terça-feira, dezembro 29, 2009

O Grande Zero

NEW YORK TIMES

Paul Krugman

Talvez soubéssemos, em um nível inconsciente, instintivo, que esta seria uma década que seria melhor ser esquecida. Seja qual for o motivo, nós passamos pela primeira década do novo milênio sem concordar sobre como chamá-la. Os "aughts" (zeros?) Os "naughties" (perversos)? Não importa. (Sim, eu sei que rigidamente falando, o milênio só começou em 2001. Também não me importo.)

Mas do ponto de vista econômico, eu sugeriria que chamássemos a década passada de o Grande Zero. Foi uma década em que nada de bom aconteceu e nenhuma das coisas otimistas nas quais supostamente deveríamos acreditar se concretizaram.

Foi uma década com basicamente zero em criação de empregos. Ok, o número do emprego para dezembro de 2009 será ligeiramente superior ao de dezembro de 1999, mas apenas ligeiramente. E o emprego no setor privado na verdade diminuiu - a primeira década registrada em que isso aconteceu.

Foi uma década com ganho econômico zero para uma família típica. Na verdade, mesmo no auge do suposto "boom do Bush", em 2007, a renda média dos lares corrigida pela inflação era mais baixa do que em 1999. E você sabe o que aconteceu em seguida.

Foi uma década com ganho zero para os donos de imóveis residenciais, mesmo aqueles que compraram cedo: no momento, os preços dos imóveis, corrigidos pela inflação, voltaram aproximadamente aos do início da década. E para aqueles que compraram nos anos intermediários -quando todas as pessoas sérias ridicularizavam os alertas de que os preços dos imóveis não faziam sentido, que estávamos no meio de uma bolha gigantesca -bem, eu sinto a dor de vocês. Quase um quarto de todas as hipotecas nos Estados Unidos, e 45% das hipotecas na Flórida, está com valor acima do de mercado, com os proprietários devendo mais que o valor de seus imóveis.

E por último e menos importante para a maioria dos americanos -mas extremamente importante para as contas de aposentadoria, sem contar para os apresentadores de programas de finanças na TV- foi uma década de ganho zero para as ações, mesmo sem levar a inflação em consideração. Você se recorda da empolgação de quando o Dow ultrapassou pela primeira vez os 10 mil pontos e livros best seller como "Dow 36,000" previam que os bons tempos continuariam por muito tempo? Bem, isso foi em 1999. Na semana passada, o mercado fechou a 10.520 pontos.

Logo, não aconteceu quase nada em progresso ou sucesso econômico. É engraçado como isso aconteceu.

No início da década, havia um senso dominante de triunfalismo econômico no establishment político e empresarial americano, uma crença de que nós -mais do que quaisquer outras pessoas no mundo- sabíamos o que estávamos fazendo.

Permita-me citar um discurso de Lawrence Summers, o então vice-secretário do Tesouro (e atualmente o mais alto economista do governo Obama), feito em 1999. "Se você me perguntar por que o sistema financeiro americano é bem-sucedido", ele disse, "minha leitura, no mínimo, seria a de que nenhuma inovação é mais importante do que os princípios de auditoria aceitos de forma geral: isso significa que cada investidor pode ver a informação apresentada em uma base comparável; que há disciplina na gestão das empresas, na forma como relatam e monitoram suas atividades". E ele prosseguiu declarando que há "um processo em andamento que realmente faz com que nosso mercado de capital funcione e funcione de forma estável".

E aqui está aquilo em que Summers -e, para ser justo, quase todo mundo em um cargo de autoria de políticas na época- acreditava em 1999: os Estados Unidos possuíam uma contabilidade e auditoria corporativa honesta; isso permitia aos investidores a tomada de boas decisões, além de forçar a administração a se comportar de forma responsável; e o resultado era um sistema financeiro estável, que funcionava bem.

Qual o percentual de tudo isso ter se confirmado? Zero.

O que é realmente impressionante a respeito da última década, entretanto, foi nossa não disposição, como nação, de aprender com nossos erros.

Mesmo após o estouro da bolha das empresas pontocom, banqueiros e investidores crédulos começaram a inflar uma nova bolha de imóveis. Mesmo após empresas famosas e admiradas como Enron e WorldCom terem provado ser corporações Potemkin, com fachadas construídas com contabilidade criativa, analistas e investidores acreditaram nas afirmações dos bancos a respeito de sua própria força financeira e aceitaram a badalação a respeito de investimentos sobre os quais não entendiam. Mesmo após provocarem um colapso econômico global, e serem resgatados às custas dos contribuintes, os banqueiros não perderam tempo em voltar à cultura de bônus gigantes e alavancagem excessiva.

E há os políticos. Mesmo agora, é difícil obter por parte dos democratas, incluindo o presidente Barack Obama, uma condenação plena às práticas que nos colocaram na situação difícil em que estamos. E quanto aos republicanos, agora que as políticas deles de redução de impostos e desregulamentação nos lançaram em um atoleiro econômico, a prescrição deles para a recuperação é: redução de impostos e desregulamentação.

Assim, vamos dar um adeus não muito saudoso à Grande Zero -a década em que não conseguimos nada e não aprendemos nada. A próxima década será melhor? Permaneça sintonizado. Ah, e um feliz Ano Novo.

Tradução: George El Khouri Andolfato

quinta-feira, dezembro 24, 2009

"...a universidade que você se inscreveu"

PASQUALE CIPRO NETO

Nem os tais teóricos pensam dessa
maneira; quando escrevem suas
"teses", não empregam essas construções


IMAGINO QUE boa parte do leitorado já esteja se preparando para as comemorações natalinas. Para algumas pessoas, no entanto, as águas talvez não estejam tão doces. Refiro-me aos jovens que, passadas as "festas", estarão diante de provas e mais provas. Que tal, então, ver uma das questões da recentíssima prova da Fuvest (primeira fase)?

Vamos lá, pois. Escolhi uma questão rasa, das que exigem o domínio básico da norma culta. O enunciado é curto e grosso: "A única frase que segue as normas da língua escrita padrão é:". Eis as alternativas: "a) A janela propiciava uma vista para cuja beleza muito contribuía a mata no alto do morro"; b) "Em pouco tempo e gratuitamente, prepare-se para a universidade que você se inscreveu"; c) "Apesar do rigor da disciplina, militares se mobilizam no sentido de voltar a cujos postos estavam antes de se licenciarem"; d) "Sem pretender passar por herói, aproveito para contar as coisas as quais fui testemunha nos idos de 1968 e que hoje tanto se fala"; e) "Sem muito sacrifício, adotou um modo de vida a qual o permitia fazer o regime recomendado pelo médico".

O caro leitor já sabe qual é a correta? Antes da resolução, um pequeno comentário: o cerne da questão, presente nas cinco frases, é a regência, que, como se sabe, diz respeito às relações que se estabelecem entre as palavras e as orações. Em "Gosto de poesia", por exemplo, o verbo "gostar" rege a preposição "de". Nas frases da Fuvest, os mecanismos de regência são pouca coisa mais complexos, já que em alguns casos entra em cena o bendito pronome relativo.

Vejamos, por exemplo, a frase "b", em que há o passo "universidade que você se inscreveu", típico das variedades informais da língua. Fato semelhante ocorre em "A gasolina que você pode confiar", "A firma que meu pai trabalha", "Os países que eu estive/fui", "A rua que eu moro", "As matérias que você optou" etc. Embora alguns teóricos defendam a ideia de que isso já faz parte da língua culta (porque, de acordo com eles, essas construções já se encontram nos registros formais da língua), as bancas examinadoras não pensam dessa maneira. Na verdade, nem os tais teóricos pensam dessa maneira, porque, quando escrevem suas "teses", não empregam as construções que consideram formais.

Pois bem. Voltemos à frase "b". Se alguém se inscreve, inscreve-se em (ou para), portanto a construção adequada à escrita padrão é "...universidade em que ("na qual", "para a qual") você se inscreveu".

E a frase "c"? Nem pense nela. Além do surrado (e chato) "no sentido de" com o sentido de "a fim de", "para", há a impertinência do relativo "cujo". A forma adequada à escrita padrão é esta: "...se mobilizam para ("a fim de") voltar aos postos em que estavam...".

Vamos à "d". Se alguém é testemunha, é testemunha de algo; se alguém fala, fala de (ou sobre algo). Vamos lá: "...coisas de que ("das quais') fui testemunha nos idos de 1968 e de que ("das quais", "sobre as quais') hoje tanto se fala".

E agora? Qual é a resposta? É a "a" ou é a "e"? Nada de "e". Nela, o pau come solto. Problemas e problemas. O "a qual" é descabido, já que o que se substitui ali é "modo de vida", e não "vida". A regência de "permitir", então... Permite-se algo a alguém, portanto nada de "o permitia fazer o regime". Vamos lá: "...um modo de vida o qual ("que") lhe permitia fazer o regime...".

Na "a", destaque-se o correto uso de "cuja" ("cuja beleza" -a beleza é da vista, é dela) e da preposição "para", regida por "contribuir" (esse verbo rege "para" para introduzir o beneficiário do processo -a mata no alto do morro contribui para a beleza da vista). É isso.

quarta-feira, dezembro 23, 2009

Os gênios e a massagista milionária

ELIO GASPARI

Os magnatas da internet
trabalham como mouros,
mas quem ficou milionária
com uma só ideia foi Bonnie Brown

O GOOGLE tentou e quase conseguiu. Ofereceu US$ 550 milhões pelo sítio Yelp, mas, quando estavam perto do acerto, um dos dois donos do negócio, Jeremy Stoppleman, 31 anos, resolveu congelar a conversa.

Como o fim do ano é uma ocasião em que muita gente faz planos para ganhar rios de dinheiro, a história de Stoppleman, dos criadores do Google e de uma massagista de San Francisco ajuda a organizar sonhos. Frequentemente as pessoas olham para as histórias dos milionários e pensam: "Essa ideia podia ter sido minha" e voltam às suas rotinas. Infelizmente para os milionários de sonhos, os magnatas do Google e do Yelp, eles não enriqueceram por conta de ideias, mas pelo que ralaram para manter seus projetos de pé. Milionária de uma ideia, só a massagista.

Stoppleman e seu sócio Russel Simmons, de 30 anos, fundaram em 2004 um sítio de serviços e relacionamento para os moradores de San Francisco. Dão dicas de restaurantes, hotéis, serviços médicos, programas culturais, ou mesmo cabeleireiros. Expandiram-se para 200 cidades, com mais de 2,5 milhões de recomendações e 25 milhões de acessos anuais.

Olhado de longe, o sucesso do Yelp é um caso de triunfo de uma boa ideia. Visto de perto, a ideia é banal. Deu certo porque Stoppleman e Simmons estudaram, aprenderam e ralaram em cima dos projetos. Ambos são feras da engenharia de computadores e tiveram fé nos seus tacos. Simmons, um gênio matemático, formou-se aos 16 anos. Stoppleman era vice-presidente do PayPal, largou a boca e foi à luta. A primeira versão do sítio dava pouca importância aos comentários dos internautas. Quando seus donos perceberam que a audiência estava nesse detalhe, reprogramaram a página. Atualmente uma pessoa pode entrar no Yelp com seu celular para saber a qualidade da lavanderia, do restaurante ou da manicure da vizinhança do lugar onde está.

(Stoppleman e Simmons conseguiram US$ 20 milhões com os "anjos investidores", pessoas que já tiveram uma grande ideia, ficaram milionárias e dedicam-se a procurar jovens com grandes ideias.)

Num ponto muito menor, o caso do Yelp saiu da matriz que gerou o Google. O gigante da internet começou numa garagem com cinco empregados e tem hoje cerca de 20 mil funcionários. Quando Larry Page e Sergey Brin fundaram o Google eles já eram craques na Universidade Stanford. A ideia de criar uma ferramenta de busca também era banal. O êxito saiu da obsessiva perseguição do interesse do consumidor e da sua liberdade de navegação. Os engenheiros do Google revolucionaram o mercado de publicidade e espalharam o pânico nos nichos de fabricantes de carruagens do universo das comunicações.

Stoppleman, Simmons, Page e Brin viraram milionários porque tiveram ideias banais, armaram grandes projetos e perseguiram-nos com inteligência e trabalho. Quem trabalhou pouco e virou milionária só com uma ideia arriscada, sem trabalhar muito, foi a massagista Bonnie Brown. Em 1999, saindo de um divórcio dilacerante, ela respondeu a um anúncio de um tal de Google. A senhora teve uma ideia: pediu (ou aceitou) o equivalente a R$ 3.000 por mês e um punhado de ações. Cinco anos depois decidiu ir embora, embolsou alguns milhões de dólares e teve outra ideia: sacou só uma parte do ervanário. Hoje ela tem massagista e faz filantropia.

segunda-feira, dezembro 14, 2009

A felicidade que os norte-americanos ainda podem comprar

Financial Times

Algo incomum aconteceu nas universidades norte-americanas no mês passado. Duas faculdades, a Northeastern e a Hofstra, que jogavam futebol americano há mais de 70 anos, pararam de repente. O futebol simplesmente ficou muito caro. Em meio à recessão, e antes dos jogos da final da temporada de inverno, será este o retorno à sanidade que os críticos do jogo universitário esperam há um século?

Os excessos do futebol universitário atingiram novos níveis de absurdidade desde os anos 90, escreve Michael Oriard em seu novo livro "Bowled Over". As faculdades jogam dinheiro que não têm no futebol. "Sob qualquer perspectiva razoavelmente objetiva", diz Oriard, "a necessidade de reforma parece imensa. É obviamente uma loucura que um técnico de futebol ganhe várias vezes mais do que o diretor de uma universidade". Oriard conhece bem esse universo. Ele jogou futebol na Universidade Notre Dame e na NFL antes de se tornar professor de inglês na Universidade do Estado de Oregon. Sua prosa é leve e ponderada. Mas, como muitos críticos e defensores do futebol universitário, com frequência ele parece errar o alvo e esquecer para quê serve o jogo universitário.

Ele se sobressai ao identificar os abusos do esporte. Alguns jogadores saem da universidade iletrados, tendo jogado futebol o tempo todo. Eles não recebem dinheiro, e mesmo assim as faculdades conseguem gastar fortunas em aulas particulares, passagens de avião por todos os Estados Unidos, e às vezes até contratando "anfitriãs" para recrutar jovens promissores e convencê-los a entrar na faculdade certa. A grande maioria das faculdades perde dinheiro com os esportes, mas os times de futebol ofuscam as próprias universidades. E a loucura piora a cada ano.

Os argumentos dos defensores do futebol universitário provavelmente são falsos. O futebol não parece persuadir os ex-alunos a fazerem doações para o trabalho acadêmico da universidade, e não atrai melhores alunos. Na verdade, os doadores recentemente passaram a dar dinheiro "para os esportes, às custas do lado acadêmico", diz Oriard.

Entretanto, essas críticas erram o alvo. O futebol universitário não existe para tornar as universidades mais ricas ou melhores. Sua função é dar aos norte-americanos um pouco de felicidade e uma sensação de pertencimento. Ele faz isso da forma mais extravagante possível. Oriard sabe disso. "Um jogo de futebol universitário em Michigan ou Alabama", diz ele, "com suas bancas e líderes de torcida, festas antes e depois dos jogos, é um tipo de festa popular... que fornece uma sensação de comunidade, de ritual significativo, e um verdadeiro prazer para milhões de norte-americanos todos os finais de semana no outono."

Em centenas de vilarejos norte-americanos que não têm equipes esportivas profissionais, a única coisa que une muitas todas essas pessoas diferentes é o time de futebol universitário. Esses vilarejos chamam a si mesmos de "comunidades". O futebol às vezes transforma a palavra em realidade. Vinte faculdades têm estádios que acomodam 80 mil pessoas, mais do que o estádio do Manchester United. Numa pesquisa da ESPN em 2007, 72% dos norte-americanos se diziam torcedores do futebol universitário. Não é de espantar que Thomas Joiner, autor de "Why People Die By Suicide" ["Por Que as Pessoas se Suicidam"], tenha percebido uma queda no número de suicídios em Columbus, Ohio, e Gainesville, Flórida, quando os times universitários locais iam bem.

Tem sido parte da função histórica das universidades norte-americanas financiar parte dessa felicidade, e embrulhá-la na linguagem do amadorismo. Em grande parte porque os jogadores não são pagos, o financiamento é bem barato. O prejuízo total do futebol universitário no país é provavelmente de apenas algumas centenas de milhares de dólares. Esse é um tipo de felicidade que os Estados Unidos ainda podem comprar.

As finais agora têm patrocinadores, e direitos vendidos por uma fortuna para a televisão. Oriard se preocupa com a exploração dos jogadores. Entretanto, os fatos que ele cita sugerem algo diferente. Em dois grandes estudos, realizados pela própria Associação Atlética Universitária Nacional, a grande maioria dos jogadores disse estar feliz. Eles ganham a fama. É verdade, quase metade deles não se forma, mas sem o futebol, muitos deles nem chegariam perto de uma faculdade, de qualquer forma.

Se os abusos do futebol universitário persistiram por tanto tempo, é porque a maioria dos norte-americanos adora o jogo assim como ele é. E enquanto a Hofstra e a Northeastern deixam o campo, seis faculdades estão entrando no futebol na próxima temporada.

Tradução: Eloise De Vylder
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sexta-feira, dezembro 11, 2009

FIA confirma mudança e os dez primeiros vão pontuar em 2010

Do UOL Esporte
Em São Paulo


A FIA confirmou em reunião nesta sexta-feira que o sistema de pontos para a temporada do ano que vem sofrerá uma mudança a fim de se adaptar ao aumento no número de pilotos no grid. De acordo com a proposta aprovada pelo Conselho Mundial da categoria, os dez primeiros colocados vão pontuar.

Até então, apenas os oito primeiros somavam pontos. “Devido ao aumento do número de carros no grid para 13 equipes, e de acordo com a recomendação da comissão da Fórmula 1, um novo sistema de pontos será instaurado para a temporada de 2010”, informou a FIA em comunicado oficial.

A mudança aprovada nesta sexta-feira foi proposta para expandir a zona de pontuação às novas equipes, já que o grid terá 26 carros, o maior número desde 1995. Se na última temporada o vencedor levava 10 pontos e o oitavo colocado um, agora quem ganhar provas vai somar 25 pontos, com bônus até para o décimo lugar.

O novo sistema vai ter a seguinte ordem de pontuação: 25-20-15-10-8-6-5-3-2-1. Esta é a primeira alteração no sistema de pontos desde que o atual entrou em vigor, em 2003. Antes da última temporada, a FIA chegou a acenar com o quadro de medalhas para a Fórmula 1, proposta que foi rechaçada pelas equipes.

A proposta foi apresentada durante a reunião da Comissão da Fórmula 1 na quinta-feira, com a presença do novo presidente da FIA, Jean Todt, presidida por Bernie Ecclestone, a primeira desde a assinatura do Pacto da Concórdia entre a FIA e as equipes.

Na reunião também foi decidido que a equipe Brawn poderá trocar seu nome para Mercedes, e receberá os pagamentos referentes aos resultados históricos obtidos em 2009. A Comissão também propôs ao Grupo de Trabalho Desportivo que busque novas fórmulas para melhorar o espetáculo em 2010.

Entre as propostas levadas à reunião do Conselho Mundial nesta sexta, também foi aprovada a mudança no calendário de 2010 que recoloca o GP de Abu Dhabi como o último da temporada, assim como aconteceu neste ano, deixando o GP do Brasil como penúltima prova.

Abu Dhabi 'rouba' prova final da temporada 2010 da F-1 de Interlagos

Das agências internacionais
Em Londres (ING)

O circuito Yas Marina, em Abu Dhabi, receberá a última prova da temporada 2010 da Fórmula 1. A decisão foi tomada nesta sexta-feira pela FIA, que alterou o calendário para a competição no ano que vem. Assim, Interlagos deixa de ser a corrida que encerra a temporada. O GP do Brasil está marcado para o dia 7 de novembro, enquanto a prova dos Emirados Árabes Unidos acontecerá uma semana depois.

Um pré-calendário divulgado pela FIA, em outubro, colocava o circuito de Yas Marina como a penúltima corrida de 2010, e Interlagos teria a chance de fechar a temporada no dia 14 de novembro. No entanto, os árabes trabalharam bem nos bastidores e conseguiram mudar a data da prova.

Segundo a revista inglesa Autosport, as discussões sobre a mudança já estavam avançadas. E nesta sexta-feira, a comissão da Fórmula 1, composta por dirigentes de equipes e outras representações do esporte, somente ratificou a decisão. Os representantes de Yas Marina convenceram os dirigentes de que o novo e moderno circuito de Abu Dhabi é a melhor opção para fechar o ano.

Na última temporada, a prova nos Emirados Árabes valeu apenas o vice-campeonato, conquistado pelo alemão Sebastian Vettel, que venceu a corrida. “Acho que foi uma grande prova, fizemos tudo o que foi planejado e ajudamos a colocar Abu Dhabi no mapa”, destacou Richard Cregan, diretor do circuito de Yas Marina.

“Há muitas coisas que sabemos que precisam ser melhoradas para o próximo ano, mais na parte operacional. Temos trabalho a fazer, mas é bom estar em uma situação em que podemos tomar como exemplo o que foi feito em outros circuitos pelo mundo”, completou o dirigente.

Richard Cregan já fazia lobby para a mudança do pré-calendário e mostrava esperança de que Abu Dhabi pudesse encerrar a temporada 2010.

“Os dedos estão cruzados na torcida de que possamos receber a última corrida, mas eu não sei como vai ser. Acho que de qualquer maneira estaremos felizes. Se for a última prova, será fantástico”, comentou o dirigente de Abu Dhabi, antes da decisão favorável.

quarta-feira, dezembro 09, 2009

De W.Rehnquist@edu para J.Barbosa@gov

ELIO GASPARI

Diga aos seus colegas do STF que
se eu estou ao lado dos jornalistas,
o caso é sério, pois não gosto dessa gente

ASSUNTO: CENSURA à imprensa Prezado ministro Joaquim Barbosa,

O senhor me detesta, mas achei que devia lhe escrever porque temos uma coisa muito forte em comum e eu precisava me comunicar com algum ministro do Supremo Tribunal Federal brasileiro. Hoje vocês vão votar o caso da censura imposta ao jornal "A Província de S. Paulo" (terá mudado de nome? Quem me fala dele é o Pedro de Alcântara, que por aí foi rei).

Preocupo-me com a projeção histórica de vosso tribunal.

Ministro Barbosa, eu estive durante 33 anos na Corte Suprema dos Estados Unidos (1972-2005), 19 dos quais presidindo-a. Ajudei a desmanchar o ativismo judicial que o senhor aprecia. Para ser sincero, também não gosto de suas ideias, mas temos uma velha e dolorosa afinidade: a dor nas costas. Nossos inimigos vivem na eterna expectativa de que venhamos a renunciar. Sei de colegas seus que, além de torcer pela sua desdita, murmuram que sua saída ocorrerá em 2013. Fique firme. Minhas dores eram tamanhas que me viciei em Placidyl. Fui internado, alucinei e ouvi vozes. Como o senhor, eu não aguentava ficar sentado por mais de duas horas e, por isso, perdi bons filmes, como "O Resgate do Soldado Ryan". Aguentei a coluna estragada e morri no cargo em 2005, de câncer na tiroide, aos 81 anos.

A Constituição de vocês, como a nossa, proíbe a censura e o caso de hoje envolve o direito de a imprensa publicar gravações colhidas num inquérito cujo sigilo foi rompido. Eu sei o que há nele. Tenebrosas transações contra o erário e os princípios da moral pública e privada.

A censura será defendida sob o disfarce de sua condenação, desviando-se o debate para a questão de um sigilo que não foi quebrado pela imprensa. Bloquear a notícia não restabelece o sigilo, apenas estabelece a censura. É um truque antigo: "Sou contra a censura, mas ela não está em discussão... O que temos que decidir é outra coisa..."

Esse tipo de sustentação é eficaz em juízos de primeira instância. Com boa vontade, serve até para um recurso. Para a Suprema Corte, não. O Supremo Tribunal Federal é o guardião da Carta Constitucional. Num caso desses, ou ele cresce decidindo o litígio na sua essência, a livre circulação das informações, ou acanha-se, confundindo-se em aspectos periféricos do litígio.

