sábado, outubro 12, 2013

A difusão da literatura brasileira depois da Feira de Frankfurt

http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2013/10/12/a-difusao-da-literatura-brasileira-depois-da-feira-de-frankfurt-511777.asp

Renato Lessa, presidente da Biblioteca Nacional, e José Castilho Marques Neto, diretor do Plano Nacional do Livro e da Leitura, anunciam mudanças e defendem novos papéis das instituições nas políticas públicas para a área que, afirmam, devem ir além da participação em feiras como a alemã

Por Guilherme Freitas, enviado especial a Frankfurt

Desde que assumiu a presidência da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), em março, e com ela a chefia do comitê organizador da participação do Brasil como convidado de honra da Feira de Frankfurt este ano, o cientista político Renato Lessa criticou os gastos de R$ 18,9 milhões assumidos pelo governo com o evento e defendeu que sua instituição deveria ter outro tipo de papel nas políticas públicas para o livro e a leitura. A partir de amanhã, quando ocorre a cerimônia de passagem de bastão para a Finlândia, homenageada de 2014, Lessa poderá colocar essa visão em prática sem ter mais no horizonte o maior evento editorial do mundo.

— Fomos bem-sucedidos em Frankfurt, nosso pessoal trabalhou 80 horas por dia, de forma heroica, para honrar os compromissos — comemora Lessa. — Mas a Biblioteca Nacional não pode mais ser percebida e tratada como produtora de feiras, porque temos outras prioridades. Podemos ter uma função de curadoria, montando a programação. Homenagens ao Brasil em eventos desse tipo têm que ser encampadas pelo governo brasileiro como um todo, do Ministério da Cultura (MinC) ao Itamaraty, e o investimento precisa ser compartilhado também com o setor privado.

Mudança de rumo

Como parte dessa “mudança de princípios”, diz Lessa, o orçamento da FBN para a participação do Brasil como país homenageado da Feira do Livro Infantil de Bolonha, maior evento mundial do gênero, que acontece em março de 2014, será reduzido de R$ 2,5 milhões para R$ 1,4 milhão. O restante será assumido pelo Itamaraty, que cuidará da execução da compra de serviços locais na Itália. Lessa conta também com a participação do setor privado.

A decisão é mais um sinal da mudança de perfil da FBN em relação à administração do presidente anterior, Galeno Amorim, demitido pela ministra Marta Suplicy este ano. Sob o comando de Galeno, a FBN estimulou a participação brasileira em megaeventos editoriais, como as feiras de Guadalajara e Bogotá, em 2012, Frankfurt e Bolonha.

Apesar da alteração de rumo, Lessa reconhece a importância dos eventos internacionais e aponta como principal legado de Frankfurt para a política nacional do livro o programa de fomento à tradução. A iniciativa, que por muito tempo existiu de forma intermitente, foi reestruturada em 2011 por Galeno, com a criação de uma escala que prevê, até 2020, investimentos de US$ 7,6 milhões em edições de obras brasileiras no exterior. Desde então, foram concedidas 357 bolsas para tradutores estrangeiros.

— O programa de apoio à tradução continuará, inclusive porque é um investimento com ótima relação custo/benefício, que ajuda muito a divulgação do livro brasileiro no exterior — diz Lessa, que reconhece as feiras internacionais como “oportunidades de promoção da cultura brasileira do exterior”, mas faz uma ressalva. — Se o país não tiver políticas permanentes de valorização da literatura e do livro, as feiras têm pouco valor. Elas são importantes, mas o Brasil precisa mais urgentemente redesenhar a organização institucional de suas políticas para o livro.

Passo decisivo para isso é o retorno do Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL) à estrutura do MinC. Anunciada em março como outra mudança em relação à administração de Galeno, que havia levado o Plano para a FBN, a decisão ainda depende de um decreto que, segundo Lessa, será concluído e assinado até o início de 2014.

Diretor do PNLL de 2006 a 2011, quando pediu demissão por não concordar com a integração à FBN, José Castilho Marques Neto foi reconduzido ao cargo pela ministra Marta Suplicy este ano. Com a oficialização do retorno do órgão ao MinC, ele pretende retomar metas de sua gestão anterior, como a transformação do PNLL em lei, a regulamentação de um fundo pró-leitura com a contribuição do setor privado e, a longo prazo, a criação do Instituto Nacional do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, que concentraria as políticas públicas para a área no país.

Com o retorno de Castilho, pode ganhar força também o debate sobre a criação no Brasil de uma lei de preço único para livros, semelhante às que existem em países como França e Alemanha. Na cerimônia de abertura da Feira de Frankfurt, terça-feira, autoridades alemãs defenderam a lei local contra o assédio de gigantes do comércio virtual como a Amazon. Castilho é favorável à medida.

— Países com uma longa tradição de leitura, como França e Alemanha, adotam com sucesso a lei do preço único para preservar a bibliodiversidade. Essa discussão ainda não foi feita no governo brasileiro, mas é uma pauta possível. Se a livraria do seu Pereira vende pelo mesmo preço que Cultura, Saraiva e Amazon, todos concorrem em condições de igualdade — diz Castilho.

Em entrevista coletiva durante a feira, a ministra da Cultura Marta Suplicy afirmou que ainda não há projeto sobre preço único em estudo no governo. Mas reconheceu a necessidade de debater novos modelos de negócios diante das mudanças no mercado de livros, que trazem riscos para editoras e de livrarias tradicionais.

— Estamos em um período de começo de transição — disse Marta.

Editoras pedem políticas nacionais

Entre os representantes do mercado brasileiro em Frankfurt, o programa de tradução da FBN é visto como o grande legado da feira para as políticas públicas. Para Karine Pansa, presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), o evento deu uma visibilidade inédita do livro brasileiro no exterior e abriu caminho para que o Brasil, tradicional comprador de direitos, reforce seu papel também como vendedor.

— Esperamos que essa política bem-sucedida continue depois de Frankfurt — disse Karine.

No mercado interno, ela vê como grande desafio o impacto que pode ser causado pela ampliação dos negócios da Amazon no Brasil, a partir do próximo ano. Diante disso, as livrarias têm exigido medidas mais protecionistas. Mas Karine vê um ponto positivo nesse cenário:

— No Brasil temos um problema histórico de distribuição. O livro que sai de São Paulo precisa de 15 dias para chegar a Manaus. A presença da Amazon vai ajudar a acelerar a distribuição. Mas temos que ficar atentos para não aceitar más condições de negócio — diz Karine, que acredita que a lei de preço único teria poucas possibilidades de ser aprovada no Brasil.

Para Sônia Jardim, presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), uma forma de incentivar a leitura seria ampliar um projeto de doação de livros de literatura, e não apenas didáticos, como já vem sendo feito na Bienal do Livro.

— O principal incentivador da leitura entre crianças é o professor, mas como podemos esperar que ele motive a leitura se não tem o hábito de ler? No Rio temos um programa que funciona como um clube do livro para professores, e que serve de base para que eles ensinem aos seus alunos o hábito de leitura. Mas falta um programa que funcione assim em todo o Brasil.

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