domingo, março 20, 2011

Jorge Mario Vargas Llosa, o Prêmio Nobel e o professor

Ao receber a ligação telefônica comunicando que havia vencido o Prêmio Nobel de Literatura de 2010, Vargas Llosa chegou a pensar que podia ser um trote - há tanto tempo ignorado pela academia, embora com obra que o qualifica como o melhor romancista latino-americano há décadas, achava que não era mais candidato e que passaria, como Jorge Luis Borges, sem esse reconhecimento.

Por Adriana Crespo Ruco

Enfim, a imprensa anunciou o Nobel recebido por um peruano, um dos destaques da literatura latino-americana desde as décadas de 1960 e 1970, o primeiro sul-americano desde Gabriel Garcia Márquez a receber a premiação, o autor de Pantaleão e as visitadoras, aquele que uma vez concorrera à presidência do Peru e que tem tanto a dizer sobre a política da América latina.
No tempo em que foi convidado para lecionar Cultura e Língua Espanhola e Portuguesa como professor visitante no Programa de Estudos Latino-Americanos na Universidade de Princeton, em Nova Jersey, Mario Vargas Llosa sequer aparecia nas bancas de apostas do Nobel. Seu nome há muitos anos era cogitado, esquecido, cogitado novamente, até os especialistas firmemente acreditarem que já havia "passado a época". Quando o prêmio veio, foi considerado tardio por muitos, já que o reconhecimento pela produção literária de Vargas Llosa vinha desde a década de 1960. Entre ficção e não-ficção, Llosa possui mais de 30 trabalhos publicados, a grande maioria recebida com entusiasmo por público e crítica.

Apesar disso, o anúncio do Nobel deixava claro que o prêmio não fora apenas literário, tendo fortíssimo viés político. A nota de imprensa declarava Vargas Llosa Nobel de Literatura por "sua cartografia das estruturas de poder e suas cortantes imagens de resistência, rebelião e derrota do indivíduo...".

Sua obra, de fato, nos oferece tudo isso, mas nunca é politicamente neutra. Vargas Llosa escreve sobre seu próprio tempo e, principalmente, escreve sobre si mesmo. Para parafrasear Flaubert, todos os seus personagens são Jorge Mario Vargas Llosa, todo romance é um pouco autobiografia e isso sempre será cortante. Vargas Llosa sempre tem algo a dizer em seus livros e fora deles, sobretudo e especialmente sobre a política peruana e latino-americana. Hoje, posiciona-se firmemente contra o crescimento da esquerda na AL, representada principalmente por Hugo Chávez, atual presidente da Venezuela, declarando-se contra "ditaduras de esquerda e de direita" e a favor da liberdade. Chegou a declarar que não pensava que ganharia o Nobel, pois tinha "a sensação de que o prêmio era dado a pessoas mais ou menos ligadas à esquerda, com, digamos, ideias socialistas, o que não é o meu caso".

VARGAS LLOSA PROFESSORAo chamá-lo para seu quadro de professores convidados, Princeton "comprou" essa visão de mundo. O termo "Cultura" no nome da cadeira ocupada por Llosa não está ali por acaso; o professor ajuda a aguçar a visão ampla da América do Sul que a universidade americana pretende passar aos alunos, e mesmo que Llosa não fale abertamente ou apenas sobre política, sempre coloca a Literatura em primeiro plano. O Nobel foi como um presente para a universidade: é o prêmio maior da literatura mundial, ou o em maior evidência. É uma honra, uma sorte e uma ótima publicidade ter um vencedor do Nobel em seu corpo docente.

O professor Vargas Llosa está preocupado em estimular o pensamento dos alunos, em expor quais conhecimentos podem usar para chegar a uma conclusão sobre determinado autor ou obra - não existem ferramentas nem detalhes demais. O tempo verbal no qual uma frase está pode ser a chave para a compreensão de um texto, assim como a escolha de uma palavra (e não aquele seu quase sinônimo) pode evidenciar não somente minúcias do texto como todo o pensamento do autor. Llosa é adepto do que os falantes da língua inglesa chamam de close reading, ler "de perto", absorvendo todos os detalhes sobre a obra que a própria obra contém, em suas palavras e frases.

É com claro prazer que Llosa incentiva nos alunos a leitura próxima e crítica de seus autores escolhidos como icônicos, como (e especialmente) o argentino Jorge Luis Borges. Deseja que os alunos desconstruam suas obras, que alcancem seu cerne da forma que puderem, não se preocupando com o que é canônico ou qual é a visão clássica da obra. O aluno que apresenta uma visão acertada, satisfatória ou, quem sabe?, nova para a leitura do texto é um aluno que levará todos os outros a crescerem com ele. Quando Llosa faz uma pergunta em sala de aula, não parece querer uma resposta correta, ou mesmo concreta. Também evita ser questionado, mas deseja ser surpreendido.

Os alunos, mesmo que nem sempre acompanhem, são tragados pela intensidade de Llosa. O professor lê, disserta, discute, questiona, domina a classe com o conhecimento profundo do que está falando. Antes do Nobel, antes da posição política, o interesse de Princeton e das outras universidades em que lecionou, sempre foi oferecer aos alunos esse vigor e ênfase na construção do próprio pensamento que, hoje, é a única grande posição política que Llosa afirma ter.

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