sexta-feira, novembro 27, 2009

Os filhos do Brasil

CÉSAR BENJAMIN
ESPECIAL PARA A FOLHA

A PRISÃO na Polícia do Exército da Vila Militar, em setembro de 1971, era especialmente ruim: eu ficava nu em uma cela tão pequena que só conseguia me recostar no chão de ladrilhos usando a diagonal. A cela era nua também, sem nada, a menos de um buraco no chão que os militares chamavam de "boi"; a única água disponível era a da descarga do "boi". Permanecia em pé durante as noites, em inúteis tentativas de espantar o frio. Comia com as mãos. Tinha 17 anos de idade.

Um dia a equipe de plantão abriu a porta de bom humor. Conduziram-me por dois corredores e colocaram-me em uma cela maior onde estavam três criminosos comuns, Caveirinha, Português e Nelson, incentivados ali mesmo a me usar como bem entendessem. Os três, porém, foram gentis e solidários comigo. Ofereceram-me logo um lençol, com o qual me cobri, passando a usá-lo nos dias seguintes como uma toga troncha de senador romano.

Oriundos de São Paulo, Caveirinha e Português disseram-me que "estavam pedidos" pelo delegado Sérgio Fleury, que provavelmente iria matá-los. Nelson, um mulato escuro, passava o tempo cantando Beatles, fingindo que sabia inglês e pedindo nossa opinião sobre suas caprichadas interpretações. Repetia uma ideia, pensando alto: "O Brasil não dá mais. Aqui só tem gente esperta. Quando sair dessa, vou para o Senegal. Vou ser rei do Senegal".

Voltei para a solitária alguns dias depois. Ainda não sabia que começava então um longo período que me levou ao limite. Vegetei em silêncio, sem contato humano, vendo só quatro paredes -"sobrevivendo a mim mesmo como um fósforo frio", para lembrar Fernando Pessoa- durante três anos e meio, em diferentes quartéis, sem saber o que acontecia fora das celas. Até que, num fim de tarde, abriram a porta e colocaram-me em um camburão. Eu estava sendo transferido para fora da Vila Militar.

A caçamba do carro era dividida ao meio por uma chapa de ferro, de modo que duas pessoas podiam ser conduzidas sem que conseguissem se ver. A vedação, porém, não era completa. Por uma fresta de alguns centímetros, no canto inferior à minha direita, apareceram dedos que, pelo tato, percebi serem femininos. Fiquei muito perturbado (preso vive de coisas pequenas). Há anos eu não via, muito menos tocava, uma mulher. Fui desembarcado em um dos presídios do complexo penitenciário de Bangu, para presos comuns, e colocado na galeria F, "de alta periculosia", como se dizia por lá. Havia 30 a 40 homens, sem superlotação, e três eram travestis, a Monique, a Neguinha e a Eva. Revivi o pesadelo de sofrer uma curra, mas, mais uma vez, nada ocorreu. Era Carnaval, e a direção do presídio, excepcionalmente, permitira a entrada de uma televisão para que os detentos pudessem assistir ao desfile.

Estavam todos ocupados, torcendo por suas escolas. Pude então, nessa noite, ter uma longa conversa com as lideranças do novo lugar: Sapo Lee, Sabichão, Neguinho Dois, Formigão, Ari dos Macacos (ou Ari Navalhada, por causa de uma imensa cicatriz que trazia no rosto) e Chinês. Quando o dia amanheceu éramos quase amigos, o que não impediu que, durante algum tempo, eu fosse submetido à tradicional série de "provas de fogo", situações armadas para testar a firmeza de cada novato.

Quando fui rebatizado, estava aceito. Passei a ser o Devagar. Aos poucos, aprendi a "língua de congo", o dialeto que os presos usam entre si para não serem entendidos pelos estranhos ao grupo.

Com a entrada de um novo diretor, mais liberal, consegui reativar as salas de aula do presídio para turmas de primeiro e de segundo grau. Além de dezenas de presos, de todas as galerias, guardas penitenciários e até o chefe de segurança se inscreveram para tentar um diploma do supletivo. Era o que eu faria, também: clandestino desde os 14 anos, preso desde os 17, já estava com 22 e não tinha o segundo grau. Tornei-me o professor de todas as matérias, mas faria as provas junto com eles.

Passei assim a maior parte dos quase dois anos que fiquei em Bangu. Nos intervalos das aulas, traduzia livros para mim mesmo, para aprender línguas, e escrevia petições para advogados dos presos ou cartas de amor que eles enviavam para namoradas reais, supostas ou apenas desejadas, algumas das quais presas no Talavera Bruce, ali ao lado. Quanto mais melosas, melhor.

Como não havia sido levado a julgamento, por causa da menoridade na época da prisão, não cumpria nenhuma pena específica. Por isso era mantido nesse confinamento semiclandestino, segregado dos demais presos políticos. Ignorava quanto tempo ainda permaneceria nessa situação.

Lembro-me com emoção -toda essa trajetória me emociona, a ponto de eu nunca tê-la compartilhado- do dia em que circulou a notícia de que eu seria transferido. Recebi dezenas de catataus, de todas as galerias, trazidos pelos próprios guardas. Catatau, em língua de congo, é uma espécie de bilhete de apresentação em que o signatário afiança a seus conhecidos que o portador é "sujeito-homem" e deve ser ajudado nos outros presídios por onde passar.

Alguns presos propuseram-se a organizar uma rebelião, temendo que a transferência fosse parte de um plano contra a minha vida. A essa altura, já haviam compreendido há muito quem eu era e o que era uma ditadura.

Eu os tranquilizei: na Frei Caneca, para onde iria, estavam os meus antigos companheiros de militância, que reencontraria tantos anos depois. Descumprindo o regulamento, os guardas permitiram que eu entrasse em todas as galerias para me despedir afetuosamente de alunos e amigos. O Devagar ia embora.


