Se a vivência de um escritor serve de substância à sua obra, a da iraniana Azar Nafisi, 54, não para aí. Ela oferece – ou requer – algo mais. Pede uma posição política. E Azar não tem se furtado. Testemunha nada silenciosa dos acontecimentos operados pelo regime islâmico em seu país, retratados em obras como Lendo Lolita em Teerã: uma Memória em Livros (2003), a escritora, que se recusava a usar burca no Irã e hoje trabalha em uma universidade americana, publicou no último dia 25 um artigo contra o apedrejamento de Sakineh Mohammadi Ashtiani – a quem Lula prometeu oferecer asilo político neste sábado, 31.
Condenada à morte por, de acordo com as leis iranianas, ter cometido adultério – ela teria tido relações “ilícitas” com dois homens, coisa que nega – Sakineh tem sido causa de uma campanha internacional. A ação conta com a participação de Azar, que colabora para um site que já recebeu 114.000 assinaturas contra a execução e quer não apenas salvar Sakineh, mas questionar todo o tratamento concedido à mulher no Irã.
No artigo sobre Sakineh, publicado pelo jornal americano The Huffington Post, a escritora lembra o caso de outra mulher vítima das autoridades islâmicas iranianas. Neda Agha Soltan foi morta aos 27 anos, com um tiro no peito, enquanto protestava contra a fraude nas eleições presidenciais que reelegeram Mahmoud Ahmadinejad em junho de 2009. Ao contrário do que dizem os defensores do regime de Ahmadinejad, escreve Azar, Neda não estava pedindo que seu país adotasse padrões democráticos do Ocidente, e sim de seu próprio acervo.“Neda procurou um modelo não no Ocidente, mas no passado de seu país, no tempo da sua mãe, avó, bisavó, das mulheres que lutaram por seus direitos, de um Irã aberto e democrático, como foi a partir de meados do século XIX, mulheres que ajudaram a implantar a Revolução Cultural no começo do século XX, a primeira do tipo na Ásia.”
Um modelo que, vai concluir Azar ao final de seu artigo, não tem limites geográficos: ele é humano, como atesta a reação de pessoas de todo o mundo aos fatos ocorridos no Irã. “A reação das pessoas parte de uma empatia profunda, da percepção de que, não importa quão diferentes somos, nós, como seres humanos, compartilhamos o melhor e o pior, que quando nós imaginamos a condição de Sakineh ou ouvimos os apelos das suas corajosas crianças, nossos corações se partem, porque naquele momento não estamos pensando de modo político, nacional, religioso ou étnico. Tolerar tais atos brutais é se diminuir como ser humano.”
A própria diferença entre a jovem Neda, estudada e moderna, e Sakineh, de uma geração anterior, mais tradicional, é um indício de que as leis iranianas ferem a todos, sem distinção – exceto, é claro, aos que se submetem aos radicalismos do regime de Ahmadinejad. Hoje, há 12 mulheres e três homens condenados à morte por apedrejamento no Irã. Mas parece que, no que depender de Azar Nafisi, muito vai ser discutido antes que se atire a primeira pedra.
A discussão deve ter continuidade já na próxima sexta-feira, quando Azar participa, ao lado do israelense A. B. Yehoshua, da mesa “Promessas de um Velho Mundo”, na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).
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