segunda-feira, abril 09, 2012

Brasil: um lugar de preços esquisitos, mas com grande potencial econômico

Roger Cohen
No Rio de Janeiro
DO HERALD TRIBUNE

Eu vim para o Brasil na década de oitenta, em uma época de dinheiro esquisito. A inflação atingiu um pico de 6.821% em abril de 1990. Atualmente o Brasil é um lugar de preços esquisitos. Uma garrafa de vinho tinto chileno comum pode custar US$ 100 e um par de tênis de marca US$ 350. Comparativamente, Paris e Nova York parecem ser lugares muito baratos.
O dinheiro esquisito recebeu vários nomes – cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro real – em busca de uma credibilidade elusiva. Mas o Brasil tinha um único nome: instabilidade. A seguir veio a criação do real em 1994, sólidas instituições democráticas, reforma monetária, privatizações, aumento da produção de commodities, comércio com a China, grandes descobertas de petróleo – e a pizza margarita a US$ 45.
Essa pizza da era do boom econômico brasileiro me deixa irritado. É necessária certa arrogância para amassar e assar massa de pão arredondada por tal preço – exatamente aquela arrogância que acabou no Ocidente. Nós estamos vivendo a grande inversão global. As etiquetas de preço gritam: Você virou história, baby!
Eu sem dúvida consigo ver as coisas dessa forma. Antigamente os diretores do Citibank consideravam o Brasil um país fracassado. O que vemos agora é uma história de virada. O capitalismo brasileiro tem se saído melhor do que o capitalismo norte-americano recente e muito melhor do que os bancos dos Estados Unidos. A desigualdade, que ainda é acentuada, sofreu uma redução aqui no Brasil nos últimos anos. Dentre todas as commodities brasileiras de rápido crescimento, a confiança é a mais presente.
Mas desconstruamos essa Gucci de pizzas. Afinal de contas, ela vende. Por detrás da massa fabulosamente cara, do tomate e da mozarela está à espreita uma moeda brasileira supervalorizada. E por detrás disso há taxas de juros suficientemente elevadas e uma nação suficientemente estável para atrair corporações globais e fazer com que os super-ricos do mundo invistam o seu dinheiro aqui. Por detrás dessa opção de investimento estão as crises norte-americana e europeia que desvalorizaram as principais moedas, em parte por meio de injeções monetárias do Banco Central conhecidas como flexibilizações quantitativas.
Em suma, essa é uma pizza prenunciadora. Existe mais confiança no Brasil do que na Europa do euro comprometido ou do que nos Estados Unidos da indústria financeira comprometida. O arrogante Brasil, com o seu petróleo das plataformas marítimas e a sua Olimpíada que está por vir, proporciona uma imagem especular de um Ocidente frágil. Você está em busca da promessa da América? Venha para cá.
A agenda global em 2012 não tem nenhum foco que seja mais importante do que encontrar um equilíbrio entre os extremos do otimismo do terceiro mundo e a morosidade do mundo desenvolvido. As guerras iniciada após 11 de setembro de 2011 acabaram ou estão acabando. Elas não foram inteiramente perdidas, mas também não foram vencidas.
O recente surto assassino do sargento Robert Bales – um militar dos Estados Unidos estacionado no Afeganistão na sua quarta missão nessas guerras, acossado por problemas financeiros e correndo o risco de perder a sua casa – resumiu as frustrações com esses conflitos. Bales perdeu a cabeça. Muitos perderam tudo. Após as guerras e os trilhões de dólares por elas consumidos veio a tarefa árdua de lidar com a dívida e os déficits, o índice elevado de desemprego, o crescimento anêmico e a autoestima abalada.
Sair dessa situação é algo que só poderá ser feito por meio de um esforço conjunto. Economias em desenvolvimento como a China e o Brasil terão que experimentar uma queda de superávit para que os déficits debilitantes do Ocidente sejam corrigidos.
O real supervalorizado, que pune as empresas que tentam exportar, não é melhor para o Brasil no longo prazo do que um euro que passa por operações de resgate seguidas é para a Europa. O Brasil, a China e todas as economias emergentes não são beneficiados por um Estados Unidos e uma Europa imersos em dúvidas e flagelados pelo desemprego da sua juventude. O mundo está buscando uma rota sustentável para sair da crise econômica de 2008. Subterfúgios, que tiveram um custo moral, impediram o pior. Mas eles não criaram novas bases econômicas convincentes.
Quando Greg Smith, um executivo do Goldman Sachs que estava deixando a instituição, disse recentemente em uma coluna publicada no "New York Times", "Fico nauseado ao ver a maneira como as pessoas na firma falam impiedosamente em arrancar o dinheiro dos clientes", o nojo que ele sente pela sua companhia refletiu um mal-estar generalizado em relação à forma como as grandes instituições financeiras norte-americanas, que foram salvas com o dinheiro do contribuinte, saíram da crise de 2008 sem terem feito nenhuma autocrítica séria.
A cultura que produziu aquele desastre não foi desmantelada; em alguns casos ela não foi sequer questionada. Enquanto isso, indivíduos como o sargento Bales seguiam para a guerra e milhões de norte-americanos eram despejados das suas residências. Um resultado disso foi o movimento "Occupy Wall Street". Outro foi a sensação de que um capitalismo distorcido, caracterizado por uma redução da mobilidade social, não está funcionando.
Nos próximos meses, em reuniões em Camp David (G-8), na Cidade do México (G-20) e aqui no Rio de Janeiro (Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável), os líderes mundiais buscarão novamente algo que possa ser feito. Não há soluções rápidas. Mas o foco precisa concentrar-se no estímulo ao crescimento: conforme indica a agonia da Grécia e da Espanha, gerenciar problemas financeiros sem crescimento é algo que não funcionará.
Mas o crescimento apenas não é suficiente. O mundo está aprendendo que o crescimento precisa ser mais igualitário e sustentável. E para que se consiga isso será necessário que haja reforma fiscal, regulamentação financeira global e melhor uso dos recursos. Um código tributário norte-americano que permite que indivíduos muito ricos como Mitt Romney paguem 13,9% de impostos sobre uma renda que foi de US$ 21,6 milhões em 2010 alimentou a frustração da classe média, que paga muito mais.
Justiça e igualdade de oportunidades são valores norte-americanos essenciais; mas eles foram solapados. O resultado disso é um estado de espírito nacional que fará com que a luta de Barack Obama pela reeleição em novembro seja árdua, apesar de toda a palhaçada que temos presenciado nas primárias republicanas.
Obama precisa modificar a forma como os norte-americanos encaram o futuro. Obama é o Mister Competência, mas ele precisa transformar-se no Mister Confiança. Isso exige crescimento. O Brasil, o único pais de tamanho e diversidade similares na América, poderia ser um parceiro importante nesse processo caso certas rivalidades petulantes e antigas fossem deixadas de lado.
Talvez não se tenha prestado atenção suficiente à América Latina e à sua transformação nos últimos 25 anos. Nós estamos presenciando, afinal de contas, o início de outra mudança regional histórica conhecida como Primavera Árabe. Existem alguns paralelos interessantes. Vale a pena chamar atenção para eles porque a vitória no Egito – a criação no decorrer da próxima geração de uma sociedade como a do Brasil, mais aberta e responsável e que desfrute de um forte crescimento econômico – é atualmente mais importante para o Ocidente do que o resultado preciso da campanha militar no Afeganistão. A democracia árabe pode acabar com o extremismo exatamente da mesma forma que a democracia latino-americana o fez.
A junta militar argentina cedeu o poder em 1983. O governo militar brasileiro caiu em 1985. O regime militar chileno perdeu um referendo em 1988 que resultou no seu fim. Todos esses regimes brutais foram apoiados pelos Estados Unidos. Eles seriam supostamente bastiões de resistência ao comunismo revolucionário – da mesma forma que os ditadores da Tunísia ao Egito foram apoiados pelo Ocidente como sendo a única suposta defesa contra o islamismo radical.
Dilma Rousseff, a presidente do Brasil, foi uma dessas esquerdistas. Ela foi torturada pelas forças armadas e ficou presa de 1970 a 1973. Agora, após estar há pouco mais de um ano na presidência, ela governa o Brasil com um pragmatismo que tem combinado políticas que tranquilizam as lideranças empresariais com programas que fizeram com que milhões de brasileiros ingressassem na classe média. Eu gosto de pensar que Rousseff, uma ex-guerrilheira, seja um exemplo daquilo que um ex-radical da Irmandade Muçulmana poderá ser daqui a 20 anos.
O islamismo político está sendo redefinido para levar em consideração a modernidade e as exigências dos muçulmanos por responsabilidade governamental. Movimentos como a Irmandade Muçulmana no Egito ou o Ennahda na Tunísia, adaptando-se às responsabilidades do poder, estão no centro dessa mudança. A mudança poderá ser irregular, às vezes até violenta, mas ela conduzirá à direção de uma maior abertura.
Formas de governo, sejam elas seculares ou religiosas, que reduzem nações a feudos particulares, como é o caso da Síria de Bashar al-Assad, estão condenadas. Assad poderá se manter no poder por algum tempo, mas não há saída para ele, da mesma forma que não houve saída para as forças armadas da América Latina depois que a cultura democrática se enraizou na região. Acabar com essa tirania após o assassinato de mais de 7.000 sírios deveria ser uma tarefa prioritária na agenda global.
