terça-feira, julho 24, 2012

Pela extinção da PM

Vladimir Safatle

No final do mês de maio, o Conselho de Direitos Humanos da ONU sugeriu a pura e simples extinção da Polícia Militar no Brasil. Para vários membros do conselho (como Dinamarca, Espanha e Coreia do Sul), estava claro que a própria existência de uma polícia militar era uma aberração só explicável pela dificuldade crônica do Brasil de livrar-se das amarras institucionais produzidas pela ditadura.

No resto do mundo, uma polícia militar é, normalmente, a corporação que exerce a função de polícia no interior das Forças Armadas. Nesse sentido, seu espaço de ação costuma restringir-se às instalações militares, aos prédios públicos e aos seus membros.

Apenas em situações de guerra e exceção, a Polícia Militar pode ampliar o escopo de sua atuação para fora dos quartéis e da segurança de prédios públicos.

No Brasil, principalmente depois da ditadura militar, a Polícia Militar paulatinamente consolidou sua posição de responsável pela completa extensão do policiamento urbano. Com isso, as portas estavam abertas para impor, à política de segurança interna, uma lógica militar.

Assim, quando a sociedade acorda periodicamente e se descobre vítima de violência da polícia em ações de mediação de conflitos sociais (como em Pinheirinho, na cracolândia ou na USP) e em ações triviais de policiamento, de nada adianta pedir melhor "formação" da Polícia Militar.

Dentro da lógica militar, as ações são plenamente justificadas. O único detalhe é que a população não equivale a um inimigo externo.

Isto talvez explique por que, segundo pesquisa divulgada pelo Ipea, 62% dos entrevistados afirmaram não confiar ou confiar pouco na Polícia Militar. Da mesma forma, 51,5% dos entrevistados afirmaram que as abordagens de PMs são desrespeitosas e inadequadas.

Como se não bastasse, essa Folha mostrou no domingo que, em cinco anos, a Polícia Militar de São Paulo matou nove vezes mais do que toda a polícia norte-americana ("PM de SP mata mais que a polícia dos EUA", "Cotidiano").

Ou seja, temos uma polícia que mata de maneira assustadora, que age de maneira truculenta e, mesmo assim (ou melhor, por isso mesmo), não é capaz de dar sensação de segurança à maioria da população.

É fato que há aqueles que não querem ouvir falar de extinção da PM por acreditar que a insegurança social pode ser diminuída com manifestações teatrais de força.

São pessoas que não se sentem tocadas com o fato de nossa polícia torturar mais do que se torturava na ditadura militar. Tais pessoas continuarão a aplaudir todas as vezes em que a polícia brandir histericamente seu porrete. Até o dia em que o porrete acertar seus filhos.

A ARTE DA BOA GRAÇA

Fazer humor é um negócio complicado. E tem lá seus riscos. O chiste, o gracejo e a anedota estão delimitados pelo bom senso e pelas relações interpessoais. Um passo em falso e pronto: vira ofensa e, se ninguém impedir, pode motivar legítimas guerras civis.
O exemplo de Rafinha Bastos é exemplar. Antes da molecagem de mau gosto que cometeu relacionada a uma determinada personalidade que na época estava grávida, o “humorista” (as aspas são por minha conta, em razão de avaliações totalmente particulares do que vejo na TV atual) foi execrado. Tanto que hoje os programas dos quais é a atração principal amargam índices de audiência inexpressivos. Ou mesmo ridículos.
Por sua vez, a charge nos mostra como a arte da boa graça é uma questão de estado de espírito. No sentido de propiciar o ridendo castigat mores, ela e sua irmã, a caricatura, devem ser leves e não ter muita preocupação com a riqueza de detalhes. Fazer uma pessoa rir é fácil. Difícil mesmo é levá-la ao mesmo tempo a se divertir e promover reflexões acerca de determinado evento – nacional ou não – que chamou a atenção, seja pela gravidade ou pelo inusitado.
Uma vez, encontrei na “Folha de S.Paulo” uma genial. Tratou da visita do príncipe William a este nosso país tropical. Na charge, um grupo de assaltantes o aborda e ordena: “Passa o relógio”. No quadrinho seguinte, os bandidos sobem uma favela carregando o Big Ben.
Ou seja, a base desses exercícios humorísticos (crônicas visuais, por assim dizer) é a simplicidade. Se você, chargista, demonstra extrema preocupação com detalhes mínimos e perfeitamente dispensáveis, fazendo uso de balões de pensamento e caixas de diálogo, fracassou por completo nessa função, e é melhor nesse caso que mude de emprego. Charge que se preze não pode passar mais de dois minutos sem ser entendida.
O Facebook está cheio de pérolas humorísticas. Essa rede social é um campo fértil para a ascensão de comediantes dos quais ninguém suspeita. Aquele seu amigo “enfarento”, que se parece muito com o frentista do comercial de posto de gasolina (“Você não ri de nada, cara! Tá com algum problema?”), de repente se mostra o Chaplin das redes sociais. Aí, ele publica preciosidades como esta: “Amigo de verdade não fica ofendido quando você o xinga. Ele te xinga de volta com algo pior”.
Tinha outra muito legal. É mais ou menos assim: “Marly, qual o seu sobrenome? Já que você gosta do Fábio Flores, homenageia ele. Coloca ‘Marly Flores’. Eu prefiro Marly Laranja. Porque as flores todo mundo só cheira...”.
Às vezes, o humor está oculto nas entrelinhas de um opúsculo que, em princípio, está voltado para a seriedade. Vejam só: aconteceu de um grupo de sem-noção assaltar a residência do vereador ludovicense Astro de Ogum. Os loucos fizeram a festa. Roubaram uma quantidade estúpida de dinheiro e diversos objetos de valor. Como a vítima pertencesse à classe política, a polícia respondeu rapidamente à ação e prendeu os integrantes da quadrilha de paspalhos. Até aí, tudo bem. O grande lance foi mesmo a matéria que tratou desse crime. Vocês têm três chances para adivinhar o nome da operação na qual os trouxas foram enquadrados. Desistem? Lá vai: “Operação Pedra Ametista”. Sacaram? “Pedra ametista”, “o astro”? Precisamos reconhecer que foi, acima de tudo, uma jogada de mestre.
Para encerrar os trabalhos, mais uma do Facebook. Como se sabe, o Flamengo anda numa pior. Só não perde quando não joga. Mas sabe como são os antiflamenguistas, não é mesmo? Teve um que jogou um cartaz com a foto do deputado federal mais votado nas últimas eleições cujos dizeres eram os seguintes: “Para técnico do Flamengo, Tiririca – Pior do que tá não fica”.
É isso aí: a gente é pobre, mas se diverte. E não empurra, que é pior.

