Leio numa entrevista do filósofo canadense Daniel Heller-Roazen, especializado em filosofia da linguagem, estas palavras que conseguem soar ao mesmo tempo estranhamente óbvias e serenamente espantosas: “O aprendizado da linguagem só é possibilitado por meio de um ato de esquecimento”.
Falando ao jornal “O Globo”, Heller-Roazen – cujo livro “Ecolalias: sobre o esquecimento das línguas” está saindo no Brasil pela Editora Unicamp – recorre ao linguista russo Roman Jakobson para explicar sua ideia: “Ele [Jakobson] descreve uma redução no escopo das variações sonoras articuladas pela criança, que, de uma série aparentemente inesgotável de possibilidades, passam a se conformar progressivamente, durante o processo de aprendizado da fala, aos padrões de uma língua específica”.
Ah, é desse esquecimento que se trata, então? Com irresponsabilidade crônica de cronista, antes de cumprir a obrigação básica de ler o livro do canadense, penso que a explicação dele faz sentido, mas de alguma forma é decepcionante também. Porque o papel do esquecimento parece ir muito além da infinidade de portas que, na linguagem como na vida, toda pessoa vai fechando à medida que cresce. Sem uma cota necessária de silêncio, como intuiu Wittgenstein, não há linguagem, assim como sem pausa, escuro, não há música ou forma. Quem já se entediou mortalmente com um filme de Baz Luhrmann, com sua tentativa histérica de afogar todos os silêncios num transbordamento de signos, conhece bem esse limite.
Mas a coisa ainda parece ir mais longe. Recordo-me então – se é que tenho o direito de pronunciar esse verbo sagrado, como diria Jorge Luis Borges – do conto Funes, o memorioso, em que o escritor argentino, o maior filósofo da linguagem que já militou na ficção, imagina um caipira aquinhoado com um dom sublime: uma memória que não deixa escapar nada, nenhum detalhe, por mais microscópico, de tudo o que lhe foi dado testemunhar na vida. Funes, conta Borges, “sabia as formas das nuvens austrais do amanhecer do trinta de abril de mil oitocentos e oitenta e dois e podia compará-las na lembrança aos veios de um livro encadernado em couro que vira somente uma vez e às linhas da espuma que um remo levantou no rio Negro na véspera da batalha do Quebracho”.
Decorre daí o fato genial de que Funes era uma besta, “incapaz de ideias gerais, platônicas. Não só lhe custava compreender que o símbolo genérico cão abrangesse tantos indivíduos de diversos tamanhos e diversa forma; aborrecia-o que o cão das três e catorze (visto de perfil) tivesse o mesmo nome que o cão das três e quarto (visto de frente)”. Como observa o escritor sul-africano J.M. Coetzee, admirador do mestre argentino, o memorioso personagem, por lhe ser vedada a bênção do esquecimento, do silêncio, “não consegue formar idéias gerais, e portanto – paradoxalmente, para alguém que é quase mente pura – não consegue pensar”.
(Do blog "Sobre palavras", de Sérgio Rodrigues)
"É CLARO QUE, COMO TODO ESCRITOR, TENHO A TENTAÇÃO DE USAR TERMOS SUCULENTOS: CONHEÇO ADJETIVOS ESPLENDOROSOS, CARNUDOS SUBSTANTIVOS E VERBOS TÃO ESGUIOS QUE ATRAVESSAM AGUDOS O AR EM VIAS DE AÇÃO, JÁ QUE A PALAVRA É AÇÃO, CONCORDAIS?" CLARICE LISPECTOR - "A HORA DA ESTRELA"
segunda-feira, agosto 16, 2010
Beirute, o paraíso dos espiões
LA VANGUARDIA
Tomás Alcoverro
Chemlan é um bonito vilarejo nas montanhas libanesas, com bosques de pinheiro. Mas não ficou famoso por sua paisagem arborizada ou por suas belas casas rodeadas de jardins, e sim por sua escola, a de maior prestígio do Oriente Médio, onde se ensinava árabe para estrangeiros. Foi lá que estudaram muitos espiões do mundo inteiro. A escola foi fechada há anos, no início da guerra civil, mas Beirute continua sendo um local propício para os espiões, com ou sem Guerra Fria.
No Líbano, os espiões, agentes duplos ou triplos, membros dos serviços secretos ou mujabarat, como se diz em árabe, atuam com toda liberdade, aproveitando a fraqueza do Estado, a fragmentação das identidades religiosas, as profundas ingerências estrangeiras. A história complexa de seus conflitos bélicos, das súbitas mudanças de alianças dos senhores da guerra, das alternâncias de excitação violenta com tempos de bonança, só podem ser vistas através da poderosa ação subterrânea e criminosa de suas redes de espionagem.
Houve uma época em que, no oeste de Beirute, onde vivia um punhado de jornalistas estrangeiros, era comum perguntar: “Quem é quem na cidade?”. Todo mundo suspeitava que os correspondentes desempenhavam outras atividades. Um belo dia, cansado de perguntas, ocorreu-me dizer: “sim, eu sou o agente dos serviços secretos do principado de Andorra”...
Nenhum magnicídio, seja de chefe de Estado, primeiro-ministro, embaixador, chefe de milícias, e nenhum atentado, por fatal e escandaloso que tenha sido, foi esclarecido. Seus autores trabalham com absoluta impunidade uma vez que as pistas, os indícios, as investigações se emaranham tanto que é impossível, por fim, identificá-las. Abu Iyad, que foi o homem de confiança de Yasser Arafat no apogeu da OLP, declarou em Beirute na década de 70 que “muitos atentados a bomba, assassinatos, sequestros, não eram nada mais do que um aspecto da guerra dos serviços secretos, um meio para manter vivo um conflito, por parte daqueles que buscam prolongá-lo.”
O final da Guerra Fria não acabou com a atividade multiforme, às vezes inapreensível, dos serviços de espionagem. Pelo contrário, os conflitos no Oriente Médio aumentaram e se agravaram, contradizendo todas aquelas teorias ocidentais ingênuas que proclamavam, rufando tambores, o final da história. Se alguns ficaram mais discretos ou perderam força, por causa das sacudidas históricas internacionais, outros ganharam mais vigor, como o do Hezbollah e Israel em sua guerra secreta neste território estratégico, a disputada varanda do Irã para o Mediterrâneo.
Cinco anos depois do atentado contra o ex-primeiro-ministro Rafik Hariri, protegido pela Arábia Saudita, e antigo aliado da Síria até fazer frente ao regime de Bashar el Asad, o Tribunal Especial para o Líbano ainda não redigiu sua ata de acusação.
Diante das insistentes especulações de que membros do Hezbollah poderiam estar comprometidos com o atentado, seu secretário-geral, o xeque Nasrallah, divulgou vídeos gravados a partir de aviões israelenses do itinerário em Beirute pouco antes do atentado em 14 de fevereiro contra o comboio de Hariri, captados por seu próprio sistema de vigilância; revelou informes de espiões detidos, contratados pelo Mossad, que não foram levados em conta pelo Tribunal na instrução do sumário; tratou de demonstrar com estes indícios, mais do que provas, a cumplicidade de Israel no dito ataque. Como parte das investigações judiciais se basearam em ligações de misteriosos telefones celulares, usados por chefes da segurança libanesa ou do serviço de inteligência do Hezbollah, antes da explosão, tentou persuadir, em meio ao que ele mesmo chamou de “guerra de opinião pública”, que este tribunal é imparcial por não levar em conta a pista israelense.
A guerra entre Israel e o Hezbollah é uma guerra mortal. No Líbano, desde o ano passado, foram detidos mais de 150 agentes, entre eles um general aposentado, vinculados ao Mossad. E os serviços de contraespionagem israelenses descobriram que o Hezbollah havia conseguido que árabes de nacionalidade israelense oferecessem informações sobre o general Gabi Askenazi, chefe do Estado Maior do Tsahal.Muitos países têm seus agentes secretos nesta capital.
Numerosas embaixadas – e até um consulado honorário da República de San Marino! - contam com agregados diplomáticos, membros camuflados dos serviços de inteligência. Beirute, vulnerável e sensual, é o infernal paraíso dos espiões.
Tradução: Eloise De Vylder
Tomás Alcoverro
Chemlan é um bonito vilarejo nas montanhas libanesas, com bosques de pinheiro. Mas não ficou famoso por sua paisagem arborizada ou por suas belas casas rodeadas de jardins, e sim por sua escola, a de maior prestígio do Oriente Médio, onde se ensinava árabe para estrangeiros. Foi lá que estudaram muitos espiões do mundo inteiro. A escola foi fechada há anos, no início da guerra civil, mas Beirute continua sendo um local propício para os espiões, com ou sem Guerra Fria.
No Líbano, os espiões, agentes duplos ou triplos, membros dos serviços secretos ou mujabarat, como se diz em árabe, atuam com toda liberdade, aproveitando a fraqueza do Estado, a fragmentação das identidades religiosas, as profundas ingerências estrangeiras. A história complexa de seus conflitos bélicos, das súbitas mudanças de alianças dos senhores da guerra, das alternâncias de excitação violenta com tempos de bonança, só podem ser vistas através da poderosa ação subterrânea e criminosa de suas redes de espionagem.
