sexta-feira, fevereiro 01, 2008

O PARAPENTISTA SILAS

“O conde e o passarinho”. Esta crônica de Rubem Braga é um pedido. “Ora, o Conde estava passeando e veio o passarinho. O Conde desejou ser que nem o seu patrício, o outro Francisco, o Francisco da Umbria, para conversar com o passarinho. Mas não era aquele, o São Francisco de Assis, era apenas o Conde Francisco Matarazzo. Porém, ficou encantado ao reparar que o passarinho voava para ele. O Conde ergueu as mãos, feito uma criança, feito um santo. Mas não eram mãos de criança nem de santo, eram mãos de Conde industrial. O passarinho desviou e se dirigiu firme para o peito do Conde. Ia bicar seu cora-ção? Não, ele não era um bicho grande de bico forte, não era, por exemplo, um urubu, era apenas um passarinho. Bicou a fitinha, puxou, saiu voando com a fitinha e com a medalha”.
Na quinta-feira (31 de janeiro), Jorge Cláudio Sousa Ribeiro também tentou voar, assim como o passarinho que roubou a medalha e a fitinha do Conde Matarazzo. Jorge Ri-beiro é um parapentista e não deixará de sê-lo, mesmo após a queda que protagonizou, na Litorânea. Com certeza, o susto foi grande. E a sorte, maior ainda.
Uma vez mais, recorro à sabedoria da Wikipédia, “a enciclopédia livre”. O parapen-te (paraglider, em inglês) é um aeroplano, ou seja, uma aeronave mais pesada que o ar. Em sua asa (inflável e semelhante a um pára-quedas, que não apresenta estrutura rígida), são suspensos por linhas o piloto e possíveis passageiros. Imaginai, passarinho ladrão, uma pessoa arriscando em sã consciência o próprio pescoço com esta noção, para mim duvidosa, de esporte radical. Imaginai então, passarinho batedor de fitas e medalhas, os passageiros dessa criatura alucinada e um tanto quanto suicida que Deus, Nosso Senhor, pôs no mundo na certa pensando que era peça boa.
A história do parapente começa em 1965 com a velasa. É, passarinho, a loucura não é recente. Como também (no bom sentido, é claro) não é novo esse desejo pra lá de suicida da humanidade de tirar os pés do chão e tentar alcançar as nevadas barbas divinas. Veja o caso do Dumont. Em 23 de outubro de 1906, voou cerca de 60 metros, a uma altura de dois a três metros com seu 14 Bis, no Campo de Bagatelle, em Paris. Menos de um mês depois, em 12 de novembro, repetiu o feito e, diante de uma multidão, percorreu 220 metros a uma altura de 6 metros.
Não podemos esquecer dos insofismáveis irmãos Orville e Wilbur Wright (nomes impronunciáveis depois da quinta ou da sexta Antarctica misturada com o ótimo vinho San-ta Helena). Diante dessa estúpida discussão que até hoje se arrasta a respeito de quem deve ser o pai da criança – a aviação, no caso -, deve-se considerar que ambos os dois entraram de gaiatos nessa história por projetarem e construírem o primeiro avião funcional e também por realizarem o primeiro vôo controlado num aparelho mais pesado que o ar em Kitty Hawk, Carolina do Norte, que teria sido realizado em 17 de dezembro de 1903. O nome desse tal aparelho era “Flyer I”. E pensar que os seres humanos passaram séculos a fio sem Internet. Ó tempos, ó costumes, como diria o outro!
Retorno a Rubem Braga: “Devo confessar preliminarmente que, entre um Conde e um passarinho, prefiro um passarinho. Torço pelo passarinho. Não é por nada. Nem sei mesmo explicar essa preferência. Afinal de contas, um passarinho canta e voa. O Conde não sabe gorjear nem voar. O Conde gorjeia com apitos de usinas, barulheiras enormes, de fábricas espalhadas pelo Brasil, vozes dos operários, dos teares, das máquinas de aço e de carne que trabalham para o Conde”. Mas aí vocês podem até perguntar: o que tem a ver Jorge Ribeiro com passarinhos e condes? Nada. Ou tudo.
Jorge é o primeiro parapentista silas da história. O parapentista que “silascou” na Litorânea. Voai, passarinho trombadinha, voai...

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