Apenas para promover o retorno de
uma daquelas adoráveis expressões “das antigas”, vamos começar estas
considerações afirmando que o romancista Luiz Ruffato pôs a boca no trombone.
Na abertura da participação brasileira na Feira do Livro de Frankfurt
(Alemanha, meu povo!), o escritor detonou com seu discurso: disse que o Brasil
“nasceu sob a égide do genocídio” (verdade); que a nossa “democracia racial”
aconteceu à base de estupros (idem) e que no Brasil “reinam a impunidade e a
intolerância” (idem²).
Como
diria o Décio Sá: “Quem é Luiz Ruffato, rapá?”. Bom, confesso que, até antes de
ler a matéria que me inspirou este opúsculo, eu não fazia ideia da mera
existência de um cidadão chamado Luiz Ruffato. Muito menos que fosse escritor.
E ainda menos que havia a condição de “escritor” associada a seu nome.
Eu
estava mais ou menos no mesmo patamar de ignorância daqueles que até hoje
desconhecem a importância do ex-vice-presidente Al Gore para o debate a
respeito da contribuição decisiva – do ponto de vista negativo – da humanidade
para o criminoso aumento do aquecimento global. Vocês aí já assistiram ao
documentário Uma verdade inconveniente?
Não? Então, não posso ser condenado por ainda não saber que existe uma criatura
denominada Luiz Ruffato.
E
já que estamos falando tanto desse indivíduo, eis um brevíssimo apanhado de sua
vida e de sua arte: nasceu em Cataguases (Minas) em 1961, é filho de um
pipoqueiro e de uma lavadeira de roupas. Formou-se em tornearia-mecânica pelo
Senai e trabalhou como operário da indústria têxtil, pipoqueiro e atendente de
armarinho. Por esse início de biografia, o sujeito poderia ter sido presidente
do Brasil. Mas preferiu escrever livros. Romances. Eles eram muitos cavalos (?), de sua lavra, lançado em 2001, ganhou
o troféu da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Além disso,
tornou-o um escritor reconhecido no país. Onde eu estava, enquanto isso
acontecia? Na certa, tentando ser um escritor reconhecido aqui no Brasil.
Patético!
Pois
esse grande gênio das nossas letras chutou o pau da barraca, com seu discurso
na abertura da Feira do Livro de Frankfurt. Não sei se ele acordou com o pé
esquerdo, nem se a sua mula literária empacou onde a vaca nacionalista foi para
o brejo. O que sei mesmo é que ele resolveu cavoucar a ferida com o indecente
dedo médio em riste e disparou, na presença do vice-presidente, o nobilíssimo
Michel Temer:
“Avoca-se sempre, como signo da
tolerância nacional, a chamada democracia racial brasileira, mito corrente de
que não teria havido dizimação, mas assimilação dos autóctones. Esse eufemismo,
no entanto, serve apenas para acobertar um fato indiscutível: se nossa
população é mestiça, deve-se ao cruzamento de homens europeus com mulheres
indígenas ou africanas - ou seja, a assimilação se deu através do estupro das
nativas e negras pelos colonizadores brancos”.
Não
que Michel Temer tenha a ver com a dizimação dos primeiros indígenas. Não que
tenha sido um dos responsáveis ou mesmo o mentor intelectual do “estupro das
nativas e negras pelos colonizadores brancos”. Mas como político situacionista,
Temer (involuntariamente, é certo) faz parte de um sistema marcado tanto pelas
desigualdades quanto pelas crueldades, como está, apontada pelo escritor:
“Machistas, ocupamos o vergonhoso
sétimo lugar entre os países com maior número de vítimas de violência
doméstica, com um saldo, na última década, de 45 mil mulheres assassinadas.
Covardes, em 2012 acumulamos mais de 120 mil denúncias de maus-tratos contra
crianças e adolescentes. E é sabido que, tanto em relação às mulheres quanto às
crianças e adolescentes, esses números são sempre subestimados”.
São verdades inconvenientes, como as divulgadas por
Al Gore em seu documentário. E também incontestáveis. Para Ruffato, escrever é
“compromisso”. É não enfiar a cabeça na areia e dizer que está tudo bem.
É, acima de tudo, acreditar que a literatura pode
propiciar mudanças no cenário obscuro que ele mesmo denunciou, em seu discurso
em Frankfurt.
Nenhum comentário:
Postar um comentário