sexta-feira, março 19, 2010

Os "Cahiers du Cinéma" trouxeram na edição de janeiro os dez mais dos anos 00.

BLOG DO INÁCIO ARAÚJO

Os "Cahiers du Cinéma" trouxeram na edição de janeiro os dez mais dos anos 00.

São os seguintes:

1. Cidade dos Sonhos - David Lynch
2. Elefante - Gus Van Sant
3. Mal dos Trópicos - Apichatpong Weerasethakul
4. O Hospedeiro - Bong Joon-ho
5. Marcas da Violência - David Cronenberg
6. O Segredo do Grão - Abdellatif Kechiche
7. Além dos Trilhos - Wang Bing
8. A Guerra dos Mundos - Steven Spielberg
9 O Novo Mundo - Terrence Malick
10. Ten - Abbas Kiarostami

É claro que toda eleição envolvendo várias cabeças fica com um jeito meio de Frankenstein, isso é normal.

Mas a eleição deste ano me parece mais interessante por vários motivos.

O primeiro deles é a progressiva perda de influência dos Cahiers.

Que, antes de ser perda de influência dos Cahiers, significa perda de influência da crítica.

Voltaremos a falar disso, claro.

Mas existe uma situação particular: os Cahiers foram comprados pelo Le Monde há alguns anos e parece que desde então o objetivo era promover uma aproximação com um público maior.

De concreto, fizeram um projeto gráfico horrível, parecido com Première, e deram a direção ao Jean-Michel Frodon. Com ele, o Cahiers virou uma revista quase pessoal. Há números em que ele escrevia metade dos textos. Mas não propunham nenhuma aproximação com um público mais amplo, a não ser quando traziam alguns autores clássicos da revista para escrever, tipo Douchet ou Luc Moullet.

A revista acabou vendida e passou a ter Stephane Délorme como novo diretor de redação.

Essa mudança trouxe, me parece, certa instabilidade. De repente você tromba com Judd Apatow e, ao lado, Apichatpong W., Kiarostami e Spielberg.

Não que vários desses, em diversos momentos, não possam estar próximos ou lado a lado. Mas neste momento preciso tenho a impressão de que há uma espécie de ecletismo dominando a equipe, como se não soubesse para que lado ir, como se duas ou três correntes se engalfinhassem ali.

Não sei, seria preciso ver em detalhe os votos para concluir alguma coisa.

Mas a minha impressão inicial é de que o cinema, hoje, é que tem várias direções a seguir.

Elas podem variar do blockbuster, portanto cinema para massa (Spielberg) à negação disso (David Lynch). Pode invadir territórios antes desconhecidos (a Ásia) ou retornar à França dos Lumière.

Só uma coisa certa: a utopia que norteou os grandes anos dos Cahiers, ali os 1950 e 1960, ruiu.

A idéia de uma arte ao mesmo tempo industrial e de vanguarda, sintética, aberta ao entendimento coletivo desmontou-se.

Como se viu na Bienal (não na última, mas na penúltima, da Lisette Lagnado), uma parte do cinema tende às artes plásticas (e vide-versa).

Parece o caminho do Kiarostami (sobretudo em "Five").

Outra parte vai cada vez mais se empenhar no caminho do espetáculo caro, para grandes massas, impulsionado por forte movimento de marketing.

Há outros, inclusive os dinossauros tipo Resnais ou Clint Eastwood.

Ou os refratários, tipo Lynch ou Cronenberg.

De todo modo, me chamou a atenção que, asiáticos à parte, são veteranos que dominam a lista.
É como se o cinema estivesse esquizofrênico. Não é a arte popular dos anos 40 ou 50, não é a vanguarda, dos 50, 60 ou 70.

Ou o repique dela, a seguir, no De Palma, ou a exploração particular de caminhos já abertos etc.
Ao mesmo tempo, existe uma invasão tecnológica não inteiramente dominada. No som, na imagem, no 3D, na computação gráfica, na montagem digital: vem de todas as partes.

O cinema tem hoje várias cabeças. Me parece que os Cahiers atuais não estão fora de sintonia. Eles refletem este momento.

Sobretudo, pensando um pouco mais no "Ilha do Medo", me parece um filme em que essas questões são arguidas com paixão (e, talvez, algum desconsolo).

Mas isso está ficando grande. Se achar que faz sentido essa última observação, tentarei desenvolver algo em breve.

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