Alguns anos
atrás, ouvi por alto, aqui na Redação de O Estado, a desanimadora notícia de
que o poeta José Chagas estava muito doente. Na verdade, "mais pra lá do
que pra cá" - como dizia minha finada avó paterna, dona Maria José.
Nesse mesmo dia,
como faço agora, aproveitei um intervalo mais longo no fluxo de páginas do
jornal que precisavam ser revisadas e produzi um opúsculo que, longe de ser uma
das tantas homenagens prestadas aos que estão ou já acessaram o andar de cima,
celebrava a vida e a obra do mestre de "Os canhões do silêncio". No
meu entendimento, gênios do nível de Chagas deveriam ser imortais. Não apenas
em razão de ocuparem merecidamente um assento numa Academia de Letras.
Bem que eu
gostaria de colocar aqui um trecho daquele texto. Creio que uma crise de
imaturidade me levou a ignorar que a preservação dos originais de nossas obras
é importante para a perpetuação da nossa memória no coração das gerações
vindouras. Só uma pesquisa para salvar a peça do esquecimento. Cadê o ânimo
para tanto?
Mas as
lembranças do que aconteceu após a publicação na página de Opinião (graças ao
bom Ademir, que sempre que pode me dá essa moral) foram deveras gratificantes.
Antes de começar a trabalhar, recebi uma ligação do próprio poeta. Ele me
disse, no melhor estilo Mark Twain, que os relatos sobre sua grave doença eram
altamente exagerados. Assegurou-me que permaneceria no mundo dos vivos por um
bom tempo e no fim da breve conversa telefônica me convidou para visitar sua nova
residência, onde na segunda-feira, 28 de outubro deste ano, recebeu um grupo da
Academia Maranhense de Letras. Ocasião na qual anunciou-se a republicação de
"Colégio do Vento", que Chagas lançou ao público desta terra nos anos
1970.
Aceitei o
convite para a visita e nunca fui lá. Eu poderia muito bem colocar a culpa por
esse vacilo na vida. Todas as situações, acontecimentos, conflitos e conquistas
ao longo da trajetória afastaram-me de realizar o propósito de bater um papo -
por mais rápido que fosse - com um indivíduo que conhece do direito e pelo
avesso uma arte que tento praticar com variados graus de sucesso. E também de
insucessos, até porque muitos dos meus versos, natimortos, foram parar no cesto
de lixo.
Para quem não
conhece o trabalho poético de Chagas (ele também se dedicou à prosa, com igual
brilhantismo), leiam esta passagem e vejam se não tenho razão em afirmar que
ele é o cara: "Por entre flores e lodos,/ entre perfume e bodum,/ Deus
semeia para todos,/ mas não para cada um.// Porque sempre há os que pensam/ que
Deus é dúbio em seu dom,/ que Deus é castigo e bênção,/ e é tão ruim quanto
bom".
Show de bola, não é não? Agora,
apreciem os tercetos de "Soneto da manhã primeira: "Ah, a manhã da
última promessa,/ manhã de um novo mundo que começa,/ mais acessível, mais
humano e bom.// Meu Deus, seria como chegasse/ a manhã do primeiro sol que
nasce,/ da cor primeira e do primeiro som".
Ou então vocês podem curtir ou
retuitar esta homenagem a São Luís que o acolheu e o viu aceitar sua condição
de Mestre Palavrador:
"É assim
que a poesia se expande por todos os seus recantos. Há poesia no chão, no mar,
nos sabiás, nas palmeiras, na brisa que sopra o seu carinho aos que chegam, na
beleza dos pores do sol, tão cantada pelos poetas, sem esquecer que o nosso céu
tem mais estrelas, como já afirmava o poeta maior, Gonçalves Dias. Mas não se
pense que estamos numa ilha só de pura fantasia, rodeada de sonhos e de praias
deslumbrantes. Ela nos mostra também a sua palpitante realidade, a sua outra
face, o seu afã do dia a dia, no aprendizado de vida das novas gerações
inspiradas nas lições de seus maiores. Nela há o trabalho da poesia, mas também
há a poesia do trabalho, o que explica o seu compromisso com a criação e a
criatividade, dois aspectos que sempre a colocaram na vanguarda dos movimentos
culturais brasileiros".
Ao que tudo
indica, estou me especializando em falar bem de José Chagas. Não tem o menor
problema. Quem é o melhor no que faz merece ser aplaudido de pé.
Um comentário:
massa, seu Ney! Chagas é demais
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