Última novela de Osman Lins, escrita em 1978, é agora publicada em livro. Narrativa inspirada em viagem às praias capixabas pode ser lida como prenúncio da morte do escritor
Por: Célio Yano
Vista da Praia do Morro, em Guarapari (ES). Viagem à cidade na Semana Santa de 1977 inspirou Osman Lins a escrever ‘Domingo de Páscoa’. (foto: Wikimedia Commons)
Trinta e cinco anos depois de sua morte, Osman Lins (1924-1978), considerado por muitos um dos mais importantes escritores brasileiros, tem mais um livro publicado. A novela Domingo de Páscoa, sua última narrativa completa, acaba de sair pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Em sua novela derradeira, Lins ficcionaliza a viagem que fez com a esposa, durante a Semana Santa de 1977, às praias de Guarapari, no Espírito Santo. Da janela do quarto, o escritor podia ver a piscina e o bar do hotel e teria se impressionado com a figura solitária de um hóspede russo, que, na narrativa, recebe o nome de Velimir Leskóvar.
“A solidão desse homem o impressionou, bem como a trágica, grotesca e dolorosa presença de doentes na praia, todas aquelas criaturas se cobrindo de areia, esculturas disformes, cor de terra”, contou Julieta, certa vez. Para ela, Domingo de Páscoa é o prenúncio da morte iminente de Osman Lins.
Busca incessante
Nascido em Vitória do Santo Antão (PE), em 1924, Lins perdeu a mãe, vítima de complicações do parto, quando tinha 16 dias de vida. Como ela não deixou qualquer fotografia, o escritor viveu toda a vida sob o desconhecimento das feições maternas. Dizia que fazer literatura consistia em uma busca pela construção desse rosto. Achava que tinha de produzir algo que valesse a morte de uma mulher.
Solitário desde a infância, começou a escrever por influência de um professor de literatura da escola. Quando se mudou para o Recife, aos 16 anos, já tinha dois contos finalizados. “Osman Lins se dedicou à literatura como poucos escritores fizeram”, diz Elizabeth Hazin, coordenadora do Grupo de Estudos Osmanianos. “Nunca fez uma hora extra no Banco do Brasil, onde trabalhou durante muitos anos; vivia para escrever.”
Admirava escritores como Machado de Assis (1839-1908) e Lima Barreto (1881-1922). Entre seus contemporâneos, era leitor de Clarice Lispector (1920-1977) e de Sérgio Sant’Anna. Mas em sua cabeceira estavam geralmente obras de teoria e de crítica literária, dada sua obsessão pela qualidade do texto. Resultado disso foi uma obra sempre ascendente, em termos de qualidade, na avaliação de Hazin.
- ‘Retrato de Osman Lins 2’, 1998, carvão sobre papel de Gil Vicente. Lins começou a escrever por influência de um professor de literatura da escola. (foto: Coleção Lauro de Oliveira e Marilda Vasconcelos de Oliveira)
“Seu texto é muito sofisticado, e ele nunca abriu mão disso”, diz. Queria que o leitor alcançasse o nível em que estava sua obra, não o contrário. Marcam sua produção características aparentemente controversas como o lirismo e, ao mesmo tempo, a racionalidade – Avalovara, por exemplo, tem toda a história baseada no conceito matemático do quadrado mágico.
Todos esses elementos estão presentes em Domingo de Páscoa. “Mas há também muito mistério nessa que talvez seja a mais enigmática de todas as narrativas do autor”, diz Ana Luiza Andrade, organizadora da edição recém-publicada de Domingo de Páscoa. “Enigmática pelo que tem de premonitória da morte, pela incerteza do que o esperava, pelo acúmulo de incertezas que sua experiência de vida lhe deu como homem e, sobretudo, por sentir-se ceifado da vida tão prematuramente.”
Morte
Antes de morrer, Lins ainda deixou um romance incompleto, com cerca de 120 páginas, do qual o integralista Plínio Salgado (1895-1975) seria personagem. O texto foi interrompido para a produção de Domingo de Páscoa, como que num impulso do escritor.
Em 1982, Julieta entregou a novela para Ana Luiza Andrade, então na Universidade do Texas, em Austin, para ser traduzida para o inglês. A tradução, feita junto com o escritor norte-americano Fred P. Ellison, foi publicada no volume A South American trilogy, organizada por Luis Ramos Garcia.
“Quanto mais o tempo passa, mais essa narrativa se destaca por sua atualidade crítica quanto ao estado da cultura”, diz a organizadora da edição, que inclui texto de Julieta de Godoy Ladeira e traduções para o inglês e espanhol, além de comentários críticos.
Entre 1955 e 1978, Osman Lins publicou mais de 20 obras, entre romances, ensaios, contos e peças de teatro, entre os quais Lisbela e o Prisioneiro (1964), Nove, Novena(1966); e Avalovara (1973). Os direitos de sua obra pertencem hoje às três filhas, que autorizaram prontamente a publicação do novo título.
Célio YanoCiência Hoje On-line/ PR
Um comentário:
Adorei...é sempre bom ficarmos a par de historias como essas. Obrigada Farias!!
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