segunda-feira, setembro 22, 2008

Rigor na imprecisão

Em A Volta do Parafuso, o inglês Henry James faz questão de não desvendar os personagens

Felipe Fortuna, de Londres

Pergunte a um estudante educado em língua inglesa como classifica a novela mais famosa de Henry James, A Volta do Parafuso (1898), e a resposta poderá ser "história de terror", ou "drama psicológico". Insista um pouco mais, e outras classificações poderão surgir: "alegoria vitoriana", "narrativa do recalque". A imprecisão é proposital: Henry James escreve com zelo, mas poucas vezes revela ao leitor os segredos que cada um dos personagens guarda. Sua narrativa, por isso, confunde e desvia a atenção, e quase sempre sonega informações, e força o leitor a se sentir parte de uma situação estranha e mesmo desconfortável. A jovem governanta, que narra a história passada no interior da Inglaterra e é personagem central da novela, pode ser considerada respeitosa e reprimida, ou ainda doentia e louca. Responsável pelo bom comportamento de um casal de crianças, Flora e Miles, ela admira a beleza e o talento de cada uma delas, ao mesmo tempo em que vê ameaças e pressente situações sobrenaturais. Um dos enigmas do livro consiste em saber, justamente, se a governanta é vítima de uma conspiração de fantasmas ou se ela de fato projeta seus desejos sexuais de modo alucinatório (assim, o escritor estaria criticando a moral vitoriana, que via em muitos empregados a possibilidade de desvios de conduta).
Obviamente, ninguém obteria de Henry James uma classificação tão precisa quanto a solicitada a um estudante educado em língua inglesa. Porém, alguns intérpretes começaram a divagar, tocados por teorias freudianas, sobre a possibilidade de a governanta de A Volta do Parafuso ser uma louca, ou pelo menos uma pessoa tomada pela esquizofrenia, e sexualmente reprimida. O ensaio que consolidou essa interpretação se intitula "A Ambigüidade de Henry James", de Edmund Wilson, publicado no livro The Triple Thinkers (1938). O crítico americano examina, como um detetive, as passagens em que a governanta vê os fantasmas e o modo como vai espalhando terror nas crianças. Da trama em que relata a aparição de duas aparições que, quando vivas, teriam tido um caso amoroso, Edmund Wilson comenta a incapacidade de a governanta abandonar seu emprego: "Ela agora está aparentemente apaixonada pelo menino".
A tradução de Chico Lopes, na edição bilíngüe, consegue transmitir as sentenças longas e repletas de minúcias. Tem ainda o mérito de restituir, em português, o título A Volta do Parafuso, e não A Outra Volta do Parafuso, como se lia na tradução de Leônidas de Carvalho e Brenno Silveira, que talvez assim pretendessem eliminar uma ridícula equivalência da palavra "volta" com a palavra "retorno" (talvez a melhor opção fosse A Torção do Parafuso). Seja como for, a nova edição corrige algumas imperfeições, como a de traduzir "a couple of very bad days" por "dois dias (...) muito maus", o que é uma solução bem inferior a "alguns dias muito difíceis", da atual edição. Com revisões assim, ganha o leitor, que só ficará assombrado com o enredo.

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