Tenho autoridade para dizer isso porque esse foi o meu caminho em 1971 quando, como vice-procurador-geral, tentei impedir a publicação de um conjunto de documentos secretos relacionados com a Guerra do Vietnã. Eu argumentei que não se tratava de censura, mas de defesa da segurança nacional. Em menos de um mês a corte julgou o caso e perdi por 6 a 3. Se eu tivesse prevalecido e o Pentágono liberasse mil páginas por ano, o serviço estaria concluído em 1978. A guerra acabou em 1975. Era de censura que se tratava.

A imprensa já fez muito mal ao mundo, mas a Constituição não manda que ela seja boa, manda que ela seja livre. Quem me conhece sabe que eu não gosto de jornais nem de jornalistas. Raramente vou além do noticiário esportivo e metropolitano, mas gosto das palavras cruzadas.

Diga aos seus colegas que, quando o Bill Rehnquist está do mesmo lado que os jornalistas, o caso é sério.

Cordialmente,

William Rehnquist

sexta-feira, dezembro 04, 2009

Brasil pega grupo com Portugal, Coreia do Norte e Costa do Marfim na Copa

Alexandre Sinato e Renato Cury
Na Cidade do Cabo (África do Sul)


As bolinhas do sorteio da Copa na Cidade do Cabo começaram a definir nesta sexta-feira o caminho da seleção brasileira na tentativa de conquista de seu sexto título mundial. O time de Dunga encabeçará o grupo G em 2010 e enfrentará na primeira fase da competição as seleções de Coreia do Norte, Costa do Marfim e Portugal. Já a África do Sul, comandada por Parreira, encabeça um grupo com dois campeões mundiais (França e Uruguai). Após a definição do grupo A, os anfitrões reagiram com semblante de preocupação.

CONFIRA OS GRUPOS DA COPA DO MUNDO 2010

A África do Sul, México, Uruguai, França

B Argentina, Nigéria, Coréia do Sul, Grécia

C Inglaterra, Estados Unidos, Argélia, Eslovênia

D Alemanha, Austrália, Sérvia, Gana

E Holanda, Dinamarca, Japão, Camarões

F Itália, Paraguai, Nova Zelândia, Eslováquia

G Brasil, Coréia do Norte, Costa do Marfim, Portugal

H Espanha, Suíca, Honduras, Chile

Mais uma vez carregando o status de favorita, a seleção brasileira fará sua estreia na Copa no dia 15 de junho, diante da Coreia do Norte, em Johanesburgo, no estádio Ellis Park.

Cinco dias mais tarde a equipe brasileira enfrenta Costa do Marfim, na mesma cidade, mas no estádio Soccer City. Os pentacampeões mundiais encerram a participação na primeira fase diante de Portugal, em Durban, no dia 25.

Dos adversários sorteados, apenas Portugal esteve no caminho do Brasil em uma Copa do Mundo. Foi em 1966, quando o então time de Pelé foi batido pelos portugueses em confronto da primeira fase na Inglaterra.

Ainda entre os oponentes brasileiros da 1ª fase, Portugal é quem ostenta a melhor colocação no ranking da Fifa, na última atualização da relação, em novembro. Os portugueses ocupam a 5ª posição. Costa do marfim do artilheiro Didier Drogba está em 16º lugar, enquanto que os norte-coreanos estão na longínqua 84ª colocação.

O encontro com Portugal no terceiro jogo do grupo G deverá ser o mais badalado para o Brasil, por toda a ligação histórica entre os países e as duas seleções. Na campanha das eliminatórias europeias, os portugueses contaram com alguns jogadores nascidos em terras brasileiras, como Deco, Pepe e Liedson. De acordo com a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), o confronto entre as duas equipes aponta retrospecto de 18 jogos, 12 vitórias da seleção, 2 empates e quatro triunfos dos lusos.

“São duas grandes seleções, não podemos nos descuidar. Fizemos duas partidas, ganhamos uma e perdemos outra. Temos que respeitar Portugal. Assim como conhecemos o time deles, eles também nos conhecem bem. Será um grande jogo”, opinou Dunga.

Olhando adiante, em caso de sucesso na primeira fase, como uma das duas seleções classificadas, a equipe de Dunga irá necessariamente enfrentar nas oitavas de final um adversário que sairá do grupo H, que conta com Espanha, Honduras, Chile e Suíça.

A Copa de 2010 será inaugurada no dia 11 de junho, com a estreia da anfitriã África do Sul no novo e belo estádio Soccer City, em Johanesburgo, palco que também abrigará a decisão do Mundial, exatamente um mês depois da abertura. A seleção dirigida pelo brasileiro Carlos Alberto Parreira debuta contra o México.











quinta-feira, dezembro 03, 2009

O consumo excede "a" ou "à" capacidade?

PASQUALE CIPRO NETO

O uso do acento grave nadatem que ver com ortografia,
portanto não poderia mesmo ter sido alvo do "(Des)Acordo"

EM QUASE TODAS AS PALESTRAS que proferi Brasil afora, neste ano e no último trimestre do ano passado, para tratar do "(Des)Acordo Ortográfico", muita gente me perguntou sobre o acento indicador de crase. As duas perguntas mais comuns foram as seguintes: "Houve alguma alteração no uso da crase?"; "Esse pessoal não podia ter aproveitado e eliminado também a crase?".

Antes de ir ao ponto, convém repetir: por enquanto e talvez para sempre, o nome correto desse mostrengo é "Reforma Ortográfica Brasileira", já que nenhum dos outros sete países lusófonos colocou em vigor as lambanças perpetradas pelo nefasto "(Des)Acordo Ortográfico".

Posto isso, vamos às "respostas" às perguntas feitas nas palestras: não para a primeira e não para a segunda. E por quê? Porque o emprego do acento grave (acento indicador de crase) não é mera questão orto/gráfica. Esse acento indica a ocorrência da crase, que, como se sabe (ou se deveria saber -a escola nem sempre explica isso), é a fusão de duas vogais iguais numa só, fato que ocorre não apenas entre a preposição "a" e outro "a" (em "Vou à festa", por exemplo), mas também na evolução de uma palavra do latim para o português.

Exemplificando a última informação: houve crase em "crer" e "dor", já que, na evolução do latim para o português, "dolor" passou a "door" e depois a "dor", e "credere" passou a "creer" e depois a "crer".

No português atual, o acento grave ficou restrito à indicação da fusão da preposição "a" com um segundo "a" (artigo, pronome demonstrativo, letra inicial de "aquele/s", "aquela/s", "aquilo" etc.).A pura e simples eliminação do acento grave em casos como o de "à/a espera de", por exemplo, tornaria inviável a definição do sentido de certas construções, como a clássica "Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver a/à espera de viver ao lado teu...".

Moral da história: o emprego do acento indicador de crase nada tem que ver com orto/grafia, portanto não poderia ter sido um dos objetivos do "(Des)Acordo". Nada mudou em relação ao acento.

Bem, por falar em crase, repasso ao leitor uma questão do último vestibular da FGV: "Assinale a alternativa que completa corretamente as lacunas das frases: 1) São pouquíssimas as empresas que se propõem -- fazer mudanças significativas"; 2) Os níveis de consumo excedem -- capacidade de regeneração..."; 3) Embora as empresas venham fazendo alusões -- palavra sustentabilidade...".

Pois bem, caro leitor. Não vou perder tempo com a chata combinação de opções das alternativas. Curto e grosso: como se preenchem as três lacunas? Na primeira, nada de "à", já que a palavra seguinte é um verbo. Como todos sabem, não há brasileiro que diga ou escreva "da pensar", "na estudar", "pela viajar" etc., ou seja, não há brasileiro que use artigo antes de verbo, portanto... Portanto "a".

Na terceira lacuna (sim, pulei a segunda), ocorre "à" ("...fazendo alusões à palavra sustentabilidade"). Esse "à" decorre da fusão da preposição "a", regida por "alusões", com o artigo "a", determinante do substantivo "palavra".

Na segunda frase, o bicho pega. Embora seja mais comum o uso de "exceder" como transitivo direto ("exceder o limite"), o "Houaiss" e o "Aurélio" registram (obviamente em decorrência do uso) esse verbo também como indireto ("exceder ao limite"). Moral da história: "Os níveis (...) excedem a (ou "à') capacidade de...". O pior é que as alternativas eram tais que havia duas respostas possíveis para a questão ("b" e "d"). E agora, FGV? É isso.

sexta-feira, novembro 27, 2009

Os filhos do Brasil

CÉSAR BENJAMIN
ESPECIAL PARA A FOLHA

A PRISÃO na Polícia do Exército da Vila Militar, em setembro de 1971, era especialmente ruim: eu ficava nu em uma cela tão pequena que só conseguia me recostar no chão de ladrilhos usando a diagonal. A cela era nua também, sem nada, a menos de um buraco no chão que os militares chamavam de "boi"; a única água disponível era a da descarga do "boi". Permanecia em pé durante as noites, em inúteis tentativas de espantar o frio. Comia com as mãos. Tinha 17 anos de idade.

Um dia a equipe de plantão abriu a porta de bom humor. Conduziram-me por dois corredores e colocaram-me em uma cela maior onde estavam três criminosos comuns, Caveirinha, Português e Nelson, incentivados ali mesmo a me usar como bem entendessem. Os três, porém, foram gentis e solidários comigo. Ofereceram-me logo um lençol, com o qual me cobri, passando a usá-lo nos dias seguintes como uma toga troncha de senador romano.

Oriundos de São Paulo, Caveirinha e Português disseram-me que "estavam pedidos" pelo delegado Sérgio Fleury, que provavelmente iria matá-los. Nelson, um mulato escuro, passava o tempo cantando Beatles, fingindo que sabia inglês e pedindo nossa opinião sobre suas caprichadas interpretações. Repetia uma ideia, pensando alto: "O Brasil não dá mais. Aqui só tem gente esperta. Quando sair dessa, vou para o Senegal. Vou ser rei do Senegal".

Voltei para a solitária alguns dias depois. Ainda não sabia que começava então um longo período que me levou ao limite. Vegetei em silêncio, sem contato humano, vendo só quatro paredes -"sobrevivendo a mim mesmo como um fósforo frio", para lembrar Fernando Pessoa- durante três anos e meio, em diferentes quartéis, sem saber o que acontecia fora das celas. Até que, num fim de tarde, abriram a porta e colocaram-me em um camburão. Eu estava sendo transferido para fora da Vila Militar.

A caçamba do carro era dividida ao meio por uma chapa de ferro, de modo que duas pessoas podiam ser conduzidas sem que conseguissem se ver. A vedação, porém, não era completa. Por uma fresta de alguns centímetros, no canto inferior à minha direita, apareceram dedos que, pelo tato, percebi serem femininos. Fiquei muito perturbado (preso vive de coisas pequenas). Há anos eu não via, muito menos tocava, uma mulher. Fui desembarcado em um dos presídios do complexo penitenciário de Bangu, para presos comuns, e colocado na galeria F, "de alta periculosia", como se dizia por lá. Havia 30 a 40 homens, sem superlotação, e três eram travestis, a Monique, a Neguinha e a Eva. Revivi o pesadelo de sofrer uma curra, mas, mais uma vez, nada ocorreu. Era Carnaval, e a direção do presídio, excepcionalmente, permitira a entrada de uma televisão para que os detentos pudessem assistir ao desfile.

Estavam todos ocupados, torcendo por suas escolas. Pude então, nessa noite, ter uma longa conversa com as lideranças do novo lugar: Sapo Lee, Sabichão, Neguinho Dois, Formigão, Ari dos Macacos (ou Ari Navalhada, por causa de uma imensa cicatriz que trazia no rosto) e Chinês. Quando o dia amanheceu éramos quase amigos, o que não impediu que, durante algum tempo, eu fosse submetido à tradicional série de "provas de fogo", situações armadas para testar a firmeza de cada novato.

Quando fui rebatizado, estava aceito. Passei a ser o Devagar. Aos poucos, aprendi a "língua de congo", o dialeto que os presos usam entre si para não serem entendidos pelos estranhos ao grupo.