Luz, câmera, esculhambação

Por João Ubaldo Ribeiro em 24/07/2012 na edição 704

Reproduzido do Estado de S.Paulo, 22/7/2012; intertítulos do OI

Meu avô de Itaparica, o inderrotável coronel Ubaldo Osório, não era muito dado a novas tecnologias e à modernidade em geral. Jamais tocou em nada elétrico, inclusive interruptores e pilhas. Quando queria acender a luz, chamava alguém e mantinha uma distância prudente do procedimento. Tampouco conheceu televisão, recusava-se. A gente explicava a ele o que era, com pormenores tão fartos quanto o que julgávamos necessário para convencê-lo, mas não adiantava. Ele ouvia tudo por trás de um sorriso indecifrável, assentia com a cabeça e periodicamente repetia “creio, creio”, mas, assim que alguém ligava o aparelho, desviava o rosto e se retirava. “Mais tarde eu vejo”, despedia-se com um aceno de costas.

O único remédio que admitia em sua presença era leite de magnésia Phillips, assim mesmo somente para olhar, enquanto passava um raro mal-estar. Acho que ele concluiu que, depois de bastante olhado, o leite de magnésia fazia efeito sem que fosse necessário ingeri-lo. Considerava injeção um castigo severo e, depois que as vitaminas começaram a ser muito divulgadas, diz o povo que, quando queria justiçar alguma malfeitoria, apontava o culpado a um preposto e determinava: “Dê uma injeção de vitamina B nesse infeliz.” Dizem também que não se apiedava diante das súplicas dos sentenciados à injeção de vitamina, enquanto eram arrastados para o patíbulo, na saleta junto à cozinha, onde o temido carcereiro Joaquim Ovo Grande já estava fervendo a seringa. (Naquele tempo, as seringas eram de vidro e esterilizadas em água fervente, vinha tudo num estojinho, sério mesmo.)

“Amoleça a bunda, senão vai ser pior!”, dizia Ovo Grande, de sorriso viperino, olhos faiscantes e agulha em riste, numa cena a que nunca assisti, mas que não devia ser para espíritos fracos.

Um furtivo pecadilho

Sim, mas acabo fazendo a biografia de meu avô e não chego ao assunto que, pelo menos quando me sentei faz pouco para escrever, tinha a ver com fotografia. O coronel não evitava codaques, nome por que chamava indistintamente qualquer máquina fotográfica, mas só admitia ser fotografado se houvesse a preparação que ele considerava essencial. Nada do que então se chamava “instantâneo”. Ele fazia a barba, tomava banho, vestia paletó e gravata, botava perfume e posava imóvel como uma rocha, diante da codaque. Daí a um mês, mais ou menos, as fotos voltavam, reveladas e copiadas, de um laboratório da cidade – e sua chegada era uma espécie de festa, que reunia parentes, amigos e correligionários.

Se o coronel estivesse vivo hoje, acho que acabaria tomando o leite de magnésia. Aproxima-se o dia em que seremos filmados, fotografados e monitorados em absolutamente todas as circunstâncias, inclusive no banheiro. Claro, reconheço que deliro um pouco, mas somente um pouco, quando imagino que, num futuro em que a água será escassa, cada morador terá cotas para todo tipo de uso da água e sofrerá penalidades diversas, se ultrapassá-las. Facilmente, a monitorização saberia quantas vezes e com que finalidade o freguês usou o vaso, estatística talvez considerada indispensável para a formulação de políticas sanitárias e de saneamento básico. Não saberemos como teremos vivido sem isso, até então.

Entrando em elevadores, dei para perceber gente olhando para as câmeras e se ajeitando como se fosse entrar no ar dentro de alguns instantes. Algumas moças chegam mesmo a passar a mão na nuca e ajeitar faceiramente os cabelos com um movimento de cabeça, como nos comerciais de xampus. Foi-se a manobra, tão praticada em gerações pretéritas, em que, tendo-se a sorte de encontrar no elevador a dadivosa e adrede acumpliciada vizinha do 703, apertava-se o botão de emergência, parava-se a cabine entre dois andares e davam-se os dois a um furtivo e inesquecível pecadilho da carne. O clipe já estaria no YouTube assim que ambos chegassem em casa, com dezenas de “visualizações”, inclusive do marido e da família da vizinha.

“Desta vez eu saio no Fantástico”

Antigamente, a gente só tinha que dizer “que gracinha”, “que beleza” ou “muito interessante” umas duas ou três vezes por amigo de boteco, no máximo. Era quando ele mostrava a foto da última neta, o retrato de toda a família junta ou um documento velho. Hoje a gente assiste a várias dezenas de clipes de celulares e sucessões de slides por dia, enquanto todo mundo fotografa e filma todo mundo, o tempo todo.

E outro dia, num noticiário de TV, apareceu a notícia de um sequestro-relâmpago em que um dos sequestradores filmou tudo com seu celular. Fico querendo adivinhar qual a razão para isso e me ocorre que, em muitos criminosos, suas ações talvez despertem um certo orgulho autoral e eles agora têm muitos recursos para documentar seus feitos para a História. De qualquer maneira, presenciamos o primeiro making of de um ato criminoso e espero somente que algum filósofo francês não saiba disso e publique um livro designando essa atividade como uma nova forma de arte, para que depois um porreta de uma agência governamental qualquer ache isso científico e premie com absoluta impunidade qualquer assalto, ou semelhantes, para o qual o seu autor haja preparado um making of de qualidade, gerando empregos e estimulando a arte. É bom viver onde o seguinte diálogo pode ocorrer:

“Então, como se foi de assalto hoje?”

“Ah, legal. Só faltou me levar as calças, mas em compensação a crítica considera esse cara o melhor diretor de filmagem de assalto do Brasil, tablete de 12 megapixels, tudo muito profissional. Desta vez eu saio no Fantástico com certeza.”

***

[João Ubaldo Ribeiro é jornalista e escritor]

segunda-feira, julho 23, 2012

Tarallo garante que seleção já está adaptada à realidade sem Iziane

23/07/2012 20h37 - Atualizado em 23/07/2012 21h39

Treinador da seleção feminina de basquete garante que equipe está confiante. 'Deu para dar uma acertada no grupo'

Por SporTV.com
Londres

O polêmico corte da ala Iziane na última sexta-feira, a uma semana da abertura dos Jogos Olímpicos de Londres não parece ter abalado a seleção brasileira feminina de basquete. A equipe desembarcou em Londres nesta segunda-feira com discurso otimista. O técnico Luís Cláudio Tarallo garantiu que o time já está adaptado à nova realidade. Para ele, a equipe tem tudo para fazer uma boa estreia com a França.

