09/12/2013 15:57 | Autor: Jorge Murtinho
Foto: Ricardo Ayres/Divulgação
Médico especializado em Pediatria e torcedor apaixonado do Fluminense, Celso Barros usa o clube como se fosse uma criança mimada jogando uma espécie de Banco Imobiliário futebolístico.
Queria porque queria Romário, levou. Queria a volta do Thiago Neves, voltou. Quis Roger, Edmundo, Ramón, Petkovic, Conca, Leandro Amaral, Dodô, Washington, Fred, Emerson, Deco, Wagner, Rafael Sóbis, Rodrigo Caetano. Não houve quem Celso Barros quisesse que Celso Barros não tivesse. Mais até do que Fred, o presidente da Unimed pega geral. O problema é que agora a conta chegou, e o preço a pagar pelo perdularismo ficou alto.
No post publicado em 1º de agosto, com o título Onde está a fidalguia?, reclamei da influência sem limite exercida por Celso Barros no Flu, e levei algumas bordoadas no facebook (naquela época, a caixa de comentários do blog ainda não estava disponível). Também li matérias em que a participação de Celso Barros nas decisões do clube eram justificadas pelo exemplo – pouco edificante, convenhamos – de Roman Abramovich no Chelsea. Mas é isso: como diz o Mundo Livre S.A., na letra de Livre iniciativa, “Quem se importa de onde vem a grana? / Tu tem que ter o bolso cheio”.
A rápida passagem de Abramovich pelo post nos conduz a Kia Joorabchian, e ao estrago feito por ele no Corinthians. Trouxe Tevez, Nilmar, Mascherano e ganhou o Brasileirão de 2005, mas deixou um rastro malcheiroso que acabou destroçando o time e condenando-o ao rebaixamento dois anos depois. O Corinthians tem uma dívida eterna com Kia: foram os danos por ele provocados que obrigaram o clube a se reinventar.
Coloquemos as coisas em seus devidos lugares: apesar de ser um dos maiores beneficiários do nosso indecente sistema público de saúde, Celso Barros não carrega nas costas as sujeiras que envolvem a dinâmica dupla Kia & Abramovich. Mas os efeitos de seu Banco Imobiliário ultrapassaram a pior expectativa dos torcedores tricolores: depois do susto de 2009, segunda divisão parecia ser uma preocupação encerrada na história do Flu. Ocorre que a lição de casa não foi feita.
Preocupou-se com a estrutura? Não, e isso se transformou na causa alegada para o pedido de demissão de Muricy, mesmo após a conquista do Brasileirão e com promessas de novos reforços para a disputa da Libertadores. Foram privilegiados os investimentos nas categorias de base? Também não. É inegável que a administração Peter Siemsem fez bastante coisa em Xerém, mas a prioridade absoluta continuou sendo a polítca de encher o clube de jogadores caros. E mesmo gente feito eu – com insuperáveis dificuldades para lidar com questões matemáticas – consegue entender que os salários pagos a Thiago Neves e Felipe (algo em torno de 700 mil e 500 mil) permitiriam a construção de vários xeréns. Estamos falando de mais de 14 milhões por ano.
Pergunto: se havia tanta grana, por que não se montou um bom centro de treinamento e não se olhou com carinho ainda maior para a base? Respondo: porque centro de treinamento e divisões de base não dão visibilidade de marketing, ao contrário do que acontece com as contratações milionárias. Mesmo que pouco criteriosas.
A colocação do marketing acima de tudo e os caprichos do Grande Chefe foram determinantes para a desastrada decisão de contratar Vanderlei Luxemburgo. A história é conhecida: o presidente do Fluminense queria Ney Franco; o presidente da Unimed queria Luxemburgo. Manda quem paga, obedece quem tem juízo: Luxemburgo foi contratado e ajudou a enterrar o time. Havia indisfarçável má vontade dos jogadores em relação ao técnico que mais xingava do que treinava, e que teve sua demissão comemorada por boa parte do elenco.