Com a entrada de um novo diretor, mais liberal, consegui reativar as salas de aula do presídio para turmas de primeiro e de segundo grau. Além de dezenas de presos, de todas as galerias, guardas penitenciários e até o chefe de segurança se inscreveram para tentar um diploma do supletivo. Era o que eu faria, também: clandestino desde os 14 anos, preso desde os 17, já estava com 22 e não tinha o segundo grau. Tornei-me o professor de todas as matérias, mas faria as provas junto com eles.

Passei assim a maior parte dos quase dois anos que fiquei em Bangu. Nos intervalos das aulas, traduzia livros para mim mesmo, para aprender línguas, e escrevia petições para advogados dos presos ou cartas de amor que eles enviavam para namoradas reais, supostas ou apenas desejadas, algumas das quais presas no Talavera Bruce, ali ao lado. Quanto mais melosas, melhor.

Como não havia sido levado a julgamento, por causa da menoridade na época da prisão, não cumpria nenhuma pena específica. Por isso era mantido nesse confinamento semiclandestino, segregado dos demais presos políticos. Ignorava quanto tempo ainda permaneceria nessa situação.

Lembro-me com emoção -toda essa trajetória me emociona, a ponto de eu nunca tê-la compartilhado- do dia em que circulou a notícia de que eu seria transferido. Recebi dezenas de catataus, de todas as galerias, trazidos pelos próprios guardas. Catatau, em língua de congo, é uma espécie de bilhete de apresentação em que o signatário afiança a seus conhecidos que o portador é "sujeito-homem" e deve ser ajudado nos outros presídios por onde passar.

Alguns presos propuseram-se a organizar uma rebelião, temendo que a transferência fosse parte de um plano contra a minha vida. A essa altura, já haviam compreendido há muito quem eu era e o que era uma ditadura.

Eu os tranquilizei: na Frei Caneca, para onde iria, estavam os meus antigos companheiros de militância, que reencontraria tantos anos depois. Descumprindo o regulamento, os guardas permitiram que eu entrasse em todas as galerias para me despedir afetuosamente de alunos e amigos. O Devagar ia embora.


Dias depois de ter retornado para a solitária, ainda na PE da Vila Militar, alguém empurrou por baixo da porta um exemplar do jornal "O Dia". A matéria da primeira página, com direito a manchete principal, anunciava que Caveirinha e Português haviam sido localizados no bairro do Rio Comprido por uma equipe do delegado Fleury e mortos depois de intensa perseguição e tiroteio. Consumara-se o assassinato que eles haviam antevisto. Nelson, que amava os Beatles, não conseguiu ser o rei do Senegal: transferido para o presídio de Água Santa, liderou uma greve de fome contra os espancamentos de presos e perseverou nela até morrer de inanição, cerca de 60 dias depois. Seu pai, guarda penitenciário, servia naquela unidade.

Neguinho Dois também morreu na prisão. Sapo Lee foi transferido para a Ilha Grande; perdi sua pista quando o presídio de lá foi desativado. Chinês foi solto e conseguiu ser contratado por uma empreiteira que o enviaria para trabalhar em uma obra na Arábia, mas a empresa mudou os planos e o mandou para o Alasca. Na última vez que falei com ele, há mais de 20 anos, estava animado com a perspectiva do embarque: "Arábia ou Alasca, Devagar, é tudo as mesmas Alemanhas!" Ele quis ir embora para escapar do destino de seu melhor amigo, o Sabichão, que também havia sido solto, novamente preso e dessa vez assassinado. Não sei o que aconteceu com o Formigão e o Ari Navalhada.

A todos, autênticos filhos do Brasil, tão castigados, presto homenagem, estejam onde estiverem, mortos ou vivos, pela maneira como trataram um jovem branco de classe média, na casa dos 20 anos, que lhes esteve ao alcance das mãos. Eu nunca soube quem é o "menino do MEP". Suponho que esteja vivo, pois a organização era formada por gente com o meu perfil. Nossa sobrevida, em geral, é bem maior do que a dos pobres e pretos.

O homem que me disse que o atacou é hoje presidente da República. É conciliador e, dizem, faz um bom governo. Ganhou projeção internacional. Afastei-me dele depois daquela conversa na produtora de televisão, mas desejo-lhe sorte, pelo bem do nosso país. Espero que tenha melhorado com o passar dos anos. Mesmo assim, não pretendo assistir a "O Filho do Brasil", que exala o mau cheiro das mistificações. Li nos jornais que o filme mostra cenas dos 30 dias em que Lula esteve detido e lembrei das passagens que registrei neste texto, que está além da política. Não pretende acusar, rotular ou julgar, mas refletir sobre a complexidade da condição humana, justamente o que um filme assim, a serviço do culto à personalidade, tenta esconder.

CÉSAR BENJAMIN, 55, militou no movimento estudantil secundarista em 1968 e passou para a clandestinidade depois da decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro desse ano, juntando-se à resistência armada ao regime militar. Foi preso em meados de 1971, com 17 anos, e expulso do país no final de 1976. Retornou em 1978. Ajudou a fundar o PT, do qual se desfiliou em 1995. Em 2006 foi candidato a vice-presidente na chapa liderada pela senadora Heloísa Helena, do PSOL, do qual também se desfiliou. Trabalhou na Fundação Getulio Vargas, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na Prefeitura do Rio de Janeiro e na Editora Nova Fronteira. É editor da Editora Contraponto e colunista da Folha.

quarta-feira, novembro 25, 2009

Os guerrilheiros da história

ELIO GASPARI

Talvez eles tenham sido 50 e só três sobreviveram,
mas preservaram a memória do Gueto de Varsóvia

ESTÁ CHEGANDO às livrarias "Quem Escreverá Nossa História? - Emanuel Ringelblum, o Gueto de Varsóvia e o Arquivo Oyneg Shabes", do professor Samuel Kassow. É um livro excepcional, que conta um emocionante episódio de heroísmo.

Emanuel Ringelblum tinha 39 anos, mulher e filho, quando a Alemanha invadiu a Polônia. Professor de história e militante da esquerda sionista, recusou-se a sair da cidade. Em outubro de 1941 foi para o gueto, onde os alemães confinaram 400 mil judeus (um terço da população da cidade) numa área murada de 2,5 km2 (o Leblon tem 2,3 km2). Lá o professor formou a Oyneg Shabes (Alegria do Sábado), uma organização clandestina que teve entre 50 e 60 militantes. Juntou empresários, poetas, economistas, professores e, a certa altura, até crianças. Seu objetivo era preservar a memória do que acontecia no gueto. Aquilo que ninguém imaginara não podia ser esquecido.

Durante dois anos os guerrilheiros da história fizeram uma centena de entrevistas, acumularam manuscritos e pesquisaram metodicamente o cotidiano do gueto. (Em janeiro de 1943 a Oyneg Shabes fez chegar a Londres um depoimento detalhado do início do extermínio dos judeus nos campos de concentração.)

Milhares de páginas, objetos e fotografias foram enterrados em pelo menos três lugares. Terminada a guerra, a organização tinha três sobreviventes. Em 1946, um deles achou o primeiro esconderijo, recuperando dez caixas de documentos. Quatro anos depois desenterraram dois latões de leite, repletos de papéis. O terceiro lote ainda não foi achado.

O Gueto de Varsóvia revoltou-se e foi arrasado. Ringelblum e sua família esconderam-se num porão da vizinhança até março de 1944, quando foram descobertos. Na prisão, o professor soube seria possível resgatá-lo da cadeia. Machucado pelas sessões de tortura, ele tinha o filho Uri no colo quando perguntou o que poderiam fazer pelo menino e pela mulher. Nada, disseram-lhe. "Morrer é difícil?", perguntou. Os três foram fuzilados em algum lugar das ruínas do que fora o gueto.

A grandeza do livro do professor Kassow está na apresentação seca e metódica de uma história que tem tudo para deslizar na direção dos sucessos de bilheteria. Sua narrativa chega a ser chata quando descreve as tendências da esquerda judaica na Polônia.

Quando o leitor entra no gueto, percebe que Kassow lhe impôs o seu ritmo, calibrou-lhe a curiosidade. Ele é levado ao cotidiano do gueto pelo historiador, não é o gueto que vem a ele como mais uma história da Segunda Guerra. Não há alemão bonzinho como n'O Pianista, nem a sensualidade da camiseta molhada de uma prisioneira da "Lista de Schindler". Fome, medo, malvadeza e miséria aparecem sem que Kassow levante a voz. A naturalidade com que os alemães matavam. A violência da polícia judaica e o terror imposto pelas suas incursões sanitárias, raspando a cabeça das mulheres e varejando suas casas.

Os guerrilheiros de Ringelblum registraram as oscilações dos preços e salários, redigiram ensaios sobre a economia do gueto e cumpriram os projetos da pesquisa como se estivessem numa centenária universidade europeia. Ringelblum e seus guerrilheiros documentavam o Holocausto no seu aspecto mais terrível, o monótono cotidiano da fome e da humilhação.

sábado, novembro 21, 2009

Economista revela segredos sobre os altos preços da arte

EL PAIS

Isabel Lafont
Em Madri

Como um tubarão dissecado, suspenso em um tanque de formol, pode chegar a valer US$ 12 milhões [€ 8 milhões]? Que mecanismos regem a oferta e a demanda no mercado de arte? O economista americano Donald N. Thompson acompanhou durante um ano os meandros do mercado de arte contemporânea e passou muitas horas entre galeristas, casas de leilões, artistas e colecionadores. O resultado de sua pesquisa é o livro "El Tiburón de 12 Millones de Dólares" [O tubarão de US$ 12 milhões], que é lançado agora na Espanha, e cujo subtítulo, "A curiosa economia da arte contemporânea e dos leilões", já antecipa ao leitor que certamente não encontrará ali as leis clássicas do mercado.

O famoso tubarão-tigre de Damien Hirst, obra intitulada "A Impossibilidade Física da Morte na Mente de Alguém Vivo", que o colecionador Charles Saatchi vendeu ao financista americano Steve Cohen em 2005 pela cifra citada (Saatchi o havia adquirido em 1992 por 50 mil libras, ou cerca de € 56 mil) através do galerista Larry Gagosian, é a alegoria perfeita que serve para Thompson mergulhar na antiga distinção entre valor e preço.

"Como economista e colecionador de arte contemporânea, faz tempo que me sinto perplexo pela questão do que torna uma obra de arte valiosa e por meio de que alquimia se considera que vale US$ 12 ou US$ 100 milhões, em vez de, por exemplo, US$ 250 mil", declara no início do livro.

Segundo Thompson, assim como a Coca-Cola ou a Nike, há artistas, galeristas e casas de leilões que adquiriram um valor como marcas. "Um Mercedes oferece segurança e prestígio. Prada oferece a segurança da elegância e moda atual. A arte de marca funciona do mesmo modo. Os amigos não poderão acreditar quando você disser: 'Paguei 5,6 milhões por esta estátua de cerâmica'. Mas ninguém demonstra desdém quando se diz: 'Comprei na Sotheby's', 'Encontrei na Gagosian', ou 'Este é meu novo Jeff Koons'."

Sotheby's e Christie's entre as casas de leilões; MoMA, Guggenheim ou Tate entre os museus - "uma obra que tenha sido exposta em alguma ocasião no MoMA ou que tenha feito parte de uma coleção do mesmo exige um preço superior devido a sua procedência"; Gagosian ou Jay Joplin, fundador da londrina White Cube entre os galeristas; e artistas como os citados Hirst, Koons ou Andy Warhol são, segundo a tese de Thompson, engrenagens de um maquinário que, "com um marketing bem dirigido e uma marca de sucesso", gera preços inexplicáveis pela lógica para tubarões dissecados ou bolas de basquete em um aquário (no caso de Jeff Koons).

Por trás disso há fatores psicológicos e sociais. Muitos compradores de arte contemporânea nem sempre são especialistas ou entendidos. Simplesmente são muito ricos (em muitos casos novos ricos, como os milionários russos e chineses surgidos nos últimos anos), afirma o economista, e precisam ter a segurança de que estão fazendo uma boa compra. Por isso confiam nas marcas conhecidas.

