segunda-feira, dezembro 14, 2009

A felicidade que os norte-americanos ainda podem comprar

Financial Times

Algo incomum aconteceu nas universidades norte-americanas no mês passado. Duas faculdades, a Northeastern e a Hofstra, que jogavam futebol americano há mais de 70 anos, pararam de repente. O futebol simplesmente ficou muito caro. Em meio à recessão, e antes dos jogos da final da temporada de inverno, será este o retorno à sanidade que os críticos do jogo universitário esperam há um século?

Os excessos do futebol universitário atingiram novos níveis de absurdidade desde os anos 90, escreve Michael Oriard em seu novo livro "Bowled Over". As faculdades jogam dinheiro que não têm no futebol. "Sob qualquer perspectiva razoavelmente objetiva", diz Oriard, "a necessidade de reforma parece imensa. É obviamente uma loucura que um técnico de futebol ganhe várias vezes mais do que o diretor de uma universidade". Oriard conhece bem esse universo. Ele jogou futebol na Universidade Notre Dame e na NFL antes de se tornar professor de inglês na Universidade do Estado de Oregon. Sua prosa é leve e ponderada. Mas, como muitos críticos e defensores do futebol universitário, com frequência ele parece errar o alvo e esquecer para quê serve o jogo universitário.

Ele se sobressai ao identificar os abusos do esporte. Alguns jogadores saem da universidade iletrados, tendo jogado futebol o tempo todo. Eles não recebem dinheiro, e mesmo assim as faculdades conseguem gastar fortunas em aulas particulares, passagens de avião por todos os Estados Unidos, e às vezes até contratando "anfitriãs" para recrutar jovens promissores e convencê-los a entrar na faculdade certa. A grande maioria das faculdades perde dinheiro com os esportes, mas os times de futebol ofuscam as próprias universidades. E a loucura piora a cada ano.

Os argumentos dos defensores do futebol universitário provavelmente são falsos. O futebol não parece persuadir os ex-alunos a fazerem doações para o trabalho acadêmico da universidade, e não atrai melhores alunos. Na verdade, os doadores recentemente passaram a dar dinheiro "para os esportes, às custas do lado acadêmico", diz Oriard.

Entretanto, essas críticas erram o alvo. O futebol universitário não existe para tornar as universidades mais ricas ou melhores. Sua função é dar aos norte-americanos um pouco de felicidade e uma sensação de pertencimento. Ele faz isso da forma mais extravagante possível. Oriard sabe disso. "Um jogo de futebol universitário em Michigan ou Alabama", diz ele, "com suas bancas e líderes de torcida, festas antes e depois dos jogos, é um tipo de festa popular... que fornece uma sensação de comunidade, de ritual significativo, e um verdadeiro prazer para milhões de norte-americanos todos os finais de semana no outono."

Em centenas de vilarejos norte-americanos que não têm equipes esportivas profissionais, a única coisa que une muitas todas essas pessoas diferentes é o time de futebol universitário. Esses vilarejos chamam a si mesmos de "comunidades". O futebol às vezes transforma a palavra em realidade. Vinte faculdades têm estádios que acomodam 80 mil pessoas, mais do que o estádio do Manchester United. Numa pesquisa da ESPN em 2007, 72% dos norte-americanos se diziam torcedores do futebol universitário. Não é de espantar que Thomas Joiner, autor de "Why People Die By Suicide" ["Por Que as Pessoas se Suicidam"], tenha percebido uma queda no número de suicídios em Columbus, Ohio, e Gainesville, Flórida, quando os times universitários locais iam bem.

Tem sido parte da função histórica das universidades norte-americanas financiar parte dessa felicidade, e embrulhá-la na linguagem do amadorismo. Em grande parte porque os jogadores não são pagos, o financiamento é bem barato. O prejuízo total do futebol universitário no país é provavelmente de apenas algumas centenas de milhares de dólares. Esse é um tipo de felicidade que os Estados Unidos ainda podem comprar.

As finais agora têm patrocinadores, e direitos vendidos por uma fortuna para a televisão. Oriard se preocupa com a exploração dos jogadores. Entretanto, os fatos que ele cita sugerem algo diferente. Em dois grandes estudos, realizados pela própria Associação Atlética Universitária Nacional, a grande maioria dos jogadores disse estar feliz. Eles ganham a fama. É verdade, quase metade deles não se forma, mas sem o futebol, muitos deles nem chegariam perto de uma faculdade, de qualquer forma.

Se os abusos do futebol universitário persistiram por tanto tempo, é porque a maioria dos norte-americanos adora o jogo assim como ele é. E enquanto a Hofstra e a Northeastern deixam o campo, seis faculdades estão entrando no futebol na próxima temporada.

Tradução: Eloise De Vylder
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