sábado, fevereiro 05, 2011

A BALADA DO VELHO MARINHEIRO

SAMUEL TAYLOR COLERIDGE

Como um Navio, tendo atravessado o Equador, foi impelido por tempestades à fria Terra a caminho do Pólo Sul; e como de lá fez seu trajeto para a Latitude tropical do Grande Oceano Pacífico; e das coisas estranhas que aconteceram; e de que modo o Velho Marinheiro retornou a seu próprio País.

Um velho marinheiro encontra três Galantes convidados a uma festa nupcial, e detém um.
O convidado Nupcial é enfeitiçado pelo olhar do velho homem do mar, e é obrigado a ouvir sua história.
O Marinheiro conta como o navio velejou para o sul com vento favorável e bom tempo, até alcançar o Equador.
O convidado ouve a música nupcial, mas o Marinheiro continua sua narrativa.
O navio impelido por uma tempestade rumo ao pólo sul.
A terra do gelo e de sons terríveis onde nenhum ser vivo se podia ver.
Até que uma grande ave marinha, chamada Albatroz, veio entre a névoa, e foi recebida com grande alegria e hospitalidade.
E eis que o Albatroz se revela uma ave de bom augúrio, e segue o navio em seu retorno para o norte em meio à neblina e ao gelo flutuante.
O Velho Marinheiro inospitaleiramente mata a ave de bom augúrio.


PARTE I

É um velho Marinheiro,
E detém um, de três que vê:
- "Por tua barba branca e cintilante olhar,
Tu me deténs por quê?

Agora o noivo escancarou as suas portas,
E eu sou seu familiar.
O comensal se apresta, principia a festa;
Ouve o alegre exultar."

Com a escarnada mão ele o detém ainda;
"Houve um navio..."lhe disse.
"Solta-me! Solta-me barbado vagabundo!"
Deixou que a mão caísse.

Com o olho cintilante ele o detém agora...
E, quieto, o Convidado
Fica a escutar, como criança de três anos,
Pelo outro dominado.

O convidado vai sentar-se numa pedra:
Vê-se forçado a ouvir;
E sua fala prossegue o Marinheiro antigo
De olhar a refulgir.

"O navio foi saudado, o porto evacuado;
Equipagem radiante,
Passamos sob a igreja, sob o promontório,
Sob o farol adiante.

À nossa esquerda então o sol se levantava,
Do mar a se elevar;
Era um claro esplendor... Depois ia se pôr
À direita no mar.

Sempre, sempre mais alto, até que sobre o mastro
Pairava ao meio-dia..."
O ouvinte contrafeito aqui bateu no peito:
O alto fagote ouvia.

Agora a noiva já ingressara no salão,
Rubor rosa tem;
A inclinar as cabeças, menestréis alegres
À sua frente vêm.

O ouvinte contrafeito aqui bateu no peito,
Mas é forçado a ouvir;
E sua fala prossegue o Marinheiro antigo
De olhar a refulgir.

"E eis que colheu os navegantes a borrasca,
Tirânica e violenta;
Veio nas asas da surpresa, e nosso barco
Para o sul afugenta.

Pendiam os seus mastros, mergulhava a proa...
Como quem, a dar gritos e golpes cm perigo,
Persegue e pisa a sombra do inimigo,
Curva à frente a cabeça,
O barco assim se evade; e ruge a tempestade
Que ao sul nos arremessa.

E de repente nos envolvem névoa e neve,
Com um frio assassino;
E, alto de um mastro ao vê-lo, flutuava gelo
De um verde esmeraldino.

E, entre os blocos errantes, penhas alvejantes
Dão espectral fulgor;
Homens não vemos e animais que conhecemos...
Só há gelo ao redor.

O gelo estava aqui, o gelo estava ali,
Só gelo no lugar;
E rangia e rosnava, e rugia e ululava,
- Os sons de um desmaiar.

Enfim passou por nós, bem no alto, um Albatroz,
Vindo da cerração;
Em nome do Senhor nós o saudamos, como
se fosse outro cristão.