Ao público que frequenta essa feira das vaidades é dirigido o peculiar mote dos galeristas segundo o qual "vanguardista significa radical, desafiador significa que não se deve tentar compreendê-lo e qualidade de museu significa que, se você precisa perguntar, é porque não pode pagar".

O galerista de marca não é um fenômeno novo. Joplin foi para Hirst o que Ambroise Vollard foi em Paris para Picasso, Cézanne e Gauguin ou, em meados do século 20, Leo Castelli em Nova York foi para Jasper Johns, Robert Rauschenberg ou Cy Twombly. A relação entre um galerista de marca e seus clientes costuma alcançar um grau de confiança cega: "Os colecionadores confiam em seu marchand do mesmo modo que confiam em seu assessor de investimentos. É a ideia de comprar arte mais com os ouvidos do que com os olhos, de comprar o esperado valor futuro do artista", salienta o economista.

Há mais palavras que soam como música aos ouvidos dos clientes das galerias ou casas de leilões, como "Está na coleção de Saatchi" ou "Saatchi quer essa peça". Se uma obra de arte agrada a um dos colecionadores mais conhecidos do mundo, como um VIP que se preze não vai querê-la em sua casa? Não importa que respeitabilíssimos críticos de arte como Robert Hughes qualifiquem a obra de Hirst uma "mercadoria absurda e vulgar" ou que afirmem que Koons "provavelmente não seria capaz de escrever suas iniciais em uma árvore". Afinal, como indicou a Thompson Brett Gorvy, diretor do departamento de arte contemporânea da Christie's, "isto é um negócio, e não história da arte".

quinta-feira, novembro 19, 2009

"A Estrada" é melhor livro da década, segundo jornal inglês "The Times"

da Folha Online

Cormac McCarthy descreve um futuro "não muito distante" do que pensamos quando usamos a expressão. No entanto, a leitura do romance "A Estrada" reporta diretamente ao presente, tanto que a obra foi considerada a melhor da década pela equipe do suplemento de literatura do jornal inglês "The Times". O veículo considera McCarthy um poeta de extremidade, e considera a narrativa do volume simples. Há pausas no sofrimento dos sobreviventes, mas há também mais frequentemente terror. O jornal compara a concisão da linguagem de McCarthy à do escritor norte-americano Ernest Hemingway por meio de cadências que, às vezes, lembram o ritmo pulsante do padre jesuíta e poeta inglês Gerard Manley Hopkins.

Nessa espécie de futuro atemporal descrita em "A Estrada", as cidades foram transformadas em ruínas, as florestas em cinzas, os céus tornaram-se turvos e os mares estéreis. A narrativa é simples e apresenta um homem e um filho que vagam, assim como todos os outros habitantes que restaram na Terra. Cobertores, um carrinho de compras com escassos alimentos e um revólver são seus infiéis companheiros na imensidão. A dupla segue em busca da salvação tanto de si próprios quanto do mundo. Mal sabem que a estrada a seguir também é um caminho a aceitar e digerir a duras penas. A jornada os mantêm unidos e lhes impulsiona a sobreviver.

Seguem abaixo os outros nove títulos que compõem a lista dos dez primeiros melhores livros da década, eleitos pelo "The Times":

2º lugar - "Persépolis" : Autobiografia em quadrinhos de Marjane Satrapi. Após a Revolução Islâmica (1979), a autora --com 10 anos à época-- é obrigada a estudar em uma escola religiosa e a usar véu, sem entender o porquê disto. Ela acompanha as transformações em seu país, assim como os protestos contra a ditadura religiosa que fora implantada. Aos 14 anos, vai morar na Europa e luta para não perder sua identidade. Após quatro anos, volta ao Irã e percebe que está ocidentalizada demais para ser aceita pelo seu antigo grupo.

3º lugar - "A Origem dos Meus Sonhos" : O presidente norte-americano Barack Obama revela detalhes de sua vida pessoal --do adolescente revoltado à grande aposta de renovação dos Estados Unidos. A obra desnuda o modo como Obama vê e encara o mundo.

4º lugar - "Masterworks of the Classical Haida Mythtellers", de Robert Bringhurst: O mundo de Haida consiste em um arquipélago mítico localizado nas costas da Columbia britânica e no Alaska. O autor trabalhou anos com os manuscritos dos Haida e os traduziu para a língua inglesa. "A Story as Sharp as a Knife" aborda um tempo de paixão e uma variedade de riquezas humanas, científicas e poéticas ignoradas por um longo período pela humanidade.

5º lugar - "Suíte Francesa" : A ucraniana Irène Némirovsky começou a escrever a obra em 1941, refugiada num povoado francês. O livro retrata a França vencida e ocupada pelos alemães. Irène transforma em ficção, fatos que provavelmente presenciara, como a debandada dos parisienses às vésperas da invasão nazista e o drama de uma mulher cujo filho é prisioneiro dos alemães.

6º lugar - "O Ponto da Virada" : Com mais de 5 milhões de exemplares em todo o mundo, o livro está há mais de 200 semanas a lista de best-sellers do "The New York Times". Malcolm Gladwell explica o momento em que pequenas mudanças entram em ebulição, fazendo com que a trajetória de uma tendência ou de um comportamento, dê uma guinada e se alastre. Ou se acabe. Eles apresenta ao leitor os experts --indivíduos que atuam como "bancos de dados", fornecendo a mensagem--, os comunicadores ou "cola social" --aqueles que espalham a informação--, e os vendedores --pessoas capazes de nos convencer quando não acreditamos no que estamos ouvindo.

7º lugar - "A Vida de Pi" : Vencedor do "Booker Prize" em 2002, esta obra é uma aventura intrigante e surpreendente. Yann Martel relata a luta de cinco mamíferos --o garoto Pi, uma zebra, uma hiena, um orangotango e um tigre de Bengala--, no meio do Oceano Pacífico, para sobreviver.

8º lugar - "Payback" : Com este livro, Margaret Atwood traça a história cultural da dívida, desde as eras pré-letradas até a atualidade. A autora mostra que a ideia do que devemos uns aos outros se constrói na nossa imaginação e é uma das metáforas mais dinâmicas. Em 2008, Margaret ganou o Prêmio Príncipe das Astúrias de Letras pelo conjunto de sua obra.

9º lugar - Reparação" : Ian McEwan nos apresenta a vida da adolescente Briony Tallis, que vê uma cena estarrecedora: sua irmã mais velha, sob o olhar do filho da empregada, tira a roupa e mergulha, apenas de calcinha e sutiã, na fonte do quintal da casa de campo. Com esse episódio em mente e uma sucessão de equívocos acontecendo, a menina constrói uma história fantasiosa sobre uma cena que presencia. O drama psicológico que tem como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial. A obra foi transformada no filme "Desejo e Reparação" pelo diretor Joe Wright.

"O Código da Vinci" : Na contramão dos gostos e desgostos do "The Times", este livro de Dan Brown ocupa a décima posição entre os melhores e a primeira entre os os piores livros da década. Com mais de 70 milhões de exemplares vendidos pelo mundo, o volume trata de um assassinato dentro do Museu do Louvre, em Paris. Pistas ocultas e símbolos sacros permeiam e dão o tom misterioso ao exemplar.

Saiba quais dos melhores livros da década possuem edição em português

da Livraria da Folha

O diário britâncio "The Times" escolheu os cem melhores livros da década. Alguns ainda não possuem edição em português, mas a Livraria da Folha selecionou os que podem ser comercializados no país. Veja a seguir:

"A Estrada" é o melhor livro da década; veja os dez primeiros

11. "Guerra e Paz", de Liev Tolstói
Publicado originalmente em 1869, este grande clássico da literatura escrito por Liev Tolstói narra invasão (e a retirada) francesa comandada pelo imperador Napoleão à Rússia no início do século 19.

12. "Uma Comovente Obra de Espantoso Talento", de Dave Eggers
Narra os acontecimentos trágicos que tomam conta da vida de Eggers quando ele tem apenas 22 anos. Os pais morrem, ele é obrigado a amadurecer e sai em busca de uma vida nova viajando pelos EUA.

13. "Austerlitz", de Winfried Georg Sebald
O professor de história da arquitetura Jacques Austerlitz explora a estação ferroviária de Liverpool Street, em Londres, coletando material para pesquisas, quando é tomado por uma visão que talvez o ajude a explicar não a arquitetura da era capitalista, mas o sentimento incômodo de ter vivido uma vida alheia.

14. "Lendo Lolita em Teerã", de Azar Nafisi
Esta brilhante história é um retrato fascinante do Irã na época mais acirrada do sangrento conflito com o vizinho Iraque. A partir do sutil olhar feminino, aprendemos como era a vida e a luta das mulheres no Irã revolucionário nesta obra de grande paixão e beleza poética, escrita de maneira surpreendentemente original.

15. "Deus, um Delírio", de Richard Dawkins
Eleito um dos três intelectuais mais importantes do mundo, Richard Dawkins contesta a irracionalidade da fé e mostra como a religião alimenta a guerra, fomenta o fanatismo e doutrina as crianças.

17. "Harry Potter e as Relíquias da Morte", de J. K. Rowling
Na sétima parte da série, Harry Potter é incumbido pelo professor de transfiguração de uma tarefa funesta e aparentemente impossível: localizar e destruir os Horcruxes de Voldemort ainda existentes.

19. "As Correções", de Jonathan Franzen
Jonathan Franzen, uma das revelações da literatura americana, conta uma saga contemporânea tragicômica que vai de Nova York à Lituânia, e expõe dramas pessoais, crises conjugais e os conflitos que separam duas gerações de uma típica família dos EUA nos anos 1990. Sucesso de público e crítica, o romance recebeu o National Book Award 2001.

20. "Dentes Brancos", de Zadie Smith
Livro de estreia de Zadie Smith narra a história de dois amigos que se conheceram durante a Segunda Guerra Mundial. O final da guerra os separa, mas eles vão se encontrar em Londres 30 anos depois.

21. "Complô Contra a América", de Philip Roth
Philip é de uma família judia que vive nos Estados Unidos. Seu pesadelo começa durante o suposto tempo em que Charles Lindbergh foi presidente americano, um defensor ardoroso da Alemanha nazista.

22. "A Luneta Âmbar", de Philip Pullman
A obra fecha a trilogia do autor. Lyra desaparece e, em seu encalço, estão: Will, que quer ajudar a amiga; a Igreja, que a considera a nova Eva e, por isso, tenta eliminá-la antes que a menina repita o pecado original; e Lorde Asriel, comandante de um exército de anjos, humanos e pequenos seres alados que, ciente do poder revolucionário de Lyra, a quer ao seu lado.

24. "Não me Abandone Jamais", de Kazuo Ishiguro
Kathy H. tem 31 anos e está prestes a encerrar sua carreira de "cuidadora". Enquanto isso, ela relembra o tempo que passou em Hailsham, um internato inglês que dá grande ênfase às atividades. No entanto esse internato idílico esconde uma terrível verdade: todos os "alunos" de Hailsham são clones, produzidos com a única finalidade de servir de peças de reposição. Pela voz ingênua e contida de Kathy, somos conduzidos até o terreno pantanoso da solidão e da desilusão onde, vez por outra, nos sentimos prestes a atolar.

25. "O Estranho Caso do Cachorro Morto", de Mark Haddon
Este livro é original e envolvente. Na história de mistério e descobertas, Haddon convida o leitor a embarcar ao lado de Christopher em uma emocionante viagem que vai virar o mundo do jovem de cabeça pra baixo.

28. "O Resto É Ruído", de Alex Ross
Crítico musical explica o fenômeno da música clássica contemporânea, através do contexto histórico, social e biográfico. Além de compositores, cita eventos que influenciaram a música no século 20.

29. "Por Acaso", de Ali Smith
Tudo parece transcorrer na mais absoluta normalidade nas férias da família Smart. Mas a tranquilidade familiar logo é abalada pela súbita presença de uma estranha: surgida do nada, Amber se imiscui na intimidade da família e começa a ganhar a confiança e a afeição de todos. Encantados, os Smart passam a lhe revelar o que não dizem nem mesmo entre (e para) si. Em pouco tempo, estarão enredados na intricada psicologia de seus mundos e conflitos interiores.

