quarta-feira, abril 25, 2012

TERRA DE NINGUÉM


Trabalho com jornalistas há quase 10 anos. Na redação de O Estado, pais e mães de família se dedicam a passar ao leitor da manhã seguinte a sua versão da verdade, sem destoar da linha editorial do veículo ao qual pertencem.
            Hoje, esses pais e mães de família estão tristes, furiosos, perplexos. Porque de repente descobriram-se morando em uma terra de ninguém. Em uma São Luís muito diferente dos cartões-postais. Uma cidade quatrocentona, marcada pela poesia, pelas ladeiras e ruas coloniais, pela azulejaria maravilhosa – e agora pela pistolagem. Pelos crimes encomendados. E a partir de agora pelo receio que um profissional de imprensa antes destemido certamente terá de divulgar em seus respectivos blogs alguma notícia que porventura pisará no calo de algum descontente.
            Daqui a pouco, os bons repórteres não terão alternativa além de bater em retirada. Buscar outras praias, outras freguesias com origem no século XVII. Mas fugir daqui da Ilha – ou mesmo se esconder entre as palmeiras onde os sabiás não encontram motivos para o canto – é dar o braço a torcer. É reconhecer a vitória daqueles que desejam controlar o mundo pela violência, pelo terror. O certo seria enfrentar os tiranos valendo-se da estranha potência das palavras. O correto seria colocar a audácia no topo da lista de prioridades e bater de frente com os monstros, com os crápulas da vida real denunciando sua brutalidades, seus crimes indizíveis e inenarráveis. O problema é: há que se pensar em quem vai cuidar das crianças se por acaso a audácia for castigada com uma execução perpetrada por pistoleiros pagos pela versão atual do coronelismo.
            Leio no blog do Marco Aurélio D’Eça: o Brasil perdeu 41 posições no ranking de liberdade de imprensa 2011-2012. O país ocupa agora a 99ª colocação. Ano passado, cinco operários da informação foram brutal e covardemente assassinados – um em Pernambuco, outro no Rio Grande do Norte, um no Amazonas e dois no Rio de Janeiro.
            E no dia 23 de abril deste ano, o jornalista e blogueiro Décio Sá entrou para essa triste estatística. Morreu porque precisava calar a boca. Porque seu trabalho de expor as realidades inconvenientes alheias não podia prosseguir. Porque tinha o costume de, como seu ótimo trabalho investigativo, expor os podres dos “poderosos” deste estado. Como Tim Lopes, não recuou. Foi em frente. Com a cara e a coragem, uma postura nada interessante para quem se acostumou a proteger a ferro e fogo seus segredos sórdidos e interesses tenebrosos.
            Em outro ranking a que tive acesso ainda há pouco na internet, o Brasil já está em uma posição melhor. É o 11° país do mundo em que os assassinatos de jornalistas ficam impunes. Nos últimos 10 anos, cinco mortes simplesmente não tiveram solução. Ninguém foi preso ou julgado. Logo, nenhum mandante foi parar atrás das grades por ter financiado a morte de alguém que apenas trabalhava para manter a sociedade informada a respeito dos mandos e desmandos que, mesmo na aurora do segundo milênio, não param de acontecer.
            Ouço também afirmações segundo as quais Décio “tentou mudar a história do Maranhão batendo de frente com os coronéis”. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. O compromisso de Décio Sá era para com sua esposa, Silvana, sua filha de oito e mais a criança que ambos aguardavam. Pode soar como complexo de vira-lata, mas entendo que fazer história, para um jornalista maranhense, não tarefa das mais fáceis. Nem se pode dizer que Décio estivesse interessado em cumpri-la.
            O que ele queria mesmo era fazer a diferença, nesta terra de ninguém. E isso o “Detonador” conseguiu. Com distinção e louvor.

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