terça-feira, junho 21, 2011

ESSAS PALAVRAS...

Para enriquecer este opúsculo, lembrei agora de um trecho do famoso e belo poema de Cecília Meireles, o “Romance LIII ou das palavras aéreas”, do inenarrável “Romanceiro da Inconfidência”. É assim: “Ai, palavras, ai, palavras/ que estranha potência a vossa!/ todo o sentido da vida principia à vossa porta;/ o mel do amor cristaliza/ seu perfume em vossa rosa;/ sois o sonho e sois a audácia,/ calúnia, fúria, derrota...”. A vontade é copiar o poema todo, mas procuro me afastar desse cálice.
Porque o grande lance, aqui e agora, é comentar um pouco a respeito das impressões que algumas palavras causam em seus falantes e dizentes. Querem um bom exemplo? “Indefectível”. Está mais para um problema da Vigilância Sanitária do que uma palavra (ou vocábulo, vá lá...) propriamente dita.
Vejam o caso da “calúnia” do trecho citado no parágrafo inicial. Parece querer encostar o dedo indicador no seu nariz. “Isso é uma calúnia, seu sem-vergonha!”. É praticamente uma declaração de guerra.
E quanto às palavras que hoje encontram-se encarceradas nos dicionários e não encontram uso nos tempos atuais, emeessiênicos, feicebuquianos e orqutantes? “Tertúlia” deve ter comemorado 200 anos antes do último eclipse. Uma reunião de parentes e amigos hoje em dia pode ser definida como “cachaçada”. Ou então “qualquer motivo que mais de dois encontram para devorar um pato”.
“Garatuja” tem oito patas, três antenas, se reproduz assexuadamente e tenta roer as páginas dos livros quando pensa que ninguém está olhando. “Boquirrasgado”, então, é praticamente um atentado ao pudor. Já quanto a “larápio” todo cuidado é pouco. Esta palavra está sempre pronta a tomar seu relógio na Rua Grande ou então a puxar sua carteira enquanto você está tirando fotos de vilas juninas.
Agora, fico pensando nas palavras com sentido psicológico-psiquiátrico diferente daquele que conhecemos. Vejam o caso de “carrasco”. Para mim, soa mais como se eu estivesse tentando tirar uma espinha presa à minha garganta. Como se vê, longe da imagem negativa atribuída a certos patrões que a gente tem na vida.
“Gostosa” sai da boca toda cheia de saliência, repleta de terceiras intenções. Agora veja como essa “potência” das palavras é estranha e um tanto quanto meio doida: a própria “saliente” já não me leva a pensar em safadezas. Muito pelo contrário. Só me lembra de como os mais atrevidos eram devidamente castigados, quando éramos crianças pequenas lá no Bairro de Fátima. Vai entender.
“Mefítico” é para quem tem problemas com gases. Com “vergastar” a preocupação com chicotadas e pancadas semelhantes tem de ser redobrada. Mas para quem gosta de um pouco de sadomasoquismo é mão na roda.
Portanto, meus caros amigos, cuidado com as palavras. Elas podem ter dupla ou mesmo tripla (duvido, Ironara!) face. Não esqueçam os versos da bonita composição de Vanessa da Mata: “As palavras fogem/ Se você deixar/ O impacto é grande demais/ Cidades inteiras nascem a partir daí/ Violentam, enlouquecem ou me fazem dormir/ Adoecem, curam ou me dão limites/ Vá com carinho no que vai dizer”.
Ou, nas palavras do digníssimo escritor Sergio Fonseca: “Andei perdendo palavras por aí. Talvez por falar em excesso elas me faltem agora. As que saíram aos gritos duvido que voltem. Escaparam e deixaram vítimas durante a fuga. Uma pena. Mas em esforço de guerra dizem que perdas são justificáveis”.

Nenhum comentário: