EL PAIS
Emilio de Benito
A recente batida contra uma rede que supostamente explorava 80 rapazes brasileiros em casas de "alterne" [convívio social] deram um rosto a uma realidade que costuma estar escondida: a prostituição masculina. Segundo a versão da polícia, os brasileiros chegavam à Espanha enganados, com a promessa de um trabalho como bailarinos, e para aguentar as jornadas de trabalho (deviam estar disponíveis 24 horas por dia) usavam cocaína, Viagra e "poppers", tipo de vasodilatador.
A prostituição masculina é tão oculta que quando se pergunta ao Ministério da Igualdade, que desde sua criação promove trabalhos sobre a prostituição, a resposta é que eles não têm nada a respeito, que é um fenômeno muito marginal e sobretudo com um fator que a diferencia claramente da prostituição feminina: entre os "chaperos" (termo que alguns deles reivindicam com a mesma energia com que outros o rejeitam) não costuma haver exploração. De uma perspectiva de gênero, dizem funcionários do governo, as relações que estes estabelecem com seus clientes masculinos (as clientes mulheres são minoria e também se dedicam a uma prostituição de luxo, longe de qualquer sordidez aparente) são mais de igual para igual, sem a violência - explícita ou implícita - que acontece muitas vezes nas relações entre homens e prostitutas.
Ramón Esteso, coordenador de Inclusão Social na ONG Médicos do Mundo, descreve assim a diferença: "A relação [dos trabalhadores sexuais] com seus clientes é mais equilibrada, não há diferença de gênero. O rapaz decide quando, como e o que faz. Não é uma relação baseada no poder".
Os envolvidos reconhecem que é assim. E não só Mário, 36, ou Ander, 26, que, pelo que cobram pelos serviços - de 100 a 150 euros o primeiro, mais de 80 o segundo - e as condições em que o fazem - em casa ou em hotéis, com contatos pela internet -, podem se considerar "de alto nível". Até Juan, um romeno de 24 anos que trabalha na rua há menos de um, diz com orgulho - e quase com brutalidade - que há coisas que ele não faz. "Não sou maricas. Preciso do dinheiro." admite que cobra pouco - "10 ou 15 euros" -, mas que lhe bastam para ir vivendo enquanto procura trabalho, "no que for".
Pode ser que Juan, áspero no trato pessoal e que obviamente não se chama assim, exagere. Mas pode representar os trabalhadores do sexo que estão na escala econômica inferior. "Na rua trabalham os mais jovens. São sobretudo romenos ou do norte da África", explica Iván Zaro, coordenador da área de saúde da Fundação Triângulo e autor de um extenso estudo sobre os trabalhadores do sexo em Madri. "Muitos são 'heteros' e alternam o trabalho sexual com pequenos furtos ou empregos temporários."
Na teoria, são os que têm mais dificuldade e ao mesmo tempo os mais difíceis de ajudar. "Estão tão prejudicados por sua situação de marginalidade que são os mais difíceis de recuperar. Também têm muito baixo nível de instrução, e sua maior referência são seus amigos, em situação parecida, o que lhes dá coragem para continuar", acrescenta Zaro.
Mario Blázquez, técnico em saúde do Coletivo de Lésbicas, Gays, Transexuais e Bissexuais (Cogam) de Madri, define esse grupo como "o mais difícil de atingir com os programas de prevenção". "Eles vêm buscar material (camisinhas, lubrificantes) porque é cômodo e grátis, mas não se deixam ajudar. Como eu digo, é impossível chegar a tocar sua alma, conhecê-los", diz Blázquez. Esteso concorda: "Os homens têm mais dificuldade para pedir ajuda". "É tamanho o estigma, que muitos preferem dizer que o fazem voluntariamente a admitir que são obrigados pela necessidade."
Mas o que eles têm, conforme suas circunstâncias, é uma característica que os especialistas consultados concordam em salientar, e que não ocorre tão facilmente nas mulheres e muito menos nos transexuais: vivem o trabalho sexual como algo temporário.
É o que faz Ander. Este colombiano de 26 anos chegou à Espanha para estudar há cinco. Há dois começou a se prostituir. Hoje alterna essa função com "um trabalho normal em uma empresa de marketing". Seus chefes não sabem que tem outra ocupação esporádica, mas ele acredita que "não se importariam". Durante o tempo em que se dedicou exclusivamente ao trabalho sexual, "ganhava um bom dinheiro, mais de 2 mil euros por mês". Conta isso como "algo normal". Tanto que se ainda não o deixou totalmente não é pelo dinheiro. Ou não só. "Continuo com alguns clientes com os quais estou há muito tempo. No fundo sou boa gente e não posso largá-los de um dia para o outro. De alguma maneira vai-se criando um vínculo, e estou comprometido com eles", conta.
De fato, Ander admite que alguns de seus clientes chegaram a se apaixonar por ele. "Mas o perigo é que confundam. Acreditam que se há amor podem deixar de pagar." Além disso, de amor ele está servido: tem um parceiro que sabe de sua ocupação e "não se importa".
Segundo o que ele diz, quem parece que não terá problemas com o amor é Mario. Aos 36 anos, teve "três namorados, mas deu tudo errado". Todos foram antes que se dedicasse exclusivamente à prostituição. "Agora sou anticasal." Por isso nem se discute se seu trabalho seria compatível com uma relação afetiva. "Mas meus amigos sabem a que me dedico e não há problema", diz.