Dias depois de ter retornado para a solitária, ainda na PE da Vila Militar, alguém empurrou por baixo da porta um exemplar do jornal "O Dia". A matéria da primeira página, com direito a manchete principal, anunciava que Caveirinha e Português haviam sido localizados no bairro do Rio Comprido por uma equipe do delegado Fleury e mortos depois de intensa perseguição e tiroteio. Consumara-se o assassinato que eles haviam antevisto. Nelson, que amava os Beatles, não conseguiu ser o rei do Senegal: transferido para o presídio de Água Santa, liderou uma greve de fome contra os espancamentos de presos e perseverou nela até morrer de inanição, cerca de 60 dias depois. Seu pai, guarda penitenciário, servia naquela unidade.

Neguinho Dois também morreu na prisão. Sapo Lee foi transferido para a Ilha Grande; perdi sua pista quando o presídio de lá foi desativado. Chinês foi solto e conseguiu ser contratado por uma empreiteira que o enviaria para trabalhar em uma obra na Arábia, mas a empresa mudou os planos e o mandou para o Alasca. Na última vez que falei com ele, há mais de 20 anos, estava animado com a perspectiva do embarque: "Arábia ou Alasca, Devagar, é tudo as mesmas Alemanhas!" Ele quis ir embora para escapar do destino de seu melhor amigo, o Sabichão, que também havia sido solto, novamente preso e dessa vez assassinado. Não sei o que aconteceu com o Formigão e o Ari Navalhada.

A todos, autênticos filhos do Brasil, tão castigados, presto homenagem, estejam onde estiverem, mortos ou vivos, pela maneira como trataram um jovem branco de classe média, na casa dos 20 anos, que lhes esteve ao alcance das mãos. Eu nunca soube quem é o "menino do MEP". Suponho que esteja vivo, pois a organização era formada por gente com o meu perfil. Nossa sobrevida, em geral, é bem maior do que a dos pobres e pretos.

O homem que me disse que o atacou é hoje presidente da República. É conciliador e, dizem, faz um bom governo. Ganhou projeção internacional. Afastei-me dele depois daquela conversa na produtora de televisão, mas desejo-lhe sorte, pelo bem do nosso país. Espero que tenha melhorado com o passar dos anos. Mesmo assim, não pretendo assistir a "O Filho do Brasil", que exala o mau cheiro das mistificações. Li nos jornais que o filme mostra cenas dos 30 dias em que Lula esteve detido e lembrei das passagens que registrei neste texto, que está além da política. Não pretende acusar, rotular ou julgar, mas refletir sobre a complexidade da condição humana, justamente o que um filme assim, a serviço do culto à personalidade, tenta esconder.

CÉSAR BENJAMIN, 55, militou no movimento estudantil secundarista em 1968 e passou para a clandestinidade depois da decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro desse ano, juntando-se à resistência armada ao regime militar. Foi preso em meados de 1971, com 17 anos, e expulso do país no final de 1976. Retornou em 1978. Ajudou a fundar o PT, do qual se desfiliou em 1995. Em 2006 foi candidato a vice-presidente na chapa liderada pela senadora Heloísa Helena, do PSOL, do qual também se desfiliou. Trabalhou na Fundação Getulio Vargas, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na Prefeitura do Rio de Janeiro e na Editora Nova Fronteira. É editor da Editora Contraponto e colunista da Folha.

quarta-feira, novembro 25, 2009

Os guerrilheiros da história

ELIO GASPARI

Talvez eles tenham sido 50 e só três sobreviveram,
mas preservaram a memória do Gueto de Varsóvia

ESTÁ CHEGANDO às livrarias "Quem Escreverá Nossa História? - Emanuel Ringelblum, o Gueto de Varsóvia e o Arquivo Oyneg Shabes", do professor Samuel Kassow. É um livro excepcional, que conta um emocionante episódio de heroísmo.

Emanuel Ringelblum tinha 39 anos, mulher e filho, quando a Alemanha invadiu a Polônia. Professor de história e militante da esquerda sionista, recusou-se a sair da cidade. Em outubro de 1941 foi para o gueto, onde os alemães confinaram 400 mil judeus (um terço da população da cidade) numa área murada de 2,5 km2 (o Leblon tem 2,3 km2). Lá o professor formou a Oyneg Shabes (Alegria do Sábado), uma organização clandestina que teve entre 50 e 60 militantes. Juntou empresários, poetas, economistas, professores e, a certa altura, até crianças. Seu objetivo era preservar a memória do que acontecia no gueto. Aquilo que ninguém imaginara não podia ser esquecido.

Durante dois anos os guerrilheiros da história fizeram uma centena de entrevistas, acumularam manuscritos e pesquisaram metodicamente o cotidiano do gueto. (Em janeiro de 1943 a Oyneg Shabes fez chegar a Londres um depoimento detalhado do início do extermínio dos judeus nos campos de concentração.)

Milhares de páginas, objetos e fotografias foram enterrados em pelo menos três lugares. Terminada a guerra, a organização tinha três sobreviventes. Em 1946, um deles achou o primeiro esconderijo, recuperando dez caixas de documentos. Quatro anos depois desenterraram dois latões de leite, repletos de papéis. O terceiro lote ainda não foi achado.

O Gueto de Varsóvia revoltou-se e foi arrasado. Ringelblum e sua família esconderam-se num porão da vizinhança até março de 1944, quando foram descobertos. Na prisão, o professor soube seria possível resgatá-lo da cadeia. Machucado pelas sessões de tortura, ele tinha o filho Uri no colo quando perguntou o que poderiam fazer pelo menino e pela mulher. Nada, disseram-lhe. "Morrer é difícil?", perguntou. Os três foram fuzilados em algum lugar das ruínas do que fora o gueto.