30. "O Caçador de Pipas", de Khaled Hosseini
Best-seller mundial, este romance de Khaled Hosseini conta a história da amizade de Amir e Hassan, dois meninos quase da mesma idade, que vivem vidas muito diferentes no Afeganistão da década de 1970.

32. "Tudo se Ilumina", de Jonathan Safran Foer
Um jovem escritor judeu vai para a Ucrânia em busca de uma misteriosa mulher que ajudou seu avô a escapar dos nazistas. A viagem real de Jonathan Safran Foer o inspirou a criar esta obra, misturando realidade e ficção numa trama em que conta a história de sua família desde o século 18, de forma divertida e também melancólica.

33. "Crônicas (Vol. 1)", de Bob Dylan
Inicia trilogia autobiográfica do ícone da música. Em suas recordações, Dylan retrata não somente a carreira, mas também a vida levada em festas noturnas, os amores passageiros e amizades inabaláveis.

34. "Seabiscuit", de Laura Hillenbrand
Após a Grande Depressão, um pequeno cavalo de corrida de pernas tortas virou uma celebridade nos EUA. Em 1938, o campeão Seabiscuit teve mais cobertura na mídia que Roosevelt, Hitler e Mussolini.

38. "O Demônio do Meio-Dia", de Andrew Solomon
Ir ao fundo do poço é uma expressão leve para descrever a experiência de vida do autor Andrew Solomon. Ele desceu mesmo foi às profundezas do inferno para vencer uma das síndromes que mais aflige a humanidade nos dias de hoje: a depressão. Fruto de sua dolorosa, dramática e vitoriosa trajetória durante doença, este livro é intensamente envolvente, sagaz, construtivo e humano.

39. "Fugitiva", de Alice Munro
Os oito contos reunidos em "Fugitiva" apresentam mulheres às voltas com seu passado. Alice Munro consegue captar, seja nos momentos decisivos de uma vida, seja nos episódios cotidianos, as tragédias mais profundas que movem suas personagens. A partir de escolhas erradas, descobertas súbitas e armadilhas da sorte, essas mulheres encaram suas mentiras: as que lhes foram contadas, as que elas contaram aos outros e aquelas com que buscaram enganar a si mesmas.

42. "Fun Home", de Alison Bechdel
Este é um livro de memórias onde a quadrinista Alison Bechdel revisita a sua infância e adolescência, especialmente a descoberta de sua homossexualidade e a difícil relação com seu pai Bruce Bechdel.

44. "Freakonomics", de Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner
O economista Steven Levitt e o jornalista Stephen J. Dubner estudam a rotina e os enigmas da vida --da trapaça à criminalidade, dos esportes à família-- com conclusões que desmentem o senso comum.

46. "Middlesex", de Jeffrey Eugenides
Middlesex, segundo romance de Jeffrey Eugenides, é sobre Calliope Stephanides, um hermafrodita que foi criado como menina mas que é, na verdade, homem.

48. "Breve História de Quase Tudo", de Bill Bryson
Uma obra que ensina de uma forma divertida todas as matérias científicas que você achava pedantes no colégio. O livro fuge dos jargões técnicos e mostra como a ciência pode ser empolgante.

49. "O Fantasma", de Robert Harris
Ele sempre sorria para as câmeras à porta de Downing Street. Ao lado do presidente norte-americano, engajou-se ativamente na guerra contra o terror. Seu mandato foi fortemente abalado pela explosão de bombas no metrô de Londres. Ao longo de quase uma década, Adam Lang foi primeiro-ministro britânico. Após o triste e solitário ocaso político, recebe, pelas suas memórias, um dos maiores adiantamentos da história do mercado editorial. Isolado com a esposa e um ghost-writer em uma casa de veraneio, ele começa a dar forma à sua biografia.

50. "Sem Logo: A Tirania das Marcas em um Planeta Vendido", de Naomi Klein
Em 1992, a Nike pagou 20 milhões de dólares a Michael Jordan para estampar o rosto do rei do basquete nas propagandas de seu mais novo tênis. A quantia fica ainda mais impressionante quando se descobre que é muito superior do que a que a empresa pagou a todo o conjunto de 30 mil trabalhadores indonésios que efetivamente fabricaram os calçados.

53. "Irmão Lobo", de Michelle Paver
O primeiro livro da série Crônicas das Trevas Antigas leva o leitor para uma viagem de volta à Idade da Pedra, seis mil anos atrás, onde o jovem Torak conta apenas com a ajuda de um filhote órfão de lobo e com sua habilidade como caçador para sobreviver aos perigos da floresta e derrotar um poderoso inimigo. O livro fala sobre lealdade, amizade e coragem.

55. "A Vida Imperial na Cidade Esmeralda", de Rajiv Chandrasekaran
No meio da zona de guerra de Bagdá ergue-se um enclave fortemente murado e protegido, a Zona Verde, onde se localiza o contingente da administração de ocupação norte-americana no Iraque. É um mundo à parte, com vivendas luxuosas, piscinas, bares, centros comerciais, jipes novos, e todas as comodidades que encontraríamos nos Estados Unidos. Com base em entrevistas que fez com pessoas que ali vivem e recorrendo a documentos confidenciais, o autor elabora uma crítica ácida aos representantes do governo dos EUA no Iraque e à distorção da realidade que os rodeia.

56. "Se Ninguém Falar de Coisas Interessantes", de Jon McGregor
Escrito de maneira diferente, esse livro narra a vida dos moradores de uma rua londrina de forma bastante original: é uma história que se passa em uma rua qualquer, em um dia qualquer, em que coisas comuns parecem acontecer.

60. "Colapso: Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso", de Jared Diamond
Diamond explica como o colapso global pode ser evitado, analisando civilizações do último milênio, e investiga porque umas se extinguiram enquanto outras prosperaram.

61. "A Linha da Beleza", de Alan Hollinghurst
Um retrato da juventude yuppie dos anos 80 num dos templos de sua consagração, a Inglaterra de Margaret Thatcher, a Dama de Ferro do neoliberalismo. Esse é o pano de fundo do romance que consagrou o romancista britânico Alan Hollinghurst com o Booker Prize de 2004, englobando todos os países da Comunidade Britânica e a Irlanda. A trama se desenvolve em 1983 ao redor de Nick Guest, um jovem de 20 anos, recém-saído da Universidade de Oxford e fazendo doutorado em letras.

62. "Na Ponta dos Dedos", de Sarah Waters
Escritora inglesa mistura neste romance vitoriano ladrões e golpistas, mansões e manicômios, intriga e desilusão, erotismo e farsa, além de toques contemporâneos, muito suspense e diálogos afiados.

63. "Tábula Rasa", de Steven Pinker
A partir de conhecimentos da ciência da linguagem, da psicologia e da genética, o renomado cientista Steven Pinker questiona o dogma de que o ser humano é tábula rasa ao nascer, e defende a conjugação das influências sociais e da biologia para a compreensão da personalidade e do comportamento.

65. "Nas Peles da Cebola", de Gunter Grass
Em agosto de 2006, o vencedor do Prêmio Nobel de 1999, Günter Grass, revelou em seu livro de memórias que fez parte da tropa de elite nazista, durante a II Guerra Mundial. A declaração provocou reações em todo mundo.

69. "Meu Nome É Vermelho", de Orhan Pamuk
Construído por 19 vozes narrativas, o romance combina trama policial a um panorama histórico e cultural da Turquia, país dividido entre Oriente e Ocidente. Pamuk tem livros traduzidos em mais de vinte línguas.

72. "A História do Bando de Kelly", de Peter Carey
Carey incorpora a identidade de um homem visto tanto como herói nacional quanto criminoso comum --toda criança australiana cresce ouvindo as aventuras de Kelly e seus camaradas. Num país famoso por ter começado sua história como uma colônia penal inglesa, Kelly substitui facilmente histórias de princesas e sapos. Carey acompanha a vida de Kelly desde seu nascimento até a sua morte, com apenas 26 anos.

79. "Jimmy Corgan, o Garoto Mais Esperto do Mundo", de Chris Ware.
Saga familiar de quatro gerações, um retrato amargo da timidez e as relações claustrofóbicas entre parentes são o centro deste livro, uma das mais importantes graphic novels já publicadas do gênero.

80. "O Tigre Branco", de Aravind Adiga
Livro do romancista Aravind Adiga, abre uma larga porta na Índia e revela ao leitor um país dividido por castas, miséria, corrupção e onde o milagre econômico alcançou apenas uma pequena minoria.

81. "Os Filhos do Imperador", de Claire Messud
Marina, Danielle e Julius se conhecem na universidade e se tornam amigos. Todos têm algo em comum; estão certos de que em muito pouco tempo estarão fazendo algo extremamente importante para o mundo. Porém, quando chegam perto dos 30, as coisas não estão do jeito que devem estar.

84. "Bondade", de Carol Shields
Casada há 26 anos com um médico bem-sucedido e mãe de três filhas crescidas, Reta Winters possui motivos que ultrapassam o seio familiar para ser considerada uma pessoa feliz. Tudo parece perfeito até que, na primavera de seus 44 anos, em Ontário, onde reside, sua filha mais velha, Norah, toma a decisão repentina de sair de casa para pedir esmolas numa esquina de Toronto, com uma placa pendurada no pescoço com a palavra "bondade" escrita à mão.

88. "Pureza Fatal", de Ruth Scurr
Robespierre ganha uma impressionante e esclarecedora biografia, que ajuda a compreender uma das mais importantes mudanças para a França e para o mundo, a Revolução Francesa, ocorrida em 1789.

89. "A Feiticeira de Florença", de Salman Rushdie
Mesclando habilmente realidade e ficção, "A Feiticeira de Florença" aproxima a cidade de Machiavelli de um império oriental que atinge, também no século 16, apogeu nas artes e no pensamento filosófico.

90. "Crepúsculo", de Stephenie Meyer
No primeiro livro da série de Stephenie Meyer conta a história de Bella, uma garota que se muda para uma cidadezinha e acaba se apaixonando por Edward Cullen, um garoto lindo, misterioso...e vampiro!

93. "A Ascensão do Dinheiro", de Niall Ferguson
Neste ensaio, o autor Niall Ferguson examina a história financeira do mundo e defende o desenvolvimento da moeda e do sistema bancário como um dos sintomas do processo civilizatório da humanidade.

96. "O Vulto das Torres", de Lawrence Wright
Quando achávamos que o fim da Guerra Fria marcava o fim da história e a humanidade enfim viveria em paz, o atentado terrorista de 11/9 mergulhava o mundo em perplexidade. De repente, tomamos conhecimento de entidades e personagens até então desconhecidos --a Al-Qaeda, Osama bin Laden, os campos de treinamento de terroristas no Afeganistão. Mas o que é a Al-Qaeda? Como surgiu? Aonde pretende chegar? Qual é sua ideologia? Qual o papel dos serviços de inteligência americanos no caso? São estas perguntas que Lawrence Wright, através de um trabalho de jornalismo investigativo, procura esclarecer neste livro.

97. "A Fantástica Vida Breve de Oscar Woo", de Junot Diaz
Vencedor do Pulitzer 2008, Junot Díaz narra em seu romance de estréia a vida nada fácil de Oscar, um nerd dócil e obeso, de origem dominicana, que vive com a mãe e a irmã em um gueto em Nova Jersey.

98. "Meio Sol Amarelo", de Chimamanda Ngozi Adichie
Jovem escritora nigeriana revela o horror da guerra de Biafra, em um romance de proporções épicas, que nunca perde de vista a matéria humana da qual deriva. Livro vencedor do National Book Critics Circle Award e do Orange Prize de ficção 2007.

quarta-feira, novembro 18, 2009

Trecho de "Caim", de José Saramago

Não é usual, posto que este Blog vai virar um diário mesmo a partir do ano que vem.
Mas acredito que cabe aqui uma verdade proverbial, anotada pelo ateu José Saramago em seu ótimo romance:

"A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele".

