por
Renato Terra
Fernanda Pinheiro se ajeita na cadeira, coloca os fones de ouvido e aperta o
play.
“Ouvi dizer que é uma superprodução”, anuncia. No computador à sua
frente, uma tela aberta no canto esquerdo mostra um navio sendo invadido
por piratas. O protagonista, vestido como Jack Sparrow, anuncia o
sequestro da embarcação.
Fernanda descreve tudo o que vê em uma planilha aberta no lado direito
da mesma tela. Suas unhas pintadas de preto passeiam lépidas pelo
teclado: “Cena em alto mar. Dentro de um navio, um casal conversa. Eles
se pegam. Sexo oral nela.” Ela aperta o
fast forward até o momento em que a moça retribui a carícia: “Nele também”, escreve.
Fast forward. Pause. “De ladinho.”
Correm na tela as cenas quentes de
Pirates, uma paródia pornô de
Piratas do Caribe. Devido ao recurso do
fast forward nas
sequências mais, digamos, repetitivas, a avaliação demora cerca de
quarenta minutos. “Eu acelero o filme nas cenas de sexo, mas vou parando
para ver se a mulher não está sofrendo, se o áudio continua bom”,
comenta Fernanda, uma carioca de 23 anos.
Ela estima ter visto mais de 74 mil horas de filmes eróticos em dois
anos e dez meses de trabalho. “Quando conto para meus amigos que
trabalho com filmes adultos, todo mundo fica supercurioso, quer saber se
visitamos as filmagens, como é a nossa rotina. Quando eu explico que
trabalho diante de uma planilha, eles ficam frustrados”, diz.
Fernanda, formada em jornalismo, e a colega Livia Ramos, que fez
publicidade, ocupam baias abertas, sem divisórias. As duas e a chefe
Marcela Leone cuidam dos filmes exibidos no Sexy Hot, o maior canal pago
de conteúdo adulto – o jargão eufemístico para pornô – da televisão por
assinatura brasileira. Na função há oito anos, Marcela, também
jornalista de formação, é a veterana do trio. Ela explicaque o domínio
feminino na bancada é caso pensado: “As mulheres lidam com mais
naturalidade com conteúdo adulto. A gente não se choca tanto, não fica
nervosa vendo os filmes.”
As produções estrangeiras chegam em pacotes definidos pela Playboy Latin
America, sócia do Sexy Hot, e cabe ao trio feminino cuidar do título e
da sinopse em português. Entre os conhecimentos específicos exigidos
está o domínio de siglas em inglês:
Double D para designar seios fartos, AZN para asiáticas e LEZ para cenas de lesbianismo. A expressão POV [
point of view] é usada para cenas de sexo gravadas a partir do ponto de vista de um dos atores, e Milf [
mothers I’d like to fuck] se refere a filmes com mulheres mais velhas.
Produtoras brasileiras também mandam filmes. Nesses casos, as moças
fazem uma triagem para ver se não têm cenas de violência, escatologia,
consumo de drogas, sexo coagido ou temas ligados à religião. Marcela
garante que os filmes brasileiros são os que fazem mais sucesso: “Porque
eles trazem fetiches mais possíveis: a mulher parece a vizinha do
espectador.” Livia vê diferença entre as cinematografias: “O filme
estrangeiro tem historinha, roteiro. O nacional tem mais sexo.”

uando
os filmes decupados atingem um volume considerável, a trinca recebe o
auxílio de Wilton Souza, responsável pela grade de programação. A equipe
se reúne para criar os títulos e as sinopses dos estrangeiros.
“Gostamos de fazer trocadilhos com filmes que já existem”, diz Fernanda,
citando, com orgulho,
De Quatro para o Futuro, de sua lavra. Na ponta da língua também está um filme,
Toy Stories, cujo protagonista era um vibrador.
Nas reuniões, Fernanda lê os resumos que fez e informa o título da
versão original. “Quando a gente traduz o fetiche que está exposto ali,
conseguimos o êxito”, explica Marcela. “A gente tem a preocupação de
colocar no título ou na sinopse quais são as práticas mostradas.” Como
as chamadas ficam abertas para todos os clientes da operadora – e não
apenas para os assinantes do canal – é preciso evitar palavrões.
Palavras como “latinas” e “bundas” costumam agradar ao público e servem
como muletas quando ninguém está muito inspirado. O filme campeão de
audiência do Sexy Hot, por exemplo, é brasileiro e atende pelo nome nada
sutil de
Show de Bundas. Casos como o de
Pirates entram automaticamente numa gaveta menos criativa: a regra é dar o título
Piratas do Caribe – A Paródia. A equipe tem a sensação de dever cumprido quando surgem grandes sacadas, como a de traduzir
Fill her Young Holes como
Metidinhas ou sugerir o título
Quem Tem Medo do Escuro para batizar um filme de sexo inter-racial.
As sinopses, em seguida, também são feitas em conjunto. Para
Aeromoças em Apuros,
por exemplo, criou-se a descrição: “Próximo voo com destino ao prazer
está pronto para o seu embarque. As aeromoças farão tudo o que pedirem.”
Em seguida, enumeram-se as modalidades sexuais praticadas. O processo
não impede o uso abundante de fórmulas requentadas: “Confira os
Flintstones de um jeito que você nunca viu. Eles gostam de sacanagem e provam que são mestres do prazer.”
A pequena sala onde as programadoras trabalham fica na Barra da Tijuca,
na Zona Oeste do Rio de Janeiro, no conjunto de edifícios que abriga a
Globosat, empresa com 60% de participação nos canais que funcionam sob a
marca Playboy – isso inclui, além do Sexy Hot, Playboy TV, Private,
Venus, Sextreme e For Man, este último para o público LGBT.
A decoração da sala é igual à de escritórios convencionais, com mesas e
computadores individuais. A diferença é que as duas enormes tevês
penduradas na parede estão ligadas em canais adultos (com o som
desligado). “Quando chega um motoboy para entregar comida, ele costuma
ficar sem graça”, conta Fernanda. Outro detalhe, mais discreto, jaz
pendurado na parede de sua baia. É um singelo bilhetinho escrito a mão:
“Fernanda, nunca desista dos seus sonhos. Um beijo da Bruna
Surfistinha.”