A grandeza do livro do professor Kassow está na apresentação seca e metódica de uma história que tem tudo para deslizar na direção dos sucessos de bilheteria. Sua narrativa chega a ser chata quando descreve as tendências da esquerda judaica na Polônia.

Quando o leitor entra no gueto, percebe que Kassow lhe impôs o seu ritmo, calibrou-lhe a curiosidade. Ele é levado ao cotidiano do gueto pelo historiador, não é o gueto que vem a ele como mais uma história da Segunda Guerra. Não há alemão bonzinho como n'O Pianista, nem a sensualidade da camiseta molhada de uma prisioneira da "Lista de Schindler". Fome, medo, malvadeza e miséria aparecem sem que Kassow levante a voz. A naturalidade com que os alemães matavam. A violência da polícia judaica e o terror imposto pelas suas incursões sanitárias, raspando a cabeça das mulheres e varejando suas casas.

Os guerrilheiros de Ringelblum registraram as oscilações dos preços e salários, redigiram ensaios sobre a economia do gueto e cumpriram os projetos da pesquisa como se estivessem numa centenária universidade europeia. Ringelblum e seus guerrilheiros documentavam o Holocausto no seu aspecto mais terrível, o monótono cotidiano da fome e da humilhação.

sábado, novembro 21, 2009

Economista revela segredos sobre os altos preços da arte

EL PAIS

Isabel Lafont
Em Madri

Como um tubarão dissecado, suspenso em um tanque de formol, pode chegar a valer US$ 12 milhões [€ 8 milhões]? Que mecanismos regem a oferta e a demanda no mercado de arte? O economista americano Donald N. Thompson acompanhou durante um ano os meandros do mercado de arte contemporânea e passou muitas horas entre galeristas, casas de leilões, artistas e colecionadores. O resultado de sua pesquisa é o livro "El Tiburón de 12 Millones de Dólares" [O tubarão de US$ 12 milhões], que é lançado agora na Espanha, e cujo subtítulo, "A curiosa economia da arte contemporânea e dos leilões", já antecipa ao leitor que certamente não encontrará ali as leis clássicas do mercado.

O famoso tubarão-tigre de Damien Hirst, obra intitulada "A Impossibilidade Física da Morte na Mente de Alguém Vivo", que o colecionador Charles Saatchi vendeu ao financista americano Steve Cohen em 2005 pela cifra citada (Saatchi o havia adquirido em 1992 por 50 mil libras, ou cerca de € 56 mil) através do galerista Larry Gagosian, é a alegoria perfeita que serve para Thompson mergulhar na antiga distinção entre valor e preço.

"Como economista e colecionador de arte contemporânea, faz tempo que me sinto perplexo pela questão do que torna uma obra de arte valiosa e por meio de que alquimia se considera que vale US$ 12 ou US$ 100 milhões, em vez de, por exemplo, US$ 250 mil", declara no início do livro.

Segundo Thompson, assim como a Coca-Cola ou a Nike, há artistas, galeristas e casas de leilões que adquiriram um valor como marcas. "Um Mercedes oferece segurança e prestígio. Prada oferece a segurança da elegância e moda atual. A arte de marca funciona do mesmo modo. Os amigos não poderão acreditar quando você disser: 'Paguei 5,6 milhões por esta estátua de cerâmica'. Mas ninguém demonstra desdém quando se diz: 'Comprei na Sotheby's', 'Encontrei na Gagosian', ou 'Este é meu novo Jeff Koons'."

Sotheby's e Christie's entre as casas de leilões; MoMA, Guggenheim ou Tate entre os museus - "uma obra que tenha sido exposta em alguma ocasião no MoMA ou que tenha feito parte de uma coleção do mesmo exige um preço superior devido a sua procedência"; Gagosian ou Jay Joplin, fundador da londrina White Cube entre os galeristas; e artistas como os citados Hirst, Koons ou Andy Warhol são, segundo a tese de Thompson, engrenagens de um maquinário que, "com um marketing bem dirigido e uma marca de sucesso", gera preços inexplicáveis pela lógica para tubarões dissecados ou bolas de basquete em um aquário (no caso de Jeff Koons).

Por trás disso há fatores psicológicos e sociais. Muitos compradores de arte contemporânea nem sempre são especialistas ou entendidos. Simplesmente são muito ricos (em muitos casos novos ricos, como os milionários russos e chineses surgidos nos últimos anos), afirma o economista, e precisam ter a segurança de que estão fazendo uma boa compra. Por isso confiam nas marcas conhecidas.

Ao público que frequenta essa feira das vaidades é dirigido o peculiar mote dos galeristas segundo o qual "vanguardista significa radical, desafiador significa que não se deve tentar compreendê-lo e qualidade de museu significa que, se você precisa perguntar, é porque não pode pagar".

O galerista de marca não é um fenômeno novo. Joplin foi para Hirst o que Ambroise Vollard foi em Paris para Picasso, Cézanne e Gauguin ou, em meados do século 20, Leo Castelli em Nova York foi para Jasper Johns, Robert Rauschenberg ou Cy Twombly. A relação entre um galerista de marca e seus clientes costuma alcançar um grau de confiança cega: "Os colecionadores confiam em seu marchand do mesmo modo que confiam em seu assessor de investimentos. É a ideia de comprar arte mais com os ouvidos do que com os olhos, de comprar o esperado valor futuro do artista", salienta o economista.

Há mais palavras que soam como música aos ouvidos dos clientes das galerias ou casas de leilões, como "Está na coleção de Saatchi" ou "Saatchi quer essa peça". Se uma obra de arte agrada a um dos colecionadores mais conhecidos do mundo, como um VIP que se preze não vai querê-la em sua casa? Não importa que respeitabilíssimos críticos de arte como Robert Hughes qualifiquem a obra de Hirst uma "mercadoria absurda e vulgar" ou que afirmem que Koons "provavelmente não seria capaz de escrever suas iniciais em uma árvore". Afinal, como indicou a Thompson Brett Gorvy, diretor do departamento de arte contemporânea da Christie's, "isto é um negócio, e não história da arte".

quinta-feira, novembro 19, 2009

"A Estrada" é melhor livro da década, segundo jornal inglês "The Times"

da Folha Online

Cormac McCarthy descreve um futuro "não muito distante" do que pensamos quando usamos a expressão. No entanto, a leitura do romance "A Estrada" reporta diretamente ao presente, tanto que a obra foi considerada a melhor da década pela equipe do suplemento de literatura do jornal inglês "The Times". O veículo considera McCarthy um poeta de extremidade, e considera a narrativa do volume simples. Há pausas no sofrimento dos sobreviventes, mas há também mais frequentemente terror. O jornal compara a concisão da linguagem de McCarthy à do escritor norte-americano Ernest Hemingway por meio de cadências que, às vezes, lembram o ritmo pulsante do padre jesuíta e poeta inglês Gerard Manley Hopkins.

Nessa espécie de futuro atemporal descrita em "A Estrada", as cidades foram transformadas em ruínas, as florestas em cinzas, os céus tornaram-se turvos e os mares estéreis. A narrativa é simples e apresenta um homem e um filho que vagam, assim como todos os outros habitantes que restaram na Terra. Cobertores, um carrinho de compras com escassos alimentos e um revólver são seus infiéis companheiros na imensidão. A dupla segue em busca da salvação tanto de si próprios quanto do mundo. Mal sabem que a estrada a seguir também é um caminho a aceitar e digerir a duras penas. A jornada os mantêm unidos e lhes impulsiona a sobreviver.

Seguem abaixo os outros nove títulos que compõem a lista dos dez primeiros melhores livros da década, eleitos pelo "The Times":

2º lugar - "Persépolis" : Autobiografia em quadrinhos de Marjane Satrapi. Após a Revolução Islâmica (1979), a autora --com 10 anos à época-- é obrigada a estudar em uma escola religiosa e a usar véu, sem entender o porquê disto. Ela acompanha as transformações em seu país, assim como os protestos contra a ditadura religiosa que fora implantada. Aos 14 anos, vai morar na Europa e luta para não perder sua identidade. Após quatro anos, volta ao Irã e percebe que está ocidentalizada demais para ser aceita pelo seu antigo grupo.

3º lugar - "A Origem dos Meus Sonhos" : O presidente norte-americano Barack Obama revela detalhes de sua vida pessoal --do adolescente revoltado à grande aposta de renovação dos Estados Unidos. A obra desnuda o modo como Obama vê e encara o mundo.

4º lugar - "Masterworks of the Classical Haida Mythtellers", de Robert Bringhurst: O mundo de Haida consiste em um arquipélago mítico localizado nas costas da Columbia britânica e no Alaska. O autor trabalhou anos com os manuscritos dos Haida e os traduziu para a língua inglesa. "A Story as Sharp as a Knife" aborda um tempo de paixão e uma variedade de riquezas humanas, científicas e poéticas ignoradas por um longo período pela humanidade.

5º lugar - "Suíte Francesa" : A ucraniana Irène Némirovsky começou a escrever a obra em 1941, refugiada num povoado francês. O livro retrata a França vencida e ocupada pelos alemães. Irène transforma em ficção, fatos que provavelmente presenciara, como a debandada dos parisienses às vésperas da invasão nazista e o drama de uma mulher cujo filho é prisioneiro dos alemães.

6º lugar - "O Ponto da Virada" : Com mais de 5 milhões de exemplares em todo o mundo, o livro está há mais de 200 semanas a lista de best-sellers do "The New York Times". Malcolm Gladwell explica o momento em que pequenas mudanças entram em ebulição, fazendo com que a trajetória de uma tendência ou de um comportamento, dê uma guinada e se alastre. Ou se acabe. Eles apresenta ao leitor os experts --indivíduos que atuam como "bancos de dados", fornecendo a mensagem--, os comunicadores ou "cola social" --aqueles que espalham a informação--, e os vendedores --pessoas capazes de nos convencer quando não acreditamos no que estamos ouvindo.

7º lugar - "A Vida de Pi" : Vencedor do "Booker Prize" em 2002, esta obra é uma aventura intrigante e surpreendente. Yann Martel relata a luta de cinco mamíferos --o garoto Pi, uma zebra, uma hiena, um orangotango e um tigre de Bengala--, no meio do Oceano Pacífico, para sobreviver.

8º lugar - "Payback" : Com este livro, Margaret Atwood traça a história cultural da dívida, desde as eras pré-letradas até a atualidade. A autora mostra que a ideia do que devemos uns aos outros se constrói na nossa imaginação e é uma das metáforas mais dinâmicas. Em 2008, Margaret ganou o Prêmio Príncipe das Astúrias de Letras pelo conjunto de sua obra.

9º lugar - Reparação" : Ian McEwan nos apresenta a vida da adolescente Briony Tallis, que vê uma cena estarrecedora: sua irmã mais velha, sob o olhar do filho da empregada, tira a roupa e mergulha, apenas de calcinha e sutiã, na fonte do quintal da casa de campo. Com esse episódio em mente e uma sucessão de equívocos acontecendo, a menina constrói uma história fantasiosa sobre uma cena que presencia. O drama psicológico que tem como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial. A obra foi transformada no filme "Desejo e Reparação" pelo diretor Joe Wright.

"O Código da Vinci" : Na contramão dos gostos e desgostos do "The Times", este livro de Dan Brown ocupa a décima posição entre os melhores e a primeira entre os os piores livros da década. Com mais de 70 milhões de exemplares vendidos pelo mundo, o volume trata de um assassinato dentro do Museu do Louvre, em Paris. Pistas ocultas e símbolos sacros permeiam e dão o tom misterioso ao exemplar.

