sábado, julho 24, 2010

Kirchner busca usar Maradona para permanecer no poder na Argentina

Exibindo a tatuagem do líder cubano Che Guevara, Maradona navega no mar de Havana, em Cuba

Márcio Resende

Especial para o UOL Notícias

Em Buenos Aires

A continuidade de Diego Maradona no comando da seleção argentina é questão de Estado para o casal Kirchner (Cristina, atual presidente, e Néstor, ex-presidente e provável próximo candidato). A ideia é usar o treinador --mais popular que os seus próprios jogadores-- para pavimentar uma corrida a um eventual terceiro mandato presidencial em 2011.

Na próxima semana, o técnico-estrela terá uma reunião com o presidente da Associação do Futebol Argentino (AFA), Julio Grondona, para renovar o seu contrato. Oficialmente, Maradona deve apresentar um plano de trabalho pelos próximos quatro anos no qual corrija os erros do passado e trace um projeto a futuro. Maradona pensa numa revanche na casa do clássico adversário, o Brasil. Extra-oficialmente, a equação é meramente política.

As pesquisas indicam que a maioria dos argentinos não crucifica Maradona pela eliminação na Copa do Mundo, apesar da humilhante derrota por 4 a 0 para a Alemanha, a pior desde os 6 a 1 para a Tchecoslováquia em 1958.

Os Kirchner sabem que Maradona é o um mito vivo, capaz de renascer das cinzas inúmeras vezes. Uma analogia clara para a popularidade do casal que, no passado, já rondou os 75% e hoje não passa de 25%.

Maradona é a metade mais um dos votos, concentrados sobretudo na empobrecida periferia de Buenos Aires, província responsável por 40% do eleitorado e afetada pela violência, pela crise energética e pela inflação galopante de cerca de 30% ao ano.

As eleições do ano que vem serão em outubro, mas a aposta dos Kirchner aponta para a Copa América em julho dentro de casa numa Argentina em pleno ritmo de campanha eleitoral.

“A verdadeira trama dessa decisão nunca será pública, mas Maradona será o treinador porque assim decidiu Néstor Kirchner. Há muito que a Presidência virou sócia da AFA nos negócios do futebol”, diz Horacio Pagani, um dos mais respeitados analistas do futebol argentino. “Não há um plano B”, acrescenta Luis Segura, até poucos dias secretário geral de seleções da AFA. O próximo compromisso da seleção argentina será no dia 11 de agosto, em Dublin, contra a Irlanda.

"Maradona é uma grande mercadoria"

A sociedade entre os Kirchner e o futebol começou há um ano quando o governo decidiu estatizar as transmissões dos jogos antes reservadas às assinaturas por TV. Maradona foi um dos que aplaudiu a iniciativa durante a apresentação da presidente Cristina Kirchner.

No primeiro ano, a estatização custou ao Estado o equivalente a R$ 300 milhões em direitos, mais R$ 25 milhões em produção. O dobro do que custava antes em mãos da iniciativa privada. Para o próximo ano, o valor já se encontra próximo dos R$ 470 milhões, sem uma única publicidade privada. O dinheiro que sairá dos cofres públicos, em proporção ao número de telespectadores, é oito vezes maior do que se arrecadava com as assinaturas particulares.

O dinheiro oficial funciona como um resgate para os endividados clubes cujos dirigentes se veem na posição de devolver o favor através de um apoio unânime ao presidente da AFA, Julio Grondona, que, por sua vez, encontra na linha direta com os Kirchner uma tábua de continuidade no cargo que exerce desde 1979. O círculo político e econômico dos Kirchner, de Grondona e dos clubes termina em Maradona.

“Maradona é uma grande mercadoria. Desde a sua saída na Copa do Mundo de 1994, a seleção deixou de ser algo significativo para esta sociedade. O retorno de Maradona como técnico foi buscar um elemento que voltasse a trabalhar sobre esse entusiasmo”, diz o sociólogo Pablo Alabarces, um estudioso da relação política-futebol e considerado um “maradonólogo”.

Vender o fracasso como sucesso

A TV digital mal acaba de chegar à Argentina, mas a classe baixa já recebe grátis do governo decodificadores para assistir aos jogos. A eliminação da Copa do Mundo impediu o governo de subir na onda de uma campanha vitoriosa. Tamanha era a aposta dos Kirchner que, secretamente, foram impressos 50 mil cartazes com a imagem da presidente vestida com a camisa da seleção argentina, cercada pelo seu marido presidenciável de um lado e por Maradona do outro.

Apesar da eliminação, o governo não desistiu de vender o fracasso como um sucesso. Das mais de 10 mil pessoas que foram receber Maradona e os seus jogadores no retorno ao país, a metade aproximadamente foi de militantes políticos motorizados pela máquina clientelista do poder, através do “kirchnerista” prefeito do município de Ezeiza, Alejandro Granados. O aeroporto internacional de chegada fica em Ezeiza onde também fica a sede da AFA e a residência de Maradona.

Um legislador da tropa oficialista chegou a propor levantar um monumento a Maradona. Além disso, Cristina Kirchner convidou em público Maradona e os jogadores à Casa Rosada, sede do governo.

“Eu os estarei a esperar uma vez que passe o luto (pela derrota)”, anunciou.

Em vez disso, Maradona foi nesta semana visitar o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Ao lado de Maradona e ao pé das escadas do Palácio Miraflores, sede do governo da Venezuela, Chávez anunciou o rompimento das relações diplomáticas com a Colômbia. E ouviu de Maradona um apoio “até a morte”:

"Para mim é um orgulho realmente poder estar ao lado do presidente porque luta pelo povo, luta pelo seu país, luta pelos seus ideais. Eu estou com ele até a morte. Estou com ele permanentemente e escuto como defende todas as suas posturas. Acho isso fantástico", declarou Maradona.

Os vínculos entre Maradona e a política não são recentes. Não houve governo, ditatorial ou democrático, que não o tenha querido usar. Maradona sempre esteve perto do poder, mas não se somou como soldado de nenhum. No passado, manteve vínculos com Carlos Menem, Fidel Castro e tem uma tatuagem de Che Guevara no braço direito.

“Pode haver um novo herói desportivo como Messi na seleção, mas nenhum herdeiro pode ser um herdeiro político-cultural como foi Maradona. Ele tem uma condição aglutinadora numa sociedade onde sobram as fragmentações. Como símbolo nacional e popular, é irrepetível”, garante Alabarces.

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