- Depois dos últimos acontecimentos, deu para dar uma acertada no grupo e nos readaptarmos a uma nova realidade. Deixou a gente confiante. O grupo se comportou muito bem, e a gente está em evolução. Vamos continuar (trabalhando) para entrarmos 100% na estreia, no sábado - disse o treinador ao "Tá na Área".

A confiança demonstrada pela equipe em Londres aumentou com a última partida de preparação para os Jogos. No domingo, o Brasil superou a China, quarta colocada nos Jogos de Pequim, por 71 a 62, no Torneio Internacional de Lille (França).

Durante a preparação, o Brasil realizou 11 amistosos, com cinco vitórias e seis derrotas. Mas apenas um triunfo ocorreu diante de uma equipe que estará nas Olimpíadas. Exatamente a China.

A seleção feminina de basquete já foi duas vezes medalhista olímpica, conquistando a prata em Atlanta (1996) e o bronze em Sydney (2000). A estreia do Brasil nos Jogos Olímpicos de Londres será contra a França, neste sábado, às 16h (de Brasília), com transmissão ao vivo do SporTV.

Para historiadora, EUA têm vergonha de falar sobre sexo

Entrevista Dagmar Herzog, 51

Conservadores cristãos se apropriaram de parte do discurso da revolução sexual e a fizeram retroceder no país, diz acadêmica

CRISTINA GRILLO
DO RIO

Ao se apropriar de partes do discurso da revolução sexual, prometendo prazeres ilimitados para aqueles que seguissem seus preceitos -como condenar aborto, homossexualidade e sexo antes do casamento-, evangélicos e católicos de correntes mais conservadoras nos EUA conseguiram, em poucos anos, desfazer muito do que essa revolução havia conquistado.

É o que afirma a historiadora Dagmar Herzog, 51, professora da Universidade da Cidade de Nova York e autora de livros que analisam a evolução da sexualidade.

"Nenhum movimento conservador consegue sucesso se for apenas repressivo", afirma. Mas o que se tem hoje, diz Herzog, é uma juventude muito mais desconfortável com sua sexualidade do que as gerações dos anos 90.

Ao mesmo tempo, segundo ela, o discurso que incentiva a sexualidade pós-casamento criou uma indústria de manuais de sexo cristão e de sex shops online -"há até 'vibradores cristãos' à venda".

Herzog falou à Folha na semana passada no Rio.



Folha - Em seu livro, "Sex in Crisis" ("Sexo em crise", 2008, não traduzido no Brasil) a senhora afirma que houve uma nova revolução sexual nos EUA a partir dos anos 90, mas desta vez com viés conservador. Como ela aconteceu?

Dagmar Herzog - O movimento pelos direitos religiosos, que surgiu nos anos 90, se tornou um movimento sexualmente conservador. Tomou conta das congregações cristãs nos EUA, excluiu pastores com ideias mais liberais, levou ao Congresso legisladores mais conservadores e culminou com a eleição de George W. Bush para a Presidência (2000-2009).

Esse movimento foi bem-sucedido em intimidar os democratas e a parcela da população que sempre considerou como direitos líquidos e certos ter acesso a meios de contracepção e que seus filhos tivessem aulas de educação sexual nas escolas.

Foi um grande choque quando eles perceberam que os conservadores estavam vencendo a batalha e que os liberais não conseguiam nem mesmo abrir a boca para apresentar suas opiniões.

E como isso aconteceu?

Há três explicações. O movimento pelos direitos religiosos é, de certa forma, o filho ilegítimo da revolução sexual dos anos 60 e 70, já que também promete prazeres sexuais. Nenhum movimento conservador teria sucesso hoje se fosse apenas repressivo. Tem que prometer prazer para seus seguidores.

Os manuais de sexo cristão são bastante pornográficos e explícitos. Prometem aos fiéis décadas de paraíso matrimonial desde que sigam algumas regras. Basta ser contra homossexuais, aborto e sexo antes do casamento.

Há vários sites que vendem produtos eróticos para cristãos [neles há sempre a menção de que os produtos são indicados para casados, como forma de "apimentar" a relação]. Há até vibradores.

Existe um mundo subterrâneo que se aproveita do discurso da revolução sexual, mas fala do sexo de forma a lhe dar mais valor do que a esquerda e os democratas.

Esse movimento também se apoderou de elementos do feminismo, como o desconforto com a pornografia, com a prostituição, o desejo da mulher de ser adorada e desejada por seus maridos. Dessa forma, falam de forma muito inteligente às mulheres. Esse é o primeiro ponto: a promessa do prazer.

Qual é o segundo ponto?

É o fato de que eles têm um linguajar secular. Não falando em Deus, mas sim em saúde, bem-estar psicológico e autoestima, eles transformaram o discurso nas escolas secundárias nos EUA.

Afirmam que, se alguém faz sexo antes do casamento, se usa pornografia, tem baixa autoestima. Nesse discurso, os homossexuais ou têm baixa autoestima ou vão criar filhos com baixa autoestima. Eles trouxeram todos os seus conceitos religiosos para a linguagem da psicologia.

No discurso público, inclusive em sua campanha homofóbica, eles usam argumentos seculares. Em sua luta contra o homossexualismo, focam no conceito de que é algo sujo, vulgar, indecente e um perigo para as crianças.

O que mais levou ao sucesso do movimento?

Eles atuam nos desejos mais profundos de aceitação e esperança que as pessoas têm. A ansiedade que se tem de ser amado por toda a vida, de manter a paixão ao longo do casamento, o sentimento de proteção dos filhos.

Quando falam contra a pornografia, dizem: "Você quer ser amada pelo que é, e não ter seu marido pensando em outra pessoa quando está com você". É um raciocínio muito sofisticado, porque mexe com os sentimentos em seus estágios mais primários.

O grande problema é que esse discurso não se dirigiu só àqueles afiliados a essas igrejas, mas a todo o país. Eles conseguiram mudar a forma como as aulas de educação sexual são ministradas.

Fizeram um trabalho terrível ao conseguir cortar verbas dos programas de distribuição de preservativos e insistir no discurso da abstinência sexual. No fim, implantaram um discurso moralista.

Como os jovens americanos de hoje lidam com o sexo?

A educação para a abstinência tomou conta de praticamente todo o país, mas os adolescentes continuam a fazer sexo. Não ouvem aqueles que pregam a abstinência. Talvez adiem um pouco o início da vida sexual, mas, quando começam, o fazem sem proteção contra gravidez ou doenças. É um problema.

