sexta-feira, março 27, 2009

Bravo, Academia!

O 13 de março deste ano caiu justamente em uma sexta-feira. Caso fosse uma criatura supersticiosa, José Carlos Sousa Silva assumiria em outra data a cadeira 33 da Academia Maranhense de Letras. No entanto, alguém que coleciona corujas desde os 16 anos definitivamente não teme influências sobrenaturais no destino dos homens.

“Cumpre-me esclarecer-vos” - anotou Josué Montello em seu discurso de posse na Academia Brasileira -, “no início deste exame de consciência, que, se me faltam os motivos para dizer que em verdade mereço a honra de pertencer a esta Academia, por outro lado não me assistem razões, ante a consagração dos sufrágios recebidos, para imitar aqueles penitentes da Idade Média que vinham para a porta das igrejas apinhadas de povo e confessavam aos gritos os seus pecados”.

Acredito que o advogado, jornalista e professor universitário José Carlos (se o mesmo por acaso permitir este tratamento coloquial de quem não faz parte de seu círculo de amizades) não iria para a porta das igrejas berrar as próprias falhas. Na verdade, contaria para os que estivessem dispostos a ouvi-lo uma autobiografia repleta, da primeira à última linha, de lutas e superação. Porque neste país abençoado por Deus e bonito por natureza a ascensão social é uma tarefa árdua e cheia de espinhos. Está aí Gonçalves Dias, que não me deixa mentir com sua Canção do tamoio: “Não chores, meu filho;/ Não chores, que a vida/ É luta renhida:/ Viver é lutar./ A vida é combate,/ que os fracos abate,/ Que os fortes, os bravos/ Só pode exaltar”.

E José Carlos soube combater o bom combate. Na sexta-feira, enquanto caminhava pelo salão nobre da AML, recebendo os merecidos aplausos afetuosos, com certeza retornou à sua infância em Pau d’Água, seguindo o pai pela roça, até ouvir dele esta pergunta, a princípio casual: “Está gostando?” E o menino: “Sim”. O pai deve ter movido a cabeça para os lados, em um franco gesto de desagrado. “Mas eu não estou gostando”, disse seu Raimundo Nonato. “Não quero para você o que eu sou. Estou aqui porque errei o caminho. Quero que você vá para a cidade estudar para ser doutor”. Muitos anos depois, ao ler seu discurso de posse para a platéia numerosa e interessada, o novo imortal muito provavelmente reconheceu, de coração iluminado, ter obedecido à mais importante das determinações de seu pai.

Passo novamente a palavra a Josué Montello, agora em seu Diário da manhã (1984). Na passagem de 5 de julho de 1956, ele observa que, nas sessões ordinárias, notou um “pendor permanente para fazer da morte o tema eletivo da Academia”. E informa que a ABL aceitou um “legado fúnebre”, o do doutor Gastão da França Amaral, que deixara para a Academia, por testamento, uma casa em Copacabana, com a condição de que a instituição estabelecesse um prêmio de dez mil cruzeiros, “destinado ao melhor estudo filosófico sobre a morte”.

E, solicitando a José Carlos reflexão a respeito, aqui vai o reparo seguinte do grande romancista: “Ora, a Academia, pelos seus estatutos, tem dois objetivos básicos: a cultura da língua e da literatura nacional. Ou seja: as boas letras, no sentido de prestigiá-las e ampará-las, e a disciplina gráfica e conceptual da língua. Mas como obra sua. Com a cooperação sistemática das sucessivas gerações acadêmicas, tal como fazem a Academia Francesa e a Real Academia Espanhola”. Logo, aumenta a responsabilidade do recém-chegado à AML de contribuir, dentro de suas possibilidades, para o desenvolvimento da cultura nacional.

Para encerrar, aplausos para a Academia Maranhense pela eleição de José Carlos Sousa Silva. Ao novo imortal, um pequeno reparo particular, pessoal e intransferível. Você e eu temos a mesma opinião a respeito do que significa um jornal. É, de fato, uma escola especial, porque nele se aprende a escrever. Também concordo que, para que tenhamos a perfeita consciência da comunidade em que vivemos, devemos comprar um jornal. Ou, como no meu caso, recebê-lo logo depois de impresso, a caminho da Kombi da meia-noite.

O novo acadêmico trabalhou como revisor no “Jornal do Dia”. A mesma tarefa que tento realizar, talvez não com a mesma competência, em “O Estado” - sucessor do primeiro diário. Estará a Academia também em meu futuro? Quem sabe? A sorte está lançada. Ainda estamos vivos. Deus tem planos para cada um de nós. Compreendo que José Carlos realizou a maioria desses projetos. Com distinção e louvor.

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