quinta-feira, dezembro 23, 2010

As novas do Aurélio

Adriana Natali




Sinônimo de dicionário, Aurélio, a palavra, não está no dicionário. Poderia. Em homenagem ao centenário do autor, Aurélio Buarque de Holanda (1910-1989), a editora Positivo publicou uma quinta edição da obra com uma nova leva de palavras, algumas das quais em sua "estreia" lexicográfica por meio do Aurélio.

Houve alteração da capa e do projeto gráfico e a inclusão de uma biografia com fotos do autor nas aberturas de letras. A caligrafia de Aurélio foi escaneada de seus manuais e digitalizada, dando origem à fonte Aurélio, presente nas aberturas de letras.

- A nova edição possui um design arrojado. As fontes bem como as cores utilizadas facilitam a visualização das palavras - afirma a professora Margibel de Oliveira, doutoranda do Curso de Filologia e Língua Portuguesa da USP.

A nova edição teve um aumento de 6%, em relação à edição anterior, em novas palavras, acepções, locuções e abonações. E traz o registro das 3 mil termos mais frequentes em português, tirados de um acervo de mais de 5 milhões de ocorrências, em documentos escritos como jornais, revistas, textos, obras literárias e periódicos em geral. Foi usado como base o corpus de Araraquara, da Unesp, que já servira de fonte para o Dicionário Unesp, de Francisco Borba, e recobre de 1900 ao ano 2000.

- Um vocabulário de uma pessoa gira em torno de 3 mil palavras, então nos pareceu interessante mostrar ao consulente quais eram as mais frequentes - explica Valéria Zelik, a editora do Aurélio.

Garfos e facas
A editora conta que essa relação de palavras é bem curiosa: a palavra "garfo", por exemplo, não figura nessa lista talvez por não ter tanta representatividade; já a palavra "faca" consta na seleção, devido ao grande número de ocorrências nos noticiários policiais. São exemplos dessas palavras mais frequentes na escrita: degrau, estar, êxito, enxame, expor, explosão, fazer, leite, leitor, lembrança, pensar, perfume, perfil, realizar, recado, ser, título, tonelada, vergonha e vermelho.

- Se uma pessoa, ao consultar o dicionário, descobre que a palavra consultada é frequente, dará mais atenção a ela, como é sua grafia, sua regência - completa Valéria.

Não só os verbetes técnicos foram revisados e atualizados por pesquisadores de áreas específicas.

- A pesquisa lexicográfica compreendeu desde o levantamento da nominata (desenvolvida a partir de livros, jornais e revistas e outras mídias escolhidas como fontes de pesquisa), à coleta e escolha de abonações, ao tratamento lexical e gramatical das lexias que passaram a compor o dicionário - explica Marina Ferreira, a viúva do autor e a coordenadora da edição.

Trabalho

Marina conheceu Aurélio em 1942 e foi sua esposa durante 45 anos. Evitar incluir "modismos passageiros", priorizar palavras de uso efetivo, em especial na mídia, tem sido a preocupação central de sua equipe desde a morte do autor.

- Antes de uma palavra entrar no dicionário, passa por um "período de observação", que pode ser de anos e vai mostrar se ela realmente foi incorporada pela sociedade - diz a editora Valéria.

É por conta disso que a nova edição introduziu palavras do universo "internetês", como "blogar" e "tuitar", embora o próprio "internetês" tenha ficado de fora.

- É importante a entrada de palavras ligadas aos avanços tecnológicos, porque denominam novos hábitos e ações que se tornaram comuns no cotidiano dos brasileiros - afirma Neusa Maria Oliveira Barbosa Bastos, professora do Centro de Comunicação e Letras do Mackenzie.

Algumas palavras chamaram a atenção do professor de Letras Everaldo José Campos Pinheiro, da Universidade São Judas Tadeu.

- Ricardão, bullying, nerd, botox, flex. São vocábulos amplamente usados. Como essas palavras são empregadas para dar ironia ("ricardão" para falar de assédio, "botox" para acabar com as rugas, etc.) achei interessante entrarem no dicionário. Há muitas outras, que acompanham nossa evolução tecnológica, da área de informática, biologia, botânica e genética. Quanto mais a ciência evolui, maior é a necessidade de palavras novas para traduzir o novo - afirma Everaldo.

Masculino e feminino
Os professores Celso Fraga da Fonseca, da Escola do Legislativo de Minas Gerais, e Juliana Alves Assis, do Departamento de Letras da PUC Minas, também analisaram a obra. Para eles, um ponto positivo da nova edição é que, conforme se observa no prefácio da obra, embora a tradição lexicográfica tome o masculino como forma básica de substantivos e adjetivos, o dicionário optou por apresentar muitas das palavras representativas de cargos públicos em sua forma feminina, em consonância com os diversos papéis sociais desempenhados pela mulher na sociedade contemporânea, ampliando a lista, já presente na edição anterior, que contém "presidenta", "governadora", etc.

- Além disso, o dicionário registra, desassombradamente, um sem-número de vocábulos estrangeiros em circulação entre nós. Numa atitude contrária, no entanto, insiste, por exemplo, em manter unicamente a forma "nuança", aportuguesamento do francês nuance, muito mais usada entre nós que a primeira. Por outro lado, faz constar "maquete"/"maqueta"; "avalanche"/"avalancha", etc. - avalia Fonseca.

A lista de 3 mil palavras mais frequentes foi considerada um avanço.

- Essa lista pode ser de grande utilidade para orientar quem deseja evitar palavras pouco conhecidas ou arcaísmos, coisa comum nos textos jurídicos, por exemplo, bem como para orientar estrangeiros ou seus professores de português, já que nossos dicionários não parecem se preocupar com esse público. Isso torna o dicionário mais científico e menos intuitivo - explica Juliana Alves Assis.

Para a professora Margibel de Oliveira, doutoranda do Curso de Filologia e Língua Portuguesa da USP, as instituições brasileiras têm no Aurélio uma fonte de pesquisa.

- Homenagear este brasileiro é reconhecer um trabalho minucioso de coleta e análise de dados, os quais estão, de maneira singular, apresentados no Dicionário - afirma Margibel.

Além do lançamento da quinta edição, sua terra natal, Alagoas, tem feito uma série de homenagens que tiveram início no ano passado. A mais recente foi o tombamento da casa em que ele nasceu.

Novos verbetes

Bandeide (aportuguesamento do inglês Band-aid, marca registrada de curativo)

Chocólatra (devorador habitual de chocolates)

Data-show (aparelho de vídeo para projeção)
Ecobag (sacola de material biodegradável)
Empreendedorismo (caráter, faculdade ou realização de empreendedor)
Enem (Sigla de Exame Nacional do Ensino Médio)
Flex (motor ou veículo capaz de funcionar com dois tipos de combustível ao mesmo tempo)
Mochileiro (quem viaja com pouca bagagem)

Pet shop (loja de serviços para animais domésticos)
Samu (sigla de Serviço de Atendimento Móvel de Urgência)
Test drive (avaliação do desempenho de um veículo ao dirigi-lo)

Novas locuções

Número (....) Número dois. Forma eufêmica para cocô. [Calque (2) do ingl. number two.] Número um. 1. O mais importante; o principal: Paulo é o meu amigo número um. 2. Forma eufêmica para xixi. [Nesta acepç. calque (2) do ingl. number one.]

Incorreto (....) Politicamente incorreto. 1. Diz-se de atitude, comportamento, discurso, etc., que revela preconceito ou parâmetros de valor tidos como desprestigiantes do ponto de vista social, cultural, econômico. 2. O pensamento, a atitude, o comportamento, o discurso etc., politicamente incorreto.

O mundo digital entra no dicionário

Blogar - Verbo intransitivo. Manter (o internauta) um blog. [Conjug.: rogar.]

E-book - [Ingl.] Substantivo masculino. V. livro eletrônico.

Cookie - [Ingl.] Substantivo masculino. 1. Cul. Biscoito crocante e macio, de forma arredondada, ger. recheado com nozes, passas, etc. 2. Inform. Informação coletada por um navegador Web que fica armazenada no computador, e que pode ser us. por sites da Intranet.

Fotolog - [Adapt. do ingl. photolog.] Substantivo masculino. 1. Álbum de fotografias virtual, posto na Internet.

Spam - [Ingl.] Substantivo masculino. Inform. Mensagem publicitária ou não, recebida via correio eletrônico, sem o consentimento ou solicitação do usuário.