Houve uma época em que, no oeste de Beirute, onde vivia um punhado de jornalistas estrangeiros, era comum perguntar: “Quem é quem na cidade?”. Todo mundo suspeitava que os correspondentes desempenhavam outras atividades. Um belo dia, cansado de perguntas, ocorreu-me dizer: “sim, eu sou o agente dos serviços secretos do principado de Andorra”...
Nenhum magnicídio, seja de chefe de Estado, primeiro-ministro, embaixador, chefe de milícias, e nenhum atentado, por fatal e escandaloso que tenha sido, foi esclarecido. Seus autores trabalham com absoluta impunidade uma vez que as pistas, os indícios, as investigações se emaranham tanto que é impossível, por fim, identificá-las. Abu Iyad, que foi o homem de confiança de Yasser Arafat no apogeu da OLP, declarou em Beirute na década de 70 que “muitos atentados a bomba, assassinatos, sequestros, não eram nada mais do que um aspecto da guerra dos serviços secretos, um meio para manter vivo um conflito, por parte daqueles que buscam prolongá-lo.”
O final da Guerra Fria não acabou com a atividade multiforme, às vezes inapreensível, dos serviços de espionagem. Pelo contrário, os conflitos no Oriente Médio aumentaram e se agravaram, contradizendo todas aquelas teorias ocidentais ingênuas que proclamavam, rufando tambores, o final da história. Se alguns ficaram mais discretos ou perderam força, por causa das sacudidas históricas internacionais, outros ganharam mais vigor, como o do Hezbollah e Israel em sua guerra secreta neste território estratégico, a disputada varanda do Irã para o Mediterrâneo.
Cinco anos depois do atentado contra o ex-primeiro-ministro Rafik Hariri, protegido pela Arábia Saudita, e antigo aliado da Síria até fazer frente ao regime de Bashar el Asad, o Tribunal Especial para o Líbano ainda não redigiu sua ata de acusação.
Diante das insistentes especulações de que membros do Hezbollah poderiam estar comprometidos com o atentado, seu secretário-geral, o xeque Nasrallah, divulgou vídeos gravados a partir de aviões israelenses do itinerário em Beirute pouco antes do atentado em 14 de fevereiro contra o comboio de Hariri, captados por seu próprio sistema de vigilância; revelou informes de espiões detidos, contratados pelo Mossad, que não foram levados em conta pelo Tribunal na instrução do sumário; tratou de demonstrar com estes indícios, mais do que provas, a cumplicidade de Israel no dito ataque. Como parte das investigações judiciais se basearam em ligações de misteriosos telefones celulares, usados por chefes da segurança libanesa ou do serviço de inteligência do Hezbollah, antes da explosão, tentou persuadir, em meio ao que ele mesmo chamou de “guerra de opinião pública”, que este tribunal é imparcial por não levar em conta a pista israelense.
A guerra entre Israel e o Hezbollah é uma guerra mortal. No Líbano, desde o ano passado, foram detidos mais de 150 agentes, entre eles um general aposentado, vinculados ao Mossad. E os serviços de contraespionagem israelenses descobriram que o Hezbollah havia conseguido que árabes de nacionalidade israelense oferecessem informações sobre o general Gabi Askenazi, chefe do Estado Maior do Tsahal.Muitos países têm seus agentes secretos nesta capital.
Numerosas embaixadas – e até um consulado honorário da República de San Marino! - contam com agregados diplomáticos, membros camuflados dos serviços de inteligência. Beirute, vulnerável e sensual, é o infernal paraíso dos espiões.
Tradução: Eloise De Vylder
A MELHOR DECISÃO
Caso fizesse pelo menos a mais vaga noção de quem foi Gonçalves Dias, Lucélia teria concordado em gênero, número e grau com o bardo maranhense: a vida é combate.
Não se pode descrever de outra forma uma jornada diária que inclui 1) acordar às cinco e meia da manhã; 2) deixar os três filhos pequenos na creche do Centro Comunitário; 3) encarar uma viagem de ônibus de quase uma hora da Cidade Operária até o Calhau, passando por três Terminais de Integração, espremida dentro de uma sucata ambulante absurdamente lotada; 4) aturar, das oito até as cinco, uma dondoca cheia de caprichos e seus filhos prepotentes e arrogantes; 5) rever as crianças no começo da noite, moída, sem ânimo para brincar com os rebentos, cujo autor não teve a coragem de assumir a paternidade e abandonou os quatro à própria sorte.
Lucélia pertence à idéia comum que as classes mais favorecidas estabelecem a respeito de quem não teve a mesma sorte e acaba enfrentando as agruras descritas no parágrafo anterior: jovem negra, alfabetizada na marra, não chegou a concluir o segundo grau, não resistiu aos apelos da carne (sem a prevenção necessária), mãe solteira, sobrevivendo a duras penas dentro de um sistema que, afinal de contas e apesar dos pesares, jamais funcionará para todos.
Mas Lucélia não é tão estúpida quanto imaginam os comedores de caviar. Ela tem lá suas opiniões. Está certo que são pontos de vista “globalizados” – não dorme antes de ouvir o que William Bonner pensa de determinado assunto. É apaixonada pelo âncora. Disse certa vez a uma vizinha: “Se ele me conhecesse, essa Fátima ia dançar”. A vizinha riu e, sem piedade, declarou: “Se tu passasse na frente dele, ele ia era sair correndo, pensando que tu é algum extraterrestre”. Lucélia e sua interlocutora estavam a léguas de distância de se considerarem uma Larissa Riquelme. No entanto, sonhar não custa nada, não é verdade?
Lucélia também não pode perder sua novela das 8, que ultimamente vem passando às 9 e meia ou às 9 e 45. Quando é quarta-feira, então, ela fica uma arara. Porque o folhetim acaba ficando espremido entre as sábias palavras de São Bonner e a porcaria do futebol. Jamais entenderá porque tanta gente se mata correndo atrás de uma bola idiota. Por outro lado, acha aquele rapaz, o Kaká, e aquele outro, o Cristiano Ronaldo, pedaços de mau caminho.
No fim de semana passado, ela me ligou. Somos amigos faz tempo. Estava preocupada. Perguntei a razão. Ela me deu duas: 1) conheceu uma agenciadora; 2) foi convidada para trabalhar na campanha de um candidato a uma cadeira na Câmara Federal. Acredito que não preciso explicar muito a respeito da primeira. É o tipo de gente que quer ganhar dinheiro de qualquer forma e acaba empurrando as moças (ou mesmo meninas) para a mesma vala comum na qual está costumada a transitar.
Quanto ao candidato: não é um dos nomes mais recomendáveis. Pratica nepotismo a torto e a direito. É chegado num tráfico de influências. Foi um vereador que esqueceu suas bases lá no Coroadinho e se deixou seduzir pelo poder. Cansou de andar de Fusca – agora tem uma Hilux. Era vivo e morto em pagodes fundo de quintal – passou a freqüentar as casas noturnas da burguesia endinheirada.
“O que eu faço?”, me perguntou Lucélia, aflita. A resposta não é tão óbvia quanto parece. É muito fácil para mim e para você dizer a ela: “Entre dois males, escolha o melhor”. E o “melhor”, nesse caso, seria participar de bandeiraços, a fim de ajudar a eleger um canalha. Alguém que respira, come, dorme, acorda e fede a corrupção. Como eu já deixei bem claro, minha amiga tem lá suas opiniões. Pelo pouquíssimo que entende de política, sabe quem presta e quem não presta.
É claro que disse a ela o que pensava. Na qualidade de alguém que gosta de ver o diabo sair da garrafa, cogitei sem o ergo sum: “Você sempre pode optar pela prostituição”. E por que não?
Pelo menos, seria uma decisão mais sensata.
Não se pode descrever de outra forma uma jornada diária que inclui 1) acordar às cinco e meia da manhã; 2) deixar os três filhos pequenos na creche do Centro Comunitário; 3) encarar uma viagem de ônibus de quase uma hora da Cidade Operária até o Calhau, passando por três Terminais de Integração, espremida dentro de uma sucata ambulante absurdamente lotada; 4) aturar, das oito até as cinco, uma dondoca cheia de caprichos e seus filhos prepotentes e arrogantes; 5) rever as crianças no começo da noite, moída, sem ânimo para brincar com os rebentos, cujo autor não teve a coragem de assumir a paternidade e abandonou os quatro à própria sorte.
Lucélia pertence à idéia comum que as classes mais favorecidas estabelecem a respeito de quem não teve a mesma sorte e acaba enfrentando as agruras descritas no parágrafo anterior: jovem negra, alfabetizada na marra, não chegou a concluir o segundo grau, não resistiu aos apelos da carne (sem a prevenção necessária), mãe solteira, sobrevivendo a duras penas dentro de um sistema que, afinal de contas e apesar dos pesares, jamais funcionará para todos.
Mas Lucélia não é tão estúpida quanto imaginam os comedores de caviar. Ela tem lá suas opiniões. Está certo que são pontos de vista “globalizados” – não dorme antes de ouvir o que William Bonner pensa de determinado assunto. É apaixonada pelo âncora. Disse certa vez a uma vizinha: “Se ele me conhecesse, essa Fátima ia dançar”. A vizinha riu e, sem piedade, declarou: “Se tu passasse na frente dele, ele ia era sair correndo, pensando que tu é algum extraterrestre”. Lucélia e sua interlocutora estavam a léguas de distância de se considerarem uma Larissa Riquelme. No entanto, sonhar não custa nada, não é verdade?
