sábado, novembro 14, 2009

O livro que Nabokov não queria que você lesse

RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL

Vera, mulher de Vladimir Nabokov (1899-1977), foi quem salvou "Lolita" quando o autor começou a pôr fogo nos manuscritos no quintal de casa, em 1950. Ele só via defeitos ali. Publicado cinco anos depois, o romance o consagraria. Agora, leitores de vários países terão acesso a "O Original de Laura", outra obra cujo destino seriam as chamas não fosse a interferência de Vera.

Com uma diferença. Nabokov não só não teve tempo de mudar de ideia quanto à qualidade desses últimos rascunhos como não pôde concluí-los, já que morreu antes. Seu derradeiro pedido à mulher foi que ateasse fogo aos papéis caso o romance não fosse finalizado. Sem coragem para queimá-los, Vera os guardou até morrer, em 1991. Dmitri, filho do casal, manteve desde então a dúvida sobre a publicação.

Em 2008, fechou com as editoras Knopf/Random House (EUA) e Penguin (Inglaterra). Dmitri alega que se trata de um romance "brilhante". A primeira crítica, feita em julho pela "Publishers Weekly" a partir de um trecho, foi negativa (leia ao lado) e alimentou os comentários sobre o interesse financeiro na decisão -sabe-se que, aos 75, debilitado, o filho de Nabokov precisa pagar internações e exames caros na Suíça.

O livro terá lançamento depois de amanhã, num evento em Nova York que contará com a presença do escritor inglês Martin Amis e do irlandês Brian Boyd, mais renomado biógrafo de Nabokov. No Brasil, sai no próximo final de semana, editado pela Alfaguara.

Em entrevista à Folha por telefone, da Nova Zelândia, onde vive, Boyd demonstra sentimentos ambíguos em relação ao lançamento. Ele foi consultado por Dmitri ao longo de todo o processo e chegou a ajudá-lo com ideias para a edição, mas ainda lembra a impressão que teve quando, em 1987, tornou-se a primeira pessoa fora da família a ver os rascunhos.

"Não fiquei bem impressionado. Quando Vera e Dmitri me perguntaram o que deveria ser feito dos manuscritos, falei para eles os destruírem. Tive medo... Não tinha gostado dos últimos romances dele e tive medo de que 'Laura' fosse o sinal evidente do declínio", diz. Boyd ressalva que, naquele momento, só conseguiu ler os rascunhos na frente de Vera, "o que pode ter influenciado no mal-estar em relação ao texto".

Biógrafo muda de ideia
O biógrafo -que hoje edita uma coletânea de cartas de Nabokov- diz pensar diferente agora. "Quando reli o material, em 2001, meu conceito melhorou muito. Não é uma história incrível, como "Ada ou Ardor", mas tem malícia, capacidade de envolver, um jeito de fazer as coisas acontecerem mais rápido do que o leitor pode lidar. Num ponto baixo de sua carreira, Nabokov descobre novas formas de narrar."

O "Original de Laura" tem semelhanças com "Lolita" -envolve a relação entre um homem maduro e uma garota. Flora, cuja vida sexual conturbada levou um ex-amante a escrever escandaloso livro ("Laura"), casa-se com um homem bem mais velho, Philip Wild. Ao longo do livro, Nabokov remete à morte de Wild. Os textos foram escritos em 138 cartões, com situações centrais a partir das quais Nabokov desenvolveria a história. O autor já estava com vários problemas de saúde nos meses em que os rascunhou.

Boyd diz que a edição tem a vantagem de deixar claro que não se trata de um trabalho final. A versão em inglês traz reproduções dos cartões que podem ser retiradas e devolvidas ao livro. No Brasil, o livro sairá com os fac-símiles, em inglês, e a tradução ao lado.

Um comentário:

ÍTALO GUSTAVO disse...

Excelente blog. Leio sempre seus artigos na imprensa local. Parabéns.
Ítalo Gustavo.

http://notasjudiciosas.wordpress.com/