sexta-feira, novembro 01, 2013

DA ARTE DE FALAR BEM DE JOSÉ CHAGAS

Alguns anos atrás, ouvi por alto, aqui na Redação de O Estado, a desanimadora notícia de que o poeta José Chagas estava muito doente. Na verdade, "mais pra lá do que pra cá" - como dizia minha finada avó paterna, dona Maria José.
Nesse mesmo dia, como faço agora, aproveitei um intervalo mais longo no fluxo de páginas do jornal que precisavam ser revisadas e produzi um opúsculo que, longe de ser uma das tantas homenagens prestadas aos que estão ou já acessaram o andar de cima, celebrava a vida e a obra do mestre de "Os canhões do silêncio". No meu entendimento, gênios do nível de Chagas deveriam ser imortais. Não apenas em razão de ocuparem merecidamente um assento numa Academia de Letras.
Bem que eu gostaria de colocar aqui um trecho daquele texto. Creio que uma crise de imaturidade me levou a ignorar que a preservação dos originais de nossas obras é importante para a perpetuação da nossa memória no coração das gerações vindouras. Só uma pesquisa para salvar a peça do esquecimento. Cadê o ânimo para tanto?
Mas as lembranças do que aconteceu após a publicação na página de Opinião (graças ao bom Ademir, que sempre que pode me dá essa moral) foram deveras gratificantes. Antes de começar a trabalhar, recebi uma ligação do próprio poeta. Ele me disse, no melhor estilo Mark Twain, que os relatos sobre sua grave doença eram altamente exagerados. Assegurou-me que permaneceria no mundo dos vivos por um bom tempo e no fim da breve conversa telefônica me convidou para visitar sua nova residência, onde na segunda-feira, 28 de outubro deste ano, recebeu um grupo da Academia Maranhense de Letras. Ocasião na qual anunciou-se a republicação de "Colégio do Vento", que Chagas lançou ao público desta terra nos anos 1970.
Aceitei o convite para a visita e nunca fui lá. Eu poderia muito bem colocar a culpa por esse vacilo na vida. Todas as situações, acontecimentos, conflitos e conquistas ao longo da trajetória afastaram-me de realizar o propósito de bater um papo - por mais rápido que fosse - com um indivíduo que conhece do direito e pelo avesso uma arte que tento praticar com variados graus de sucesso. E também de insucessos, até porque muitos dos meus versos, natimortos, foram parar no cesto de lixo.
Para quem não conhece o trabalho poético de Chagas (ele também se dedicou à prosa, com igual brilhantismo), leiam esta passagem e vejam se não tenho razão em afirmar que ele é o cara: "Por entre flores e lodos,/ entre perfume e bodum,/ Deus semeia para todos,/ mas não para cada um.// Porque sempre há os que pensam/ que Deus é dúbio em seu dom,/ que Deus é castigo e bênção,/ e é tão ruim quanto bom".
Show de bola, não é não? Agora, apreciem os tercetos de "Soneto da manhã primeira: "Ah, a manhã da última promessa,/ manhã de um novo mundo que começa,/ mais acessível, mais humano e bom.// Meu Deus, seria como chegasse/ a manhã do primeiro sol que nasce,/ da cor primeira e do primeiro som".
Ou então vocês podem curtir ou retuitar esta homenagem a São Luís que o acolheu e o viu aceitar sua condição de Mestre Palavrador:
"É assim que a poesia se expande por todos os seus recantos. Há poesia no chão, no mar, nos sabiás, nas palmeiras, na brisa que sopra o seu carinho aos que chegam, na beleza dos pores do sol, tão cantada pelos poetas, sem esquecer que o nosso céu tem mais estrelas, como já afirmava o poeta maior, Gonçalves Dias. Mas não se pense que estamos numa ilha só de pura fantasia, rodeada de sonhos e de praias deslumbrantes. Ela nos mostra também a sua palpitante realidade, a sua outra face, o seu afã do dia a dia, no aprendizado de vida das novas gerações inspiradas nas lições de seus maiores. Nela há o trabalho da poesia, mas também há a poesia do trabalho, o que explica o seu compromisso com a criação e a criatividade, dois aspectos que sempre a colocaram na vanguarda dos movimentos culturais brasileiros".
Ao que tudo indica, estou me especializando em falar bem de José Chagas. Não tem o menor problema. Quem é o melhor no que faz merece ser aplaudido de pé.



Um comentário:

andré disse...

massa, seu Ney! Chagas é demais