terça-feira, julho 05, 2011

Dissecando Crimes e Pecados

A obra de Woody Allen se apresenta como um grande viés de reflexão acerca da moralidade e da Religião, na possibilidade de usar o cinema para discutir profundas questões filosóficas

Uma das abordagens filosóficas mais comuns ao cinema é a didática. O filme (ou um pedaço dele) como meio para se ilustrar teses filosóficas estabelecidas. Embora se trate de abordagem interessante, tem valor crítico reduzido. Esse foi o caso dos livros Philosophy through film, de Mary M. Litch, e Philosophy goes to the movies, de Christopher Falzon, ambos professores de Filosofia, que, cinéfilos, enxergaram no meio uma arma para atingir seu fim - ensinar a disciplina Filosofia.

Litch1 propõe um exercício interessante. Submeter as ações de alguns dos personagens (particularmente Judah) ao crivo das teorias morais (Litch acredita ser Crimes e pecados rico em todas elas). Propõe a seguinte questão: se fizéssemos um consequencialista e um não consequencialista assistirem ao filme, como eles julgariam a ação de Judah, por exemplo? Litch acredita que ambos o condenariam. Um consequencialista utilitarista calcularia que a morte de Dolores traria mais mal do que bem, inferindo que sua família e seus amigos ficariam muito tristes e a própria Dolores sofreria. O não consequencialista kantiano lembraria que Dolores não pode servir de meio para um fim e que o que Judah fez não pode ser universalizável. Mais adiante, Litch admite que o filme não oferece elementos para um utilitarista raciocinar condenando, mas todos os elementos em contrário, o que coloca um dilema nos corações do espectador: ele sente que o que Judah fez foi moralmente errado, mas vê que deu tudo certo no final, pessoas estão felizes como consequência do ato, o que é absolutamente certo. De fato há um sentimento moral paradoxal quanto ao ato de Judah provocado no espectador, o que, acredito, trata-se de uma das intenções de Woody Allen.

Litch lembra ainda da posição deística de Sal, o pai de Judah, e o niilismo de tia May (que Litch considera mais uma relativista cultural moral). Uma das frases de tia May ("Might makes right") é lembrada por Litch por ser a base da teoria moral apresentada por Trasímaco na República de Platão (Litch não menciona o anel de Giges).

Por fim, Litch aponta a diferença básica entre Raskolnikov e Judah. O primeiro é consumido pela culpa até se entregar e se "redimir ante Deus". O segundo é consumido pela culpa inicialmente, mas à medida que o tempo passa, e ele não só não é pego, mas o que é pego em seu lugar é um assassino já condenado por vários crimes, acaba sendo capaz de racionalizar a culpa até o ponto de se ver livre dela.

Teorias compartilhadas

Christopher Falzon2 também se vale de Crimes e pecados, juntamente com outros filmes (Laranja mecânica, de Kubrick, O sétimo selo, de Bergman, Rashomon, de Kurosawa, entre vários outros) para discutir diferentes teorias morais. Como seu objetivo é passear por todas, fazendo ainda correlações não só entre elas, mas entre os diferentes filmes citados, Falzon se perde um pouco. Mas duas de suas observações nos são particularmente úteis. A menção ao anel de Giges (da República, de Platão) e ao existencialismo. Essas são, de fato, duas referências filosóficas obrigatórias em Crimes e pecados. Voltaremos a elas oportunamente.

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