segunda-feira, setembro 08, 2008

Noite em São Luís

“Ainda uma vez adeus!...”. Eduardo não pensou que poderia voltar a esta terra. Partiu prometendo voltar, mas no peito a certeza de que não seria assim. Cinco anos se passaram, ele mudou, a cidade mudou... Para melhor, poderia afirmar.
Estava sentado à sombra da estátua do grande poeta maranhense, na Praça Gonçalves Dias. À sua frente, o encontro dos rios Bacanga e Anil com o mar. Logo depois da ponte José Sarney, a cidade dos edifícios, como ele gostava de chamar aquele lado de São Luis. No entanto, preferia o lado de cá. Com seus casarões testemunhando uma época de glórias, de sonhos. Era que passou, e cujos testemunhos erguiam-se e sobreviviam bravamente ao tempo, ao clima, ao descaso. Cada paralelepípedo, cada beco, cada azulejo tinham um sabor de nostalgia.
Consultou o relógio. Meia hora e a tarde se despediria. Sorriu consigo mesmo. Sexta à noite, Centro Histórico... Em sua adolescência, na primeira noite de “excursão” em São Luís passou por um grande sufoco... Estava com três colegas da escola. Queriam lhe apresentar sua cidade. Andaram por museus e ruas. Racharam os trocados que tinham nos bolsos e compraram sorvetes. Um guia turístico levava um grupo de franceses. Ele ficou ouvindo, achou bonito o sotaque dos turistas. Muito admirado contemplou a arquitetura neoclássica do Palácio dos Leões.
Uma decepção que tivera foi com o aspecto de decadência e as ruínas que encontrou durante o passeio. Se as coisas permanecessem assim, o maior acervo arquitetônico histórico da América Latina não resistiria. E o que seria de São Luís sem a sua alma? Onde dançariam aquelas mulheres do tambor de crioula, ou os dançantes de bumba-meu-boi?
Ficaram ali, na Praça da Seresta. Um auto de São João estava sendo apresentado aos turistas. Seus colegas queriam ir embora. No entanto, ele ficou. Como poderiam enfadar-se num palco daqueles, com aqueles lampiões tingindo as calçadas com aquele amarelo ouro envelhecido, como podiam ignorar não valorizar o que tinham? E a noite caía suave. O Reviver parecia ganhar mais vida. As pessoas se reuniam nos terraços dos bares, nas praças... Quando o cansaço o venceu, Eduardo consultou o relógio, já passava das dez da noite. Sua mãe estaria histérica em casa, ele não conhecia São Luis, provavelmente ela já havia contatado a polícia! Sorriu satisfeito, a pequena aventura valeria a bronca que escutaria antes mesmo de pisar dentro de casa.
Pegou o caminho da rua da Estrela e saiu, tentando lembrar qual rua ou beco deveria seguir para chegar ao Mercado Central e pegar a condução para casa. Tinha certeza de que errara o percurso. Chegou a um trecho onde os lampiões não tinham luz. Na escuridão iria se perder de verdade! Refez os passos, ainda não tinha perdido o controle! Voltou por onde viera. Começava a suar frio. Era mesmo um maricas! Onde já se viu, tremer assim?! Não sabia por que se sentia tão amedrontado. Não fazia sentido!
De repente, parou. Tinha certeza de que ouvira um gemido alto, cascos de cavalos sobre as pedras da rua. Não! Era um grito! O som parecia cada vez mais perto. Ele quis correr, mas estava paralisado! O som se aproximava. Era um grito de agonia. Anos de dor traduzidos naquele som terrível. Eduardo fechou os olhos. Sentiu o vulto passar por ele. Então, a curiosidade venceu o medo. Abriu apenas um olho. Parecia uma carruagem. Dentro dela, uma mulher de aspecto tão medonho o levou a molhar as calças. Quis gritar, mas nenhum som saiu de sua garganta. Tinha certeza de que morrera e logo veria o “grande túnel”.
Noites a fio as imagens daquela mulher e sua condução assombraram seus sonhos. Mais tarde, soube ser a carruagem de Ana Jansen. Era o segredo que guardava consigo. Preferia acreditar que ouvira aquela estória, sim uma estória, em algum lugar. Protestava, afirmando que fora um surto num momento inusitado, quando cercado pelo medo e solidão.
Partiu para Recife cinco anos depois do episódio. Estava com vinte anos. Mas deixou um elo na cidade. Sua namorada ainda estudava e vivia com os pais. Eduardo tinha mais oportunidades fora do Maranhão e partiu, afirmara que só por um tempo. Foi ali naquela praça que se encontraram pela última vez. Ela chorava e apesar dele dizer que ligaria e escreveria sempre, Paula não acreditava. Dizia que era o “adeus”. Ela amava o poema que Gonçalves Dias fez para Ana Amélia e falou que, se um dia esbarrasse nele, não fingiria que era um desconhecido, que ele prometesse fazer o mesmo, nunca se esquecesse dela. O “adeus” não durasse para sempre. Mesmo assim, combinaram que em cinco anos estariam ali de volta.
A cidade, agora tingida pelo cinza azulado da noite e pontilhos luminosos, parecia bater-lhe amigavelmente no ombro. Paula. Foi ela que o havia esquecido e ele não havia deixado de querê-la. Ergueu o rosto e contemplou a estátua. “Não se morre de amor, meu poeta , mas se sofre muito”. Ainda esperou alguns minutos, a esperança dissolvendo-se como fumaça no vento. Então, quando resolveu ir embora, duas mãos pequenas e macias vendaram seus olhos. Uma voz vagamente familiar sussurrou no seu ouvido: “Vivi, pois Deus me guardava para este lugar e hora/ depois de tanto, senhor / ver-te e falar-te outra vez...”.
E quem disse que um homem não pode ser um tolo, às vezes?! Sentia-se um Gonçalves Dias realizado, pois tinha finalmente seu “quinhão de alegria”. Era o seu outro segredo, confessado apenas a esta cidade, esta Ilha de Amores.

Helayne Xavier Brás
Aluna do curso de Letras da UFMA

2 comentários:

Unknown disse...

Sim...deixei
mas acho q nao achou né. Era sobre um presente que ganhei, mais de 60 páginas de poemas de José Chagas que não foram publicados. Tava lá na casa dele organizado e ele me deu
Morreu de inveja?

elenmateus disse...

Obrigada pela visita ao blog, que tá paradaço, reconheço, tô sem tempo pra ele...

pretendo voltar a postar em breve, quando me desagoniar das leituras da mono (ah, tem mais dois empregos, mais projetos pra desenvolver, mais apresentaçoes de canto coral, mais... vixi, que agonia.)

enfim, fica de olho. inté.