Mario sabe que sua ocupação tem data de vencimento. Indica com orgulho os blogs onde publica suas fotos para atrair clientes, onde se vê um homem com um corpo trabalhado na academia. "Eu me cuido. O segredo é fazer esporte, comer bem e descansar", diz. Mas sabe que a aparência física é passageira. "Não tenho planos para o futuro. Nos cinco anos em que trabalho nisto comprei uma casa e estou me formando como massagista para o futuro", diz.
O que está claro para ele é que não quer voltar à situação de trabalhador pouco qualificado, que tinha há cinco anos quando deixou uma cidade do interior e o trabalho em uma empresa de artes gráficas, para morar em Madri. "Estive em três empresas e foi tudo igual. Uma transadinha aqui, umas histórias ruins ali. E ainda por cima mal pago. Agora trabalho para mim mesmo. Eu decido quantos clientes faço: u, dois ou três por dia. Sou eu quem impõe o limite", explica.
O assunto dos limites - não só em quantidade como nas práticas - é importante, e outra grande diferença entre homens, mulheres e transexuais que se dedicam à prostituição. Esteso, da Médicos do Mundo, acredita que para os rapazes é mais fácil. Os dados de Zaro também apontam que, assim como a imensa maioria afirma que entrou para a prostituição voluntariamente, decidem mais facilmente o que fazem ou não. "Eu não faço 'bareback' [em inglês, sexo anal sem camisinha]", dizem taxativos Mario e Ander. No estudo da Fundação Triângulo, 97% dos pesquisados afirmaram que "sempre" usam preservativo.
No entanto, segundo dados do Centro Sandoval, um ambulatório de Madri que atende gratuita e anonimamente - o que o transforma em um dos lugares preferidos de imigrantes ou pessoas em situações de exclusão -, a situação é muito diferente. Quase 20% dos trabalhadores do sexo deram positivo no teste de HIV em sua primeira visita, contra, por exemplo, 0,8% das mulheres na mesma atividade.
Além de não ser verdade que os rapazes usam preservativo com seus clientes tanto quanto dizem, há outro fator que pode influir: o que fazem durante suas relações pessoais, com parceiros ou amigos. E aí parece que grande parte da prevenção cai por terra.
Além disso, talvez Mario e Ander não sejam representativos da maioria dos trabalhadores do sexo. E certamente Juan também não. Há uma parte que trabalha em saunas, clubes e apartamentos, exatamente onde se supõe que haja mais facilidade para a exploração. E, como diz Esteso, logicamente não há acesso a essas casas. "Entramos onde nos permitem, que são muitos lugares, mas não todos", indica.
Além disso, a ONG detectou - porque viu isso com as mulheres, que são as maiores usuárias de seus programas - que há um abandono paulatino da rua para se refugiar em apartamentos, próprios ou administrados por outros. O motivo é "a perseguição de muitos municípios, com multas pelo exercício na via pública". E isso pode aumentar o risco de exploração.
"Na rua ninguém o impede de recusar um cliente", diz Ander. "Em uma casa..." Mas logo explica que diz isso como uma possibilidade, porque ele, que já fez "temporadas " em apartamentos, nunca viu ninguém ser forçado. "Na verdade, para ocupar um lugar normalmente é preciso pedir com antecedência", diz. A temporada nesses lugares costuma durar algumas semanas, não muitas, para evitar o que o estudo da Fundação Triângulo qualifica como efeito de "cara queimada": quando os clientes já conhecem o trabalhador, perdem o interesse por ele para se concentrar nos novos.
Nesses apartamentos, segundo relata Ander, há dois sistemas de pagamento: por dia, como aluguel pelo quarto, ou com 50% do faturamento, "o que poderia se considerar proxenetismo, embora se deva levar em conta que estar em um apartamento garante clientes e que o dono cobre os gastos de publicidade e manutenção". O que ele acha mais duvidoso é que sejam os donos da casa quem facilita droga para os hóspedes. "Para eles não interessa ter grande quantidade em casa, porque ao crime de proxenetismo se somaria o de tráfico", diz.
Isso não quer dizer que nas casas - e nesse trabalho em geral - não se consumam narcóticos. "É claro que um 'baseado' para passar o tempo, e 'poppers' [um vasodilatador que atua sobre as mucosas] para as relações sexuais." E cocaína? "Também, mas em uma casa com cinco ou seis rapazes é perigoso, pode ser mais difícil manter a ordem", comenta Ander.
Até Mario, que se cuida tanto, admite que toma poppers. Esteso, por semelhança com o que acontece nos apartamentos de mulheres, indica que a cocaína é de uso "muito frequente". "Assim são mais manipuláveis e ficam até mais contentes", diz. "E, é claro, entre os rapazes poppers e Viagra", diz.
Mas é verdade que não há exploração no mundo da prostituição masculina? Ninguém se atreve a negá-lo de maneira definitiva. "Se existe, esses rapazes não vêm ao nosso serviço", diz Blázquez, da Cogam. Zaro é o mais taxativo. "Em oito anos só vi um caso: um rapaz latino-americano que veio seguindo seu parceiro e este o obrigou a ter relações com outros homens. Eu mesmo o acompanhei à delegacia", diz. "Mas isso não quer dizer que não haja outros."
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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