E os pais desses jovens, de que forma lidam com a situação?

Estão tão histéricos com a sexualização precoce de seus filhos que resistem à volta das aulas de educação sexual. O que temos é uma radical deterioração, em comparação com os anos 90, da informação disponível para os adolescentes. Os jovens dos anos 90 se sentiam muito mais confortáveis com relação ao sexo do que os de hoje.

Há duas décadas, os pais encaravam sexo entre adolescentes como algo normal. Ensinavam seus filhos sobre responsabilidade, amor, mas a mudança na opinião pública levou à intimidação.

O mais duro é que as pessoas voltaram a sentir vergonha de falar sobre sexo. Os pais se sentem, então, muito desconfortáveis para defender seus pontos de vista, para si mesmos e para seus filhos.

Ficou muito difícil para pais pressionarem para que haja educação sexual, porque os outros olham como se eles fossem sujos e perigosos.

Nesse quadro conservador, como ficam as meninas?

O maior problema tem sido a perda de poder das meninas. Se numa escola se usa um par de tênis sujos e gastos como símbolo de virgindade perdida, é claro que quem se sente mais fraco e vulnerável são as meninas.

Há 20 anos eu dou aulas de história da sexualidade para jovens universitários e vejo uma grande mudança. As jovens não estão mais confortáveis, confiantes sobre o que querem ou não fazer. A confiança foi danificada e precisa ser recuperada. Mesmo as congressistas democratas passam por momentos difíceis porque ninguém quer falar publicamente sobre sexo.

De que forma o outro lado tem reagido a essa onda conservadora? Ou não tem reagido?

A comunidade LGBT é extremamente organizada e tem feito um bom trabalho lutando contra os conservadores, com slogans como "eu também quero me casar" e "meus filhos são felizes e sabem que são amados". Hoje, 50% da população é favorável ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que é um grande avanço em relação ao que ocorria há cinco anos.

A intimidação agora mira nos direitos reprodutivos femininos. É onde vemos o maior retrocesso. A discussão não é mais só sobre aborto, mas também sobre o direito à contracepção.

Só nos últimos meses as mulheres voltaram a lutar. Lisa Brown, deputada em Michigan, usou a palavra "vagina" na Assembleia estadual e foi censurada, impedida de falar no plenário, o que causou uma série de protestos.

[Em junho, a deputada fez um discurso contra um projeto que restringia as condições para abortos e concluiu sua fala dirigindo-se aos deputados: "Fico lisonjeada que todos vocês estejam tão interessados na minha vagina, mas 'não' significa 'não'".]

É uma interferência nunca vista nos direitos das mulheres. Há uma crescente mobilização feminina, mas é difícil.

As pessoas estão tentando falar agora, mas os conservadores levam vantagem porque se sentem mais confortáveis em defender seus pontos de vista. Essa situação esteve presente na Rio+20, quando o tópico a respeito dos direitos reprodutivos das mulheres foi excluído do documento final por pressões religiosas.

Não sei como as mulheres podem aprender com o movimento LGBT, mas alguém tem que ir a público e dizer que mesmo os casamentos monogâmicos heterossexuais precisam de meios contraceptivos. É uma lição que precisamos aprender: se eles foram criativos para montar o discurso conservador, nós também precisamos ser criativos para lutar de volta.

A TV do futuro

Com ficção 'on demand', como fica o anúncio de 30 segundos, que é o que sustenta os canais? Na rede, a pirataria será sempre mais rápida que a encriptação?

A velha TV da sala, com sua centena de canais, agigantou-se e está sendo transmitida para táxis em movimento, celulares no metrô e, no futuro próximo, em HD e quem sabe em 3D para qualquer tela.

Acabou a televisão que conhecíamos até pouco tempo atrás. E, com essas e outras mudanças de tecnologia, mudam os modos de produção, os modos de distribuição e assim mudarão os conteúdos deste planeta chamado audiovisual.

No futuro, tudo será tela. Agora, no Natal de 2012, o grande presente popular será um tablet. A segunda tela estará ligada nas redes sociais -enquanto assistimos ao show do Roberto, comentando as músicas com os nossos amigos da web.

Ou será que a própria tela da sala vai se dividir, metade TV e metade internet, num show de interatividade?

Os programas ao vivo serão o coração da TV do futuro, como diz o Boni? E a regulamentação de faixa etária? Como ficará, se as telas tendem para a vida sem fronteiras? O que é "conteúdo impróprio" para tempos onde se nasce no Youtube?

Existirá programação regional de TV? Quem contará o que acontece no meu bairro? Como competir com a "qualidade do mundo"?

E as histórias encantadas em novelas, filmes e minisséries? Devem continuar, claro, afinal uma boa história é o começo e o fim de tudo.

Mas as obras de ficção deverão ser fortes "on demand". E aí como fica a publicidade de trinta segundos que é o que ainda sustenta a TV? Vai virar "product placement" (inserção de produtos nos programas)? "Branded content" (conteúdos vinculados às marcas)? O comércio nas telas tende para o merchandising?

Se estaremos em interatividade e conteúdo transmídia, como ficarão as narrativas? E, falando em futebol, a Copa de 2018 vai ser transmitida pela Apple? Faz sentido, certo?

Serão muitas fontes de informação e entretenimento. Quem assistirá tanta notícia? E como ficarão os direitos autorais de quem cria, se temos tudo tão fácil para download gratuito? Novas formas de encriptar o conteúdo surgirão? Ou a invenção pirata será sempre mais rápida?

O mercado será o dono do conteúdo? As marcas terão canais próprios com conteúdos significativos? O que é significativo?

O desejo de mercado pode se unir ao objetivo social? Quem cobrará isso? O público, o Estado? Como farão isso? E a educação via TV?

Hoje, a pergunta que sempre me ocorre é: por que não vemos a TV correr riscos? Será que as agências de publicidade, aliadas às emissoras tradicionais de TV, conseguirão atrasar a revolução audiovisual por muito mais tempo? As empresas de telefonia virão destoar o coro dos contentes produzindo conteúdo interativo em escala industrial?

A TV continuará sendo a detentora da maior fatia de publicidade por quanto tempo? A internet já está em segundo, crescendo. Como ficará a medição de audiência de um programa que pode ser exibido em tantas telas em tempos diferentes? É isso o que o mercado e a torcida do Flamengo querem saber. Rápido!

E o poder? Como ficará a política e a representatividade cidadã com tantas telas? Revelar-se-á de quem são as mãos sujas da corrupção? A punição online é iminente? Enfim, onde está a inovação? O que virá depois do Youtube, do Twitter e do Facebook? Estamos como dinossauros estupefatos diante da certeza da queda de um asteroide em nosso planeta de audiovisual.

