segunda-feira, julho 21, 2008

Você sabe quem morou aqui?

Sobrado onde Machado de Assis viveu em 1874 será tombado como patrimônio histórico

Das lendas que cercam Machado de Assis, uma explica o epíteto Bruxo do Cosme Velho: de tanto queimar manuscritos rejeitados numa caldeirinha, os vizinhos, estranhando o hábito, começaram a chamá-lo dessa maneira. Pegou. Bruxo do Cosme Velho também era uma forma de fazer alusão a sua prestidigitação, arte de enganar leitores e críticos com a sofisticação do talento. E o Bruxo até hoje apronta das suas. O último feitiço póstumo de Machado foi enganar os próprios biógrafos. Ao contrário do que se lamentava, nem todas as moradas do escritor foram postas abaixo. O sobrado em que viveu com a mulher Carolina na Rua da Lapa, 96 – durante o ano de 1874, antes de mudar-se para o Cosme Velho – continua de pé. O imóvel acabou de ser incluído no Decreto Municipal do Corredor Cultural e será tombado como patrimônio histórico municipal.
Completamente depredado, com a fachada pichada e a fiação elétrica clandestina escondendo os detalhes do estilo neoclássico, o casarão – que antes abrigava apenas um morador no primeiro andar e o casal Machado de Assis e Carolina no segundo – hoje é espremido por pelo menos 15 famílias, com pouco mais de 10 metros quadrados para cada. Difícil imaginar que foi ali que Machado concebeu um romance sobre a burguesia ascendente da época, A mão e a luva, publicado em capítulos na imprensa.
– Aqui está mais para O cortiço, de Aluísio de Azevedo – comparou um dos moradores atuais, o professor de português e inglês Anderson Clay Sampaio, de 31 anos, surpreso ao saber que mora na antiga residência do escritor.
A referência faz sentido. Até um andar intermediário – o popular puxadinho – foi construído em passado recente, entre o vão de um piso e outro, para acomodar mais gente. Além de Anderson, pagam o aluguel mensal de R$ 200 funcionários públicos, donas de casa, camelôs e travestis. Mais Brasil, impossível.
Só agora, 100 anos depois da morte do escritor, matou-se a charada histórica – ou o feitiço póstumo, vá saber! – que deixou a ilustre morada olvidada tanto tempo. Técnicos da Secretaria de Patrimônio Histórico descobriram que as reformas urbanas do século 20 alteraram a numeração da região da Rua do Riachuelo, da qual faz parte a Rua da Lapa. Assim, o antigo número 96 virou o atual 264, e foi ignorado pelas biografias do escritor. Que, vivo fosse, provavelmente transformaria em mais uma obra-prima o romance realista e decadente que virou a sua Lapa...

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