Trabalho
com jornalistas há quase 10 anos. Na redação de O Estado, pais e mães de família se dedicam a passar ao leitor da
manhã seguinte a sua versão da verdade, sem destoar da linha editorial do
veículo ao qual pertencem.
Hoje, esses pais e mães de família
estão tristes, furiosos, perplexos. Porque de repente descobriram-se morando em
uma terra de ninguém. Em uma São Luís muito diferente dos cartões-postais. Uma
cidade quatrocentona, marcada pela poesia, pelas ladeiras e ruas coloniais,
pela azulejaria maravilhosa – e agora pela pistolagem. Pelos crimes
encomendados. E a partir de agora pelo receio que um profissional de imprensa
antes destemido certamente terá de divulgar em seus respectivos blogs alguma
notícia que porventura pisará no calo de algum descontente.
Daqui a pouco, os bons repórteres
não terão alternativa além de bater em retirada. Buscar outras praias, outras
freguesias com origem no século XVII. Mas fugir daqui da Ilha – ou mesmo se
esconder entre as palmeiras onde os sabiás não encontram motivos para o canto –
é dar o braço a torcer. É reconhecer a vitória daqueles que desejam controlar o
mundo pela violência, pelo terror. O certo seria enfrentar os tiranos
valendo-se da estranha potência das palavras. O correto seria colocar a audácia
no topo da lista de prioridades e bater de frente com os monstros, com os
crápulas da vida real denunciando sua brutalidades, seus crimes indizíveis e
inenarráveis. O problema é: há que se pensar em quem vai cuidar das crianças se
por acaso a audácia for castigada com uma execução perpetrada por pistoleiros
pagos pela versão atual do coronelismo.
Leio no blog do Marco Aurélio D’Eça:
o Brasil perdeu 41 posições no ranking de liberdade de imprensa 2011-2012. O
país ocupa agora a 99ª colocação. Ano passado, cinco operários da informação
foram brutal e covardemente assassinados – um em Pernambuco, outro no Rio
Grande do Norte, um no Amazonas e dois no Rio de Janeiro.
E no dia 23 de abril deste ano, o
jornalista e blogueiro Décio Sá entrou para essa triste estatística. Morreu
porque precisava calar a boca. Porque seu trabalho de expor as realidades
inconvenientes alheias não podia prosseguir. Porque tinha o costume de, como
seu ótimo trabalho investigativo, expor os podres dos “poderosos” deste estado.
Como Tim Lopes, não recuou. Foi em frente. Com a cara e a coragem, uma postura
nada interessante para quem se acostumou a proteger a ferro e fogo seus
segredos sórdidos e interesses tenebrosos.
Em outro ranking a que tive acesso
ainda há pouco na internet, o Brasil já está em uma posição melhor. É o 11°
país do mundo em que os assassinatos de jornalistas ficam impunes. Nos últimos
10 anos, cinco mortes simplesmente não tiveram solução. Ninguém foi preso ou
julgado. Logo, nenhum mandante foi parar atrás das grades por ter financiado a
morte de alguém que apenas trabalhava para manter a sociedade informada a
respeito dos mandos e desmandos que, mesmo na aurora do segundo milênio, não
param de acontecer.
Ouço também afirmações segundo as quais
Décio “tentou mudar a história do Maranhão batendo de frente com os coronéis”. Nem
tanto ao mar, nem tanto à terra. O compromisso de Décio Sá era para com sua
esposa, Silvana, sua filha de oito e mais a criança que ambos aguardavam. Pode
soar como complexo de vira-lata, mas entendo que fazer história, para um
jornalista maranhense, não tarefa das mais fáceis. Nem se pode dizer que Décio
estivesse interessado em cumpri-la.
O que ele queria mesmo era fazer a
diferença, nesta terra de ninguém. E isso o “Detonador” conseguiu. Com
distinção e louvor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário