quarta-feira, dezembro 26, 2007

Lá Fora




Na coluna "LÁ FORA", o Omelete lê e comenta todos os grandes lançamentos em quadrinhos nos Estados Unidos. Esta, porém, é uma edição especial, dedicada a apenas UM lançamento.


THE LEAGUE OF EXTRAORDINARY GENTLEMEN: THE BLACK DOSSIER

Demorou, e demorou muito, para sair o terceiro volume de aventuras da Liga Extraordinária. Anunciado lá fora em 2005, previsto para lançamento em 2006, chegou há pouco mais de um mês às comic shops da América do Norte – e só lá, porque problemas de direitos autorais emperraram sua publicação na Inglaterra por mais alguns meses.
Segundo Alan Moore, o roteiro está pronto há anos. Kevin O'Neill foi quem precisou de um tempo a mais nas páginas. Depois de pronta, a graphic novel ainda ficou mofando alguns meses nas mesas da DC/Wildstorm, que queria lançá-la perto do Natal.
Nesse meio tempo, houve toda a briga entre Moore e a DC quanto a V de Vingança – o que transformou The Black Dossier no último volume da Liga a sair pela editora. Os próximos (já existe um previsto para 2009) sairão pela Top Shelf, mesma casa de Lost Girls.
A demora também fez algumas promessas se perderem pelo caminho. O que mais faz falta é o vinil 45 rotações de que Moore tanto falou, em que ele reuniu amigos para tocar como uma banda dos anos 50. O pop-up (aquelas ilustrações com dobraduras que saltam das páginas em livros infantis) do submarino Nautilus também não veio. Ficaram apenas a seção em 3D (com óculos de brinde), a tijuana bible (uma HQ pornô inserida no meio da história) e algumas variações de papel dentro do volume. Correm rumores de que o vinil e o pop-up, entre outras coisas legais, deve vir na edição Absolute da obra – bem mais luxuosa e bem mais cara, prevista para junho.
Moore trata Black Dossier como um volume intermediário no meio das aventuras da Liga. O dossiê do título conta a história de todas as equipes de heróis fantásticos através dos séculos. A história se passa em 1958, quando Mina Murray e Allan Quartermain – rejuvenescidos (para entender, leia atentamente os textos extras do volume 2) – conseguem recuperar o livro da inteligência britânica, o que leva a uma perseguição por toda a Inglaterra. Em intervalos da história podemos ler todas as páginas do dossiê: há um "roteiro inacabado e perdido" de Shakespeare, romances ilustrados, postais, trechos de livros que não existem, uma aventura dos pulps...
A questão é que, se você não é um inglês de uns 50 anos que conhece todo o cânone literário ocidental e toda a literatura européia do século XIX para cá – como Moore – só lhe resta entender uns 20% da história. Enquanto nos primeiros volumes era possível pegar a maioria das referências aos heróis fantásticos, neste último é bom você ter lido Virginia Woolf (Orlando), George Orwell (1984), Thomas Pynchon (O Leilão do Lote 49), Ian Fleming (as histórias de 007), John Cleland (Fanny Hill), Evelyn Waugh (Furo!), Jack Kerouac, J.G. Ballard e a obra completa de William Shakespeare, entre outros. Ah, também ajuda ter um bom conhecimento de cinema, teatro, programas de rádio e literatura infantil inglesa da primeira metade do século XX.
A absurda quantidade de referências pode ser analisada pelo tamanho do guia que o fã Jess Nevins criou, junto a alguns colaboradores. Outros resenhistas já apontaram que é impossível ler a obra sem ter o guia do lado.
Os 20% que eu mencionei, porém, valem a pena. É Alan Moore: cada quadro tem o ângulo certo, cada personagem tem caracterização inabalável, cada mudança de ritmo na narrativa parece ser meticulosamente calculada. O escritor tem o domínio total da técnica dos quadrinhos, e ainda se mete a brincar com diversos estilos literários nas páginas de texto. O homem pode tudo.
Provavelmente seja intenção dele criar uma edição que seja quase incompreensível sem um guia. E, portanto, que mereça mais umas duas ou três leituras. São poucos os criadores – seja de quadrinhos, livros, filmes etc. – que se preocupam em criar uma experiência como esta para os fãs, e de uma forma tão empolgante como é A Liga Extraordinária. É por isso que a gente sempre tem que repetir: Alan Moore é um gênio.
P.S.: Impossível não pensar, enquanto você lê a obra, quem e como vai traduzir tudo isso para o lançamento nacional? Se entender já é um trabalho de fôlego, traduzir é algo que talvez nem o Millôr Fernandes (tradutor de Shakespeare) encararia. Além disso: Black Dossier não vai sair pela Pixel, que tem os direitos sobre todo o material DC/Wildstorm. Ainda estamos aguardando informações da Devir – que publicou os dois primeiros volumes da Liga – quanto a seu interesse e, quem sabe, até já com uma data de lançamento.

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