Lucélia também não pode perder sua novela das 8, que ultimamente vem passando às 9 e meia ou às 9 e 45. Quando é quarta-feira, então, ela fica uma arara. Porque o folhetim acaba ficando espremido entre as sábias palavras de São Bonner e a porcaria do futebol. Jamais entenderá porque tanta gente se mata correndo atrás de uma bola idiota. Por outro lado, acha aquele rapaz, o Kaká, e aquele outro, o Cristiano Ronaldo, pedaços de mau caminho.
No fim de semana passado, ela me ligou. Somos amigos faz tempo. Estava preocupada. Perguntei a razão. Ela me deu duas: 1) conheceu uma agenciadora; 2) foi convidada para trabalhar na campanha de um candidato a uma cadeira na Câmara Federal. Acredito que não preciso explicar muito a respeito da primeira. É o tipo de gente que quer ganhar dinheiro de qualquer forma e acaba empurrando as moças (ou mesmo meninas) para a mesma vala comum na qual está costumada a transitar.
Quanto ao candidato: não é um dos nomes mais recomendáveis. Pratica nepotismo a torto e a direito. É chegado num tráfico de influências. Foi um vereador que esqueceu suas bases lá no Coroadinho e se deixou seduzir pelo poder. Cansou de andar de Fusca – agora tem uma Hilux. Era vivo e morto em pagodes fundo de quintal – passou a freqüentar as casas noturnas da burguesia endinheirada.
“O que eu faço?”, me perguntou Lucélia, aflita. A resposta não é tão óbvia quanto parece. É muito fácil para mim e para você dizer a ela: “Entre dois males, escolha o melhor”. E o “melhor”, nesse caso, seria participar de bandeiraços, a fim de ajudar a eleger um canalha. Alguém que respira, come, dorme, acorda e fede a corrupção. Como eu já deixei bem claro, minha amiga tem lá suas opiniões. Pelo pouquíssimo que entende de política, sabe quem presta e quem não presta.
É claro que disse a ela o que pensava. Na qualidade de alguém que gosta de ver o diabo sair da garrafa, cogitei sem o ergo sum: “Você sempre pode optar pela prostituição”. E por que não?
Pelo menos, seria uma decisão mais sensata.
domingo, agosto 15, 2010
O preço de uma vida no Afeganistão
DER SPIEGEL
Jochen-Martin Gutsch
O exército alemão pagará US$ 5 mil (R$ 8,85 mil) de indenizações para cada família que perdeu um integrante num ataque aéreo ordenado pela Alemanha no Afeganistão. Mas o gesto aparentemente generoso é apenas o capítulo mais recente de uma disputa bizarra sobre o quanto vale a vida de um civil no Afeganistão.
É uma tarde quente de terça-feira em Kunduz, mais de oito meses depois de um bombardeio fatal ordenado pela Alemanha contra dois caminhões sequestrados que ficaram preso [s] no leito de um rio. Karim Popal, sentado de pernas cruzadas no chão, conta a seus interlocutores que a Alemanha pretende pagar 4 mil euros (cera de US$ 5.280, ou R$ 9.120) para cada civil morto no incidente de 4 de setembro de 2009.
“Quatro mil euros de indenização”, diz Popal, olhando para o grupo. A sala cheira a carpete, homens, pés e a poeira da rua que entra pela janela.
Popal, que diferentemente de seus ouvintes está usando meias, está cercado por 15 homens vestidos com roupas tradicionais afegãs. Eles são anciãos do vilarejo de Chahar Dara, o distrito em torno de Kunduz. A maioria delas é cliente de Popal.
“Quatro mil euros é muito pouco”, diz um homem no grupo.
Popal concorda com a cabeça.
Os 15 homens olham para Popal. Quatro mil euros. Eles sabem que ele é seu advogado, e que ele está ao seu lado, mas de certa forma esperavam mais.
“Uma quantia razoável”
Mais ou menos no mesmo momento em Berlim, um homem forte e de cabelo curto está no Ministério da Defesa alemão. “Acho que 4 mil ou 5 mil euros são uma quantia razoável para o país”, diz ele.
O homem forte usa um colete de couro marrom, jeans e sandálias. Ele parece um atendente de bar. Ele só concordou em falar à reportagem sob a condição de permanecer anônimo. Ele passou meses negociando um acordo de indenizações com Karim Popal e outros advogados. Não houve acordo, apenas ideias diferentes sobre o que deveria ser uma indenização apropriada.
“O padrão de vida no Afeganistão é um fator chave”, diz o homem forte, recostando-se em sua cadeira. “Estamos falando de uma cultura estrangeira, e é importante não causar inveja lá.”
Desde essa conversa, o Ministério da Defesa estabeleceu um número. Na última quinta-feira, ele anunciou que cada família das vítimas receberia US$ 5 mil. Isso significa que o maior erro militar do Bundeswehr vai custar ao governo alemão apenas US$ 500 mil.
Por enquanto, este foi o último movimento numa disputa de meses por apenas uma questão: quanto vale a vida humana? Mais especificamente, quanto vale a vida de um afegão? A questão é fonte de uma disputa entre o Ministério da Defesa alemão e as famílias das vítimas, que são representadas por uma equipe de advogados alemães que trabalham com Popal.
Solução nada realista
Quando Popal estava sentado no chão naquela tarde de terça-feira em Kunduz, falando com os anciãos do local, quando ele ainda acreditava que podia fazer algo por eles, ele disse: “vou pedir US$ 33 mil para cada pessoa morta. Escreverei para o tribunal na Alemanha, o tribunal regional em Bonn. E daí vamos ver o que acontece.”
Os anciãos concordaram. Era difícil avaliar o que eles estavam pensando. Eles são fazendeiros analfabetos, e nenhum deles nunca foi para a Alemanha. Agora ficaram sabendo que havia um tribunal alemão que poderia chegar a um veredicto sobre o caso deles. Não parecia uma solução realista para eles. Parecia mais um filme no qual fazendeiros afegãos, numa improvável reviravolta do destino, processavam o governo alemão por danos.
“Não sei se vamos conseguir”, diz Popal, olhando para suas meias. “E também pode levar algum tempo. Talvez um ou dois anos. Não sei.”
Nenhum caso
Meia hora mais tarde, Popal estava sentado nos degraus da entrada do Hotel Kunduz, acendendo um cigarro. Ele estava hospedado num quarto simples do hotel, mobiliado com pouco mais do que uma cama, um banheiro e uma televisão quebrada. No dia seguinte, Popal planejava se encontrar com o resto de seus clientes e convencê-los a apoiar o processo.
Será que ele tem alguma chance de ganhar um caso como este?
“As chances são boas”, diz Popal. “Eu diria de 60%.”
No Ministério da Defesa em Berlim, o homem forte sorri. “Não estamos terrivelmente preocupados com um processo ou um julgamento”, diz ele.
Por que não?
O homem diz que ele tem uma opinião legal preparada. A conclusão, diz ele, resumindo, é que o processo não terá sucesso. Os familiares sobreviventes das vítimas não têm um caso contra o Bundeswehr. O homem forte dá de ombros, como se dizendo: desculpe, mas é assim.
O fim da guerra limpa alemã
Há opiniões certamente diferentes entre os especialistas legais. O fato é que nunca houve uma ordem decisiva do tribunal na Alemanha, de acordo com a atual lei alemã, de que indivíduos podem entrar com processos por danos contra países em guerra.
Kunduz é o maior caso de Popal. Para o Ministério da Defesa, é um enorme pesadelo, tanto político quanto em termos dos problemas de imagem que ele criou. Se há uma coisa que o incidente trágico deixou claro é que não existe mais uma coisa como uma guerra limpa da Alemanha no Afeganistão.
Por ordens do coronel alemão Georg Klein, jatos norte-americanos F-15 lançaram duas bombas de 220 quilos na noite entre 3 e 4 de setembro de 2009. As bombas destruíram dois caminhões tanques que haviam sido sequestrados por guerrilheiros do Taleban. Muitas pessoas morreram naquela noite, incluindo civis que tinham ido ao local para sifonar gasolina dos caminhões. O número exato de mortos ainda não está claro até hoje. De acordo com o governo afegão, 30 civis foram mortos. A Cruz Vermelha Internacional diz que foram 74, a Anistia Internacional fala em 83 e a Organização Internacional para a Migração (IOM) diz que foram cerca de 95. Popal diz que 113 civis foram mortos.
Discrepâncias de lado, é inquestionável que o bombardeio em Kunduz aquela noite tenha sido o ataque mais sangrento que soldados alemães ordenaram desde a 2ª Guerra Mundial. Mas hoje, meses depois, parece que o incidente está sendo subestimado e retratado como uma ofensa menor. Um caso de US$ 5 mil, por assim dizer.
Um ano de espera
Em 4 de setembro, completará um ano desde que as bombas foram lançadas em Kunduz. Foi um ano no qual os mortos foram enterrados nos vilarejos, um ano em que os sobreviventes esperaram que algo acontecesse na Alemanha. Foi um ano em que as autoridades alemãs não encontraram uma forma de reagir, de forma rápida e apropriada, ao erro fatal do coronel alemão. E foi um ano no qual Kunduz se tornou um precedente para a forma como a Alemanha lida com as mortes de civis na guerra.
