segunda-feira, novembro 09, 2009

Autor diminui papel de Reagan e dos Eua na queda do Muro de Berlim

HERALD TRIBUNE

Michael Meyer

Pergunte a um norte-americano médio como terminou a Guerra Fria e é muito provável que ele ou ela terá uma resposta pronta. "Sr. Gorbachev, derrube este muro", disse Ronald Reagan. E então, como se as palavras fossem ações, assim foi.

Todos se lembram dessa frase imortal. Uma geração de escritores de discursos gostaria de tê-la elaborado. Uma geração de estadistas gostaria de tê-la proferido. E para uma geração de norte-americanos, particularmente na direita política, ela se tornou um símbolo de toda uma visão geopolítica do mundo.

Como [o famoso jogador de futebol norte-americano] Gipper, precisamos apenas nos colocar firmemente diante dos tiranos. Ocos em seu íntimo, eles cairão. Seus povos oprimidos se levantarão, triunfantes, como as multidões cativas de europeus do leste de outrora. A democracia florescerá.

Neste 9 de novembro de 1989, faz 20 anos que o muro de Berlim caiu. Não importa que Reagan tenha feito seu discurso épico dois anos antes disso. Durante os próximos dias e semanas, ele será transmitido e retransmitido nas telas de TV norte-americanas, reforçando o mito tão adorado por todos os norte-americanos sobre a Guerra Fria. Nós vencemos!

Vencemos? Bem, sim e não. Certamente, não o fizemos sozinhos. Se você estivesse "in loco" durante o tumultuado ano de 1989, como eu estava quando era correspondente da Newsweek, veria um quadro mais complexo.

A principal força que desencadeou as grandes mudanças veio do Leste, não do Oeste: Mikhail Gorbachev. Repentinamente livres para experimentar, países intermediários encontraram caminhos para um novo futuro. A Polônia realizou eleições - que os comunistas do país perderam, decisivamente. A Hungria rompeu sua Cortina de Ferro, desencadeando um êxodo vindo de toda parte do bloco do Leste. Na antiga República Democrática Alemã, os alemães orientais se encheram de coragem e, às centenas de milhares, tomaram as ruas.

À medida que nos voltamos para esses eventos que abalaram o mundo, deveríamos lembrar que a sorte, a mera coincidência, desempenhou um papel gigantesco. Chame isso de lógica da bagunça humana, cuja Prova A é certamente a "queda" do muro propriamente dita. Ela começou com os alemães orientais impacientes, pedindo liberdade não de uma forma abstrata, mas uma liberdade específica: o direito de viajar. Em face aos protestos em massa, o líder da Alemanha Oriental Egon Krenz decidiu imprudentemente conceder aquilo que ele não tinha mais medo de proibir - e prometeu abrir os portões para o Ocidente.

Poucos se lembram, hoje, que esse direito era estritamente controlado, sujeito a todos os tipos de regras e regulações comunistas - tampouco se lembram que a decisão deveria entrar em vigor em 10 de novembro. Mas o novo porta-voz do Partido Comunista também não se lembrou disso na época. Ao ser questionado, em uma coletiva de imprensa, sobre quando a nova política seria implementada, ele fez uma pausa, mexeu em seus papéis, ajeitou os óculos, depois respondeu com um dar de ombros: "... ab sofort" - imediatamente.

Para Krenz, "imediatamente" significava no dia seguinte. Para o povo da Alemanha Oriental, as palavras queriam dizer "naquele exato momento".

Eu estava do lado oriental do posto de checagem Charlie naquela noite, observando enquanto milhares de pessoas se reuniam; uma multidão involuntária encarava uma fileira de poucos guardas da Volkspolitzei, apontando os dedos para suas armas. "Abram! Abram!", gritavam as pessoas.

Atrás da polícia e de seus cães de guarda, atrás da torre de observação e do arame farpado da infame linha da morte, do outro lado do cinzento Muro de Berlim, vinha uma resposta de uma multidão igualmente ruidosa: "Venham!"

Dentro de seu posto de comando blindado, o capitão da guarda de fronteira da Alemanha Oriental, um homem musculoso, de queixo quadrado e com o ar irritável de um doberman, discou repetidas vezes o telefone. Ligações semelhantes vieram de vários postos de checagem por toda a extensão do Muro. O que está acontecendo? O que devemos fazer?

Mas nenhuma instrução foi dada pelo Ministério de Interior. Por uma última vez, ele colocou seu telefone no gancho. Por um momento, ficou imóvel como uma pedra. Talvez ele tivesse acabado de ser informado de que o cruzamento de Bornholmer Strasse, ao norte, havia aberto suas barreiras momentos antes, tomado por cerca de 20 mil pessoas. Talvez ele tenha chegado à sua própria decisão. Qualquer que seja o caso, às 23h17, precisamente, ele ergueu os ombros, como se dissesse: "Por que não?"

"Alles auf", ordenou. "Abram tudo", e os portões se abriram amplamente. Uma torrente de pessoas passou por eles, como se houvessem destampado o ralo da banheira. Em uma batida de coração o Muro caiu, e com ele o mundo comunista. A história mudou por causa do uso equivocado de uma única palavra, puro acidente humano.

Se há uma lição a ser tirada disso, ela tem a ver com os perigos de construir mitos, em uma tentativa de "gerenciar a história", como afirma Reinhold Neibuhr. Sim, os Estados Unidos ganharam a Guerra Fria com seu Plano Marshall, a doutrina da contenção, a chantagem da destruição nuclear mutuamente garantida.

Mas os norte-americanos não se preocuparam em entender como, exatamente, ela terminou. Em vez de apreciar sua complexidade, para não mencionar o elemento da sorte, nós creditamos a nós mesmos uma vitória inequívoca. Sem estender mais o assunto, pode-se argumentar que nada mudou desde essa história mitologizada até a desventura dos Estados Unidos no Iraque.


Michael Meyer, diretor de comunicações para o secretário geral da Organização das Nações Unidas, é autor de "O Ano que Mudou o Mundo".)

Tradução: Eloise De Vylder

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