sexta-feira, janeiro 29, 2010

A Nina e MJ

JOSÉ SARNEY

O REPÓRTER PABLO Ordaz cobriu os primeiros dias da tragédia do Haiti e como poucos nos revelou em profundidade o aspecto humano que perpassa o mundo invisível de uma catástrofe dessa magnitude. São desgraças individuais que são símbolo e exemplo do que acontece no olho desse furacão sem vento que atingiu o mais pobre entre os mais pobres, o sofrido povo do Haiti.

Em 2008, dois tornados destruíram sua frágil infraestrutura. Agora, a tragédia humana e física não se tem como dimensionar. Não são somente os edifícios que caíram, os mortos, os feridos, os desesperados. São os dramas pessoais que trespassam o destino das pessoas e da nação. Os depoimentos que lemos são uma busca de palavras para dizer o que as palavras não dizem. Um sobrevivente espanhol contou: "Era uma onda, a terra subia e baixava, devorando tudo".

Ainda hoje tem a sensação de que "tudo se move, só existe o pó, não quero ver".

Mas o que se desdobra é a fome, o desespero por água, comida, remédios. Lançam bombas de gás para afastá-los. Como no Afeganistão. Mas lá luta-se contra os que querem acabar a humanidade, aqui levamos uma mão estendida de solidariedade aos que buscam viver. É desse mundo que Ordaz nos traz o testemunho de visita a um hospital improvisado. Ele pergunta: "De que vocês mais precisam?".

"Morfina". Porque ali os sons que se ouvem são os gritos dos dilacerados pela dor. Amputações sem anestesia, e o que mais têm são mutilados pelos desmoronamentos. Num colchão sujo uma menina. Os olhos tristes que não brilham. Um esparadrapo na testa com uma data, 21.1.2010, e duas iniciais, MJ.

Tem apenas um coto envolto em gaze no começo do úmero, perto do ombro. "O que se passou contigo?" Abstrata, repete: "Meu braço ficou lá". Ela foi uma das amputadas sem anestesia, e agora ali aguarda um encontro com qual destino? Os seus estão todos mortos: "Meu braço ficou no colégio".

Assisto em Brasília, na Base Aérea, às cerimônias fúnebres de saudades aos nossos bravos soldados que morreram no Haiti. Também são destinos acabados. Famílias destroçadas. Carreiras mortas. Ouço a corneta tocar silêncio. O soluço contido dos parentes. Uma guarda de honra afasta um caixão. O corpo será sepultado em Brasília. Separa-se de seus companheiros.

Saem para acompanhá-lo sua mulher, de preto, com dignidade, e uma menina com os olhos tristes e sem brilho. Deve ser ter seus cinco anos. Acompanha o corpo do seu pai, o major Adolfo. Seu nome, Nina. Meus olhos pedem para chorar com eles. Ela, como Maria José, é vítima da tragédia.

Vão ao encontro do seu destino. Nina viverá sem o carinho do seu pai, mas credora da solidariedade e carinho de todo o Brasil, filha de herói. E MJ?

Nenhum comentário: