Não é difícil ver rumos que trariam benefícios
mais concretos do que as ações recentes
NÃO É SÓ o excesso de protagonismo e a identificação personalista com o presidente que suscitam dúvidas sobre a solidez e a durabilidade da atual diplomacia. Mais grave talvez sejam a insensibilidade pelos valores humanos e a equivocada escolha de prioridades. Do ponto de vista da crítica construtiva, não é difícil identificar alternativas que trariam ao Brasil benefícios mais concretos do que os efeitos efêmeros de algumas ações recentes.
Deve-se ao governo brasileiro a criação da Unasul. No entanto, esse mesmo governo dedicou muito mais tempo e energia diplomática ao acordo sobre urânio enriquecido do Irã do que ao esforço de pacificar as relações entre Colômbia e Venezuela.
No primeiro caso, o Brasil quer, mas não pode, isto é, não dispõe de poder bastante para resolver desafios distantes. No segundo, o país pode, pois dispõe presumivelmente de maiores conhecimentos e meios em relação aos vizinhos, mas não quer, pois revela escassa vontade de utilizar esse poder no nosso entorno imediato.
A ruptura das relações entre Caracas e Bogotá, semanas depois da ameaça do presidente do Equador de prender o recém-eleito presidente da Colômbia caso ele pisasse solo equatoriano, projetam luz impiedosa sobre o desprimoroso estado de uma organização que se intitula União das Nações Sul-Americanas.
A discreta atuação brasileira nesses dois graves episódios, assim como na crise entre Argentina e Uruguai a respeito das empresas papeleiras, contrasta com a disposição de voluntariar serviços duvidosos em problemas intratáveis e de elevado risco de desgaste como os do Oriente Médio.
Compare-se essa iniciativa, em termos de resultados, com a solução definitiva do secular contencioso de fronteira entre Peru e Equador, graças, sobretudo, à mediação do Brasil nos anos 1990 ou com o acordo de Letícia entre Colômbia e Peru, obra de Oswaldo Aranha. Ações espetaculares e midiáticas, mas no fundo destinadas à provável frustração diplomática pouco valem em cotejo com realizações que permanecem como base indiscutível da melhoria real, não meramente retórica, do convívio na América do Sul.
A existência de alternativas não depende apenas do exercício criterioso da escolha de prioridades, do emprego mais perto de casa de nossos limitados recursos no exercício da arte da mediação.
O mesmo raciocínio se aplica aos valores morais. A celebrada visita do presidente Lula a Cuba, a demonstração de seu prestígio e influência nos meios dirigentes cubanos teriam merecido o aplauso universal se tivessem servido não para criticar a greve de fome de prisioneiros, mas para tentar aliviar-lhes o sofrimento com um acordo de libertação como o mediado pela Igreja Católica. Deixou-se à diplomacia espanhola, menos próxima de Havana, o mérito desse benefício de valor indiscutível para tanta gente sofrida.
Mais uma grave ocasião perdida, como tantas outras, como a do desperdício de um acordo histórico sobre mudança climática aproveitando nossa posição de potência ambiental.
Sim, outro mundo é possível; outra diplomacia também, desde que a inspiração e as prioridades correspondam aos melhores valores do Brasil que queremos ser.
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