quarta-feira, agosto 29, 2007

CONFESSO: EU TE AMO

JOAQUIM ITAPARY


Do jornal, pedem-me crônica para um caderno especial a ser publicado no dia 8 de setembro, por motivo do transcurso dos 395 anos da fundação de São Luís. Ora, bem, por que devo esperar tanto tempo para declarar o meu amor a esta cidade, a estes chãos e ladeiras, becos e telhados? Não dá. Sei que nesse suplemento cronistas de maior talento louvarão a esta senhorial e bela
cidade, mais nossa do que do senhor Luís, rei dos franceses. Então, vou logo re-ratificando (como o fazem os oficiais de cartórios, legalmente dotados de fé de ofício) a minha paixão por esta terra. Desde quando ela completou 350 anos, há quarenta e cinco anos, eu venho reiterando esse meu amor.
Uns dizem que São Luís esta velha demais, toda cheia de rugas. Suas ruas e praças, becos e escadarias, telhados e balcões, oitões e cimalhas, beirais e algerozes, cancelas, bandeiras, rótulas, postigos, ferrolhos e aldravas, estariam acabados pelo longo tempo de serventia a tantas gerações de gentes ingratas, descuidadas, mal-agradecidas, desleais e, sobretudo, insensíveis à sorte de uma cidade que é mais que isso, é mais que esse belo conjunto de coisas materiais: é mãe e mestra amantíssima, carinhosa guardiã de valores culturais e espirituais que adquirimos, queiramos ou não, por transmissão genética.
É elementar que uma cidade com 395 anos de vida está bem perto de ser quatrocentona. Que fazer diante dessa inarredável
realidade? Essa pergunta pode bem ser respondida com outras: Quando a nossa mãe vai envelhecendo, ficando com a pele engelhada, cabelos brancos, juntas endurecidas, olhos e ouvidos inservíveis a suas funções originais, memória enevoada, o que fazem os bons filhos? Não cuidam de sua saúde? Não lhe fazem festas? Não enchem a casa com os alegres ruídos dos netos, dos bisnetos? Não partem um bolo onde plantaram tantas velas luminosas quantos sejam os anos a comemorar? Não servem o brinde de honra em sua homenagem? Pois bem, é exatamente isso o que se espera dos bons filhos de São Luís, no próximo dia oito de setembro: Festas, alegrias, foguetes, missa, espetáculos culturais, exposições de arte, música nas praças.
Presumo ter sido durante toda a vida um bom tetraneto desta cidade fantástica. Que já não é mãe apenas, mas uma tetravô especialmente amorosa, dessas que enxugam lágrimas e pensam feridas de adversidades e derrotas, acalentam, ninam e adormentam depois das fadigas. Tão protetora e tão consoladora que jamais alguém será
capaz de desligar-se da barra de sua saia sem algum dia sentir irremediáveis dores de exílio e desterro, sofrer mágoas de solidão e
saudades insuperáveis.
Não há notícia de maranhense que haja emigrado em busca de maiores venturas que não tenha sofrido os tormentos dessa separação. Vejam-se os exemplos de Gonçalves Dias e Ferreira Gullar, de Lago Burnett e
Odylo Costa, de Franklin de Oliveira e Oswaldino Marques, de Josué Montello e Humberto de Campos. Há um visgo em
São Luís que prende, manieta, sujeita a quem nela nasça ou viva e àqueles que dela se acerquem, um cipoal que enleia a nossa alma, uma espécie de cadeia imaterial, sem paredes e sem trancas, sem ferrolhos e cadeados que nos encarcera e mantém cativos para o resto
dos séculos, sem escapatória.
Portanto, cubramos São Luís de carícias filiais, beijemos a sua velha face enrugada, amparemos a sua provecta caminhada de anciã que de nós todos espera amor, amparo, diligência, proteção. Ela não pede mais que carinho, zelo, cuidados. É tão pouco...
Não, não escreverei nenhuma crônica sobre a passagem dos 395 anos de vida de São Luís, para o caderno espacial do próximo dia 8. Como dito acima, outros farão melhor. Contudo, se Deus quiser, escreverei sobre os seus 400 anos de vida, em data que está bem ai. Aliás, não tão próxima a ponto de impedir que seus bons filhos e, especialmente, o Governo do Estado, a Prefeitura, as entidades civis e religiosas, programem (afinal, faltam ainda 5 anos inteirinhos) grandes festas em sua
homenagem. E que nessa homenagem se inclua, principalmente, a deflagração de um lúcido programa de preservação,
continuada e sustentável, desta cidade cujo
uso e gozo compartilhamos com toda a Humanidade, por decreto da ONU. Não para mumificá-la, mas para fazê-la, a cada dia, mais bela e mais fagueira. Uma Catita, como a cantou o poeta Fernando VianA.

Nenhum comentário: