruição de biomas como a Amazônia. Estamos nos referindo à emissão de gases, à contaminação de rios e lagoas, ao lixo e à poluição industrial.

Se é importante ampliar a agenda com os problemas ambientais urbanos, é fundamental ter claro que a questão central da política ambiental brasileira está na garantia dos recursos orçamentários, sem o que não há política ambiental que se sustente. São quase R$ 900 milhões que foram contingenciados todos os anos, e que precisam voltar ao orçamento do Meio Ambiente urgentemente. Minc está ciente da importância dessa briga, e já colocou a questão dos recursos na mesa, da mesma forma que defendeu mais rigor no licenciamento ambiental e menos burocracia; eu diria, menos fundamentalismo que busca a judicialização e não a negociação e o termo de ajuste de conduta.

O caminho ideal é definir a política de menor dano à natureza, respeitado o princípio da precaução. Se a opção for pela construção de hidrelétricas, por exemplo, é preciso priorizar seu licenciamento, antes que o país seja ocupado por termelétricas a óleo diesel e a carvão – na melhor das hipóteses, a gás – como vem acontecendo, muito mais prejudiciais. Isso sem falar na opção da energia nuclear. É preciso estimular o uso de energias alternativas, como as pequenas centrais hidrelétricas, o bagaço da cana, a eólica, a solar e os biocombustíveis, inclusive para diminuir a emissão de gases dos veículos.

Aliás, o novo ministro, com uma larga experiência na luta política e parlamentar, na negociação e na disputa da mídia, começou colocando o dedo na ferida: nossa legislação de emissão de gases é frouxa e a de licenciamento, burocratizada. Também disse que vai retomar a agenda de Marina Silva no que se refere à manutenção da operação da Polícia Federal, conhecida como Arco de Fogo; também à proibição dos empréstimos bancários para os que desmataram ilegalmente; e à não-revisão dos limites legais da Amazônia, como querem pecuaristas e agricultores de soja, com apoio do ministro da Agricultura e do governador do Mato Grosso.

Além de resolver a questão dos recursos orçamentários, é importante prosseguir no trabalho de desburocratização dos órgãos ambientais, com sua profissionalização e modernização. Sem a presença do Estado, dos órgãos ambientais, de reforma agrária, de regularização fundiária, de polícia, da Receita e das próprias Forcas Armadas, não haverá política que seja bem-sucedida na Amazônia. Mesmo a boa proposta de Minc de uma guarda nacional florestal não terá sucesso sem a presença dos demais órgãos do Estado e sem recursos, não só para a Amazônia, mas para todas reservas e áreas de preservação.

Outra questão importante é o financiamento das políticas públicas de apoio ao desenvolvimento sustentável da região amazônica – do extrativismo, da pesca, da agricultura familiar, dos assentados e, principalmente, da biodiversidade, nossa principal riqueza. Na Amazônia vivem 25 milhões de brasileiros e brasileiras, há centros urbanos industrializados, de comércio e de prestação de serviços. Por isso, a preservação passa sempre pela criação de alternativas econômicas à agricultura e à pecuária. Também é preciso lembrar que o Brasil tem 70 milhões hectares de terras inaproveitadas e outro tanto de terras degradadas, sem falar no aumento da produtividade agrícola e no avanço da biotecnologia que nos permitem produzir mais em áreas menores. Ou seja, não há justificativa para se ocupar as terras da Amazônia.

Boa sorte e boa luta para o novo ministro, que a força e a determinação de Marina Silva lhe sirvam de exemplo.

terça-feira, maio 20, 2008

A CIDADE

São Luís acolhe todas as bênçãos,
mas não renuncia às próprias maldições.

Aguardo o anúncio
da dessacralização:

a cidade -
a minha cidade,
que tanto amo
e que tanto maltrato

(com reluzente ódio,
com riachos envenenados),

deve esperar de mim
ou de qualquer um de seus filhos
gotas de orvalho
como lágrimas
ou a danação de negros olhares.

A cidade está sozinha.

Sente que está frio
aqui do lado de fora.

Ofereço a São Luís um pouco
de murmúrio de chuva.
Um pouco do que repousa além
das incertas luzes do céu.

São bálsamos? Não sei direito.
E nessa indecisão a cidade valsa.
Como rainha desenganada
num chão coberto de desilusões.