E igualmente prioritário é evitar uma guerra com o Irã. Eu não acredito que Israel atacará o Irã, contanto que Obama continue demonstrando a sua firme oposição a isso. A análise de custos e benefícios não tem como justificar tal atitude; os israelenses não são loucos.
A esta altura o Ocidente conhece os custos das guerras – não apenas em termos de vidas e riquezas, mas também no que diz respeito à deturpação do debate nacional de forma a descartar decisões essenciais nas áreas de educação, energia e infraestrutura. De acordo com as melhores estimativas da inteligência ocidental o Irã ainda não dirigiu o seu programa nuclear, que já dura décadas, para a fabricação da bomba atômica, de forma que há tempo. As negociações estão sendo reiniciadas entre as grandes potências e o Irã. A menos que sejam criativas, essas negociações fracassarão.
O Irã deseja o reconhecimento do seu direito a enriquecer urânio. Esse desejo só pode ser concedido caso o processo seja verificável e produza urânio enriquecido a um teor de 5%, que é necessário para a geração de eletricidade, sem superar esse nível. Portanto, voltando ao Brasil: é preciso ressuscitar algo como a ideia apresentada pelo Brasil e pela Turquia (mas originalmente concebida pelos Estados Unidos) de fornecer urânio enriquecido a 20%, do qual o reator de isótopos medicinais de Teerã necessita, em troca do compromisso do Irã de enviar parte do seu urânio enriquecido para fora do país. Ao mesmo tempo, é necessário ampliar qualquer diálogo com o Irã. Caso seja mantida em isolamento, a questão nuclear iraniana será insolúvel. E ela também será insolúvel sem as potências emergentes, como o Brasil e a Turquia, que são capazes de atenuar a desconfiança psicótica existente entre o Irã e os Estados Unidos.
E aquilo que se aplica à economia também se aplica ao Irã: um mundo interconectado precisa trabalhar em conjunto de maneiras ainda não imaginadas para encontrar soluções efetivas. Em 27 de julho, os Jogos Olímpicos terão início em Londres. A capital britânica está nos últimos estágios dos preparativos para essa festa global. Talvez o fato socialmente mais significativo até o momento tenha ocorrido em uma ampla avenida que vai do Hyde Park até o Museu Victoria and Albert.
A um custo de quase US$ 40 milhões, a Exhibition Road foi transformada na principal mostra do embelezamento de Londres. Um desenho entrecruzado em granito preto e branco vai de um lado a outro da avenida, ao lado de uma fileira de postes altos e delgados de iluminação que parecem-se mais com elevados refletores do que com postes de luz tradicional. O efeito é onírico, especialmente quando percebe-se que não há calçadas.
Carros, bicicletas e pedestres passam por uma única superfície sem barreiras. Somente canais de drenagem cobertos por ferro fundido negro e uma faixa de pavimento áspero (para a orientação dos deficientes visuais) separam a área de pedestres daquela destinada aos veículos. Essa é uma nova forma de cenário conhecido no setor de design urbano como "espaço compartilhado".
A ideia de "espaço compartilhado", criada Hans Monderman, um engenheiro de trânsito holandês, revoluciona o pensamento tradicional sobre a segurança de tráfego. Durante grande parte do século 20, achou-se que o fluxo eficiente do trânsito dependia de uma separação total entre carros e pedestres, complementada por sinais de trânsito, placas, barreiras e pinturas no pavimento para manter as pessoas em segurança.
Monderman, que morreu em 2008, teve outras ideias. Ele desejava aumentar a consciência e a responsabilidade coletivas acabando com todos os sinais e separações no trânsito, e acreditava que a segurança poderia ser de fato aumentada ao se fazer com que as pessoas que trafegassem pelas ruas tivessem uma consciência intensa da presença dos outros indivíduos. Às vezes ele testava as suas ideias – implementadas em várias cidades holandesas, bem como em algumas cidades alemãs e escandinavas – andando de costas em direção ao tráfego em uma área de espaço compartilhado. A conclusão foi que as teorias dele funcionavam.
O espaço compartilhado não é uma má metáfora para o mundo atual, um lugar no qual as velhas placas de trânsito têm pouca utilidade, onde a separação não passa de ilusão, e a navegação bem sucedida depende da intensa consciência de cada ator, desde Ipanema até Teerã e South Kensington.
Eu estou tirando uma folga deste espaço durante alguns meses para concluir um livro, uma memória de família que tem início na Lituânia, vai à África do Sul e ao Reino Unido, e termina nos Estados Unidos e em Israel. Eu mal posso esperar para reiniciar a conversa no próximo verão do hemisfério norte.
Tradutor: UOL

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