Saiba quais dos melhores livros da década possuem edição em português

da Livraria da Folha

O diário britâncio "The Times" escolheu os cem melhores livros da década. Alguns ainda não possuem edição em português, mas a Livraria da Folha selecionou os que podem ser comercializados no país. Veja a seguir:

"A Estrada" é o melhor livro da década; veja os dez primeiros

11. "Guerra e Paz", de Liev Tolstói
Publicado originalmente em 1869, este grande clássico da literatura escrito por Liev Tolstói narra invasão (e a retirada) francesa comandada pelo imperador Napoleão à Rússia no início do século 19.

12. "Uma Comovente Obra de Espantoso Talento", de Dave Eggers
Narra os acontecimentos trágicos que tomam conta da vida de Eggers quando ele tem apenas 22 anos. Os pais morrem, ele é obrigado a amadurecer e sai em busca de uma vida nova viajando pelos EUA.

13. "Austerlitz", de Winfried Georg Sebald
O professor de história da arquitetura Jacques Austerlitz explora a estação ferroviária de Liverpool Street, em Londres, coletando material para pesquisas, quando é tomado por uma visão que talvez o ajude a explicar não a arquitetura da era capitalista, mas o sentimento incômodo de ter vivido uma vida alheia.

14. "Lendo Lolita em Teerã", de Azar Nafisi
Esta brilhante história é um retrato fascinante do Irã na época mais acirrada do sangrento conflito com o vizinho Iraque. A partir do sutil olhar feminino, aprendemos como era a vida e a luta das mulheres no Irã revolucionário nesta obra de grande paixão e beleza poética, escrita de maneira surpreendentemente original.

15. "Deus, um Delírio", de Richard Dawkins
Eleito um dos três intelectuais mais importantes do mundo, Richard Dawkins contesta a irracionalidade da fé e mostra como a religião alimenta a guerra, fomenta o fanatismo e doutrina as crianças.

17. "Harry Potter e as Relíquias da Morte", de J. K. Rowling
Na sétima parte da série, Harry Potter é incumbido pelo professor de transfiguração de uma tarefa funesta e aparentemente impossível: localizar e destruir os Horcruxes de Voldemort ainda existentes.

19. "As Correções", de Jonathan Franzen
Jonathan Franzen, uma das revelações da literatura americana, conta uma saga contemporânea tragicômica que vai de Nova York à Lituânia, e expõe dramas pessoais, crises conjugais e os conflitos que separam duas gerações de uma típica família dos EUA nos anos 1990. Sucesso de público e crítica, o romance recebeu o National Book Award 2001.

20. "Dentes Brancos", de Zadie Smith
Livro de estreia de Zadie Smith narra a história de dois amigos que se conheceram durante a Segunda Guerra Mundial. O final da guerra os separa, mas eles vão se encontrar em Londres 30 anos depois.

21. "Complô Contra a América", de Philip Roth
Philip é de uma família judia que vive nos Estados Unidos. Seu pesadelo começa durante o suposto tempo em que Charles Lindbergh foi presidente americano, um defensor ardoroso da Alemanha nazista.

22. "A Luneta Âmbar", de Philip Pullman
A obra fecha a trilogia do autor. Lyra desaparece e, em seu encalço, estão: Will, que quer ajudar a amiga; a Igreja, que a considera a nova Eva e, por isso, tenta eliminá-la antes que a menina repita o pecado original; e Lorde Asriel, comandante de um exército de anjos, humanos e pequenos seres alados que, ciente do poder revolucionário de Lyra, a quer ao seu lado.

24. "Não me Abandone Jamais", de Kazuo Ishiguro
Kathy H. tem 31 anos e está prestes a encerrar sua carreira de "cuidadora". Enquanto isso, ela relembra o tempo que passou em Hailsham, um internato inglês que dá grande ênfase às atividades. No entanto esse internato idílico esconde uma terrível verdade: todos os "alunos" de Hailsham são clones, produzidos com a única finalidade de servir de peças de reposição. Pela voz ingênua e contida de Kathy, somos conduzidos até o terreno pantanoso da solidão e da desilusão onde, vez por outra, nos sentimos prestes a atolar.

25. "O Estranho Caso do Cachorro Morto", de Mark Haddon
Este livro é original e envolvente. Na história de mistério e descobertas, Haddon convida o leitor a embarcar ao lado de Christopher em uma emocionante viagem que vai virar o mundo do jovem de cabeça pra baixo.

28. "O Resto É Ruído", de Alex Ross
Crítico musical explica o fenômeno da música clássica contemporânea, através do contexto histórico, social e biográfico. Além de compositores, cita eventos que influenciaram a música no século 20.

29. "Por Acaso", de Ali Smith
Tudo parece transcorrer na mais absoluta normalidade nas férias da família Smart. Mas a tranquilidade familiar logo é abalada pela súbita presença de uma estranha: surgida do nada, Amber se imiscui na intimidade da família e começa a ganhar a confiança e a afeição de todos. Encantados, os Smart passam a lhe revelar o que não dizem nem mesmo entre (e para) si. Em pouco tempo, estarão enredados na intricada psicologia de seus mundos e conflitos interiores.

30. "O Caçador de Pipas", de Khaled Hosseini
Best-seller mundial, este romance de Khaled Hosseini conta a história da amizade de Amir e Hassan, dois meninos quase da mesma idade, que vivem vidas muito diferentes no Afeganistão da década de 1970.

32. "Tudo se Ilumina", de Jonathan Safran Foer
Um jovem escritor judeu vai para a Ucrânia em busca de uma misteriosa mulher que ajudou seu avô a escapar dos nazistas. A viagem real de Jonathan Safran Foer o inspirou a criar esta obra, misturando realidade e ficção numa trama em que conta a história de sua família desde o século 18, de forma divertida e também melancólica.

33. "Crônicas (Vol. 1)", de Bob Dylan
Inicia trilogia autobiográfica do ícone da música. Em suas recordações, Dylan retrata não somente a carreira, mas também a vida levada em festas noturnas, os amores passageiros e amizades inabaláveis.

34. "Seabiscuit", de Laura Hillenbrand
Após a Grande Depressão, um pequeno cavalo de corrida de pernas tortas virou uma celebridade nos EUA. Em 1938, o campeão Seabiscuit teve mais cobertura na mídia que Roosevelt, Hitler e Mussolini.

38. "O Demônio do Meio-Dia", de Andrew Solomon
Ir ao fundo do poço é uma expressão leve para descrever a experiência de vida do autor Andrew Solomon. Ele desceu mesmo foi às profundezas do inferno para vencer uma das síndromes que mais aflige a humanidade nos dias de hoje: a depressão. Fruto de sua dolorosa, dramática e vitoriosa trajetória durante doença, este livro é intensamente envolvente, sagaz, construtivo e humano.

39. "Fugitiva", de Alice Munro
Os oito contos reunidos em "Fugitiva" apresentam mulheres às voltas com seu passado. Alice Munro consegue captar, seja nos momentos decisivos de uma vida, seja nos episódios cotidianos, as tragédias mais profundas que movem suas personagens. A partir de escolhas erradas, descobertas súbitas e armadilhas da sorte, essas mulheres encaram suas mentiras: as que lhes foram contadas, as que elas contaram aos outros e aquelas com que buscaram enganar a si mesmas.

42. "Fun Home", de Alison Bechdel
Este é um livro de memórias onde a quadrinista Alison Bechdel revisita a sua infância e adolescência, especialmente a descoberta de sua homossexualidade e a difícil relação com seu pai Bruce Bechdel.

44. "Freakonomics", de Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner
O economista Steven Levitt e o jornalista Stephen J. Dubner estudam a rotina e os enigmas da vida --da trapaça à criminalidade, dos esportes à família-- com conclusões que desmentem o senso comum.

46. "Middlesex", de Jeffrey Eugenides
Middlesex, segundo romance de Jeffrey Eugenides, é sobre Calliope Stephanides, um hermafrodita que foi criado como menina mas que é, na verdade, homem.

48. "Breve História de Quase Tudo", de Bill Bryson
Uma obra que ensina de uma forma divertida todas as matérias científicas que você achava pedantes no colégio. O livro fuge dos jargões técnicos e mostra como a ciência pode ser empolgante.

49. "O Fantasma", de Robert Harris
Ele sempre sorria para as câmeras à porta de Downing Street. Ao lado do presidente norte-americano, engajou-se ativamente na guerra contra o terror. Seu mandato foi fortemente abalado pela explosão de bombas no metrô de Londres. Ao longo de quase uma década, Adam Lang foi primeiro-ministro britânico. Após o triste e solitário ocaso político, recebe, pelas suas memórias, um dos maiores adiantamentos da história do mercado editorial. Isolado com a esposa e um ghost-writer em uma casa de veraneio, ele começa a dar forma à sua biografia.

50. "Sem Logo: A Tirania das Marcas em um Planeta Vendido", de Naomi Klein
Em 1992, a Nike pagou 20 milhões de dólares a Michael Jordan para estampar o rosto do rei do basquete nas propagandas de seu mais novo tênis. A quantia fica ainda mais impressionante quando se descobre que é muito superior do que a que a empresa pagou a todo o conjunto de 30 mil trabalhadores indonésios que efetivamente fabricaram os calçados.

53. "Irmão Lobo", de Michelle Paver
O primeiro livro da série Crônicas das Trevas Antigas leva o leitor para uma viagem de volta à Idade da Pedra, seis mil anos atrás, onde o jovem Torak conta apenas com a ajuda de um filhote órfão de lobo e com sua habilidade como caçador para sobreviver aos perigos da floresta e derrotar um poderoso inimigo. O livro fala sobre lealdade, amizade e coragem.

55. "A Vida Imperial na Cidade Esmeralda", de Rajiv Chandrasekaran
No meio da zona de guerra de Bagdá ergue-se um enclave fortemente murado e protegido, a Zona Verde, onde se localiza o contingente da administração de ocupação norte-americana no Iraque. É um mundo à parte, com vivendas luxuosas, piscinas, bares, centros comerciais, jipes novos, e todas as comodidades que encontraríamos nos Estados Unidos. Com base em entrevistas que fez com pessoas que ali vivem e recorrendo a documentos confidenciais, o autor elabora uma crítica ácida aos representantes do governo dos EUA no Iraque e à distorção da realidade que os rodeia.

56. "Se Ninguém Falar de Coisas Interessantes", de Jon McGregor
Escrito de maneira diferente, esse livro narra a vida dos moradores de uma rua londrina de forma bastante original: é uma história que se passa em uma rua qualquer, em um dia qualquer, em que coisas comuns parecem acontecer.

60. "Colapso: Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso", de Jared Diamond
Diamond explica como o colapso global pode ser evitado, analisando civilizações do último milênio, e investiga porque umas se extinguiram enquanto outras prosperaram.

61. "A Linha da Beleza", de Alan Hollinghurst
Um retrato da juventude yuppie dos anos 80 num dos templos de sua consagração, a Inglaterra de Margaret Thatcher, a Dama de Ferro do neoliberalismo. Esse é o pano de fundo do romance que consagrou o romancista britânico Alan Hollinghurst com o Booker Prize de 2004, englobando todos os países da Comunidade Britânica e a Irlanda. A trama se desenvolve em 1983 ao redor de Nick Guest, um jovem de 20 anos, recém-saído da Universidade de Oxford e fazendo doutorado em letras.

62. "Na Ponta dos Dedos", de Sarah Waters
Escritora inglesa mistura neste romance vitoriano ladrões e golpistas, mansões e manicômios, intriga e desilusão, erotismo e farsa, além de toques contemporâneos, muito suspense e diálogos afiados.

