quarta-feira, novembro 16, 2011

Sem tarjas, ala Iziane esbanja sinceridade e abre o jogo em entrevista exclusiva

16.11.2011 - 0:04


Aos 29 anos (“tô velhinha, né”), Iziane está de volta a São Luís. Empolgada por jogar na sua cidade natal a segunda edição da Liga de Basquete Feminino (as maranhenses começam no dia 5 de janeiro contra Americana, em casa), ela conversou com o Bala na Cesta na segunda-feira por telefone esbanjando sinceridade e bom humor. No longo papo, contou tudo e não se recusou e responder a nenhuma pergunta. Falou das delícias da culinária local (arroz de cuxá, torta de camarão e torta de carangueijo), de seu temperamento, da polêmica decisão de Ênio Vecchi de não colocá-la para jogar no segundo tempo do jogo contra Porto Rico no Pan-Americano e, claro, de suas atitudes pra lá de contestadas.

BALA NA CESTA: Como está sendo essa volta para a sua cidade, São Luís, do Maranhão, e quais são as expectativas para a Liga de Basquete Feminino?
IZIANE: Está sendo bem legal, bem legal mesmo. Voltar para casa, para o carinho da família e das pessoas que eu conheço está sendo muito bacana. O melhor de tudo é tentar reerguer não só o basquete do meu Estado, mas sim o esporte do Maranhão, que sofre muito com a falta de investimento. Precisamos dar uma revigorada nisso tudo aqui, e é bem bonito ver que todos estão empolgados com a possibilidade de ter um time na elite Nacional depois de tanto tempo. É uma pena que a organização da Liga ainda não seja a ideal. Foi muito ruim para a gente, pois prejudica demais na montagem do elenco, mas faz parte da organização do basquete brasileiro, né.

BNC: Você está voltando a jogar com o Betinho, que foi seu primeiro técnico mas que também sofre com a falta de experiência em âmbito nacional e adulto. Como será este relacionamento, e como vocês têm lidado neste começo de temporada?
IZIANE: Temos conversado bastante, e estou ajudando na montagem do time também (já fecharam com a equipe a mexicana Brisa Rodrigues, a veterana Cintia Tuiú e a norte-americana Crystal Kelly, além das locais Renata e Raiane). Tenho informações, joguei muito tempo fora, e acabo ajudando no que é preciso. Não dá pra eu chegar no time da minha cidade, do meu bairro e quererem que eu apenas “jogue”. Eu amo isso aqui, e quero auxiliar no que for preciso. O Betinho é uma pessoa muito humilde, que sabe escutar, e acho que esta será a nossa maior fortaleza por aqui. Ele sempre me pergunta, sempre me consulta, e isso está sendo muito legal. A equipe está sendo montada e vamos vir fortes na LBF. Não vim aqui só pra jogar, não. Queremos chegar longe.

BNC: Você jogou muito tempo fora e sabe como um time pode ajudar no entorno de sua comunidade. Há alguma coisa sendo pensada neste sentido aí pro Maranhão?
IZIANE: Sim, há sim, e é até bom falar sobre isso. O lugar do mundo que melhor aproveita o fato de estar ao lado da comunidade é a WNBA, e quero fazer, com o orçamento que tenho aqui, parecido no Maranhão. Vamos levar o time para os bairros carentes, para as favelas, e faremos eventos sociais também. Cara, eu sou de um bairro pobre de São Luís (Liberdade), e sei bem como as coisas funcionam. No que o esporte puder ajudar, nós vamos ajudar a tentar tirar as crianças do caminho ruim, da ociosidade.

BNC: Mudando de assunto agora, queria que você falasse sobre seleção brasileira. Você não jogou o Pré-Olímpico, e a Hortência disse que há um projeto para que o time treine para as Olimpíadas no período em que você e Érika estariam na WNBA. Isso passa pela sua cabeça?
IZIANE: Vamos por partes. Sobre a não ida para o Pré-Olímpico, isso já tinha sido alinhado com a Hortência e com a Confederação. Não foi surpresa pra ninguém, e eu não poderia abandonar meu time naquele momento de playoff. A seleção poderia convocar outra menina, mas o Atlanta Dream não tinha a chance de contratar outra para o meu lugar, entende? Sou profissional e meu time dependia de mim. Sobre a possibilidade de ficar com a seleção em 2012, vamos lá: sou uma agente-livre na WNBA, e até o começo do próximo ano eu não posso negociar com franquia alguma. Se houver um projeto da CBB que remunere as atletas, eu penso e analiso. Caso não exista, eu volto pra lá e me apresento para as Olimpíadas depois que acabar o campeonato. Não posso abrir mão de salário ainda, de verdade, mas torço para o projeto que a Hortência fala dar certo.