Depois de receber um telefonema alarmante de Kunduz em 4 de setembro, Popal foi o primeiro advogado a responder às vítimas. Popal tem 53 anos e é dono de um pequeno escritório de advocacia na cidade de Bremen, no norte da Alemanha. Ele é especializado em questões de asilo e imigração, talvez porque algumas áreas da lei afetem sua própria vida. Popal nasceu no Afeganistão e foi criado em Cabul. Seu pai foi governador e ministro das finanças do antigo rei afegão. Em 1978, depois do golpe comunista, Popal deixou o Afeganistão e foi para a Alemanha, onde se tornou um advogado na cidade relativamente tranquila de Bremen. Não parecia que Popal voltaria a desempenhar um papel no mundo da política.
Talvez ele tenha sentido que era seu dever assumir o caso. Com certeza isso o deixava orgulhoso. Era maior do que Bremen, o tipo de caso com o qual os advogados sonham. E quem seria o melhor homem para o trabalho senão ele? Um germânico-afegão resolvendo um problema germânico-afegão?
Mas ficou claro que Popal havia tropeçado num escândalo político, que ele acreditava que podia contornar com as ferramentas da lei. Mas tudo logo se transformou num jogo de poker, ou talvez numa partida de boxe.
Falta de identificação
Popal voou para Kunduz várias vezes no outono. Ele montou uma equipe de investigação que incluiu um ex-membro provincial do parlamento, uma ginecologista, um mulá e o chefe do distrito de Chahar Dara. A tarefa deles era fazer a lista das vítimas. Mas os mortos já estavam enterrados há tempos, e não existem certidões de nascimento ou de óbito no Afeganistão. Muitos dos moradores do vilarejo não têm nenhum tipo de identificação. E como eles iriam determinar quem era civil e quem era um guerrilheiro do Taleban? A equipe de Popal reuniu toda documentação que pode encontrar: títulos de eleitor, carteiras de motorista, fotos de família e declarações de testemunhas. As famílias das vítimas o nomearam como procurador. A maioria assina documentos com a impressão digital.
Enquanto ele estava em Bremen, entre duas viagens a Kunduz, Popal recebeu um e-mail de um advogado em Berlim. O advogado, cujo nome era Markus Goldbach, escreveu que queria participar do caso, junto com dois colegas experientes. Sabendo que ele poderia usar essa ajuda, Popal contatou Goldbbach, e em breve havia quatro advogados cuidando do caso de Kunduz: Popal, Goldbach, o advogado de Frankfurt Oliver Wallasch e o advogado de Berlim Andreas Schulz.
Parecia bom
Em 3 de dezembro, o ministro da Defesa Karl-Theodor zu Guttenberg dirigiu-se ao parlamento alemão, o Bundestag, e disse que o ataque tinha sido “militarmente desproporcional”. Em 7 de dezembro, o governo alemão anunciou que pretendia recompensar as famílias dos civis mortos. O homem forte do Ministério da Defesa contatou Popal e sua equipe de advogados para propor uma negociação.
O caso parecia bom para Popal e seu grupo, e eles esperavam conclui-lo rapidamente.
Mas não foi isso o que aconteceu. Começou uma disputa que continua a afetar o caso ainda hoje. Isso é surpreendente, porque se trata de um caso que toca em temas muito importantes: a política mundial, o Afeganistão, o Bundeswehr e a guerra. E no entanto, no fim das contas, o ritmo foi estabelecido por algo extremamente mundano: incompatibilidade entre os advogados.
“Tudo o que tínhamos que fazer era chutar a bola para o gol”
“Havia uma oportunidade de ouro naquele momento”, diz Andreas Schulz, um dos advogados. “O Estado alemão, por meio de Guttenberg, havia admitido seus erros e portanto sua responsabilidade. O governo alemão estava sob uma pressão imensa. Para alguém que buscava reparação, era chutar o pênalti. Tudo o que tínhamos a fazer era chutar a bola para o gol.”
Shulz falou à reportagem sentado no jardim do elegante hotel Schlosshotel Grunewald em Berlim. É um dia quente de verão e ele usa um chapéu colorido e shorts. Seu Porsche preto conversível está estacionado ao sol do lado de fora da entrada do hotel. “Popal não conseguia lidar com o meu estilo. Ele se sentia inferior, como um pequeno advogado afegão que estava sendo menosprezado. Seu alemão não era perfeito, sua firma de advocacia era pequena e seu orçamento apertado”, diz Schulz, sorrindo.
Schulz e Popal se separaram quando Schulz disse numa entrevista a um jornal que “gostava” do número de US$ 500 mil por vítima. Popal terminou a colaboração dos dois via mensagem de texto. US$ 500 mil – aquele não era mais o mundo de Popal, não era mais seu caso.
Abordagem norte-americana
Talvez a melhor forma de explicar a disputa entre os dois homens seja dizer que Popal assumiu uma visão idealista e romântica do caso, enquanto Schulz preferiu a abordagem norte-americana. Popal imaginava uma compensação na forma de projetos de ajuda. Schultz queria fazer um trabalho que fosse financeiramente vantajoso para todas as partes envolvidas.
Depois disso, Popal procurou um parceiro que compartilhasse suas convicções. Ele encontrou esse parceiro em Bernhard Docke, advogado de Bremen que havia ficado famoso por representar Murat Kurnaz, um residente alemão que foi detido em Guantanamo Bay.
“Eu fui ingênuo. Mergulhei nesse caso sem uma estratégia”, diz Popal hoje. É verão, e caiu a noite em Kunduz. O barulho de um jato pode ser ouvido à distância, e em algum lugar na escuridão os norte-americanos estão caçando os membros do Talebã. Popal joga seu cigarro e acende outro. O caso ainda é dele. E ele insiste que é um caso importante: fazendeiros afegãos contratando um advogado para contestar as consequências da guerra. Quando foi que isso já aconteceu?
De acordo com a ONU, 2.412 civis morreram no Afeganistão em 2009, a maioria como resultado de ataques do Talebã. Mas o número também inclui cerca de 600 pessoas que morreram durante operações das tropas estrangeiras e das forças de segurança domésticas. Os sobreviventes costumam receber alguns milhares de dólares por seus parentes mortos, e a quantia depende de quem lançou a bomba ou atirou. Os norte-americanos costumam pagar US$ 2 mil. Os alemães chegaram a pagar até US$ 30 mil. Esses são pagamentos voluntários que não reconhecem nenhuma obrigação legal. Isso também faz parte de uma guerra que foi feita num contexto praticamente sem lei.
Parte da vida
No caso de Kunduz, as vítimas finalmente foram reconhecidas. Os sobreviventes estão exigindo seus direitos. Eles estão apelando para um governo, por assim dizer, tomando uma atitude legal. Eles têm advogados que vão a julgamentos. O caso de Kunduz é uma tentativa de aplicar a lei numa guerra.
Popal articulou tudo isso, mas às vezes ele se pergunta se vale a pena. O caso se tornou uma parte fundamental de sua vida agora, e Kunduz é agora a missão de Popal. O país de sua infância precisa se reconciliar com o país que ele escolheu para viver.
Popal foi mais absorvido pelo caso à medida que os meses se passaram. Em determinado momento, ele perdeu seu senso de perspectiva e suas dúvidas, que no fim das contas o tornavam vulnerável.
Quando questionado sobre o número de mortos, Popal se refere à sua lista e insiste que é a única acurada. Mas nenhuma lista como esta, não importa como seja compilada, pode ser mais do que uma tentativa de chegar a uma verdade aproximada levando em conta as condições no Afeganistão. Quando questionado sobre quantos guerrilheiros do Talebã estavam entre as vítimas do ataque aéreo, ele diz que havia cinco – como se esse número pudesse ser verificado. E quando questionado sobre chances num julgamento, ele responde “80%”.
“Primeiro minhas motivações eram humanitárias”, diz ele. “E ainda as tenho, é claro. Mas agora também quero mostrar que posso vencer esse caso.”
Enviada por DeusPara o Ministério da Defesa da Alemanha e seu forte negociador-chefe, a situação em janeiro deve ter sido enviada por Deus. O Ministério da Defesa esperava um trabalho fácil, uma vez que lutava contra uma equipe legal que estava em conflito e se desfazendo, liderada por Popal, um homem que lutava por sua reputação.
As negociações continuaram até março. Ninguém tinha experiência com um caso de indenização dessa magnitude. Popal e seu novo parceiro, Docke, propuseram projetos que poderiam fornecer um meio de vida para os sobreviventes, a maioria mulheres e crianças. Foram discutidos os custos dos projetos, os locais e os costumes afegãos.
No final de uma reunião em 19 de março, os dois lados concordaram em caracterizar suas intenções como “diálogos construtivos” e marcaram outra reunião. Em 30 de março, Docke recebeu um fax do Ministério da Defesa informando que as negociações foram terminadas. Ao mesmo tempo, o Ministério da Defesa começou a alimentar alguns jornalistas com informações. De repente, vários veículos da mídia passaram a informar que Docke e Popal haviam pedido uma taxa de 200 mil euros durante as negociações.
“Fiquei totalmente surpreso”, diz Docke. “Não houve nenhuma indicação de que as negociações seriam interrompidas. E nós nunca pedimos uma taxa de 200 mil euros.”
