HERALD TRIBUNE
Thorbjorn Jagland*
O fato de as autoridades chinesas terem condenado a escolha do ativista político preso Liu Xiaobo como vencedor do Prêmio da Paz de 2010 pelo comitê do prêmio Nobel ilustra, inadvertidamente, por que vale a pena defender os direitos humanos.
As autoridades afirmam que ninguém tem o direito de interferir nos assuntos internos da China. Mas elas estão erradas: a lei e as normas internacionais de direitos humanos estão acima do Estado-nação, e a comunidade tem o dever de assegurar que elas sejam respeitadas.
O sistema de Estado moderno evoluiu a partir da ideia da soberania nacional estabelecida pela paz de Westphalia em 1648. Na época, assumia-se que a soberania deveria ser incorporada por um governante autocrático.
Mas as ideias sobre soberania mudaram com o tempo. A Declaração de Independência Norte-Americana e a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão substituíram o autocrata com a soberania do povo como fonte de poder e legitimidade nacionais.
A ideia de soberania mudou novamente durante o século passado, à medida que o mundo deixou o nacionalismo e partiu para o internacionalismo. A Organização das Nações Unidas, fundada logo após duas desastrosas guerras mundiais, fez com que os estados membros se comprometessem a resolver as disputas de forma pacífica e definiu os direitos fundamentais de todos os povos na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O Estado-nação, diz a declaração, não teria mais um poder final e ilimitado.
Hoje, os direitos humanos universais oferecem uma forma de checar as maiorias arbitrárias em todo o mundo, quer sejam democráticas ou não. Uma maioria no parlamento não pode decidir prejudicar os direitos de uma minoria, nem votar a favor de leis que enfraquecem os direitos humanos. E embora a China não seja uma democracia constitucional, ela é membro da ONU, e fez uma emenda em sua Constituição para cumprir com a Declaração dos Direitos Humanos.
Entretanto, a prisão de Liu é uma prova clara de que a lei criminal chinesa não está alinhada com sua constituição. Ele foi condenado por “espalhar rumores, caluniar ou usar quaisquer outros meios para subverter o poder do Estado e derrubar o sistema socialista”. Mas numa comunidade mundial baseada nos direitos humanos universais, não é tarefa do governo suprimir opiniões e rumores. Os governos são obrigados a garantir o direito à liberdade de expressão – mesmo que quem se expressa defenda um diferente sistema social.
Esses são direitos que o comitê do Nobel defende há tempos, agraciando as pessoas que lutam para protegê-los com o Prêmio da Paz, incluindo Andrei Sakharov por sua luta contra os abusos aos direitos humanos na União Soviética e Martin Luther King Jr. por sua luta pelos direitos civis nos Estados Unidos.
Não é de surpreender que o governo chinês tenha criticado duramente o prêmio, alegando que o comitê do Nobel interferiu de forma ilegal com seus assuntos internos e causou humilhação. Pelo contrário, a China deveria se orgulhar de que se tornou poderosa o suficiente para se tornar tema de debate e críticas.
Entretanto, o governo chinês não é o único a criticar o prêmio. Alguns acreditam que dar o prêmio a Liu pode piorar as condições para a oposição na China.
Mas isso é ilógico: esse argumento leva à conclusão de que a melhor forma de promover os direitos humanos é ficar quieto. Se continuarmos quietos em relação à China, qual será o próximo país a reivindicar seu direito pelo silêncio e não-interferência? Isso seria um passo para o precipício do enfraquecimento da Declaração Universal e dos princípios básicos dos direitos humanos. Nós não devemos e não podemos ficar calados. Nenhum país tem direito de ignorar suas obrigações internacionais.
A China tem todos os motivos para se orgulhar do que conquistou nos últimos 20 anos. Queremos que esse progresso continue, e é por isso que demos o Prêmio da Paz para Liu.
Se a China quiser avançar em harmonia com os outros países e se tornar uma parceira-chave para sustentar os valores fundamentais da comunidade mundial, ela precisa primeiro garantir a liberdade de expressão para todos os seus cidadãos.
É uma tragédia que um homem esteja preso há 11 anos simplesmente porque expressou sua opinião. Se quisermos caminhar em direção à fraternidade entre as nações sobre a qual falou Alfred Nobel, os direitos humanos universais precisam ser nosso critério fundamental.
*Thorbjonr Jagland é presidente do Comitê Norueguês do Nobel
Tradução: Eloise De Vylder
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