BNC: Neste ano você jogou o Pan-Americano, que não terminou bem para a seleção feminina. Vocês perderam para Porto Rico naquele jogo estranhíssimo. Já chegou a rever aquela partida? O que aconteceu?
IZIANE: Não preciso rever porque assisti igual a você, né (risos). Jogamos muito mal, nada deu certo e perdemos. Foi o que aconteceu. O que até hoje eu não consigo compreender são os motivos de eu ter jogado apenas 13 minutos na partida. Não achei coerente da parte da comissão técnica. Cada um tem uma maneira de pensar, e eu também acho que cada menina tem um peso na seleção. Não sou a décima-segunda jogadora daquele time, mas aceitei a decisão. Ficou um pouco estranho pra mim, mas como não tenho abertura com o Ênio (Vecchi, técnico da equipe) preferi ficar calada para não haver atrito. Tenho um passado (risos). De verdade, e sem querer polêmica, eu só acho que poderiam falar comigo para me explicar o motivo daquela decisão. Sei das minhas qualidades, do meu peso atualmente na seleção brasileira, em como poderia contribuir, e não consigo compreender o fato de eu não ter jogado o segundo tempo daquela semifinal. Poderia ter ajudado.

BNC: Mas, Iziane, isso que não entendo. Você era a titular do Atlanta Dream e foi barrada pela sua técnica, a Marynell Meadors. Ela chegou a conversar com você sobre isso? É normal técnico explicar uma determinada atitude para jogador?
IZIANE: Fábio, não sei se é normal ou não, mas comigo sempre falaram sobre as mudanças porque eu também sempre perguntei. Acho que atleta se posiciona muito pouco, e eu sempre procurei perguntar, saber o motivo das coisas. No caso do Atlanta, o time estava mal e a Meadors viu que o time precisava de algo diferente para voltar a vencer. Veio, conversou comigo, me mostrou os motivos e disse que teria nova chance. Foi o que aconteceu nos playoffs, e sempre fui muito tranqüila em relação a isso. Acho que não custa vir e falar: “Olha, Iziane, fiz isso, isso e isso por estes motivos”. Na WNBA é muito comum isso, e faz as atletas se sentirem bem. Mas não há problema algum com o Ênio ou com a seleção para 2012.

BNC: Você falou que tem um passado, e queria saber se você também considera que tem um gênio difícil?
IZIANE: Tenho, tenho. Não há como negar. Sou arretada mesmo. É de família. Somos descendentes de índios, mas uma coisa é preciso deixar claro: eu falo o que penso, falo o que sinto e falo a verdade. Eu não minto nunca. Tinha uma personagem de novela que falava isso, né (risos)? Acho que o nome era Isabela. Sou sincera e acho que preciso me posicionar. Pensa comigo? Sou mulher, nordestina, do segundo estado com o pior IDH do país, de um bairro pobre, de família humilde e atleta de uma modalidade sem muito apoio. Se eu não tivesse insistido, confiado muito em mim, será que teria atingido tudo o que consegui na carreira? Sei das minhas qualidades, dos meus defeitos, mas acho que meu caráter e minha perseverança me fizeram chegar onde cheguei. Não foi muito fácil, não, e tinha muita chance de dar errado.

BNC: Você se arrepende de alguma coisa?
IZIANE: Sim, me arrependo, sim. Acho que a gente tem que escolher as nossas lutas, e algumas vezes eu poderia ter escolhido melhor. Faz parte, né. Ninguém faz tudo certo na vida.

BNC: Você fala em relação ao seu inesquecível caso da recusa em voltar a um jogo da seleção brasileira em 2008, no Pré-Olímpico de 2008, quando o técnico Paulo Bassul pediu?
IZIANE: Me arrependo daquilo, sim. Escolhi lutar pela seleção brasileira e achei que poderia contribuir mais naquele momento. Mas não foi a decisão do técnico, paciência. Me arrependo da atitude de me recusar a entrar em quadra, mas ela foi tomada de cabeça quente. Hoje, mais madura, eu vejo que não fiz a coisa certa. Agora, eu sempre defendi a seleção brasileira por amor, por paixão. Amo estar ali, e tem vezes que a gente erra. Atualmente, com a maturidade que tenho, eu não teria feito, não.

BNC: Você falou sobre se posicionar. Não é muito comum que atleta levante a voz para dizer o que pensa, certo? Não chegou a hora de mudar isso?
IZIANE: Ah, sim, chegou a hora, sim. Concordo com você. Não só no basquete feminino, não, mas na sociedade de modo geral. Se a gente quer melhorar, precisa correr risco, precisa levantar a voz, precisa entender melhor o sistema para mudá-lo. Por isso que a Hortência é a minha deusa, a minha inspiração. Desde que ela entrou na Confederação tudo mudou, e mudou pra melhor. Ela luta pela gente, quer sempre o nosso melhor. Isso é muito bacana.

BNC: Iziane, você está falando que nem político. Pensa em um dia se candidatar a algo?
IZIANE: Já pensei nisso. Tenho muita ligação com minha cidade, com meu Estado, e acho que posso ajudar de alguma forma. Não sei se como política, mas no lado social com certeza. Tenho um projeto esportivo aqui, e não consigo ver menina grávida com dez, 11 anos, jovens usando drogas, essas coisas ruins. Isso me deprime, de verdade. Se não fosse o basquete, sabe lá o que teria sido da minha vida. Quero ajudar de alguma forma, e acho que a volta de um time do Maranhão à elite do esporte brasileiro vai ajudar muito. Todo mundo está me perguntando sobre a LBF na rua, e não vejo a hora de começar a jogar.

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