terça-feira, abril 02, 2013

Dos cadernos de Paulo Mendes Campos


Por Elvia Bezerra



O momento é de festejar a prosa de Paulo Mendes Campos, de volta às prateleiras nas recentes edições de O amor acaba e O mais estranho dos países (o último reúne Brasil, brasileiro e Murais de Vinicius e outros perfis). Os dois livros que a Companhia das Letras acaba de reeditar mantêm a organização temática concebida por Flávio Pinheiro,  lançada pela Civilização Brasileira na década de 2000.
Não é por se louvar a prosa do cronista mineiro que se pode esquecer o poeta que ele é. Tampouco subestimar o tradutor que emerge dos 55 cadernos conservados em seu arquivo, no Instituto Moreira Salles. “Traduzir é o meu jeito de descansar carregando pedras”, escreveu ele em um desses cadernos. É só folhear um outro, o caderno 20, e vê-se o quanto ele trabalhou ao passar para o português os famosos versos da “Chanson d’automne”, de Verlaine, poeta a que se dedicou mais de uma vez. São algumas páginas em que se observam muitas idas e vindas, muitas rasuras, até que a composição, cujos primeiros versos,

             Les sanglots longs
             Des violons
             De l’automne
             Blessent mon coeur
             D’une langueur
                      Monotone

             em português, ficassem assim:  

             Os longos trinos
             dos violinos
                      do outono
             ferem minh’alma
             com uma calma
                      que dá sono.


Muito diferente da opção de Onestaldo de Pennafort, que preferiu manter o efeito de assonância do original:

             Os longos sons
             dos violões,
                      pelo outono,
              me enchem de dor
             e de um langor
                      de abandono.


Primeiramente Paulo publicou o poema na Manchete de 28 de março de 1964, com mais dois, um de Paul Eluard e outro de Jacques Prévert, sob o título “Três poemas franceses”. A revista errou quando estampou a “Canção” sob o título de “Arieta”, também de Verlaine, igualmente traduzido por Paulo e reproduzido no mesmo periódico, em outra data. Quando lançou Trinca de copas, em 1984, ele incluiu a “Canção”, dessa vez com o título correto e na versão definitiva.
Não se pretende aqui comparar traduções, e sim mostrar, a partir de páginas dos cadernos que se reproduzem a seguir, como Paulo Mendes Campos carregava pedras durante o processo de verter para o português os versos de um de seus poetas mais amados. Descansava? O que se vê nas incontáveis formas que ele experimentava é um esforço disciplinado em busca da expressão que o contentasse. E esta podia ser muito diferente, como já se mostrou, da de seu colega de ofício. Assim como difere das soluções encontradas por Guilherme de Almeida, mais um dos que não resistiram ao desafio de traduzir o popular poema de Verlaine.
Outro poema que mereceu pacientes estudos de Paulo Mendes Campos foi “Walcourt”, publicado depois na seção “Poeta do Dia” do Diário da Tarde. O exercício de tradução para chegar à forma final ocupa outras tantas páginas do caderno. “Walcourt” integra a seção “Paysages belgiques” e não “Paysages tristes”, como a “Chanson d’Automne”, ambas dos Poèmes saturniens.
Sem ter como objetivo comparar traduções, não é possível ignorar a inocência e uma certa distância que emanam dos versos de “Walcourt”, na tradução de Pennafort:

             Telhas, ladrilhos,
             que encantadores
             esconderilhos
             para uns amores!


Paulo tornou-os mais ardentes e objetivos quando optou por:

             Tijolos, telhas,
             ó fascinantes
             esconderijos
             para os amantes!


Como é próprio do ofício, não eram poucas nem leves as pedras que o tradutor carregava. É o que revelam as páginas a seguir:
Elvia Bezerra é coordenadora de literatura do IMS.

Nenhum comentário: