sábado, julho 02, 2011

HEMINGWAY VIVE

Acredito que uma das obras da literatura universal indispensáveis em qualquer biblioteca, pública ou privada, seja "Paris é uma festa".

Eu li esse livro de crônicas pela primeira vez aos 15 anos. Nele, Ernest Hemingway já vive de seu ofício de escritor. Abandonara conscientemente o jornalismo para ganhar a vida exclusivamente com o dinheiro que porventura recebesse com seus contos, romances e material de free lancer. Ainda não conseguiu a consagração. A fama só viria bem mais tarde. E quando se faz esse tipo de afirmação pensa-se logo na celebrização propiciada pelo falecimento. Penso ter sido exatamente isso o que aconteceu com Hemingway.

Hoje em dia, quantos de nós podem se dar ao luxo de largar um emprego - qualquer que seja - para sobreviver explorando a própria vocação - ou a de outrem? Para não fugir do assunto: quantos escritores, aqui no Brasil, tem como única tarefa capaz de lhe garantir o pão de cada dia a arte de diariamente remover a neve da folha de papel? Entendo ser mais comum esse tipo de fenômeno no Estados Unidos. Os exemplos são poucos, mas importantes: Tom Clancy, Stephen King, Ken Follet. Ganharam rios de dinheiro com os frutos de sua imaginação essencialmente literária. Tenho certeza de aqui no Brasil não é possível a repetição de tal fenômeno.

Há poucos minutos, fiquei sabendo que 2011 marca meio século de falecimento do autor de "Adeus às armas". Para quem não sabe, Hemingway tirou a própria vida com um disparo de sua pistola. Até onde sei sobre esse suicídio, foi possibilitado porque, para Ernest, o poço literário havia secado. Para quem escreve, isso é o pior que pode acontecer. Li há seis meses um romance em dois volumes intitulado "Saco de ossos", no qual o protagonista - um escriba, naturalmente - começa a sofrer do tal do "bloqueio de escritor" após a morte da esposa. O personagem, após um montão de peripécias, conseguiu se recuperar. Ernest não pode dizer o mesmo. Ou até pode, desde que se comunique por meio de uma necessária sessão espírita.

Por ele ter participado dela, a guerra foi um tema recorrente na obra de Hemingway. E foi por causa dela que nasceu a famosa expressão "geração perdida" - um rótulo maldoso carimbado pela triste Gertrude Stein aos jovens que sobreviveram ao inferno das batalhas e que desafortundadamente não foram tratados como heróis na volta para casa. Esse rótulo foi um dos motivos pelos quais Francis Scott Fitzgerald também encontrou sua perdição como prosador. O outro foi a esposa dele, uma mulher bela e neurótica. Tudo isso está retratado em "Paris é uma festa". Penso em retirá-lo hoje da minha desorganizada estante cheia de livros. Afianl de contas, escritores como Hemingway de vez em quando precisam ser retirados do limbo destinado aos mestres dos quais ninguém mais se ocupa - a exemplo dos maranhenses Coelho Neto e Humberto de Campos.

Porque a imortalidade nas letras é isso: encontrar pelo menos um leitor disposto a entrar em bibliotecas improváveis atrás de alfarrábios esfarelados produzidos por genialidades que iluminaram determinada época e que se apagaram em razão da ignorância e do desprezo das gerações posteriores.

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