Tablet - [Ingl.] Substantivo masculino. Inform. 1. Computador de uso pessoal que possui tela sensível ao toque. 2. Tipo especial de caneta, us. para registrar notas diretamente na tela do computador.

Tuitar - [Do ingl. twitt(er) + -ar2.] Verbo intransitivo. 1. Postar no twitter comentários, informações, fotos, etc. ger. de caráter pessoal ou institucional. 2. Acompanhar os fatos, ideias, informações, etc. registrados por alguém em seu twitter. [Conjug.: v. ajuizar.]

Avatar - [Do sânscr. avatara, 'descida' (do Céu à Terra), pelo fr. avatar.] Substantivo masculino. 1. Rel. Reencarnação de um deus, e, especialmente, no hinduísmo, reencarnação do deus Vixnu. 2. Transformação, transfiguração: "Aqui era a laranjeira-cravo junto da qual o vira, como em um avatar, como em uma transfiguração, risonho, franco, comunicativo, sob o aspecto que em um momento a cativara." (Júlio Ribeiro, A Carne, p. 91.) 3. Inform. Cada um dos personagens de um jogo informático em que, ger., se empregam imagens gráficas animadas e outras técnicas de realidade virtual, que corresponde e é controlado por cada um dos participantes: O avatar de Pedro no jogo é um jovem detetive. 4. Inform. Imagem, realística ou não, associada a participante de uma rede social (q. v.).

Dedicação às palavras

Trajetória de Aurélio Buarque de Holanda foi marcada pela pesquisa lexicográfica

Crítico, lexicógrafo, filólogo, professor, tradutor e ensaísta brasileiro, o apreço às palavras marcou a vida do autor do Dicionário Aurélio - Aurélio Buarque de Holanda Ferreira - nascido em Alagoas em 1910 e morto em 1989 no Rio de Janeiro.

Aos 14 anos, começou a dar aulas particulares de português. Aos 15, ingressou efetivamente no magistério: foi convidado pelo Ginásio Primeiro de Março a lecionar em seu curso primário. Já naquela época passou a se interessar por língua e literatura portuguesas.

Formou-se em Direito em 1936, ano em que se tornou professor de língua portuguesa e francesa e de literatura no Colégio Estadual de Alagoas. No ano de 1938, Aurélio mudou-se para o Rio de Janeiro, onde deu continuidade à sua carreira de magistério nos colégios Pedro II e Anglo-Americano.

De 1941 a 1956, trabalhou no Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, da editora Civilização Brasileira, modernizando-o e adicionando verbetes e brasileirismos. Esse dicionário se tornou o mais popular do país na época e muita gente o associava ao nome de Aurélio. Nos anos 40, Aurélio também trabalhou num dicionário enciclopédico para o Instituto Nacional do Livro.

- Depois de tantos anos como lexicógrafo, era natural que Aurélio decidisse fazer a sua própria obra, coroando, assim, a sua carreira como dicionarista - conta a viúva do autor, Marina Baird Ferreira.

Foi o que aconteceu em 1975, quando foi publicado o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, conhecido como Dicionário Aurélio ou somente Aurelião.

- Antes de o Aurélio ser lançado, dicionário era sinônimo de obra pouco acessível, fosse pela linguagem difícil, fosse pelo alto custo. O que tornava a sua aquisição e compreensão impossíveis para a maioria. Com o seu dicionário, Aurélio conseguiu o inesperado: a transformação do dicionário em obra de fácil consulta e de fácil aquisição - afirma Marina.

Processo
Marina conta que, leitor contumaz, Aurélio tinha por hábito anotar nos volumes lidos as palavras, expressões e usos que viria a registrar no dicionário posteriormente. Depois, passava a estudar e a definir caso a caso.

- Na época ele era professor do Colégio Pedro II e trabalhava diariamente no dicionário, este trabalho geralmente ia até a noite. Aurélio adorava ler, fosse prosa ou poesia. Dos grandes clássicos aos modernistas, da literatura universal à regional, nada lhe escapava - conta a viúva, que até hoje guarda cerca de 6 mil volumes, "na nossa biblioteca, e utilizados, ainda hoje, como referência para parte da pesquisa lexicográfica".

Em 1977, ele publicou o Minidicionário da Língua Portuguesa, que também é chamado de Miniaurélio. Em 1989, lançou o Dicionário Aurélio Infantil da Língua Portuguesa, com ilustrações do Ziraldo. (A.N.)

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