terça-feira, julho 17, 2007

MÃOS INVISÍVEIS

O que é do amor, é do amor, e fala de amor. E era de amor que gostaria de lhes falar. Desse amor que faz o sujeito dizer à sua mulher pérolas como, por exemplo, “Eu preciso respirar/ o mesmo ar que te rodeia/ E na pele quero ter/ o mesmo sol que te bronzeia”. Ou seja, o tipo de absurdo de que o ser humano só é capaz depois da terceira Antarctica.
Bem que eu queria lhes falar de amor, mas o destino, esse moleque travesso, não me permitiu. Aconteceu quando eu estava no ônibus. Para quem mora na Cidade Operária e adjacências, “ônibus” e “sucatas ambulantes” são gêmeos siameses – unidos pelo ventre daqui até a eternidade pela ignorância de quem comanda o sistema de transporte coletivo para a região. Mas eu dizia que estava no ônibus. E sonhava acordado. Porque, se o sujeito sonha dormindo na situação em que me encontrava, torna-se mais um alvo nesta cidade de vítimas.
Eu sonhava com meus ex-amores. Recordava o que elas fizeram de errado (pouco), meus próprios equívocos (um monte) e os bons e inesquecíveis momentos de que todo coração precisa para viver em paz. Porém e infelizmente, mãos invisíveis atiraram pela janela um folheto do Detran sobre a violência no trânsito. “Se liga!”, assim começa a mensagem. “Você tem a vida pela frente. Não vacile. Respeite as leis de trânsito”. No verso do folheto, a verdade que não quer calar – nem devemos permitir que se cale: “A cada dia, mais jovens matam e morrem no trânsito. Velocidade, bebidas alcooólicas e auto-afirmação são as principais causas de acidentes envolvendo a juventude”. Sob a verdade, a triste foto do resultado da violenta – e, pelo jeito, fatal – colisão entre dois automóveis.
A imagem é chocante, sem dúvida alguma. Mas não é a que eu escolheria, se fosse o editor do panfleto. Se a idéia era mostrar algo bem terrível para conscientizar os ligeirinhos, deveria ter sido colocada uma foto em que estivessem presentes, além do ferro retorcido, os corpos dilacerados das vítimas. Tenho certeza de que o Detran tem uma assim, em seus arquivos.
Em seguida, o folheto oferece as explicações de sempre e que mesmo assim só meia dúzia de três ou quatro aprende. Balada e direção só combinam se não rolar bebida. Se for beber, o sujeito deve ir de carona. Quem participa de pega, dirigindo ou assistindo, é otário. Cinto de segurança não é colocado num carro apenas como enfeite. Se ele não existe na Kombi que o Gusmão dirige o problema é tanto nosso (os bravos heróis da meia-noite pós-Mirante) quanto do Pereira (aquele que só vai mover o rabo da cadeira se algum dia algo horripilante acontecer com qualquer um de nós). E quem dirige não deve incomodar seus irmãos de volante. A galera do barulho pode ser multada ou levar uns cascudos de quem foi buzinado. Uns cascudos... ou coisa bem pior. Ah, agora minha imaginação tenta alcançar a de Stephen King.
Para mim, pensar neste assunto é pensar em tragédia. Mas sempre recorro a um dos velhos ensinamentos, para mitigar um pouco da estranha potência da saudade: nossos mortos devem ser chorados e jamais esquecidos, mas também devemos compreender que o tempo deles passou. A vida, muito mais do que a morte, não deve ter limites, nem mesmo as fronteiras impostas pela nossa vã filosofia.
Não será esta crônica o instrumento que trará paz ao trânsito, em nosso estado, no resto do país e pelo mundo afora. Irresponsáveis há que continuarão matando e morrendo nas ruas e nas estradas. Cenas ainda piores do que a da foto de que lhes falei continuaram sendo registradas pelos retratistas cujo ganha-pão consiste em imortalizar a tragédia alheia. Não estou sendo injusto. Estou sendo realista. Da página policial de certos jornais pequenos parece escorrer um rio de sangue...
Enfim, afastemos desta crônica o espírito da sexta-feira, 13. Muito melhor, agora, é sonhar acordado com os amores passados e com as paixões possíveis. A tristeza não deve ser a senhora rainha deste julho que começa sob o signo do sol.

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