quarta-feira, setembro 03, 2008

A solitária poesia simples de Camelo

Marcelo Camelo lançará seu CD solo segunda-feira próxima, mas músicas já estão disponíveis na internet

André Sales
Editor de capa de O Estado

Lúcido. Tranqüilo. Sem preocupações. Marcelo Camelo, ex-vocalista dos Los Hermanos, dono de uma voz modesta, compensada pela boa afinação e pelo profundo apuro musical, marcou o lançamento de seu primeiro álbum solo para segunda-feira próxima. Sou pode ser considerado um presente para os desolados fãs e seguidores dos barbudos Los Hermanos, que assistiram alguns atônitos, outros conformados, o grupo desmontar-se em abril do ano passado para um tal tempo, a ser aproveitado em produções diferentes. Separadas.
Com o lirismo de versos simples, já existente em muitas de suas canções gravadas pela banda, Marcelo Camelo gravou 11 faixas bem criativas no disco. Marcha de Carnaval. Beach music. Samba. Baião. Jazz. Folk. Até axé music. O que pode insatisfazer a galera da restrição, da música originalmente fechada, do ódio à moda. As reações devem ser das mais diversas, tal como a obra. Existem os que desgostam mas respeitam o nome do artista, os inquisitores, os defensores sem personalidade e os que aguardam a confusão se armar na praia com o mp3 player no ouvido.
“É de imaginar bobagem...” é o verso que complementa a semi-instrumental Téo e a Gaivota, carregada de efeitos misturados, como riffs de guitarra eletroacústica, mergulhos em sons ambientes com uma levada praieira/havaiana, tal como as composições sobre o mar do disco 4 do Los Hermanos. Outras canções muito bem interpretadas e mais animadas são Copacabana, Menina Bordada e Vida Doce. Parecem jogos, com a percussão dinâmica e poemas de primeira.
Em algumas faixas, o compositor une-se a parceiros, além da banda Hurtmold, que toca na maioria das composições. Uma delas já revoltou muitos fãs em fóruns na web: Mallu Magalhães. Porém quem já gravou com Sandy e Júnior, há muito tempo já derrubou a casa. Engraçado para mim é simplesmente considerar uma das melhores músicas do disco exatamente aquela com a participação da garota: Janta. Na canção de letra romântica, trabalhada sobre uma batida folk, Mallu e Marcelo cantam em inglês e português com vozes pontuais. “Eu quis te conhecer, mas tenho que aceitar, caberá ao nosso amor o eterno ou o não dá”.
O disco solo de Marcelo mostra a sua doce solidão sem a banda e apresentam o cantor como bom poeta e músico perfeccionista. De solos violões e bons arpejos ao som metálico da safona, o cantor cria canções com ritmo universal, contudo carregadas de memória, o que destrói todas as argumentações de possíveis críticas afetadas. De defensores desajeitados de regionalismos aos grandes puristas comedores de lentilha musical.
Apesar de comparações a antigos trabalhos, ali, quieto e calmo, sem muitas explosões, em produção independente, a música solo do cantor surge viva para o mundo. As reflexões das letras são palpáveis e a preocupação maior é com a evolução sonora. No disco, a poesia sem rimas fenomenais assusta pelo uso tão perfeito de muitas expressões que poderiam ser banidas, de “clichezinhos” tão bem adaptados à canção. Sem perceber, o disco roda uma, duas, três vezes e a vontade de parar é motivada apenas pelo resquício da tristeza do poeta frente à necessidade de garantir a grana diária. Coros, metais e o mar são vozes. Já o compararam ao falecido Dorival Caymmi.
Antes do lançamento, na semana passada, Camelo já havia disponibilizado em seu my space (www.myspace.com/marcelocamelo) parte do álbum. Ouvir também com a maior atenção as canções Mais Tarde e Liberdade. “É Deus, parece que vai ser nós dois, até o final”. Difícil esconder a boa impressão deixada por outras músicas do compositor. Os verdadeiros fãs do cantor são bons ruminadores. Vale ouvir com a namorada, com a mãe, com os amigos em uma noite calma ou com o cachorro.

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