Comeu o que jamais comera, e lá na altura
Volteava sobranceiro;
Rompeu-se o gelo então co'o estrondo de um trovão...
Passou o timoneiro!

E do sul um bom vento nos soprava alento;
O Albatroz nos seguia,
E à nossa saudação, por fome ou diversão,
Buscava todo dia!

Em névoa ou nuvem vem, no mastro ou no ovém,
Por vésperas nove pousar;
Enquanto a noite inteira, em bruma alva e ligeira,
Luzia o alvo luar."

"Velho Marujo! Deus te salve dos demônios
Que de ti vão empós...
Que olhar! Que te molesta?" Com a minha besta
Eu matei o Albatroz.

Seus companheiros de bordo protestam contra o velho Marinheiro, por matar a ave da sorte.

Mas quando a neblina se ergueu eles o justificam, tornando-se assim, eles próprios, cúmplices do crime.

O vento brando continua; o navio entra no Oceano Pacífico, e veleja rumo ao norte, até alcaçar o Equador.

O navio foi subitamente imobilizado.

E o Albatroz começa a ser vingado.

Um Espírito os havia seguido, um dos habitantes invisíveis deste planeta, não almas que se foram nem anjos; a seu respeito, o erudito judeu Josefo e o constantinopolitano platônico Miguel Psellus podem ser consultados. São muito numerosos, e não há terra ou elemento sem um ou mais.

Os companheiros, em sua dolorosa aflição, desejavam lançar a culpa toda sobre o velho Marinheiro; como indício de tal coisa, penduraram a ave marinha morta em seu pescoço.


PARTE II

Pela direita agora o Sol se levantava:
Do mar a se elevar
Ainda em meio à bruma; e adiante, à nossa esquerda,
Deitava-se no mar.

E do sul o bom vento nos soprava alento...
Mas ave não se via
Que à nossa saudação, por fome ou diversão,
Acorresse algum dia!

E meu ato infernal traria para todos
A desgraça improvisa,
Pois, para toda a nave, eu fora a morte da ave
Que faz soprar a brisa.

Glorioso o Sol surgiu, nem rubro nem sombrio,
Tal qual fonte divina;
E, para toda a nave, eu fora a morte da ave
Que traz névoa e neblina.
Justo era, em seu pensar, tal pássaro matar
Que traz névoa e neblina.

A branda brisa arfava, a espuma alva voava,
E o sulco solto a esfiar...
Jamais humana voz soara antes de nós
Naquele mudo mar.

E o vento cede, as velas cedem... Quem iria
Tristeza mais triste encontrar?
E nós falávamos tão-só para romper
O silêncio do mar!

E num ardente céu de cobre, ao meio dia,
Em sangue o sol flutua,
Pairando bem em cima do alto mastro,
Não maior do que a Lua.

Dia após dia, o barco ali, dia após dia,
Sem sopro, ali, cravado;
Ocioso qual uma pintada embarcação
Num oceano pintado.

Água, água, quanta água em toda a parte,
E a madeira a encolher;
Água, água, quanta água em toda a parte,
Sem gota que beber.

O próprio abismo apodrecia... Como, ó Cristo,
Aquilo foi se dar?
Coisas viscosas e com pernas rastejavam
Sobre o viscoso mar.

Sant'Elmo urdia à noite um coriscar de açoite,
Turbilhão e tropel;
A água - um óleo de bruxa - verde, azul e branca
Ardia sob o céu.

E alguns em sonhos garantiam ver o Espírito
Que atormentar nos deve;
Nove braças ao fundo, havia nos seguido
Do lar de névoa e neve.

O calor e a aridez tinham secado a língua,
Que até a raiz afligem;
E não podíamos falar, como se a nós
Sufocasse a fuligem.

Ah! Então - ai de mim! - que olhares mais terríveis
Tive de velho e moço!
Como cruz para o algoz, ataram o Albatroz
Em torno a meu pescoço.


O velho Marinheiro avista um sinal ao longe no elemento.

Com sua maior aproximação, parece-lhe ser um navio; e a duras penas ele liberta sua fala dos grilhões da sede.

Um lampejo de júbilo;

E segue-se o horror. Pois pode ser um navio o que avança sem vento ou correnteza?