Caraca! Onde estamos e para onde estamos indo? Está claro que sem foco no desenvolvimento social teremos só tecnologia e mercado. Não haverá sonho, seja lá o que isso for. Mas, sem isso, para que então?

Ah! Eu casei neste domingo. Uma pequena celebração em família. Não foi transmitida para lugar nenhum.

TADEU JUNGLE, 54, diretor de cinema e TV, é sócio do Grupo Ink, produtor de audiovisual
JOÃO RAMIREZ, 32, é diretor-executivo da produtora digital Colmeia

domingo, julho 22, 2012

Antagônicos – crônica coloquial

ESCRITO POR JULIANA CARDOSO

Após uma estressante semana de trabalho, necessitava viajar até Arapiraca no fim de semana para fazer compras. Sendo assim, a faxina que de praxe fazia nos sábados, teria que ser feita na sexta-feira a noite para poder dispor do sábado livre.

Enfim, chegou o sábado. Dia de sol, céu azul, perfeito! Arrumei-me e peguei a bolsa. Ao passar pela sala de estar avistei um dos meus periódicos favorito ainda lacrado.

É meus amigos, nesses períodos de super-mulheres contemporâneas tempo é um artigo de luxo. Peguei a revista e coloquei na bolsa. Já havia passado quinze dias de sua chegada, mas não conseguia tempo para ler. Finalmente leria... Durante os minutos de Teotônio Vilela até Arapiraca faria minha leitura.

Chegando ao ponto de transportes alternativos, logo o motorista anuncia: “Entrem, estamos indo!”

Sentei-me no último banco. Gosto daquele lugar com uma elevação à frente. As pernas ficam suspensas e propicia conforto para ler.

Ah, mais um passageiro chega. Abre-se novamente a porta da Van. Ele entra até onde eu estava e diz:

“Bom dia moça!”

Respondo: Bom dia!

Ele: Pode ir mais pra lá?

Eu: Posso.

Pensei, que pena, perdi o lugar da leitura.

Quando o carro começou a ‘andar’ abri a bolsa e retirei a revista. Tenho um ritual para ler revistas. Primeiro leio a capa, depois vejo o índice para saber o assunto das outras reportagens. Leio por ordem de interesse.

Começo a fazer a leitura e...

Meu vizinho de banco toca no meu ombro e pergunta: Moça gosta de ler?

Eu: Ah sim, gosto. E volto a ler.

Ele novamente: É de que essa revista?

Eu: sobre Literatura.

Tento voltar os olhos para a leitura, mas antes sou indagada:

Essa Literatura daí é como a da escola?

Eu: Sim, a revista trata de Literaturas de Língua Portuguesa, mas também tem conteúdo de literaturas de outras línguas.

Volto atenção para revista e penso “que bom, não fará mais perguntas!”. Mas então, ele resolve ‘ler junto’. Fica mais próximo, inclina a cabeça e fica lendo...

Olho-o fixamente na tentativa de que leia meus pensamentos: Deixe-me ler em paz! Ele ignora, abre um grande sorriso e eu, com um risinho amarelo de raiva tento voltar a ler.

Deixei-o incógnito (se isso fosse possível, pois sentia até sua respiração!) e retomo a leitura. Terminei então as duas páginas e ele olhando, olhando em direção a revista...

Fiquei constrangida para virar a página e pensei: Eu mereço esse castigo, tenho que merecer!

Olhei-o e disse: Posso fechar?

Ele: Posso pegar?

Sem responder entreguei-a em suas mãos. Quase não consegui conter a raiva, pois ele a pegou e fechou. O ‘cabra’ começou então a folhear página por página molhando antes o dedo indicador na língua. Minha visão escureceu e contei até mil nessa hora. Ele não estava lendo, se tivesse teria continuado quando lhe dei.

Após revirar sem se ater em nenhuma leitura devolveu. Então numa tentativa de afrontá-lo disparei: Interessa-se por Literatura?

Ele: Quando estudava lembro do professor ter falado de um tal de barroco, acho que tem nos prédios. Também de uns da revolução numa semana aí que até teve um quadro de uma mulher ‘troncha’.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa ele complementou:

_ Mas eu, homi, eu gostava não sabe. Quero saber de nada do passado. Quero viver o agora.

Eu: Mas durante o arcadismo as obras falam sobre isso, da necessidade de vivermos a vida intensamente...

Ele interrompeu: Eu, invés de ler dos outros quero viver!

Então fiquei calada. Nesse momento meu celular toca.

Atendo: Oi amor... Sim, posso. Quantos? Ah tá quando chegar em casa ligo para você. Desligo.

O vizinho com um risinho malicioso pergunta: Seu namorado?

Com cara de pouco amigo respondo: Meu marido.

Mas ele não se sente envergonhado e dispara: Quando eu casar quero uma esposa assim. Pensei que só namorados falavam assim.

Nem respondi. Detesto falar da minha vida pessoal. Mas o cara era persistente e pergunta:

“Tô certo?”

Olhei-o incrédula sem responder. Mas ignorando minha desatenção e raiva ainda perguntou: Onde você vai descer?

Eu: Qualquer lugar no centro.

Ele: Eu também.

Apresso-me em dizer: Algumas amigas e seus maridos aguardam-me. Sabe como são, maridos ciumentos!

No primeiro lugar que deu para parar eu desci. Pensava: que homem chato! Minha revista molhada de sua saliva, tempo desperdiçado num diálogo inútil!

É a tal da afinidade. Quando não estabelecemos esse elo com o interlocutor torna-se realmente impossível desenvolver qualquer relacionamento, principalmente amizade que pressupõe a troca de informação e ato de compartilhar experiências. O colega de assento e eu somos incompatíveis porque nosso campo de interesse é muito distante um do outro.

Porém uma coisa despertou meu interesse: O que será que ele pensou quando desci? Sem educação, arcaica, chata também... Hum... Melhor não pensar nisso!

sexta-feira, julho 20, 2012

Poema aos amigos

Jorge Luis Borges

Não posso dar-te soluções

Para todos os problemas da vida,

Nem tenho resposta

Para as tuas dúvidas ou temores,

Mas posso ouvir-te

E compartilhar contigo.



Não posso mudar

O teu passado nem o teu futuro.

Mas quando necessitares de mim

Estarei junto a ti.



Não posso evitar que tropeces,

Somente posso oferecer-te a minha mão

Para que te sustentes e não caias.



As tuas alegrias

Os teus triunfos e os teus êxitos

Não são os meus,

Mas desfruto sinceramente

Quando te vejo feliz.