63. "Tábula Rasa", de Steven Pinker
A partir de conhecimentos da ciência da linguagem, da psicologia e da genética, o renomado cientista Steven Pinker questiona o dogma de que o ser humano é tábula rasa ao nascer, e defende a conjugação das influências sociais e da biologia para a compreensão da personalidade e do comportamento.

65. "Nas Peles da Cebola", de Gunter Grass
Em agosto de 2006, o vencedor do Prêmio Nobel de 1999, Günter Grass, revelou em seu livro de memórias que fez parte da tropa de elite nazista, durante a II Guerra Mundial. A declaração provocou reações em todo mundo.

69. "Meu Nome É Vermelho", de Orhan Pamuk
Construído por 19 vozes narrativas, o romance combina trama policial a um panorama histórico e cultural da Turquia, país dividido entre Oriente e Ocidente. Pamuk tem livros traduzidos em mais de vinte línguas.

72. "A História do Bando de Kelly", de Peter Carey
Carey incorpora a identidade de um homem visto tanto como herói nacional quanto criminoso comum --toda criança australiana cresce ouvindo as aventuras de Kelly e seus camaradas. Num país famoso por ter começado sua história como uma colônia penal inglesa, Kelly substitui facilmente histórias de princesas e sapos. Carey acompanha a vida de Kelly desde seu nascimento até a sua morte, com apenas 26 anos.

79. "Jimmy Corgan, o Garoto Mais Esperto do Mundo", de Chris Ware.
Saga familiar de quatro gerações, um retrato amargo da timidez e as relações claustrofóbicas entre parentes são o centro deste livro, uma das mais importantes graphic novels já publicadas do gênero.

80. "O Tigre Branco", de Aravind Adiga
Livro do romancista Aravind Adiga, abre uma larga porta na Índia e revela ao leitor um país dividido por castas, miséria, corrupção e onde o milagre econômico alcançou apenas uma pequena minoria.

81. "Os Filhos do Imperador", de Claire Messud
Marina, Danielle e Julius se conhecem na universidade e se tornam amigos. Todos têm algo em comum; estão certos de que em muito pouco tempo estarão fazendo algo extremamente importante para o mundo. Porém, quando chegam perto dos 30, as coisas não estão do jeito que devem estar.

84. "Bondade", de Carol Shields
Casada há 26 anos com um médico bem-sucedido e mãe de três filhas crescidas, Reta Winters possui motivos que ultrapassam o seio familiar para ser considerada uma pessoa feliz. Tudo parece perfeito até que, na primavera de seus 44 anos, em Ontário, onde reside, sua filha mais velha, Norah, toma a decisão repentina de sair de casa para pedir esmolas numa esquina de Toronto, com uma placa pendurada no pescoço com a palavra "bondade" escrita à mão.

88. "Pureza Fatal", de Ruth Scurr
Robespierre ganha uma impressionante e esclarecedora biografia, que ajuda a compreender uma das mais importantes mudanças para a França e para o mundo, a Revolução Francesa, ocorrida em 1789.

89. "A Feiticeira de Florença", de Salman Rushdie
Mesclando habilmente realidade e ficção, "A Feiticeira de Florença" aproxima a cidade de Machiavelli de um império oriental que atinge, também no século 16, apogeu nas artes e no pensamento filosófico.

90. "Crepúsculo", de Stephenie Meyer
No primeiro livro da série de Stephenie Meyer conta a história de Bella, uma garota que se muda para uma cidadezinha e acaba se apaixonando por Edward Cullen, um garoto lindo, misterioso...e vampiro!

93. "A Ascensão do Dinheiro", de Niall Ferguson
Neste ensaio, o autor Niall Ferguson examina a história financeira do mundo e defende o desenvolvimento da moeda e do sistema bancário como um dos sintomas do processo civilizatório da humanidade.

96. "O Vulto das Torres", de Lawrence Wright
Quando achávamos que o fim da Guerra Fria marcava o fim da história e a humanidade enfim viveria em paz, o atentado terrorista de 11/9 mergulhava o mundo em perplexidade. De repente, tomamos conhecimento de entidades e personagens até então desconhecidos --a Al-Qaeda, Osama bin Laden, os campos de treinamento de terroristas no Afeganistão. Mas o que é a Al-Qaeda? Como surgiu? Aonde pretende chegar? Qual é sua ideologia? Qual o papel dos serviços de inteligência americanos no caso? São estas perguntas que Lawrence Wright, através de um trabalho de jornalismo investigativo, procura esclarecer neste livro.

97. "A Fantástica Vida Breve de Oscar Woo", de Junot Diaz
Vencedor do Pulitzer 2008, Junot Díaz narra em seu romance de estréia a vida nada fácil de Oscar, um nerd dócil e obeso, de origem dominicana, que vive com a mãe e a irmã em um gueto em Nova Jersey.

98. "Meio Sol Amarelo", de Chimamanda Ngozi Adichie
Jovem escritora nigeriana revela o horror da guerra de Biafra, em um romance de proporções épicas, que nunca perde de vista a matéria humana da qual deriva. Livro vencedor do National Book Critics Circle Award e do Orange Prize de ficção 2007.

quarta-feira, novembro 18, 2009

Trecho de "Caim", de José Saramago

Não é usual, posto que este Blog vai virar um diário mesmo a partir do ano que vem.
Mas acredito que cabe aqui uma verdade proverbial, anotada pelo ateu José Saramago em seu ótimo romance:

"A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele".