“Incomum e inapropriado”
No Ministério da Defesa em Berlim, o homem forte balança a cabeça indignado. Duzentos mil euros, diz ele – este é um pedido incomum e inapropriado. Então ele se serve de café e pega alguns biscoitos de um prato. “A situação com seus clientes não era clara”, diz o homem, comendo um biscoito. “De repente as famílias de 30 vítimas apareceram e pediram negociações diretas de indenização com o Bundeswehr. Foi então que percebemos quais interesses os advogados estavam de fato defendendo.”
Docke diz que informou imediatamente o ministério que nenhum de seus clientes havia desistido. “Tenho que perguntar a mim mesmo”, disse ele, “quem eram essas famílias de vítimas que apareceram de repente depois de meio ano.”
Perdendo o gás
O tempo passou. O verão chegou em Kunduz, e a guerra continuou. Na Alemanha, o caso parecia estar perdendo o gás.
Mas o governo alemão não pretendia oferecer uma assistência rápida com o mínimo de burocracia possível?
“Como você pode ajudar as pessoas rapidamente e sem burocracia se as famílias das vítimas contratam advogados e os advogados estabelecem o ritmo?”, pergunta o homem forte, reclinando-se em sua poltrona.
O caso teve mais uma virada crítica em julho. O homem forte estava de volta às negociações com os advogados das vítimas. A suposta demanda de uma taxa de 200 mil euros por parte dos advogados e a “situação obscura em relação aos clientes” - resumindo, todas as coisas que haviam levado o Ministério da Defesa a suspender as negociações a apenas três meses – de repente se tornaram irrelevantes.
“Conversas construtivas”
Popal e Docke, desmoralizados e tensos, não estavam mais diretamente envolvidos nas negociações. Em vez disso, eles estavam sendo representados por dois outros advogados com experiência em casos contra o Bundeswehr, Remo Klinger e Reiner Geulen, assim como Wolfgang Kaleck, um advogado de direitos humanos e secretário-geral do Centro Europeu pelos Direitos Humanos e Constitucionais. Os homens agora faziam parte da equipe legal de Popal.
As negociações continuaram durante todo o mês de julho. Mais uma vez, falou-se em “conversas construtivas” e projetos, incluindo a construção de um hospital em Kunduz. As equipes se encontraram três vezes. Enquanto isso, o Bundeswehr estava ocupado trabalhando na compensação dos sobreviventes no Afeganistão, sem consultar ninguém.
Os funcionários do Bundeswehr prepararam uma lista de 102 pessoas com direito à indenização, e então se encontraram com as famílias das vítimas e negociaram com elas. Cada família recebeu a oferta de um pagamento em dinheiro de cerca de 4 mil euros ou US$ 5 mil. Foram abertas contas no Banco de Cabul em Kunduz, e muitas das famílias das vítimas aceitaram a oferta do Bundeswehr. Elas precisavam do dinheiro. Depois de todas as investigações, listas de mortos e negociações sem sucesso dos últimos meses, elas estavam prontas para aceitar qualquer indenização.
A última palavra?
As negociações continuaram em Berlim, e um encontro foi marcado para 10 de agosto. Os advogados não ficaram felizes com a forma como as negociações estavam sendo conduzidas. Parecia possível chegar a um acordo.
Mas em 5 de agosto, o Ministério da Defesa informou os advogados que, por “motivos humanitários” e “sem o reconhecimento de uma obrigação legal”, havia chegado a um acordo com as famílias das vítimas. Os jornais, agências de notícias e redes de televisão noticiaram que o caso de Kunduz havia finalmente chegado a uma conclusão.
Parecia a palavra final.
Se alguém nesse caso pode ser visto como um vencedor, pode bem ser o homem forte do Ministério da Defesa. No começo do cano, ele e seus advogados ainda estavam negociando a ajuda do Ministério da Defesa. Agora o Bundeswehr pagará US$ 5 mil – não por cada vida que foi perdida, mas para cada família de uma vítima ou de várias vítimas. Em outras palavras, todas as famílias receberão a mesma indenização, não importa quantos familiares perderam no bombardeio de Kunduz. E o custo disso para o Bundeswehr? Meio milhão de dólares.
Nada mal para um negociador chefe.
Só um arranhão
No passado, a Alemanha chegou a pagar US$ 20 mil para a família de uma mulher afegã que foi morta num checkpoint, e US$ 33 mil por um menino afegão morto. O preço aparentemente caiu desde então. Isso foi em parte resultado da pressão dos aliados da Alemanha na Otan. Antes, os alemães eram vistos como aqueles que inflacionavam os preços no Afeganistão. O bombardeio de Kunduz, o trauma de guerra alemão, seu grande caso, é agora um caso de US$ 5 mil. Pode-se dizer que foi só um arranhão em tempos de guerra.
O bombardeio de Kunduz e os pedidos de indenização das famílias das vítimas podem terminar num tribunal alemão em breve. Se isso acontecer, juízes alemães, a milhares de quilômetros de distância da guerra, poderão ser obrigados a decidir quanto vale a vida que foi extinga [extinta] pela ordem de um coronel alemão. Karim Popal diz que pretende entrar com um processo por danos.
Tudo está preparado, diz Popal.
Tradução: Eloise De Vylder
Jochen-Martin Gutsch
O exército alemão pagará US$ 5 mil (R$ 8,85 mil) de indenizações para cada família que perdeu um integrante num ataque aéreo ordenado pela Alemanha no Afeganistão. Mas o gesto aparentemente generoso é apenas o capítulo mais recente de uma disputa bizarra sobre o quanto vale a vida de um civil no Afeganistão.
É uma tarde quente de terça-feira em Kunduz, mais de oito meses depois de um bombardeio fatal ordenado pela Alemanha contra dois caminhões sequestrados que ficaram preso [s] no leito de um rio. Karim Popal, sentado de pernas cruzadas no chão, conta a seus interlocutores que a Alemanha pretende pagar 4 mil euros (cera de US$ 5.280, ou R$ 9.120) para cada civil morto no incidente de 4 de setembro de 2009.
“Quatro mil euros de indenização”, diz Popal, olhando para o grupo. A sala cheira a carpete, homens, pés e a poeira da rua que entra pela janela.
Popal, que diferentemente de seus ouvintes está usando meias, está cercado por 15 homens vestidos com roupas tradicionais afegãs. Eles são anciãos do vilarejo de Chahar Dara, o distrito em torno de Kunduz. A maioria delas é cliente de Popal.
“Quatro mil euros é muito pouco”, diz um homem no grupo.
Popal concorda com a cabeça.
Os 15 homens olham para Popal. Quatro mil euros. Eles sabem que ele é seu advogado, e que ele está ao seu lado, mas de certa forma esperavam mais.
“Uma quantia razoável”
Mais ou menos no mesmo momento em Berlim, um homem forte e de cabelo curto está no Ministério da Defesa alemão. “Acho que 4 mil ou 5 mil euros são uma quantia razoável para o país”, diz ele.
O homem forte usa um colete de couro marrom, jeans e sandálias. Ele parece um atendente de bar. Ele só concordou em falar à reportagem sob a condição de permanecer anônimo. Ele passou meses negociando um acordo de indenizações com Karim Popal e outros advogados. Não houve acordo, apenas ideias diferentes sobre o que deveria ser uma indenização apropriada.
“O padrão de vida no Afeganistão é um fator chave”, diz o homem forte, recostando-se em sua cadeira. “Estamos falando de uma cultura estrangeira, e é importante não causar inveja lá.”
Desde essa conversa, o Ministério da Defesa estabeleceu um número. Na última quinta-feira, ele anunciou que cada família das vítimas receberia US$ 5 mil. Isso significa que o maior erro militar do Bundeswehr vai custar ao governo alemão apenas US$ 500 mil.
Por enquanto, este foi o último movimento numa disputa de meses por apenas uma questão: quanto vale a vida humana? Mais especificamente, quanto vale a vida de um afegão? A questão é fonte de uma disputa entre o Ministério da Defesa alemão e as famílias das vítimas, que são representadas por uma equipe de advogados alemães que trabalham com Popal.
Solução nada realista
Quando Popal estava sentado no chão naquela tarde de terça-feira em Kunduz, falando com os anciãos do local, quando ele ainda acreditava que podia fazer algo por eles, ele disse: “vou pedir US$ 33 mil para cada pessoa morta. Escreverei para o tribunal na Alemanha, o tribunal regional em Bonn. E daí vamos ver o que acontece.”
Os anciãos concordaram. Era difícil avaliar o que eles estavam pensando. Eles são fazendeiros analfabetos, e nenhum deles nunca foi para a Alemanha. Agora ficaram sabendo que havia um tribunal alemão que poderia chegar a um veredicto sobre o caso deles. Não parecia uma solução realista para eles. Parecia mais um filme no qual fazendeiros afegãos, numa improvável reviravolta do destino, processavam o governo alemão por danos.
“Não sei se vamos conseguir”, diz Popal, olhando para suas meias. “E também pode levar algum tempo. Talvez um ou dois anos. Não sei.”
Nenhum caso
Meia hora mais tarde, Popal estava sentado nos degraus da entrada do Hotel Kunduz, acendendo um cigarro. Ele estava hospedado num quarto simples do hotel, mobiliado com pouco mais do que uma cama, um banheiro e uma televisão quebrada. No dia seguinte, Popal planejava se encontrar com o resto de seus clientes e convencê-los a apoiar o processo.
Será que ele tem alguma chance de ganhar um caso como este?
“As chances são boas”, diz Popal. “Eu diria de 60%.”
No Ministério da Defesa em Berlim, o homem forte sorri. “Não estamos terrivelmente preocupados com um processo ou um julgamento”, diz ele.
Por que não?
O homem diz que ele tem uma opinião legal preparada. A conclusão, diz ele, resumindo, é que o processo não terá sucesso. Os familiares sobreviventes das vítimas não têm um caso contra o Bundeswehr. O homem forte dá de ombros, como se dizendo: desculpe, mas é assim.
O fim da guerra limpa alemã
Há opiniões certamente diferentes entre os especialistas legais. O fato é que nunca houve uma ordem decisiva do tribunal na Alemanha, de acordo com a atual lei alemã, de que indivíduos podem entrar com processos por danos contra países em guerra.
Kunduz é o maior caso de Popal. Para o Ministério da Defesa, é um enorme pesadelo, tanto político quanto em termos dos problemas de imagem que ele criou. Se há uma coisa que o incidente trágico deixou claro é que não existe mais uma coisa como uma guerra limpa da Alemanha no Afeganistão.
Por ordens do coronel alemão Georg Klein, jatos norte-americanos F-15 lançaram duas bombas de 220 quilos na noite entre 3 e 4 de setembro de 2009. As bombas destruíram dois caminhões tanques que haviam sido sequestrados por guerrilheiros do Taleban. Muitas pessoas morreram naquela noite, incluindo civis que tinham ido ao local para sifonar gasolina dos caminhões. O número exato de mortos ainda não está claro até hoje. De acordo com o governo afegão, 30 civis foram mortos. A Cruz Vermelha Internacional diz que foram 74, a Anistia Internacional fala em 83 e a Organização Internacional para a Migração (IOM) diz que foram cerca de 95. Popal diz que 113 civis foram mortos.
Discrepâncias de lado, é inquestionável que o bombardeio em Kunduz aquela noite tenha sido o ataque mais sangrento que soldados alemães ordenaram desde a 2ª Guerra Mundial. Mas hoje, meses depois, parece que o incidente está sendo subestimado e retratado como uma ofensa menor. Um caso de US$ 5 mil, por assim dizer.
Um ano de espera
Em 4 de setembro, completará um ano desde que as bombas foram lançadas em Kunduz. Foi um ano no qual os mortos foram enterrados nos vilarejos, um ano em que os sobreviventes esperaram que algo acontecesse na Alemanha. Foi um ano em que as autoridades alemãs não encontraram uma forma de reagir, de forma rápida e apropriada, ao erro fatal do coronel alemão. E foi um ano no qual Kunduz se tornou um precedente para a forma como a Alemanha lida com as mortes de civis na guerra.
Depois de receber um telefonema alarmante de Kunduz em 4 de setembro, Popal foi o primeiro advogado a responder às vítimas. Popal tem 53 anos e é dono de um pequeno escritório de advocacia na cidade de Bremen, no norte da Alemanha. Ele é especializado em questões de asilo e imigração, talvez porque algumas áreas da lei afetem sua própria vida. Popal nasceu no Afeganistão e foi criado em Cabul. Seu pai foi governador e ministro das finanças do antigo rei afegão. Em 1978, depois do golpe comunista, Popal deixou o Afeganistão e foi para a Alemanha, onde se tornou um advogado na cidade relativamente tranquila de Bremen. Não parecia que Popal voltaria a desempenhar um papel no mundo da política.
Talvez ele tenha sentido que era seu dever assumir o caso. Com certeza isso o deixava orgulhoso. Era maior do que Bremen, o tipo de caso com o qual os advogados sonham. E quem seria o melhor homem para o trabalho senão ele? Um germânico-afegão resolvendo um problema germânico-afegão?
Mas ficou claro que Popal havia tropeçado num escândalo político, que ele acreditava que podia contornar com as ferramentas da lei. Mas tudo logo se transformou num jogo de poker, ou talvez numa partida de boxe.
Falta de identificação
Popal voou para Kunduz várias vezes no outono. Ele montou uma equipe de investigação que incluiu um ex-membro provincial do parlamento, uma ginecologista, um mulá e o chefe do distrito de Chahar Dara. A tarefa deles era fazer a lista das vítimas. Mas os mortos já estavam enterrados há tempos, e não existem certidões de nascimento ou de óbito no Afeganistão. Muitos dos moradores do vilarejo não têm nenhum tipo de identificação. E como eles iriam determinar quem era civil e quem era um guerrilheiro do Taleban? A equipe de Popal reuniu toda documentação que pode encontrar: títulos de eleitor, carteiras de motorista, fotos de família e declarações de testemunhas. As famílias das vítimas o nomearam como procurador. A maioria assina documentos com a impressão digital.
Enquanto ele estava em Bremen, entre duas viagens a Kunduz, Popal recebeu um e-mail de um advogado em Berlim. O advogado, cujo nome era Markus Goldbach, escreveu que queria participar do caso, junto com dois colegas experientes. Sabendo que ele poderia usar essa ajuda, Popal contatou Goldbbach, e em breve havia quatro advogados cuidando do caso de Kunduz: Popal, Goldbach, o advogado de Frankfurt Oliver Wallasch e o advogado de Berlim Andreas Schulz.
Parecia bom
Em 3 de dezembro, o ministro da Defesa Karl-Theodor zu Guttenberg dirigiu-se ao parlamento alemão, o Bundestag, e disse que o ataque tinha sido “militarmente desproporcional”. Em 7 de dezembro, o governo alemão anunciou que pretendia recompensar as famílias dos civis mortos. O homem forte do Ministério da Defesa contatou Popal e sua equipe de advogados para propor uma negociação.
O caso parecia bom para Popal e seu grupo, e eles esperavam conclui-lo rapidamente.
Mas não foi isso o que aconteceu. Começou uma disputa que continua a afetar o caso ainda hoje. Isso é surpreendente, porque se trata de um caso que toca em temas muito importantes: a política mundial, o Afeganistão, o Bundeswehr e a guerra. E no entanto, no fim das contas, o ritmo foi estabelecido por algo extremamente mundano: incompatibilidade entre os advogados.
“Tudo o que tínhamos que fazer era chutar a bola para o gol”
“Havia uma oportunidade de ouro naquele momento”, diz Andreas Schulz, um dos advogados. “O Estado alemão, por meio de Guttenberg, havia admitido seus erros e portanto sua responsabilidade. O governo alemão estava sob uma pressão imensa. Para alguém que buscava reparação, era chutar o pênalti. Tudo o que tínhamos a fazer era chutar a bola para o gol.”
Shulz falou à reportagem sentado no jardim do elegante hotel Schlosshotel Grunewald em Berlim. É um dia quente de verão e ele usa um chapéu colorido e shorts. Seu Porsche preto conversível está estacionado ao sol do lado de fora da entrada do hotel. “Popal não conseguia lidar com o meu estilo. Ele se sentia inferior, como um pequeno advogado afegão que estava sendo menosprezado. Seu alemão não era perfeito, sua firma de advocacia era pequena e seu orçamento apertado”, diz Schulz, sorrindo.
Schulz e Popal se separaram quando Schulz disse numa entrevista a um jornal que “gostava” do número de US$ 500 mil por vítima. Popal terminou a colaboração dos dois via mensagem de texto. US$ 500 mil – aquele não era mais o mundo de Popal, não era mais seu caso.
Abordagem norte-americana
Talvez a melhor forma de explicar a disputa entre os dois homens seja dizer que Popal assumiu uma visão idealista e romântica do caso, enquanto Schulz preferiu a abordagem norte-americana. Popal imaginava uma compensação na forma de projetos de ajuda. Schultz queria fazer um trabalho que fosse financeiramente vantajoso para todas as partes envolvidas.
Depois disso, Popal procurou um parceiro que compartilhasse suas convicções. Ele encontrou esse parceiro em Bernhard Docke, advogado de Bremen que havia ficado famoso por representar Murat Kurnaz, um residente alemão que foi detido em Guantanamo Bay.
“Eu fui ingênuo. Mergulhei nesse caso sem uma estratégia”, diz Popal hoje. É verão, e caiu a noite em Kunduz. O barulho de um jato pode ser ouvido à distância, e em algum lugar na escuridão os norte-americanos estão caçando os membros do Talebã. Popal joga seu cigarro e acende outro. O caso ainda é dele. E ele insiste que é um caso importante: fazendeiros afegãos contratando um advogado para contestar as consequências da guerra. Quando foi que isso já aconteceu?
De acordo com a ONU, 2.412 civis morreram no Afeganistão em 2009, a maioria como resultado de ataques do Talebã. Mas o número também inclui cerca de 600 pessoas que morreram durante operações das tropas estrangeiras e das forças de segurança domésticas. Os sobreviventes costumam receber alguns milhares de dólares por seus parentes mortos, e a quantia depende de quem lançou a bomba ou atirou. Os norte-americanos costumam pagar US$ 2 mil. Os alemães chegaram a pagar até US$ 30 mil. Esses são pagamentos voluntários que não reconhecem nenhuma obrigação legal. Isso também faz parte de uma guerra que foi feita num contexto praticamente sem lei.