Não julgo as decisões

Que tomas na vida,

Limito-me a apoiar-te,

A estimular-te

E a ajudar-te sem que me peças.



Não posso traçar-te limites

Dentro dos quais deves atuar,

Mas sim, oferecer-te o espaço

Necessário para cresceres.



Não posso evitar o teu sofrimento

Quando alguma mágoa

Te parte o coração,

Mas posso chorar contigo

E recolher os pedaços

Para armá-los novamente.



Não posso decidir quem foste

Nem quem deverás ser,

Somente posso

Amar-te como és

E ser teu amigo.



Todos os dias, penso

Nos meus amigos e amigas,

Não estás acima,

Nem abaixo nem no meio,

Não encabeças

Nem concluís a lista.

Não és o número um

Nem o número final.



E tão pouco tenho

A pretensão de ser

O primeiro

O segundo

Ou o terceiro

Da tua lista.

Basta que me queiras como amigo



Dormir feliz.

Emanar vibrações de amor.

Saber que estamos aqui de passagem.

Melhorar as relações.

Aproveitar as oportunidades.

Escutar o coração.

Acreditar na vida.



Obrigado por seres meu amigo

'Minha profissão é escrever sem camisinha'

Para Lobo Antunes, que redige seus livros a caneta, criar na tela do computador é como fazer sexo com preservativo

Autor define a criação como momento de angústia e solidão; na infância, apaixonou-se pela obra de Lobato

DE SÃO PAULO

Folhas de papel A4 e caneta esferográfica. É o que basta para António Lobo Antunes escrever os seus livros. Avesso a celulares e cartões de crédito, ele não usa o computador para produzir.

"Gosto de desenhar as letras, de bordar. Ver vidro é como fazer amor com camisinha. Minha profissão é escrever sem camisinha", conta. "Nos dias bons a mão fica a fluir e escreve sozinha." Às vezes saem só cinco linhas em um dia.

Mas escrever, propriamente, não lhe dá prazer, revela ele. "Quando não escrevo me sinto culpado. A criação é um mistério. Há alturas de uma felicidade intensa, mas a maior parte do tempo é angústia. De tentar encontrar a palavra e a música e a cor. Talvez escrever seja a arte dos corantes."

E por que escreve dessa maneira, misturando poesia, prosa? "É a minha maneira. Nunca penso se é poesia ou prosa ou o que for. O importante é que sejam aquelas as palavras."

Seu mais recente livro, que será lançado neste ano em Portugal, chama-se "Não É Meia Noite Quem Quer". "É uma mulher falando o tempo todo. O livro não tinha título. Peguei um verso do [francês] René Char", explica.

Próximos livros? "Sei que precisava de mais 200 anos, mas não sei para escrever o quê. Cada livro é o primeiro. Porque a experiência é como os flutuadores dos hidroaviões. Não servem para nada quando você está no ar. E você está sempre muito sozinho quando está fazendo um livro", desabafa.

Nascido em plena ditadura de Salazar, foi lendo uma fábula de La Fontaine que Lobo Antunes aprendeu o que era democracia. "Tinha um verso em que um cão podia olhar para um bispo. E aqui os bispos é que podiam olhar para os cães."

LOBATO E MACHADO

Na biblioteca do pai se apaixonou por "Saci", de Monteiro Lobato. Lia José de Alencar, Aluísio Azevedo, Raul Pompeia, Machado de Assis. Aos 7 anos viajou pela Europa.

"Fui acumulando experiências de toda a ordem desde muito cedo. Ficava tudo dentro de mim. Aos 3 anos tive uma tuberculose e fiquei deitado numa cama durante um ano. Era um menino horizontal no meio de gente vertical", lembra.

De estudar ele nunca gostou. "Estava sempre procurando tempo para escrever", recorda. Quis fazer letras, mas acabou cedendo à pressão do pai, que o queria seguindo a tradição da família na medicina.

E foi um choque. "Os primeiros tempos eram só cadáveres, cadáveres, cadáveres. Para mim a morte não existia. Era o filho mais velho dos filhos mais velhos. Quando nasci, minhas avós tinham 40 anos. Então os mortos eram senhores de bigode nos retratos", conta.

E essa experiência na medicina foi importante para os seus escritos? "Não. Se tivesse sido engenheiro ou outra coisa teria sido igual. Drummond era farmacêutico", responde. E ele, que estudou psiquiatria, como define esses doutores? "Os psiquiatras são loucos tristes", ataca.

Como médico, Lobo Antunes foi com as tropas portuguesas para Angola, que lutava pela independência.

"É horrível, porque ninguém ganha uma guerra; todos perdem. Foi um desafio a mim mesmo. Aprendi o valor da coragem", afirma.

Na mesma época, do outro lado da batalha, com o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), estava Pepetela, hoje escritor como Lobo Antunes. Ambos venceram o Prêmio Camões, o mais importante da literatura em língua portuguesa.

Beirando os 70 anos, como sente o envelhecer? A resposta é inusitada. "Cada pessoa tem a idade com que nasceu. Se nasceu com 20 anos, tem 20 anos; se nasceu com 80, tem 80." E com quantos anos Lobo Antunes nasceu? Ele escapa. "Essa é uma pergunta muito íntima."

Hoje, ele corre regularmente às margens do Tejo -"só o suficiente para ficar bonito".

Está curado do câncer? Sim. Depois de uma pausa, emenda: "Se é que alguém alguma vez fica curado seja do que for. Você se cura de um grande amor? Não sei."

(ELEONORA DE LUCENA)

SÔBOLOS RIOS QUE VÃO
AUTOR António Lobo Antunes
EDITORA Alfaguara
QUANTO R$ 29,90 (192 págs.)