Concordemos ou não, aí está.

segunda-feira, novembro 16, 2009

Clarice Lispector, o sol escuro do Brasil

THE NEW YORK TIMES
Tomás Eloy Martinez

Há pouco mais de meio século, a força de transformação da literatura da América Latina assombrava os países centrais, que haviam alcançado a modernidade graças ao desenvolvimento de suas indústrias, suas descobertas tecnológicas, suas redes de comunicação, seus trens e aviões. Mas sua linguagem e sua capacidade de narrar a sociedade estavam apergaminhadas, cansadas, e supriam a falta de ideias e sangue novos com jogos teóricos que não levavam a lugar nenhum. Na América Latina, o afã de criar esse mundo novo expresso pela revolução cubana parece ter se concentrado na literatura.

Enquanto os países do Rio da Prata, México e Colômbia respiravam a plenos pulmões os novos ares, o gigante Brasil mantinha-se impermeável a tudo o que não vinha de si mesmo. O Brasil mudava de pele, mas se alimentava de sua própria música e de sua própria herança literária. Certa vez perguntaram a João Gilberto por que ele fazia tão poucos shows no estrangeiro, onde sua música tinha um sucesso clamoroso.

"Para quê?", respondeu. "No Brasil meu público é tão numeroso como no resto do mundo e, além disso, ele me escuta com mais felicidade".

Em meados do século 20, o grande nome da literatura brasileira continuava sendo o de Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), que escreveu uma sucessão de obras mestras mediante o simples recurso de observar atentamente a paisagem interior dos pensamentos e dos sentimentos para contá-los de uma maneira incomum, inesperada. Um de seus maiores herdeiros é João Guimarães Rosa, que impressiona mais do que tudo por seu virtuosismo verbal e pelo ouvido finíssimo com que capta a música das vozes do sertão, no nordeste profundo de seu gigantesco país.

Entretanto, a única filha direta e legítima de Machado de Assis é Clarice Lispector, cuja obra misteriosa começa a difundir-se nos Estados Unidos com tanto ímpeto quanto a de Roberto Bolaño. O chileno foi consagrado pela revista The New Yorker, e o influente The New York Review of Books rendeu tributo a Lispector com um ensaio extenso de Lorrie Moore, a jovem deusa do minimalismo.

Moore adverte que a fama magnética de Lispector se deve em parte aos estudos sobre sua obra reunidos por Hélène Cixous, a quem as universidades francesas devem o apogeu dos estudos sobre a mulher. Na França, recorda Cixous, a extraordinária abstração da prosa de Lispector fez com que a vissem como uma filósofa. Quando ela assistiu a um encontro de teóricos sobre sua obra, abandonou a sala na metade da homenagem, dizendo que não entendia uma só palavra do jargão.

Uma das primeiras vezes que se ouviu falar de Lispector em Buenos Aires foi no final dos anos 70, quando circulou a lenda de que ela havia se queimado viva em sua casa no Rio de Janeiro.

Em 1969 o mítico editor argentino Paco Porrúa havia publicado na editora Sudamericana alguns de seus livros: os romances "A Maçã no Escuro", "A Paixão Segundo G.H." e "Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres", assim como os admiráveis contos de "Laços de Família". Lispector rompia com todas as convenções da arte de narrar e arrancava de cada palavra um tremor secreto, enigmático. Suas revelações eram como as de um teólogo oriental participando de uma dança ritual africana.

Quando a lemos, deslumbrados, na revista "Primera Plana", pensamos que era imperativo viajar para o Rio de Janeiro para decifrar seus segredos. Sara Porrúa, que na época era mulher de Paco, quis ser a primeira nessa busca.

As primeiras notícias que enviou dissipavam a fábula de que Lispector fora queimada viva. Sua cama havia se incendiado acidentalmente quando dormiu com um cigarro aceso. Mas a haviam resgatado a tempo. Sua estranha beleza tártara (os olhos amendoados e rasgados, as maçãs do rosto salientes, a constante expressão de angústia de seu rosto) havia desaparecido quando queimou o lado direito do corpo, imobilizando-lhe o braço. Nada, entretanto, apagava sua paixão por narrar o mundo.

Sara a encontrou mais algumas vezes e, com sua imagem intensa, inesquecível, perdeu-se nas selvas da Guatemala e transformou-se em personagem de Cortázar.

Dar uma ideia de sua imaginação só é possível através de algumas citações. O começo do romance "Uma Aprendizagem..." (1969) é uma frase que vem do nada. A porta de entrada desse livro é uma vírgula: ", estando tão ocupada, viera das compras de casa que a empregada fizera às pressas porque cada vez mais matava o serviço, embora só viesse para deixar almoço e jantar prontos...".

Antes desse comentário doméstico e trivial, Lispector surpreendeu o leitor com uma advertência que é também uma afirmação de seu ser:

"Este livro se pediu uma liberdade maior que tive medo de dar. Ele está muito acima de mim. Humildemente tentei escrevê-lo. Eu sou mais forte que eu. C.L."

E no final de "Água Viva", ergue a voz: "Não vou morrer, ouviu, Deus? Não tenho coragem, ouviu? Não me mate, ouviu? Porque é uma infâmia nascer para morrer não se sabe quando nem onde. Vou ficar muito alegre, ouviu? Como resposta, como insulto".

Seu desmedido desafio à morte impregna muitas das crônicas reunidas em "Revelación del Mundo", que incluem todas as que escreveu para o Jornal do Brasil entre 1967 e 1973. Outras, inéditas, serão publicadas no ano que vem em espanhol sob o título de "Descubrimientos".

Lispector continua sendo um enigma velado que assombra em cada frase, em cada desvio da vida. Morreu aos 57 anos de um câncer nos ovários, depois de ter passado os últimos anos fechada na solidão de sua casa do Leme, perto das areias de Copacabana.

Seu autorretrato cabe em uma frase: "Olhar-se ao espelho e dizer-se deslumbrada: Como sou misteriosa".

Tradução: Eloise De Vylder

Tomás Eloy Martínez
Analista político e escritor, o argentino Tomás Eloy Martínez é autor de livros como "Vôo da Rainha" e "O Cantor de Tango".

sábado, novembro 14, 2009

O livro que Nabokov não queria que você lesse

RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL

Vera, mulher de Vladimir Nabokov (1899-1977), foi quem salvou "Lolita" quando o autor começou a pôr fogo nos manuscritos no quintal de casa, em 1950. Ele só via defeitos ali. Publicado cinco anos depois, o romance o consagraria. Agora, leitores de vários países terão acesso a "O Original de Laura", outra obra cujo destino seriam as chamas não fosse a interferência de Vera.

Com uma diferença. Nabokov não só não teve tempo de mudar de ideia quanto à qualidade desses últimos rascunhos como não pôde concluí-los, já que morreu antes. Seu derradeiro pedido à mulher foi que ateasse fogo aos papéis caso o romance não fosse finalizado. Sem coragem para queimá-los, Vera os guardou até morrer, em 1991. Dmitri, filho do casal, manteve desde então a dúvida sobre a publicação.

Em 2008, fechou com as editoras Knopf/Random House (EUA) e Penguin (Inglaterra). Dmitri alega que se trata de um romance "brilhante". A primeira crítica, feita em julho pela "Publishers Weekly" a partir de um trecho, foi negativa (leia ao lado) e alimentou os comentários sobre o interesse financeiro na decisão -sabe-se que, aos 75, debilitado, o filho de Nabokov precisa pagar internações e exames caros na Suíça.

O livro terá lançamento depois de amanhã, num evento em Nova York que contará com a presença do escritor inglês Martin Amis e do irlandês Brian Boyd, mais renomado biógrafo de Nabokov. No Brasil, sai no próximo final de semana, editado pela Alfaguara.

Em entrevista à Folha por telefone, da Nova Zelândia, onde vive, Boyd demonstra sentimentos ambíguos em relação ao lançamento. Ele foi consultado por Dmitri ao longo de todo o processo e chegou a ajudá-lo com ideias para a edição, mas ainda lembra a impressão que teve quando, em 1987, tornou-se a primeira pessoa fora da família a ver os rascunhos.

"Não fiquei bem impressionado. Quando Vera e Dmitri me perguntaram o que deveria ser feito dos manuscritos, falei para eles os destruírem. Tive medo... Não tinha gostado dos últimos romances dele e tive medo de que 'Laura' fosse o sinal evidente do declínio", diz. Boyd ressalva que, naquele momento, só conseguiu ler os rascunhos na frente de Vera, "o que pode ter influenciado no mal-estar em relação ao texto".

Biógrafo muda de ideia
O biógrafo -que hoje edita uma coletânea de cartas de Nabokov- diz pensar diferente agora. "Quando reli o material, em 2001, meu conceito melhorou muito. Não é uma história incrível, como "Ada ou Ardor", mas tem malícia, capacidade de envolver, um jeito de fazer as coisas acontecerem mais rápido do que o leitor pode lidar. Num ponto baixo de sua carreira, Nabokov descobre novas formas de narrar."

O "Original de Laura" tem semelhanças com "Lolita" -envolve a relação entre um homem maduro e uma garota. Flora, cuja vida sexual conturbada levou um ex-amante a escrever escandaloso livro ("Laura"), casa-se com um homem bem mais velho, Philip Wild. Ao longo do livro, Nabokov remete à morte de Wild. Os textos foram escritos em 138 cartões, com situações centrais a partir das quais Nabokov desenvolveria a história. O autor já estava com vários problemas de saúde nos meses em que os rascunhou.

Boyd diz que a edição tem a vantagem de deixar claro que não se trata de um trabalho final. A versão em inglês traz reproduções dos cartões que podem ser retiradas e devolvidas ao livro. No Brasil, o livro sairá com os fac-símiles, em inglês, e a tradução ao lado.

sexta-feira, novembro 13, 2009

Após susto, Vasco vira, derrota o América-RN e confirma o título da Série B

Raphael Raposo
No Rio de Janeiro

A festa estava toda pronta no Maracanã, mas o América-RN veio para estragá-la. E até conseguiu ao fazer 1 a 0, ainda no primeiro tempo. Porém, mesmo perdendo pênalti (com Elton), o Vasco virou, fez 2 a 1, e, de forma antecipada, conquistou o título da Série B do Campeonato Brasileiro, na noite desta sexta-feira, pela 36ª rodada da competição. A última conquista do Cruzmaltino tinha sido o Estadual de 2003.

Elton e Alex Teixeira fizeram os gols do Vasco, enquanto Lúcio marcou para o América-RN. Com o triunfo, o time cruzmaltino chegou aos 76 pontos e não pode ser mais alcançado por ninguém. Já a equipe potiguar parou nos 42 e segue sua luta contra o rebaixamento à Série C do Campeonato Brasileiro.

"Parabéns para esta torcida maravilhosa. O nosso grupo também foi brilhante, mesmo com todas as dificuldades ao longo do ano. Só nós sabemos o que passamos para conquistar o título da Série B e o acesso à Série A", disse o técnico Dorival Júnior.

Na próxima rodada, o Vasco, mais uma vez no Maracanã, encara a Portuguesa. Já o América-RN recebe o Ipatinga, no Machadão, em Natal. As duas partidas serão realizadas no sábado, dia 21, às 17h (horário de Brasília).

Na partida contra o América-RN, o Vasco, finalmente, jogou com a camisa comemorativa pelo retorno à elite do futebol nacional. Ela deveria ter sido usada diante do Campinense, na última terça-feira, mas, para não confundir com o uniforme da equipe paraibana, o árbitro do duelo acabou vetando.

Jogando em casa e precisando de uma simples vitória para deixar o Maracanã com o título da Série B, o Vasco começou em cima do América-RN. Porém, com uma marcação forte, o time potiguar minou a equipe cruzmaltina e equilibrou as ações.

Não demorou muito para o América-RN, aos 13 minutos, abrir o placar por intermédio de Lúcio. A desvantagem deixou o Vasco nervoso. A situação piorou com a resposta vinda da arquibancada. Irritada, a torcida passou a vaiar o time, que não se encontrou mais. O primeiro tempo terminou mesmo 1 a 0 para os visitantes.

O Vasco voltou para o segundo tempo com Fumagalli no lugar de Ernani. E, na saída de bola, o meia sofreu pênalti de Leandro, que acabou expulso. Elton, aos três minutos, bateu, mas Rodolpho pegou, evitando o empate cruzmaltino.

Mesmo com o pênalti perdido, o Vasco não "baixou a guarda". O time, aproveitando a vantagem numérica, encurralou o América-RN. O jogo passou a ser de ataque contra defesa. O empate era questão de tempo e ele veio, de pênalti, aos 15 minutos, através de Elton.

