Revolta árabe também foi motivada por insatisfações ambientais e não apenas por estresses políticos
Coluna do Thomas L. Friedman
10/04/2012 - 00h01
Thomas L. Friedman
Não é interessante o fato de a revolta árabe ter começado na Tunísia com um vendedor de frutas que foi assediado pela polícia por não contar com uma licença para vender alimentos – no exato momento em que os preços globais dos alimentos atingiam níveis recordes? E de ela ter começado na Síria com agricultores na aldeia de Daraa, no sul do país, que exigiam o direito de comprar e vender terras perto da fronteira, sem terem que obter permissão para isso de funcionários corruptos do aparato de segurança? E que ela foi precipitada no Iêmen – o primeiro país do mundo que deverá ficar sem água – por uma lista de reclamações contra um governo incompetente, das quais a maior referia-se ao fato de que autoridades graduadas estavam perfurando poços nos seus próprios quintais em um momento no qual o governo deveria estar impedindo operações de roubo de água daquele tipo?
Conforme Abdelsalam Razzaz, o ministro da Água do novo governo do Iêmen disse na semana passada à Agência de Notícias Reuters: "As próprias autoridades governamentais sempre foram tradicionalmente os maiores perfuradores de poços. Quase todos os ministros possuíam um poço perfurado no quintal da própria casa".
Todas essas tensões relativa à terra, à água e aos alimentos nos dizem a mesma coisa: a revolta árabe não foi motivada apenas por estresses de ordem política e econômica, mas também, de maneira menos visível, por insatisfações quanto às questões ambientais, populacionais e climáticas. Se nós nos concentrarmos apenas nas primeiras, e não nestas últimas, jamais seremos capazes de contribuir para a estabilização dessas sociedades.
Vejamos o caso da Síria. "A atual agitação social na Síria é, de forma mais direta, uma reação a um regime brutal e desvinculado da realidade", afirmam Francesco Femia e Caitlin Werrel, em um relatório para o Centro para o Clima e a Segurança, em Washington. "No entanto, a totalidade da história não consiste nisso. Durante os últimos anos, ocorreram vários mudanças sociais, econômicas, ambientais e climáticas significativas na Síria, que minaram o contrato social existente entre os cidadãos e o governo... Para que a comunidade internacional e os futuros governantes da Síria possam identificar e solucionar os focos de convulsão social no país, essas mudanças terão que ser mais bem analisadas".
Os pesquisadores observam que, de 2006 a 2011, até 60% do território sírio foi afligido por uma das piores secas e uma das mais graves quebras de safra da história do país. "Segundo um estudo especial feito no ano passado pelo Relatório de Avaliação Global sobre Redução de Risco de Desastres, referente aos cidadãos sírios mais vulneráveis que dependem da agricultura, particularmente na região de Hassakeh, no norte do país (mas também no sul), quase 75% deles tiveram uma perda total das lavouras. Pastores no nordeste do país perderam cerca de 85% dos seus rebanhos, o que afetou 1,3 milhão de pessoas".
A Organização das Nações Unidas anunciou que mais de 800 mil sírios perderam a sua fonte de sobrevivência devido a essas secas, e que muitos deles foram obrigados a mudarem-se para as cidades para encontrar trabalho – o que fez com que se agravasse uma situação já difícil, provocada por um governo incompetente.
"Se as atuais projeções se mantiverem, a situação da seca no norte da África e no Oriente Médio vai piorar cada vez mais, e nós acabaremos presenciando ciclos sucessivos de instabilidade que poderão se constituir em um motivo para futuras respostas autoritárias", adverte Femia. "Existem algumas maneiras pelas quais os Estados Unidos poderão se colocar do lado certo da história no mundo árabe. Uma delas é por meio do apoio entusiástico e robusto aos movimentos democráticos". As outras são os investimentos em infraestrutura para adaptação climática e em melhoria do gerenciamento das reserva de água – a fim de fazer com que esses países sejam mais resistentes em uma era de mudanças climáticas nocivas.
