quarta-feira, novembro 24, 2010

Mistérios papais

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Cabe encarar de uma respeitosa distância a afirmação do papa Bento 16 segundo a qual o uso de preservativos poderia, em casos extremos, ser aceitável pela doutrina católica como forma de evitar o contágio pelo vírus da Aids.

De uma perspectiva leiga -à qual soma-se na prática a atitude de muitos católicos-, a questão do uso da camisinha constitui, há muito, tema incontroverso.

Mesmo para experimentados vaticanólogos, persistem dúvidas sobre se as últimas declarações papais representariam o sinal para uma mudança mais ampla de perspectivas sobre a questão, ou se apenas reafirmam, a partir de uma hipótese muito particular, teses já estabelecidas pela igreja.

Na entrevista que deu origem ao noticiário recente, Bento 16 raciocinou que, num caso muito específico -o de um profissional do sexo soropositivo-, a decisão de usar preservativos para não contaminar o cliente seria, mesmo em se considerando o caráter nada ortodoxo da situação, sinal de alguma consideração ética; preferível, portanto, à da hipótese em que a camisinha não fosse utilizada.

Como se vê, a argumentação papal não é absolutamente destituída de lógica, embora possa significar pouca coisa de um ponto de vista doutrinário mais geral.

Especialistas no assunto poderiam, certamente, imaginar diversas outras situações que, embora pecaminosas no seu contexto, fariam preferível, do ponto de vista ético, o uso da camisinha.

Especulações dessa ordem não provocariam rebuliço, entretanto, se a questão da camisinha não tivesse recebido tanta atenção, por uma mistura de dogmatismo e de infelicidade comunicacional, por parte do clero.

Que se insista nos valores familiares, na crítica à banalização do amor físico, ou na lembrança de que nem tudo na vida humana se deva reduzir ao mero prazer carnal: pode-se entender, concordando ou não, a mensagem de um líder religioso quando exposta em tal nível de generalidade.

Que a casuística, a mecânica, a dinâmica, a contingência, a teoria, a prática e a teologia da camisinha tenham se transformado em assunto papal, eis entretanto o que continua a ser um mistério -e a entrevista de Bento 16 não fez muito para dissipá-lo.

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