A igualdade no placar fez o Vasco acreditar que a virada aconteceria a qualquer momento. Porém, somente aos 40 minutos, com Alex Teixeira, que o Cruzmaltino virou a partida, deu números finais ao confronto e carimbou o título antecipado da Série B do Campeonato Brasileiro.

VASCO 2 x 1 AMÉRICA-RN

Vasco
Fernando Prass; Fagner (Aloísio), Vilson (Philippe Coutinho), Titi e Ramon; Nilton, Souza, Ernani (Famagalli) e Carlos Alberto; Alex Teixeira e Elton.
Técnico: Dorival Júnior

América-RN
Rodolpho; Thoni, Leandro, Edson Rocha e Jackson; Julio Terceiro (Ramirez), Ricardo Oliveira, Somália e Juninho (Wilton Goiano); Lúcio e André Luís (Geovane).
Técnico: Ricardo Dia
Data: 13/11/2009 (sexta-feira) Local: Maracanã, Rio de Janeiro (RJ)
Árbitro: José Henrique de Carvalho (SP) Auxiliares: Marcelo Carvalho Van Gasse (SP) e Nilson de Souza Monção (SP)
Público: 50.237 (pagantes) e 52.985 (presentes) Renda: R$ 746.330,00
Cartões amarelos: Alex Teixeira (Vasco). Leandro, Ricardo Oliveira, Júlio Terceiro e Edson Rocha (América-RN).Cartão vermelho: Leandro, aos 27 segundos do segundo tempo (América-RN).
Gols: Lúcio, aos 13 minutos do primeiro tempo. Elton (pênalti), aos 15 minutos; e Alex Teixeira, aos 40 minutos do segundo tempo.

quinta-feira, novembro 12, 2009

Definidos os grupos do Campeonato Carioca

Vinicius Castro
RIO DE JANEIRO

A Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj) definiu, nesta quinta-feira, os detalhes do Campeonato Carioca de 2010. A competição terá início em 16 e 17 de janeiro com a mesma fórmula dos últimos anos, sendo dividida em Taça Guanabara e Taça Rio. Os dois melhores do Grupo A e os dois melhores do Grupo B classificam-se para às semifinais.

O sábado de Carnaval e a Quarta-Feira de Cinzas terão jogos das semifinais da Taça Guanabara. Os clássicos também foram definidos. Na terceira rodada do primeiro turno, Botafogo e Vasco se enfrentam, no dia 24 de janeiro. No fim de semana seguinte, Flamengo e Fluminense duelam no Maracanã.

Na Taça Rio, Fluminense e Botafogo se encaram no dia 7 de março, Vasco e Flamengo se enfrentam no dia 14 de março, Botafogo e Flamengo duelam no dia 21 de março, e Vasco e Fluminense jogam no dia 28 de março.

O presidente da Ferj, Rubens Lopes, comentou o sorteio da tabela da competição:

- Tivemos um arbitral muito tranquilo e o critério foi muito bem definido. Ninguém pode reclamar.Trabalhamos com a utilização do Maracanã, mas se houver alguma mudança, o Engenhão vai sediar os clássicos - afirmou.

A novidade fica por conta de uma equipe de engenharia civil colocada à disposição dos clubes pela Ferj. Além dos laudos da Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e Vigilância Sanitária, os estádios precisam estar aptos a receber as partidas através de um laudo da engenharia civil. A Ferj também está reformando todos os gramados com o auxílio de engenheiros agrônomos.

Por fim, Rubens Lopes celebrou o Campeonato Carioca:

- Sem dúvida é o melhor campeonato estadual do país - encerrou.

Confira abaixo os grupos e as estreias do quatro grandes (com datas ainda a serem definidas):

GRUPO A
Flamengo
Fluminense
Americano
Bangu
Boavista
Volta Redonda
Duque de Caxias
Segundo colocado da Série B

GRUPO B
Vasco
Botafogo
Macaé
Madureira
Friburguense
Resende
Tigres
Campeão da Série B

Jogos de estreia dos grandes (sem as datas definidas):

Flamengo x Duque de Caxias
Americano x Fluminense
Vasco x Tigres
Macaé x Botafogo

quarta-feira, novembro 11, 2009

Universidades desprezam escritores populares, diz crítica literária premiada

SÉRGIO RIPARDO
Colaboração para a Livraria da Folha

Os estudos acadêmicos costumam desprezar os autores de grandes tiragens. A avaliação é da crítica literária e professora universitária Marisa Lajolo, 65, que ganhou neste ano o prêmio Jabuti, o mais tradicional da literatura brasileira, na categoria "não-ficção".

"Monteiro Lobato: Livro a Livro" foi planejado e organizado pela professora da Unicamp e pelo professor João Luís Ceccantini, da Unesp (Universidade Estadual Paulista).

"O Lobato é uma figura muito popular, mas a academia cuida muito pouco do Lobato. Ninguém se interessa pelos autores que todo mundo lê. As pessoas querem aqueles autores desconhecidos, encafuados, que alguém descobriu que era ótimo", disse Lajolo.

Monte sua biblioteca sobre Lobato

Para a crítica literária, seu livro chamou atenção neste ano por abordar a obra de um escritor famoso.

"A academia falou de um autor que todo mundo conhece e todo mundo leu. Isso deu um temperinho diferente ao livro."

"Monteiro Lobato: Livro a Livro" levou mais de quatro anos para ser organizado, contando com a participação de alunos de pós-gradução da Unicamp e da Unesp.

Os pesquisadores analisaram os originais e as edições dos livros infantis de Monteiro Lobato (1882-1948), bem como ilustrações e até cartas que o autor de "Reinações de Narizinho" recebia dos seus leitores.

Os capítulos dissecam as várias edições das obras de Lobato, trazendo detalhes sobre cada publicação e a respectiva correspondência registrada pelo autor de livros infantis, famosos com a adaptação para a TV, como a série "Sítio do Picapau Amarelo", exibida na Globo desde os anos 70.

Os países em desenvolvimento, principais vítimas do aquecimento climático

LE MONDE

Hervé Kempf

Diversos estudos confirmam que os países pobres serão as principais vítimas da mudança climática, ainda que sejam os menores responsáveis por ela, por não serem grandes emissores de gases de efeito estufa. Um estudo publicado no início de setembro deste ano pela Maplecroft, uma consultoria britânica especializada em riscos globais, mostra que os países mais vulneráveis ao aquecimento são a Somália, o Haiti, o Afeganistão e Serra Leoa. Dos vinte e oito países expostos a um "risco extremo", vinte e dois estão situados na África subsaariana.

Enquanto isso, em Manila, o Banco Asiático de Desenvolvimento apresentava os resultados de uma pesquisa que concluía que o derretimento das geleiras do Himalaia ameaça a segurança alimentar e a disponibilidade de água dos 1,6 bilhão de habitantes do sul da Ásia. Em Nova York, Rob Vos, diretor do departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da ONU, avaliou que "se não reduzirmos as emissões de gases de efeito estufa de forma significativa, os danos causados à economia dos países pobres serão dez vezes maiores do que aqueles registrados nos países desenvolvidos". Vos comentava o relatório publicado por seu departamento. Segundo as conclusões, seria preciso investir todos os anos na atenuação da mudança climática e na adaptação a seus efeitos, da ordem de 1% do produto interno bruto (PIB) mundial, ou seja, US$ 500 bilhões (R$ 855 bilhões).

Alguns meses antes, em maio de 2009, a ONU havia publicado um relatório da Estratégia Internacional de Redução de Riscos, lançado em 2000. O documento faz a primeira síntese dos conhecimentos sobre os desastres naturais que se produziram entre 1975 e 2008. Ainda que reconheça não ser completo, o texto representa um aglomerado único de conhecimentos.

Entre 1975 e 2008, ele lista 8.866 desastres que mataram 2.284.000 pessoas. A respeito das inundações, o risco de morte aumentou 13% entre 1990 e 2007. Pode-se dizer que o quadro não é uniformemente catastrófico. O número absoluto de perdas humanas ou econômicas aumenta no período como um todo, mas ele permanece proporcionalmente estável, pelo aumento demográfico e do PIB mundial.

Mas, segundo os especialistas da ONU, a situação deverá se deteriorar em razão da mudança climática e da degradação dos ecossistemas. Esta é um fator muito ignorado, pois estes últimos conseguem amortecer o impacto das catástrofes de origem natural. Quanto à mudança climática, ela aumentará o risco dos desastres. A vulnerabilidade das populações é um dos outros fatores que acentuam os riscos. A ação do poder público (normas antissísmicas, etc.) torna-se crucial: o Japão e as Filipinas sofrem com mais ou menos o mesmo número de furacões, mas estes provocam 17 vezes mais mortes nas Filipinas do que no Japão.


Tradução: Lana Lim

terça-feira, novembro 10, 2009

Barris de pólvora

Como se sabe, aqui em São Luís nós temos um sério problema com o sistema de transporte coletivo.
Nove entre dez ludovicenses sem dúvida alguma já passaram pela triste experiência de descer de um ônibus que ficou pelo caminho em razão de defeitos mecânicos. Na verdade, deveria ter colocado “dez entre dez”, mas tenho uma até certo ponto perigosa tendência para as concessões.
Querem mais uma situação capaz de tirar qualquer um do sério? Levante a mão quem já passou por isso: um ônibus aproxima-se da parada em que você se encontra e, mesmo não estando lotado, não atende ao gesto tradicional e passa direto. Nesse caso, se alguém tomar para si o trabalho de questionar o motorista, ele muito provavelmente terá apenas uma palavra como resposta-desculpa padrão: horário.
Outra: não se deixem enganar pelo número de coletivos que transitam, por exemplo, pela Praça Deodoro. São dezenas, surgindo um depois do outro - dependendo do horário, a fim de conduzir os ludovicenses (ou aqueles que sem mais o que fazer visitam nossa Ilha) para o trabalho ou de volta para casa depois de mais uma jornada cansativa. As aparências enganam - e revoltam.
Na verdade, o número de ônibus em circulação é muito menor do que se imagina. Até onde sei - e naturalmente espero ser corrigido -, São Luís conta com cerca de 900 anos. Muito pouco para uma cidade com mais de um milhão de habitantes (não importa o que digam o IBGE e Luís Fernando Silva).
Nós, os simples, sofremos na pele com essa quantidade risível de coletivos. Aqueles que, por alguma causa, motivo, razão e circunstância acharam por bem residir na Cidade Operária merecem um lugar especial no paraíso, por terem enfrentado e conseguido sobreviver a provações diárias.
É uma aventura nada auspiciosa. Quem acorda entre cinco e meia e seis horas da manhã levanta da cama sabendo que muito em breve travará dois combates que não lhe trarão glória nenhuma, caso tenha sucesso. O primeiro: conseguir entrar em uma dessas latas de sardinha ambulantes. O segundo: disputar, geralmente com algumas cotoveladas aqui e ali, qualquer espaço que lhe garanta uma viagem com um mínimo de conforto. Mas bem mínimo mesmo, porque as tribulações são muitas. Para deixar em apenas uma: os constantes entreveros entre passageiros, motoristas e cobradores. O que acaba transformando um ônibus em um barril de pólvora.
Mas por trabalhar em um jornal, é preciso que aqui haja o necessário contraditório. Os funcionários das empresas de transporte coletivo não são os culpados pela atual crise no setor (veja só, Érica, aprendi a lição: pesquei um pouco do jargão de economia). Os responsáveis, naturalmente, são seus patrões. Estes homens que, em sua egocêntrica teimosia, não renovam a frota e, confrontados com cobranças nesse sentido, ameaçam com demissões e a possibilidade de aumento nas passagens.
Motoristas e cobradores, no máximo, reagem mal às condições adversas nas quais se encontram. Ou você aceitaria numa boa trocar de lugar com um deles e passar a trabalhar com medo de seqüestros ou assaltos?
Como sou otimista, espero que a situação do transporte coletivo melhore o mais rápido possível. Caso contrário, as cenas lamentáveis ocorridas no Terminal da Cohama na segunda-feira (9) serão cada vez mais comuns. Doa em quem doer.