Por falar em elenco, quem pensa nas necessidades reais do time? Quem planeja? Quem garimpa o atacante que vai entrar no lugar do Fred em suas constantes ausências por contusão? Deveria ser Rodrigo Caetano. Mas, escolhido, contratado e com seu também altíssimo salário pago diretamente por Celso Barros, terá o diretor executivo de Futebol independência para isso? No Fluminense, Rodrigo Caetano é a mais completa tradução do profissional regiamente remunerado para fazer tudo o que o patrão quer.
No DVD Romário é gol, o baixinho afirma que Celso Barros é um dos poucos verdadeiros amigos que ele fez no futebol. Depois da vitória sobre o Figueirense, que deu ao tricolor o título da Copa do Brasil em 2007, circulou a notícia de que Celso Barros teria descido ao vestiário e anunciado um substancial aumento no prêmio. Empolgados, os jogadores capricharam no coro: “Puta que pariu / É o melhor patrocínio do Brasil / É Celso Barros!” Numa versão alternativa do famoso “O Fred vai te pegar”, a torcida do Fluminense já foi vista entoando “O Celso vai te comprar”. E no jogo contra o Cruzeiro, realizado no Engenhão uma semana após a conquista do Brasileirão de 2012, quem primeiro meteu a mão na taça na volta Olímpica foi o presidente da Unimed, enquanto a torcida cantava em êxtase “Urubu otário / O Celso Barros tem dinheiro pra caralho”.
A afirmação de Romário tem motivações particulares, e é escolha dele. O lado dos jogadores é fácil de compreender: aumento no prêmio por um título é sempre bem-vindo. Quanto aos torcedores, creio que aí faltou acionar o tal Ministério do Vai Dar Merda sugerido por Chico Buarque.
Torcedor é torcedor e a gente tem que dar um desconto, só que ele colhe o que planta e é o que mais sofre. Em vez de cobrar seriedade e competência de quem comanda o clube, os vascaínos preferem cantar que o Vasco é o time da virada, o Vasco é o time do amor, e amorosamente vão todos virar o ano na segunda divisão. Em vez de acreditar nessa lenda de time de guerreiros e na bênção de João de Deus – mesmo porque, o atual titular veste a camisa do San Lorenzo de Almagro –, os torcedores do Fluminense deveriam desconfiar das descompensadas aquisições de Celso Barros e intuir que o bolo poderia solar.
Quando deixou o clube, em janeiro de 2010, o até então vice-presidente de Futebol Ricardo Tenório saiu atirando. Disse que os dois candidatos à presidência – Peter Siemsem e Julio Bueno – tinham a mesma proposta de administração, apoiada na total dependência em relação à Unimed. E soltou uma pérola: “Este modelo às vezes é bom para o Fluminense e às vezes é bom para a Unimed. Mas é sempre bom para o Celso, que hoje tem 90% do clube nas mãos.” Não conheço Peter, Julio ou Ricardo e não estou a par dos meandros da política tricolor, mas faz pensar.
O que vejo como outro enorme problema é que a Unimed não representa, para o Fluminense, um patrocínio com real valor de mercado. A paixão e o paternalismo de Celso Barros iludem. Atenção, amigos tricolores: não quero comparar tradição, glórias, importância para o futebol brasileiro, nada disso, mas a atuação de Celso Barros junto ao Fluminense lembra a de Castor de Andrade no Bangu, a partir da década de sessenta. E trinta anos depois, quando o patrono banguense se retirou de vez para – à moda de Charles Anjo 45 – tirar férias numa colônia penal, o time foi pro brejo. E nunca mais voltou.
Claro que isso jamais acontecerá com o Fluminense, mas talvez fosse melhor menos dinheiro e mais profissionalismo. Menos acúmulo de supostos craques e mais equilíbrio no elenco. Menos desperdício e mais pés no chão. Menos amor e mais gestão.
PS: A respeito do que aconteceu no jogo entre Atlético Paranaense e Vasco, por favor, deem uma olhada no post aqui publicado em 27 de agosto, sob o título “Quero levar meu neto ao estádio”.
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