Concordemos ou não, aí está.

segunda-feira, novembro 16, 2009

Clarice Lispector, o sol escuro do Brasil

THE NEW YORK TIMES
Tomás Eloy Martinez

Há pouco mais de meio século, a força de transformação da literatura da América Latina assombrava os países centrais, que haviam alcançado a modernidade graças ao desenvolvimento de suas indústrias, suas descobertas tecnológicas, suas redes de comunicação, seus trens e aviões. Mas sua linguagem e sua capacidade de narrar a sociedade estavam apergaminhadas, cansadas, e supriam a falta de ideias e sangue novos com jogos teóricos que não levavam a lugar nenhum. Na América Latina, o afã de criar esse mundo novo expresso pela revolução cubana parece ter se concentrado na literatura.

Enquanto os países do Rio da Prata, México e Colômbia respiravam a plenos pulmões os novos ares, o gigante Brasil mantinha-se impermeável a tudo o que não vinha de si mesmo. O Brasil mudava de pele, mas se alimentava de sua própria música e de sua própria herança literária. Certa vez perguntaram a João Gilberto por que ele fazia tão poucos shows no estrangeiro, onde sua música tinha um sucesso clamoroso.

"Para quê?", respondeu. "No Brasil meu público é tão numeroso como no resto do mundo e, além disso, ele me escuta com mais felicidade".

Em meados do século 20, o grande nome da literatura brasileira continuava sendo o de Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), que escreveu uma sucessão de obras mestras mediante o simples recurso de observar atentamente a paisagem interior dos pensamentos e dos sentimentos para contá-los de uma maneira incomum, inesperada. Um de seus maiores herdeiros é João Guimarães Rosa, que impressiona mais do que tudo por seu virtuosismo verbal e pelo ouvido finíssimo com que capta a música das vozes do sertão, no nordeste profundo de seu gigantesco país.

Entretanto, a única filha direta e legítima de Machado de Assis é Clarice Lispector, cuja obra misteriosa começa a difundir-se nos Estados Unidos com tanto ímpeto quanto a de Roberto Bolaño. O chileno foi consagrado pela revista The New Yorker, e o influente The New York Review of Books rendeu tributo a Lispector com um ensaio extenso de Lorrie Moore, a jovem deusa do minimalismo.

Moore adverte que a fama magnética de Lispector se deve em parte aos estudos sobre sua obra reunidos por Hélène Cixous, a quem as universidades francesas devem o apogeu dos estudos sobre a mulher. Na França, recorda Cixous, a extraordinária abstração da prosa de Lispector fez com que a vissem como uma filósofa. Quando ela assistiu a um encontro de teóricos sobre sua obra, abandonou a sala na metade da homenagem, dizendo que não entendia uma só palavra do jargão.

Uma das primeiras vezes que se ouviu falar de Lispector em Buenos Aires foi no final dos anos 70, quando circulou a lenda de que ela havia se queimado viva em sua casa no Rio de Janeiro.

Em 1969 o mítico editor argentino Paco Porrúa havia publicado na editora Sudamericana alguns de seus livros: os romances "A Maçã no Escuro", "A Paixão Segundo G.H." e "Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres", assim como os admiráveis contos de "Laços de Família". Lispector rompia com todas as convenções da arte de narrar e arrancava de cada palavra um tremor secreto, enigmático. Suas revelações eram como as de um teólogo oriental participando de uma dança ritual africana.

Quando a lemos, deslumbrados, na revista "Primera Plana", pensamos que era imperativo viajar para o Rio de Janeiro para decifrar seus segredos. Sara Porrúa, que na época era mulher de Paco, quis ser a primeira nessa busca.

As primeiras notícias que enviou dissipavam a fábula de que Lispector fora queimada viva. Sua cama havia se incendiado acidentalmente quando dormiu com um cigarro aceso. Mas a haviam resgatado a tempo. Sua estranha beleza tártara (os olhos amendoados e rasgados, as maçãs do rosto salientes, a constante expressão de angústia de seu rosto) havia desaparecido quando queimou o lado direito do corpo, imobilizando-lhe o braço. Nada, entretanto, apagava sua paixão por narrar o mundo.

Sara a encontrou mais algumas vezes e, com sua imagem intensa, inesquecível, perdeu-se nas selvas da Guatemala e transformou-se em personagem de Cortázar.

Dar uma ideia de sua imaginação só é possível através de algumas citações. O começo do romance "Uma Aprendizagem..." (1969) é uma frase que vem do nada. A porta de entrada desse livro é uma vírgula: ", estando tão ocupada, viera das compras de casa que a empregada fizera às pressas porque cada vez mais matava o serviço, embora só viesse para deixar almoço e jantar prontos...".

Antes desse comentário doméstico e trivial, Lispector surpreendeu o leitor com uma advertência que é também uma afirmação de seu ser:

"Este livro se pediu uma liberdade maior que tive medo de dar. Ele está muito acima de mim. Humildemente tentei escrevê-lo. Eu sou mais forte que eu. C.L."

E no final de "Água Viva", ergue a voz: "Não vou morrer, ouviu, Deus? Não tenho coragem, ouviu? Não me mate, ouviu? Porque é uma infâmia nascer para morrer não se sabe quando nem onde. Vou ficar muito alegre, ouviu? Como resposta, como insulto".

Seu desmedido desafio à morte impregna muitas das crônicas reunidas em "Revelación del Mundo", que incluem todas as que escreveu para o Jornal do Brasil entre 1967 e 1973. Outras, inéditas, serão publicadas no ano que vem em espanhol sob o título de "Descubrimientos".

Lispector continua sendo um enigma velado que assombra em cada frase, em cada desvio da vida. Morreu aos 57 anos de um câncer nos ovários, depois de ter passado os últimos anos fechada na solidão de sua casa do Leme, perto das areias de Copacabana.

Seu autorretrato cabe em uma frase: "Olhar-se ao espelho e dizer-se deslumbrada: Como sou misteriosa".

Tradução: Eloise De Vylder

Tomás Eloy Martínez
Analista político e escritor, o argentino Tomás Eloy Martínez é autor de livros como "Vôo da Rainha" e "O Cantor de Tango".