Parece-lhe apenas o esqueleto de um navio.

E suas balizas são vistas como barras sobre a face do sol poente.

A Mulher-espectro e sua companheira Morte, e ninguém mais a bordo do navio esqueleto.

Tal nave, tal tripulação!

A Morte e a Vida-em morte disputam nos dados a tripulação do navio, e ela (a última) conquista o velho Marinheiro.

Nenhum crepúsculo nas cortes do Sol.

Ao levantar-se a Lua,

Um após o outro,

Seus companheiros tombaram mortos.

Mas a Vida-em-Morte começa a trabalhar o velho Marinheiro.


PARTE III

Um tempo de cansaço! A seca na garganta,
No olhar vidrado um véu.
Cansaço! E que luzir em cada olhar vidrado,
Cansado atrás de um véu.
Quando eis que de repente, os olhos no poente,
Eu vi algo no céu.

De início parecia uma pequena mancha,
E depois uma bruma!
Avançava e avançava, até que certa forma
Ele tomou, em suma.

Uma mancha, uma bruma, certa forma, em suma!
E sempre, sempre avança...
Como a esquivar-se de um espírito marinho,
Mergulha e vira e dança.

Com garganta insaciada, a boca negra assada
Riso e pranto cancela;
Nessa aridez, ante a equipagem muda e langue,
O meu braço mordi, suguei o próprio sangue,
E gritei: Uma vela!

Com a garganta insaciada e boca negra assada,
Atônitos parecem;
Graças a Deus! exclamam; riem, riem bastante...
E todos tomam fôlego naquele instante,
Como se eles bebessem.

Vede! Vede! (Gritei) - Não mais vacila! Vem
Salvar-nos certamente;
Navega firme com a quilha levantada,
Sem vento, sem corrente!

Agora o oceano no ocidente era um incêndio:
A tarde no arrebol!
Quase pousara sobre o oceano no ocidente
Largo e luzente o Sol;
Foi quando aquela forma estranha se interpôs
Justo entre nós e o Sol.

E com barras o Sol logo ficou listrado
(Ó Mãe do Céu, socorre o crente!);
Parecia espiar por grades de masmorra,
Com rosto enorme e ardente.

Ai de mim! (eu pensei, e o peito martelava)
O espaço, como ganha!
Seriam suas velas o que ao sol cintila
Como teias de aranha?

O arcabouço talvez - que encerra a luz do Sol
Em grades de madeira?
Seria essa Mulher sua tripulação?
Ela seria a MORTE? Ou ambas que lá estão?
A MORTE é a companheira?

Seus lábios eram rubros; seu olhar, lascivo;
Sua trança, auri-amarela;
Sua pele, como a lepra, era de um branco forte;
Ela era o próprio Pesadelo VIDA-EM-MORTE,
Que o sangue humano gela.

Chegou a nua carcaça; e o par, a jogar dados,
fazia desafios;
"É o fim do jogo!" a Mulher diz, "Ganhei! Ganhei!"
E dá três assobios.

A orla do sol mergulha; fogem as estrelas:
É escuridão total.
Num sussurrar distante, sobre o mar dispara
O navio espectral.

Tudo ao redor o ouvido escuta o e olhar perpassa!
Meu sangue vital sorve, como numa taça,
Em meu peito o temor!
Apagam-se as estrelas, densa é a escuridão;
Lívida a face do piloto à luz junto ao timão!
Nas velas o orvalho é um suor...
Até que a Lua sobe ao longe no oriente,
Nos cornos envolvendo estrela refulgente
Junto à porta inferior.

Um por um, pela Lua que os astros acuam,
Sem tempo de gemer ou suspirar,
Todos viram-me o rosto, com horrenda angústia
E maldição no olhar.

Quatro vezes cinquenta a soma de homens vivos
Que, sem suspiro e sem gemido algum,
Com um baque pesado, quais massas inertes,
Caíram um por um.

Suas almas voaram... para a danação,
Ou para a eterna paz.
E essas almas silvavam, ao passar por mim,
Qual minha seta o faz.

fonte: Porão
Sépia Zine

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