terça-feira, julho 24, 2007

CAFUZO OU CONFUSO?

Nos bons e velhos tempos do Colégio Meng, conheci um professor de Geografia do Brasil que não tinha medo de ser feliz. Ele não era daqui do estado. Paranaense, o indivíduo nos disse uma vez que seu primeiro contato com os estudantes ludovicenses não foi dos melhores. Contou que, ao entrar em sua primeira sala de aula, nesta capital, calçava botas. Os meninos adoraram. Imediatamente, dispararam aquele “Éeeeguas!”. Desacostumado com o nosso dialeto, o professor dirigiu-se ao diretor da escola após a aula. Um tanto irritado, queixou-se de que havia sido chamado de “Égua”. O diretor teve o bom senso de conter o riso. “Não, professor”, disse. “Aqui em São Luís, ‘égua’ é uma palavra utilizada para indicar admiração”. Vencido esse primeiro impacto cultural, o mestre provou que era um dos grandes mestres da Geografia.
E foi ensinar Geografia do Brasil no Colégio Meng. E no dia em que o assunto da aula foi a miscigenação do povo brasileiro, ele tratou do assunto de forma bem-humorada, até ligeiramente inclinada para o deboche. “A nossa miscigenação”, explicou, “consiste na mistura de raças, de povos de diferentes etnias. Ou seja, há um cruzamento de brancos com índios, que gerou o caboclo ou o mameluco; o cruzamento da branca com o negro ou do negão com a branca, que gera o mulato, e finalmente o cruzamento de índios com negros, que gera o cafuzo. Ou confuso. Ou seja, a suruba foi memorável!”.
Ninguém conseguia ficar sério quando percebia o duplo sentido na palavra “cruzamento”. Mas estava absolutamente correto ao relacionar a miscigenação brasileira com uma “confusão racial”, por assim dizer. A mesma confusão que nos deixa admirados quando, por exemplo, descobrimos, por exemplo, que aquele famoso sambista poderia muito bem ser chamado de “Branquinho da Beija-Flor”. Porque o Neguinho, como recentemente foi divulgado, descobriu que, geneticamente, é mais europeu do que africano. Em outras palavras: 67,1% dos genes dele têm origem na Europa e 31,5% na África. O mesmo ocorre com Daiane dos Santos. E também com quem não é necessariamente celebridade.
A BBC Brasil – a mesma que informou a existência dos “genes brancos do Neguinho da Beija-Flor – selecionou também anônimos. O primeiro foi um cearense, de 44 anos. A história dele é um exemplo típico da “confusão” a que o professor de Geografia se referiu. Seu pai era um “tipo caboclo” (expressões como esta devem necessariamente vir entre aspas, para evitar processos) e a mãe uma potiguar “branca”. O cearense fez o teste para saber por que seus sete irmãos mostram características peculiares: uns são brancos, outros morenos e uma irmã com “aparência” indígena.
Uma gaúcha foi a outra “cobaia” da BBC. Ela se inscreveu no teste para saber por que causa, motivo, razão e circunstância nasceu branca, sardenta e ruiva de cabelos naturais, uma vez que é neta de um negro e tem descendência africana. “Quero saber onde foram parar meus genes europeus”, disse ela.
Em seu site, a BBC Brasil explica como os cientistas contratados fizeram o exame do DNA dos selecionados. Mas como um dos meus lemas é “Cada macaco no seu galho”, vai ser bem melhor deixar que o pessoal aí na platéia (quem puder fazê-lo, é claro) acesse o sítio na Internet e tire suas próprias conclusões. Da minha parte, chego à conclusão tanto do raciocínio quanto desta crônica com uma certeza que muita gente não assume – nem amarrada aos trilhos e com o trem a apenas 100 metros.
O trabalho da BBC, além de dar um norte para a árvore genealógica de famosos e anônimos, serve também como munição contra essa praga chamada racismo. Um dos muitos filhos da ignorância, que não deveria ter lugar neste país. Mas tem. Num Brasil em que todas as etnias e todas as nacionalidades coexistem pacificamente, o preconceito racial, como não pode ser definitivamente anulado, deve ficar como está – relegado ao subterrâneo destinado aos conceitos equivocados. Quanto a isso não deve haver a menor sombra de confusão.

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