quinta-feira, julho 19, 2012

BOOKAHOLIC

Quando cheguei a “O Estado”, Deus me concedeu o privilégio e a grande felicidade de me tornar amigo do saudoso Raimundo Martins. Para quem não faz a menor ideia de quem eu possa estar falando, o profissional em questão atuava em duas frentes: era editor de capa deste jornal e tinha uma função bem relevante na TV Difusora. Tarefas que invariavelmente o tiravam de casa bem cedo pela manhã e faziam-no retornar à família lá pelas tantas da noite – quando não de madrugada.
Além de se mostrar diariamente devotado ao trabalho e à esposa e aos dois filhos, aqueles que conheceram Martins mesmo que superficialmente identificavam nele uma terceira faceta – a do bookaholic.
Nós tínhamos essa “competição”, por assim dizer: quando ele comprava um livro, acabava me incentivando a fazer o mesmo no dia seguinte. Lembro quando, há alguns anos, chegou às bancas mais uma coleção de obras-primas. Tomados em conjunto, os clássicos da literatura universal (“Moby Dick”, “O Morro dos Ventos Uivantes”, “Tom Jones”, entre outros) ocupam tranquilamente a prateleira de cima de qualquer estante – desde que se tenha a vaidade de exibir para uma eventual visita o gosto contumaz pela leitura.
Mas a grande verdade é que tanto o ato de ler quanto de escrever inevitavelmente – e de um jeito ou de outro – acabam atraindo a atenção. Ainda mais a que não desejamos de forma alguma.
Ao abrirmos um livro, já estamos divulgando ao mundo uma espécie de “diploma de intelectual”. Um atestado de que, num Maranhão (ou o Brasil de uma forma geral) com tantos analfabetos, o CDF é uma criatura diferente. O problema é que, de vez em quando, ser um indivíduo diferenciado atrai a curiosidade impertinente e, o que é pior, o preconceito.
Sempre ouvi que ler em ônibus é prejudicial à saúde da visão. Algo a ver com o deslocamento da retina, em razão das tantas sacolejadas do carro. Graças a Deus, nunca funcionou comigo. Porque, numa cidade como São Luís, que têm várias ruas parecidas com cenários de pós-guerra, muito provavelmente eu já teria ficado cego. E ainda há a questão do tempo que levo para chegar ao trabalho. Quem mora na Cidade Operária, Maiobão e adjacências sabe muito bem o que é passar entre 40 minutos e uma hora (naturalmente descontados os eventuais engarrafamentos) dentro de um coletivo que geralmente trafega pela Ilha para lá de abarrotado. Sem um livro ou qualquer forma de distração, não dá para aturar numa boa esse estresse.
Mas eu quero mesmo tratar é dos chatos que perturbam os bookaholics que estão sempre com um livro debaixo do braço e não se contêm em lê-los onde quer e com quem estejam. Nem com quem. Lembro agora de duas ocasiões. Na primeira, ligeiramente afundado no assento do ônibus no qual me encontrava, me vi perdido na trama mirabolante de “Ponto de impacto”, de Dan Brown, quando sentou-se ao meu lado um mala que muito me perturbou, do Terminal de Integração do São Cristóvão ao bairro do São Francisco comentando tudo quanto foi diacho de romance que disse ter lido creio eu desde a invenção da imprensa. Em condições normais de temperatura e pressão, a tagarelice dele seria até louvável porque abordava um assunto a respeito do qual arrogantemente me considero um especialista. O que jogou a sujeira no ventilador nesse caso foi a surpreendente anedota final do sujeito.
Depois de encher o saco falando e falando sobre tudo quanto foi peça de ficção que lhe caiu nas mãos, o indivíduo encarou-me com seriíssima gravidade e disse, quase em tom de confidência: “Pois é meu jovem. Li tudo o que me apareceu pela frente. E sabe o que foi que isso me rendeu?”. Não esperou minha resposta, que obviamente seria negativa: “Nada. Estou desempregado há dois anos e tenho dois periquitos pra dar de comer. Por isso, largue esse negócio de livro de mão e procura trabalhar, que é melhor”.
É isso aí, prezado Raimundo Martins: certos malas, só matando.

terça-feira, julho 10, 2012

Cronistas e colunistas

Carlos Heitor Cony

RIO DE JANEIRO - Leitores perguntam por que me considero "cronista" -e não "colunista"- dos jornais e revistas que me aturam há alguns anos de atividade profissional.

Os manuais de Redação adotados em quase todos os veículos impressos consideram como "colunas" qualquer texto assinado, opinativo e periódico, apesar de aceitarem a distinção entre "colunista" e "articulista". Este é um convidado ou colaborador que oferece seu trabalho para publicação.

Independente da qualidade dos textos, a crônica é um gênero literário, seu espaço natural é o jornal, o livro, o rádio e até a televisão. João Saldanha, que era multimídia, sempre fazia crônica, mesmo quando escrevia para jornais. No mesmo caso estão Nelson Rodrigues, Janio de Freitas, Ruy Castro, José Simão e muitos outros.

Colunistas foram, no passado, Ibrahim Sued, Zózimo, Tavares de Miranda e outros que assinavam colunas fixas sobre pautas determinadas pelo editorial de cada veículo.

Há colunistas que cobrem política, polícia, sociedade, esportes, culinária, economia, teatro, cinema, música, artes plásticas etc. São opinativos e/ou informativos. Noticiam ou comentam fatos ou quase fatos, inclusive fofocas. Trabalham com equipes buscando as necessárias fontes. Editam o material recolhido pela equipe ou recebido diretamente de interessados.

O colunista de televisão não emitirá opinião ou informação sobre a crise do euro ou a demarcação de terras indígenas.

O colunista internacional não comentará nem noticiará a ida da Fátima Bernardes para outro programa ou a demissão de um delegado da Polícia Federal. Sem compromisso com qualquer assunto, um cronista, como mal me considero, poderá falar de tudo, inclusive da falta de assunto.

quinta-feira, julho 05, 2012

James Shapiro compara interesse por Shakespeare a vício em drogas

05/07/2012 - 19h42

RODRIGO LEVINO
ENVIADO ESPECIAL A PARATY (RJ)

Em entrevista na tarde desta quinta-feira (5), na Flip, o escritor norte-americano James Shapiro declarou, bem-humorado, que William Shakespeare foi "a droga mais pesada" na qual ele se viciou.

Acompanhe a cobertura da Flip

Estudioso da literatura no período elisabetano, Shapiro, autor do livro "Um Ano na Vida de William Shakespeare", é considerado um dos maiores especialistas em atividade na obra do dramaturgo inglês.

Ele dividirá com Stephen Gleenbath, outro expert no assunto, a mesa "O Mundo de Shakespeare", nesta sexta-feira (6), às 12h, na Tenda dos Autores.

Shapiro contou que, na infância, odiava as obras do dramaturgo por causa das obrigações escolares. "Mas a partir do momento em que me permiti conhecê-lo mais aprofundadamente, ainda na juventude, me viciei completamente."

A paixão, segundo ele, se explica pela vastidão da obra do bardo. "Não há aspecto da vida humana que Shakespeare não tenha abordado, esmiuçado, seja de aspecto político, econômico ou social", disse ele.

Para o especialista, a genialidade de Shakespeare estava no talento em construir, com seus livros, usando elementos comezinhos do dia a dia, desde a fofoca, passando por dogmas religiosos e miudezas do convívio social, uma identidade atemporal para a sociedade moderna.

Ao falar da face política das peças, Shapiro disse acreditar que Shakespeare pode ser analisado sob qualquer ideologia que nele serão encontrados elementos suficientes para desenvolver estudos, pendam esses aspectos mais para a direita ou para a esquerda.