Uma análise feita pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA), publicada em outubro do ano passado no periódico "Journal of Climate", e mencionada no blog de Joe Romm, www.climateprogress.org, revelou que as secas de inverno no Oriente Médio – o período no qual a região tradicionalmente conta com o seu maior índice pluviométrico para reabastecer os seus aquíferos – estão aumentando, e que isso se deve em parte à mudança climática provocada pelo ser humano.
"A magnitude e a frequência das secas que têm ocorrido são muito grandes para que isso possa ser explicado apenas pela variabilidade natural", observa Martin Hoerling, do Laboratório de Pesquisa do Sistema Terrestre da NOAA, o principal autor do artigo. "Essa não é uma notícia encorajante para uma região que já enfrenta carência de água, já que isso significa que é improvável que apenas a variabilidade natural faça com que o clima da região retorne ao normal".
E isso fica mais evidente quando são levados em conta outros problemas. Nafeez Mosaddeq Ahmed, diretor executivo do Instituto para Pesquisa e Desenvolvimento Político, em Londres, em um artigo publicado em fevereiro último no jornal "The Beirut Daily Star", observou que 13 dos países que mais sofrem com escassez de água – Argélia, Líbia, Tunísia, Jordânia, Catar, Arábia Saudita, Iêmen, Omã, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Barein, Israel e Palestina – ficam no Oriente Médio, e após três décadas de crescimento populacional explosivo esses países "deverão ver a situação piorar drasticamente. Embora as taxas de natalidade estejam caindo, um terço da população geral tem menos de 15 anos de idade, e um grande número de mulheres jovens está atingindo a idade reprodutiva, ou atingirá essa idade em breve". Ele acrescentou que, segundo um estudo feito pelo Ministério da Defesa do Reino Unido, "até 2030 a população do Oriente Médio terá um aumento de 132% - o que representará um 'inchaço sem precedentes' da população jovem".
E haverá mais bocas do que nunca a se alimentar com menos disponibilidade de água. Conforme observa Lester Bown, presidente do Instituto para Políticas da Terra e autor do livro "World on the Edge" ("O Mundo no Limite"), há 20 anos, utilizando tecnologia para perfuração de poços petrolíferos, os sauditas exploraram um aquífero de grande profundidade no deserto para produzir trigo irrigado, tornando-se autossuficientes neste produto. Mas agora quase toda a água acabou, e a produção de trigo saudita também. Portanto, os sauditas estão investindo em terras agrícolas na Etiópia e no Sudão, mas isso significa que eles retirarão do Rio Nilo mais água para irrigação que é consumida pelo Egito, cuja região agrícola do Delta já é vulnerável a qualquer elevação do nível do mar e à infiltração de água salgada.
"As verdadeiras e principais ameaças atuais à nossa segurança são a mudança climática, o crescimento populacional, a escassez de água, o aumento dos preços dos alimentos e o número de Estados fracassados existentes no mundo. À medida que esta lista for crescendo, quantos Estados fracassados serão necessários para que haja um fracasso da civilização global, e tudo comece a desmoronar?".
Tomara que não cheguemos a tal situação. Mas todos nós devemos nos lembrar da frase atribuída a Leon Trotsky: "Você pode não estar interessado na guerra, mas a guerra está interessada em você”. Bem, você pode não estar interessado na mudança climática, mas a mudança climática está interessada em você.
Pessoal, isso não é nenhuma farsa. Nós e os árabes precisamos descobrir – e rápido – mais maneiras de unirmos forças para reduzir as ameaças ambientais nos setores nos quais pudermos fazer isso e de criar uma maior resistência naqueles em que isso não for possível. Daqui há 20 anos, é possível que este seja o único assunto sobre o qual nós estejamos falando.
Tradutor: UOL
Thomas L. Friedman
Colunista de assuntos internacionais do New York Times desde 1995, Friedman já ganhou três vezes o prêmio Pulitzer de jornalismo.
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