Parte da vida
No caso de Kunduz, as vítimas finalmente foram reconhecidas. Os sobreviventes estão exigindo seus direitos. Eles estão apelando para um governo, por assim dizer, tomando uma atitude legal. Eles têm advogados que vão a julgamentos. O caso de Kunduz é uma tentativa de aplicar a lei numa guerra.
Popal articulou tudo isso, mas às vezes ele se pergunta se vale a pena. O caso se tornou uma parte fundamental de sua vida agora, e Kunduz é agora a missão de Popal. O país de sua infância precisa se reconciliar com o país que ele escolheu para viver.
Popal foi mais absorvido pelo caso à medida que os meses se passaram. Em determinado momento, ele perdeu seu senso de perspectiva e suas dúvidas, que no fim das contas o tornavam vulnerável.
Quando questionado sobre o número de mortos, Popal se refere à sua lista e insiste que é a única acurada. Mas nenhuma lista como esta, não importa como seja compilada, pode ser mais do que uma tentativa de chegar a uma verdade aproximada levando em conta as condições no Afeganistão. Quando questionado sobre quantos guerrilheiros do Talebã estavam entre as vítimas do ataque aéreo, ele diz que havia cinco – como se esse número pudesse ser verificado. E quando questionado sobre chances num julgamento, ele responde “80%”.
“Primeiro minhas motivações eram humanitárias”, diz ele. “E ainda as tenho, é claro. Mas agora também quero mostrar que posso vencer esse caso.”
Enviada por DeusPara o Ministério da Defesa da Alemanha e seu forte negociador-chefe, a situação em janeiro deve ter sido enviada por Deus. O Ministério da Defesa esperava um trabalho fácil, uma vez que lutava contra uma equipe legal que estava em conflito e se desfazendo, liderada por Popal, um homem que lutava por sua reputação.
As negociações continuaram até março. Ninguém tinha experiência com um caso de indenização dessa magnitude. Popal e seu novo parceiro, Docke, propuseram projetos que poderiam fornecer um meio de vida para os sobreviventes, a maioria mulheres e crianças. Foram discutidos os custos dos projetos, os locais e os costumes afegãos.
No final de uma reunião em 19 de março, os dois lados concordaram em caracterizar suas intenções como “diálogos construtivos” e marcaram outra reunião. Em 30 de março, Docke recebeu um fax do Ministério da Defesa informando que as negociações foram terminadas. Ao mesmo tempo, o Ministério da Defesa começou a alimentar alguns jornalistas com informações. De repente, vários veículos da mídia passaram a informar que Docke e Popal haviam pedido uma taxa de 200 mil euros durante as negociações.
“Fiquei totalmente surpreso”, diz Docke. “Não houve nenhuma indicação de que as negociações seriam interrompidas. E nós nunca pedimos uma taxa de 200 mil euros.”
“Incomum e inapropriado”
No Ministério da Defesa em Berlim, o homem forte balança a cabeça indignado. Duzentos mil euros, diz ele – este é um pedido incomum e inapropriado. Então ele se serve de café e pega alguns biscoitos de um prato. “A situação com seus clientes não era clara”, diz o homem, comendo um biscoito. “De repente as famílias de 30 vítimas apareceram e pediram negociações diretas de indenização com o Bundeswehr. Foi então que percebemos quais interesses os advogados estavam de fato defendendo.”
Docke diz que informou imediatamente o ministério que nenhum de seus clientes havia desistido. “Tenho que perguntar a mim mesmo”, disse ele, “quem eram essas famílias de vítimas que apareceram de repente depois de meio ano.”
Perdendo o gás
O tempo passou. O verão chegou em Kunduz, e a guerra continuou. Na Alemanha, o caso parecia estar perdendo o gás.
Mas o governo alemão não pretendia oferecer uma assistência rápida com o mínimo de burocracia possível?
“Como você pode ajudar as pessoas rapidamente e sem burocracia se as famílias das vítimas contratam advogados e os advogados estabelecem o ritmo?”, pergunta o homem forte, reclinando-se em sua poltrona.
O caso teve mais uma virada crítica em julho. O homem forte estava de volta às negociações com os advogados das vítimas. A suposta demanda de uma taxa de 200 mil euros por parte dos advogados e a “situação obscura em relação aos clientes” - resumindo, todas as coisas que haviam levado o Ministério da Defesa a suspender as negociações a apenas três meses – de repente se tornaram irrelevantes.
“Conversas construtivas”
Popal e Docke, desmoralizados e tensos, não estavam mais diretamente envolvidos nas negociações. Em vez disso, eles estavam sendo representados por dois outros advogados com experiência em casos contra o Bundeswehr, Remo Klinger e Reiner Geulen, assim como Wolfgang Kaleck, um advogado de direitos humanos e secretário-geral do Centro Europeu pelos Direitos Humanos e Constitucionais. Os homens agora faziam parte da equipe legal de Popal.
As negociações continuaram durante todo o mês de julho. Mais uma vez, falou-se em “conversas construtivas” e projetos, incluindo a construção de um hospital em Kunduz. As equipes se encontraram três vezes. Enquanto isso, o Bundeswehr estava ocupado trabalhando na compensação dos sobreviventes no Afeganistão, sem consultar ninguém.
Os funcionários do Bundeswehr prepararam uma lista de 102 pessoas com direito à indenização, e então se encontraram com as famílias das vítimas e negociaram com elas. Cada família recebeu a oferta de um pagamento em dinheiro de cerca de 4 mil euros ou US$ 5 mil. Foram abertas contas no Banco de Cabul em Kunduz, e muitas das famílias das vítimas aceitaram a oferta do Bundeswehr. Elas precisavam do dinheiro. Depois de todas as investigações, listas de mortos e negociações sem sucesso dos últimos meses, elas estavam prontas para aceitar qualquer indenização.
A última palavra?
As negociações continuaram em Berlim, e um encontro foi marcado para 10 de agosto. Os advogados não ficaram felizes com a forma como as negociações estavam sendo conduzidas. Parecia possível chegar a um acordo.
Mas em 5 de agosto, o Ministério da Defesa informou os advogados que, por “motivos humanitários” e “sem o reconhecimento de uma obrigação legal”, havia chegado a um acordo com as famílias das vítimas. Os jornais, agências de notícias e redes de televisão noticiaram que o caso de Kunduz havia finalmente chegado a uma conclusão.
Parecia a palavra final.
Se alguém nesse caso pode ser visto como um vencedor, pode bem ser o homem forte do Ministério da Defesa. No começo do cano, ele e seus advogados ainda estavam negociando a ajuda do Ministério da Defesa. Agora o Bundeswehr pagará US$ 5 mil – não por cada vida que foi perdida, mas para cada família de uma vítima ou de várias vítimas. Em outras palavras, todas as famílias receberão a mesma indenização, não importa quantos familiares perderam no bombardeio de Kunduz. E o custo disso para o Bundeswehr? Meio milhão de dólares.
Nada mal para um negociador chefe.
Só um arranhão
No passado, a Alemanha chegou a pagar US$ 20 mil para a família de uma mulher afegã que foi morta num checkpoint, e US$ 33 mil por um menino afegão morto. O preço aparentemente caiu desde então. Isso foi em parte resultado da pressão dos aliados da Alemanha na Otan. Antes, os alemães eram vistos como aqueles que inflacionavam os preços no Afeganistão. O bombardeio de Kunduz, o trauma de guerra alemão, seu grande caso, é agora um caso de US$ 5 mil. Pode-se dizer que foi só um arranhão em tempos de guerra.
O bombardeio de Kunduz e os pedidos de indenização das famílias das vítimas podem terminar num tribunal alemão em breve. Se isso acontecer, juízes alemães, a milhares de quilômetros de distância da guerra, poderão ser obrigados a decidir quanto vale a vida que foi extinga [extinta] pela ordem de um coronel alemão. Karim Popal diz que pretende entrar com um processo por danos.
Tudo está preparado, diz Popal.
Tradução: Eloise De Vylder
sábado, agosto 14, 2010
"Nós já nascemos filósofos", diz Gaarder
Escritor de "O Mundo de Sofia", best-seller entre os jovens, diz que achou mais fácil escrever sobre casal adulto
Trama de "O Castelo nos Pirineus", a ser lançado hoje na Bienal do Livro, foi inspirada por tela pintada por Magritte
MARCO RODRIGO ALMEIDA
DE SÃO PAULO
Os leitores de Jostein Gaarder encontrarão em "O Castelo nos Pirineus", seu novo romance, o autor de sempre, mas temperado com algumas novidades. Mais uma vez, questões filosóficas e científicas são costuradas em um enredo com ritmo de suspense. Agora, no entanto, os personagens quase sempre jovens do autor de "O Mundo de Sofia" dão lugar a um casal de meia-idade. Um certo tom de melancolia perpassa todo o livro, acentuado ainda pelo surpreendente final.
Namorados na adolescência, eles se reencontram 30 anos depois e começam a trocar e-mails. Cada um vê o mundo de forma distinta. Steinn é um climatologista cético que crê apenas na ciência, enquanto Solrun é uma professora espiritualizada e mística. "Ambos, de certa forma, estão em mim", diz Gaarder. O autor norueguês estará hoje, às 19h, na Bienal do Livro. Também falará com o público na segunda, às 13h. Leia trechos da entrevista que concedeu à Folha antes de embarcar para o Brasil.
Folha - Por que deu ao livro o mesmo título de uma pintura de René Magritte, "O Castelo nos Pirineus"?
Jostein Gaarder - Primeiro de tudo, eu amo essa pintura. A imagem [um asteroide gigantesco com a imagem de um castelo no topo] é um ícone do mistério do universo. Acho que combina bem com a história do livro.
No livro, o homem é mais cético que a mulher. Com qual dos dois o sr. se parece mais?
Eu acho que estou mais próximo do homem. Porém, ao criar a personagem feminina, me identifiquei fortemente com ela. Quanto mais escrevia, mais ouvia a voz dela. No fim, acho que a história começou num tipo de diálogo que fala de mim mesmo. Acho que os dois estão na minha cabeça.
É possível chegar a uma síntese entre ciência e religião?
Acho que sim. Mesmo com toda a ciência, há ainda muito mistério. O que é o cérebro humano? O universo existe por uma coincidência? Não temos a resposta.
Em geral seus personagens são jovens, mas desta vez estão na faixa dos 50 anos. Foi diferente escrever o livro?
Desta vez, eu escrevi sobre um homem e uma mulher mais próximos da minha idade. Eu tenho 58 anos. Então foi fácil escrever a história porque pude relatar muitas experiências que vivi. Escrevi muito sobre jovens, mas agora talvez escreva mais sobre gente da minha vida.
Por que acha que "O Mundo de Sofia", em que trilha a história da filosofia ocidental, fez tanto sucesso?
Muitas pessoas têm interesse pela filosofia, mas pensam que ela é muito difícil. Tentei fazer um bom entretenimento que também fosse um investimento no aprendizado. As pessoas têm muita necessidade de filosofia.
Por quê?
Na verdade, nós nascemos curiosos, nascemos filósofos. E, quando crescemos, todos aprendemos a fazer perguntas. Nisso os adultos têm muito o que aprender com a mente curiosa dos jovens. Os adultos acabam se acostumando com o mundo e ficam acomodados, enquanto as crianças são sempre muito questionadoras.
21ª BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DE SÃO PAULO
QUANDO das 10h às 22h; até o dia 22 de agosto
ONDE Pavilhão de Exposições do Anhembi (av. Olavo Fontoura, 1.209, tel. 0/xx/11/3060-5000)
QUANTO R$ 10
CLASSIFICAÇÃO livre
Trama de "O Castelo nos Pirineus", a ser lançado hoje na Bienal do Livro, foi inspirada por tela pintada por Magritte
MARCO RODRIGO ALMEIDA
DE SÃO PAULO
Os leitores de Jostein Gaarder encontrarão em "O Castelo nos Pirineus", seu novo romance, o autor de sempre, mas temperado com algumas novidades. Mais uma vez, questões filosóficas e científicas são costuradas em um enredo com ritmo de suspense. Agora, no entanto, os personagens quase sempre jovens do autor de "O Mundo de Sofia" dão lugar a um casal de meia-idade. Um certo tom de melancolia perpassa todo o livro, acentuado ainda pelo surpreendente final.
Namorados na adolescência, eles se reencontram 30 anos depois e começam a trocar e-mails. Cada um vê o mundo de forma distinta. Steinn é um climatologista cético que crê apenas na ciência, enquanto Solrun é uma professora espiritualizada e mística. "Ambos, de certa forma, estão em mim", diz Gaarder. O autor norueguês estará hoje, às 19h, na Bienal do Livro. Também falará com o público na segunda, às 13h. Leia trechos da entrevista que concedeu à Folha antes de embarcar para o Brasil.
Folha - Por que deu ao livro o mesmo título de uma pintura de René Magritte, "O Castelo nos Pirineus"?
Jostein Gaarder - Primeiro de tudo, eu amo essa pintura. A imagem [um asteroide gigantesco com a imagem de um castelo no topo] é um ícone do mistério do universo. Acho que combina bem com a história do livro.
No livro, o homem é mais cético que a mulher. Com qual dos dois o sr. se parece mais?
Eu acho que estou mais próximo do homem. Porém, ao criar a personagem feminina, me identifiquei fortemente com ela. Quanto mais escrevia, mais ouvia a voz dela. No fim, acho que a história começou num tipo de diálogo que fala de mim mesmo. Acho que os dois estão na minha cabeça.
É possível chegar a uma síntese entre ciência e religião?
Acho que sim. Mesmo com toda a ciência, há ainda muito mistério. O que é o cérebro humano? O universo existe por uma coincidência? Não temos a resposta.
Em geral seus personagens são jovens, mas desta vez estão na faixa dos 50 anos. Foi diferente escrever o livro?
Desta vez, eu escrevi sobre um homem e uma mulher mais próximos da minha idade. Eu tenho 58 anos. Então foi fácil escrever a história porque pude relatar muitas experiências que vivi. Escrevi muito sobre jovens, mas agora talvez escreva mais sobre gente da minha vida.
Por que acha que "O Mundo de Sofia", em que trilha a história da filosofia ocidental, fez tanto sucesso?
Muitas pessoas têm interesse pela filosofia, mas pensam que ela é muito difícil. Tentei fazer um bom entretenimento que também fosse um investimento no aprendizado. As pessoas têm muita necessidade de filosofia.
Por quê?
Na verdade, nós nascemos curiosos, nascemos filósofos. E, quando crescemos, todos aprendemos a fazer perguntas. Nisso os adultos têm muito o que aprender com a mente curiosa dos jovens. Os adultos acabam se acostumando com o mundo e ficam acomodados, enquanto as crianças são sempre muito questionadoras.
21ª BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DE SÃO PAULO
QUANDO das 10h às 22h; até o dia 22 de agosto
ONDE Pavilhão de Exposições do Anhembi (av. Olavo Fontoura, 1.209, tel. 0/xx/11/3060-5000)
QUANTO R$ 10
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"Tenho orgulho de ser branco, por que isso é errado?'
DE WASHINGTON
"Pode me chamar de neonazista", disse à Folha Charles Wilson, porta-voz do partido Movimento Nacional Socialista. Em entrevista por telefone do Kansas, Wilson defendeu a associação com os racistas da Ku Klux Klan e disse querer enviar todos os negros e latinos "de volta a seus países".
Folha - Por que o sr. acha que os brancos têm menos direitos?
Charles Wilson - Podemos dizer "poder negro", "poder latino", mas se você disser "poder branco", cai todo mundo em cima.
Há inúmeras universidades nos EUA só para negros, mas tente fazer uma universidade só para brancos.
É por isso que defendem abertamente o racismo?
Claro. Somos segregacionistas. Eu tenho orgulho de ser branco, por que isso é errado? Estou falando da minha herança, e consideram isso um crime de ódio.
Nossos pais fundadores eram brancos. Então vou lutar, marchar e fazer o que for preciso para recuperar o controle do meu país.
Qual a sua posição quanto aos imigrantes?
Ilegais têm de ser presos e deportados. Todos eles.
Mas e quanto aos latinos legais? E negros, asiáticos e os outros não brancos?
A "nação americana" deveria ter cidadãos apenas de puro sangue branco. O resto tem de ser devolvido a seus países. Latinos deveriam ser mandados de volta à América Latina e negros, para a África.
Como é a relação de vocês com a Ku Klux Klan?
Nós nos apoiamos. Os negros não conseguiram nada até que se uniram e marcharam em Washington. Queremos fazer o mesmo, nos unir por nossos direitos.
"Pode me chamar de neonazista", disse à Folha Charles Wilson, porta-voz do partido Movimento Nacional Socialista. Em entrevista por telefone do Kansas, Wilson defendeu a associação com os racistas da Ku Klux Klan e disse querer enviar todos os negros e latinos "de volta a seus países".
Folha - Por que o sr. acha que os brancos têm menos direitos?
Charles Wilson - Podemos dizer "poder negro", "poder latino", mas se você disser "poder branco", cai todo mundo em cima.
Há inúmeras universidades nos EUA só para negros, mas tente fazer uma universidade só para brancos.
É por isso que defendem abertamente o racismo?
Claro. Somos segregacionistas. Eu tenho orgulho de ser branco, por que isso é errado? Estou falando da minha herança, e consideram isso um crime de ódio.
Nossos pais fundadores eram brancos. Então vou lutar, marchar e fazer o que for preciso para recuperar o controle do meu país.
Qual a sua posição quanto aos imigrantes?
Ilegais têm de ser presos e deportados. Todos eles.
Mas e quanto aos latinos legais? E negros, asiáticos e os outros não brancos?
A "nação americana" deveria ter cidadãos apenas de puro sangue branco. O resto tem de ser devolvido a seus países. Latinos deveriam ser mandados de volta à América Latina e negros, para a África.
Como é a relação de vocês com a Ku Klux Klan?
Nós nos apoiamos. Os negros não conseguiram nada até que se uniram e marcharam em Washington. Queremos fazer o mesmo, nos unir por nossos direitos.
quarta-feira, agosto 04, 2010
De biquíni, Lia Khey é capa de revista sobre malhação

À 'Corpo a corpo', ela revela que seu foco é o bumbum e as pernas no treino.
Do EGO, em São Paulo
Lia Khey, que foi Garota Fitness antes de entrar no "Big Brother Brasil", mostra o corpo malhado na revista "Corpo a corpo" deste mês. Na edição, ela revela que o foco de seu treino é no bumbum e nas pernas.
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