"A prova dessa universalidade dele é ter rompido a barreira da linguagem e se tornado passível de adaptação a qualquer tempo, época ou realidade. Estejamos na Inglaterra, na China ou na Bulgária."

Pesquisadores anunciam descoberta de 100 obras inéditas de CaravaggioComentários


05/07/2012 14h22

Do UOL, em São Paulo*

Cerca de cem desenhos e pinturas atribuídas ao pintor renascentista Caravaggio, que teriam sido produzidos durante a sua juventude, foram encontrados por especialistas em uma coleção no interior do Castelo Sforza, em Milão, anunciou nesta quinta-feira (5) a agência Ansa. A prefeitura milanesa, no entanto, pediu prudência.

Segundo a agência italiana, estes desenhos e pinturas, avaliados em 700 milhões de euros, estavam no "Fundo Peterzano", do pintor Simone Peterzano, professor do jovem Caravaggio. A descoberta foi resultante de uma investigação realizada por um grupo de especialistas italianos.

O valor de 700 milhões foi estimado a partir do preço médio de sete milhões de euros obtido pelos desenhos dos grandes mestres do século 16 nos leilões recentes, explicaram os especialistas Maurizio Bernardelli Curuz e Adriana Conconi Fedrigolli, que lideraram por mais de dois anos os trabalhos de pesquisa.

Contudo, a prefeitura de Milão, proprietária do castelo Sforzesco e do Fundo Peterzano, pediu cautela antes da confirmação da origem destas obras.

"Ficaríamos muito felizes de ter a confirmação de que isto é verdade. As circunstâncias são estranhas. Nós não fomos informados de nada, descobrimos isso na véspera do lançamento de um ebook de dois peritos que não visitam o castelo há tempos, e é por isso que pedimos cautela", disse à AFP Elena Conenna, porta-voz de cultura da prefeitura de Milão.

"Os desenhos sempre estiveram no mesmo lugar, eles não estão escondidos, o Fundo Peterzano é acessível a todos e são muitos os especialistas que visitam, mas, de acordo com nossas informações, esses dois especialistas não visitaram o Fundo nos últimos dois anos", acrescentou Conenna.

Os peritos encontraram até mesmo um bilhete escrito por Caravaggio, segundo a mesma fonte, que afirma que o documento foi submetido a um estudo grafológico para confirmar a sua autenticidade.

Os cientistas italianos vasculharam por dois anos as igrejas em Milão e as proximidades de Bérgamo (norte), assim como o Fundo Peterzano que possui 1.378 desenhos de Simone Peterzano e de seus alunos, incluindo Michelangelo Merisi, conhecido como Caravaggio (1571 -1610). Caravaggio foi aluno de Peterzano na adolescência e trabalhou em seu ateliê entre 1584 e 1588.

"Nós achávamos que era impossível não haver evidências da atividade de Caravaggio entre 1584 e 1588 no atelier de um pintor que era muito famoso e procurado na época", explicou Bernardelli Curuz, diretor artístico da Fundação Museu de Brescia.

Este pesquisador desenvolveu um método para encontrar a "geometria padrão" de Caravaggio e aplicou-a a cerca de 1.400 desenhos do Fundo Peterzano.

Dos cerca de cem desenhos encontrados e atribuídos ao mestre, 83 "foram reutilizados várias vezes em obras adultas" de Caravaggio, provando que o jovem pintor deixou Milão "com os modelos prontos para serem usados em pinturas romanas", indicam os pesquisadores.

Os resultados deste trabalho serão publicados na sexta-feira em dois e-books vendidos em quatro línguas através da Internet, informou a agência Ansa.

Caravaggio, famoso pela utilização de luz e sombra em seus quadros, como nas pinturas "Baco", "O Jantar de Emaús" e "O Sacrifício de Isaac", foi representado no teatro, cinema e literatura como um dos pintores mais atormentados da história.

O pintor, que sofria de sífilis e intoxicação por chumbo, morreu aos 39 anos, aparentemente de malária na região de Maremma, no sul da Toscana, região pantanosa naquela época.

Após passar por Brasília, a cidade de São Paulo recebe uma exposição com obras do pintor a partir de 26 de julho, no MASP.

* com informações da AFP.

quarta-feira, julho 04, 2012

Físicos encontram provável 'partícula de Deus'

SALVADOR NOGUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

04/07/2012 - 05h45

Após anos de espera, imprevistos, problemas técnicos e muito suor, os físicos do LHC (Grande Colisor de Hádrons), maior acelerador de partículas do mundo, anunciaram a descoberta de uma nova partícula. E eles acreditam que seja o famoso bóson de Higgs.

Entenda o que Deus tem a ver com o bóson de Higgs
Brasil avança em acordo para fazer parte do Cern
Rafael Garcia escreve no blog sobre expectativa do anúncio

Caso isso seja confirmado, será o coroamento da teoria científica mais bem-sucedida de todos os tempos --o chamado Modelo Padrão, que explica como se comportam todos os componentes e forças existentes na natureza, salvo a gravidade (explicada pela relatividade geral).

Contudo, cabe atenção para a formulação cuidadosa das afirmações dos pesquisadores.

Em seu último relatório, no fim do ano passado, eles já sugeriam ter encontrado algo, mas não descartavam um alarme falso.

Agora, eles já cravam categoricamente a existência da nova partícula. Só não admitem com todas as letras que se trata da almejada "partícula de Deus".

"Apesar de os eventos [de colisões de partículas no acelerador] sugerirem que estejamos diante do bóson de Higgs, a confirmação de que se trata realmente da partícula predita requer mais medidas comparativas", afirma Sérgio Novaes, físico da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e membro da Colaboração CMS, um dos dois experimentos do LHC que servem de base para o anúncio.

Ossos do ofício, num esforço que envolve análise de dados de milhões de colisões de partículas para que, estatisticamente, seja possível chegar a alguma conclusão definitiva.

De toda forma, o novo achado dá toda pinta de que se trata mesmo do almejado bóson.

O anúncio da descoberta foi feito num evento realizado às 4h (de Brasília) desta quarta-feira, transmitido ao vivo pela internet da sede do Cern (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear), em Genebra, Suíça, para a abertura da 36ª Conferência Internacional em Física de Altas Energias, em Melbourne, Austrália.

Dirigindo-se aos cientistas reunidos no auditório, o diretor-geral do Cern, Rolf-Dieter Heuer, fez uma pergunta: "Como leigo, eu diria que eu acho que conseguimos. Vocês concordam?". Uma ovação respondeu que sim.