segunda-feira, setembro 10, 2012

Guerra pelos leitores

Há algum tempo, escrevemos aqui umas breves considerações sobre o quanto os quadrinhos talvez ainda precisem de uma fortuna crítica consolidada para serem mais reconhecidos como expressão artística séria. Citei no artigo uma série de bons livros sobre o gênero disponíveis em português, mas deixei um bom título de fora, o que só percebi depois que uma moça perguntou em um grupo do qual faço parte no Facebook se alguém já havia lido A Guerra dos Gibis, de Gonçalo Júnior (Companhia das Letras, 433 páginas, 2004).

Na época a omissão fez sentido, mas não deixa de ser injusta, uma vez que A Guerra dos Gibis é um daqueles livros preciosos que mistura pesquisa rigorosa sobre um campo de estudo pouco explorado com o texto fluente e a obsessiva apuração de uma grande reportagem. A obra narra a consolidação das histórias em quadrinhos no Brasil, nos anos 30, e o papel fundamental que tiveram nesse processo dois homens: os jornalistas Adolfo Aizen e Roberto Marinho (é, aquele mesmo que você pensou).

Filho de imigrantes russos residente no Brasil desde a infância, Aizen viajou aos Estados Unidos em 1932, passou lá cinco meses e, ao voltar, estava encantado com uma novidade que os periódicos americanos exibiam: suplementos semanais ilustrados com contos policiais, notícias esportivas e histórias em quadrinhos. Empolgado, elaborou um projeto de publicação de suplementos para jornais e o ofereceu ao seu empregador, Roberto Marinho, que recusou a oferta. Aizen deixou o emprego como repórter em O Globo e dedicou-se ao projeto, levando-o a efeito no periódico getulista A Nação. Foi em um desses cadernos, o Suplemento Juvenil, que Aizen passou a publicar personagens estrangeiros representados pelo escritório do King Syndicate no Brasil. Dentre eles, Jim das Selvas e Flash Gordon.

O fulminante sucesso doSuplemento Juvenil, logo desvinculado de A Nação e tornado um semanário próprio, levou Marinho a mudar de ideia, lançando ele próprio suas páginas de quadrinhos no suplemento Globo Juvenil. Com recursos financeiros que Aizen não tinha, Marinho fez mais do que criar sua própria versão de um caderno de quadrinhos: ele esmagou a concorrência, comprando por mais dinheiro os mesmos heróis que Aizen havia apresentado ao público primeiro no Suplemento Juvenil.

Caso para uma rivalidade para a vida toda? Pior que não. A Guerra dos Gibis mostra também como Aizen e Marinho precisaram mais tarde unir forças contra um inimigo comum: a censura, reivindicada por grupos conservadores preocupados com o “desvirtuamento da juventude” pelos quadrinhos, considerados alienantes e emburrecedores.

O livro traz um subtítulo auto-explicativo que mais parece saído daquelas áridas teses repletas de jargões tecnicistas: A Formação do Mercado Editorial Brasileiro e a Censura aos Quadrinhos (1933-64). Impressão equivocada que logo se desfaz. Documentado com o rigor de uma pesquisa acadêmica, A Guerra dos Gibis é também um livro fluente, escrito com leveza e carinho pelo assunto que aborda. O livro teve uma continuação publicada em 2010, Maria Erótica e o clamor pelo sexo: Imprensa, Pornografia, Consumismo e Censura na Ditadura Militar (1964 – 1985), pela editoraPeixe Grande, mas esse eu não li, então não posso opinar.

Ele próprio roteirista de quadrinhos, Gonçalo Júnior tornou-se na última década um dos principais pesquisadores da cultura pop nacional. Publicou a biografia de mestres da ilustração no Brasil, Benício (Clusq, 2006), sobre o ilustrador de centenas de icônicos pôsteres cinematográficos, entre outros trabalhos e Alceu Pena e as Garotas do Brasil(Amarylis, 2010), sobre o artista famoso em todo o Brasil por suas charges para a revista Cruzeiro (e que também publicou na americana Esquire). A biografia de Pena recebeu o Jabuti da categoria no ano passado, e depois foi desclassificada pela comissão julgadora, que considerou que uma versão anterior do livro, publicada em 2004, desqualificava o trabalho como "inédito", requisito para concorrer ao prêmio.

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